Quarta, 06 Janeiro 2016 14:43

Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT 

Este é o meu primeiro artigo de 2016. Por isso, falarei sobre meus anseios para o ano, enfatizando o resgate da humanidade já quase perdida em nosso país. De nada nos adiantará tanta tecnologia se não formos realmente humanos. Em minha leitura, estamos caminhando céleres demais à desumanização. Diante de sucessivas tragédias, estamos começando a nos acostumar com elas.

Como seria esse dificílimo resgate?

Por meio de um conjunto de elementos indispensáveis, como emprego e salário dignos, respeito nos espaços da saúde, transportes públicos seguros e confortáveis, condições para boa alimentação diária a todas as pessoas, moradias com sólidas estruturas etc., mas acima de todas, a garantia de acesso à educação de qualidade aos brasileiros que quisessem estudar de fato.

Por falar em educação de qualidade, a pauta do momento é a “Base Nacional Comum Curricular” (BNCC), que está sendo preparada por uma equipe de “especialistas” convidados pelo MEC.

A primeira versão do documento está disponível em sites. As críticas à proposta, principalmente por parte de historiadores, já vinham ocorrendo mesmo antes dessa apresentação. Nela, confirmam-se as aberrações, como, p. ex., a desobrigação de estudar as histórias antiga e medieval do Ocidente, com destaque à Grécia e Roma. Inclui-se nessa exclusão de conteúdos o surgimento do cristianismo, elemento norteador do nosso modus vivendi. Simples assim.

De minha parte, acabo de ler o que está sendo proposto para a Área de Linguagens, com destaque ao Ensino Médio (EM). No geral, não há grandes novidades, infelizmente.

O documento – desorganizando sequências de conteúdo – apenas bagunçará ainda mais o caos já instaurado. Ele carimba e tenta organizar os erros com os quais já estamos convivendo há algum tempo. Erros que nos têm levado a vexames internacionais. Se em matemática, nossos estudantes não sabem efetuar operações elementares e, em História, poucos não confundem a Independência com a Proclamação da República, nas tais “Linguagens”, a maioria não sabe ler nem escrever.

Todavia, quando surgem as novidades, elas seguem a mesma lógica da desconstrução proposta para os estudos de História.

Exemplifico o que estou afirmando, tomando o caso específico dos estudos literários. Neles, a literatura de Portugal foi suprimida; ou seja, no EM, os estudantes estarão desobrigados, p. ex., de conhecer Gil Vicente, Camões e Fernando Pessoa. Para compensar essa subtração, a BNCC insere as literaturas de países africanos e de povos indígenas. Nada contra isso. Tudo contra a subtração referida.

Para nossa literatura, propõe-se uma inversão sequencial dos estudos das estéticas literárias: da literatura contemporânea (séculos XXI e XX) ao século XVI. Quanto a isso, não tenho discordância. Ao contrário. Em 2014, relancei pela Editora Ideias (Tangará da Serra) o livro “Gradação de Leituras no Ensino Literário”. Todavia, para a eficácia desse difícil tipo de trabalho se requer um preparo sequencialmente organizadíssimo por parte do estudante de Letras. Se não ocorrer isso, o caos também se insere nesses estudos.

Enfim, afirmo sem receios: essa BNCC será a pá de cal que faltava no longo processo de nossa produzida ignorância coletiva. Essa ignorância só será suplantada quando prepararmos, com rigor acadêmico, nossos futuros professores e tivermos a coragem de voltar, respeitosamente, a cobrar responsabilidade nas absorções de conteúdos por parte de nossos estudantes. Fora disso, tudo é lorota dos ditos “especialistas”.

Quarta, 06 Janeiro 2016 14:42

 

Como se já não bastassem as crises política, econômica, ambiental, social, moral e racial pelas quais temos sido assolados nos últimos anos, terminamos 2015 com uma sombria crise sanitária. 
Todas estão interligadas e não podem ser separadas por ordem de importância. 
De dimensões imprevisíveis, por inédita como se apresenta, vem desafiando os meios científicos em busca de correlacioná-la com o mosquito aedes aegypti, já responsável pelo vírus da dengue e da febre chicungunha. 
Esse mosquito, catalogado como capaz de transmitir mais de cem tipos de vírus, agora nos alarma pela transmissão do vírus Zika, sendo este responsável pelas graves alterações morfológicas nos cérebros de recém-natos, conhecida como microcefalia. 
Só o tempo vai dizer a gravidade desse novo problema sanitário que, segundo as mídias, está tomando proporções alarmantes. 
O fato é que as nossas classes dirigentes nunca se preocuparam muito com o saneamento básico, primordial, nos países desenvolvidos. 
Um país tropical como o nosso mostra o mais profundo desprezo em cuidar dos seus mares poluídos, seus rios assoreados, suas colinas desmatadas, enfim, de nossos sistemas ambientais. 
Isso sem falar no desinteresse criminoso no controle de nossas barragens, todas passíveis de grandes desastres ecológicos com o ocorrido recentemente na barragem de Mariana.
Há algumas décadas fomos eficientes no combate à malária, à sífilis e à tuberculose, conseguindo praticamente erradicá-las em nosso país.
Graças, entretanto, à miséria sanitária que nos ronda, essas doenças, não só têm voltado com força, como também várias outras, como a dengue, a febre chicungunha e agora toda essa interrogação com o vírus Zika. 
Como profissional de saúde durante os últimos cinquenta anos venho batendo nessa tecla do desprezo das nossas classes dirigentes com relação ao saneamento básico, apenas focado durante as campanhas eleitorais. 
Mais uma vez, sem educação não há cobrança da sociedade civil por esse saneamento fundamental para a saúde de nossa população. 
O que fizemos para merecer esse potencial de crises que, diante do desprezo pelo seu acúmulo, vem tornando todo um país refém de desse lamaçal de incompetências? 
Nesse momento crítico de nossa história ou reunimos todas as nossas forças para reverter essa ordem de políticas menores, ou chafurdaremos todos nesse pântano de subdesenvolvimento não sei por quantos outros séculos. 
Onde andará o espírito democrático de “governar para o povo e pelo povo”? 
Por que pagamos tão caro por serviços tão omissos? 
Seria o momento ideal para que nossa classe dirigente passasse a agir em função de um interesse maior, o da nação, e não, em função de interesses mesquinhos, politiqueiros, que apenas conseguem levá-los ao câncer ou ao cárcere. 
Não precisamos de um salvador da pátria, até porque ele não existe, precisamos é de uma compreensão global da gravidade do momento que vivemos. 
Sem utopias, ainda é tempo de mudar os destinos desse belo país através de uma grande união nacional baseada no entendimento e na solidariedade, sem vínculos corporativistas nem vaidades pessoais, mas visando o bem estar desses duzentos e dez milhões de brasileiros desvalidos.

Gabriel Novis Neves
10-12-2015

Quarta, 06 Janeiro 2016 14:40

Benedito Pedro Dorileo 

Amor, somente amor à causa era o devaneio da esperança e da crença para dar forma à Universidade Federal no cerrado de Coxipó da Ponte. A faina exigia imaginação fecunda do caboclo desconfiado de tanto abandono sofrido no Centro-Oeste. A ele pouco importava na época se o poder da República constituía-se em regime de exceção política ou não; idealista das ilusões factíveis, interessava-lhe fabular a realidade no chão do cerrado.

Queria fazer apressadamente antes de possível não peremptório de desistência ou determinação de novo azimute como ocorreu com a estrada de ferro. Fazer já, estender o fazejamento despreocupado com o debate ideológico, sem mala nem cuia, somente a alma resoluta para construir e transmitir a herança.

Do centro formulador arremessavam-se projetos utópicos que não se estiolavam, pois atingiam terras férteis a vicejar formas estruturais físicas e acadêmicas. Gabriel no centro, conosco companheiros fizemos e legamos. Tudo era cotejado: nada escapou das bases estabelecidas no ensino, na pesquisa e na extensão. Nesse entrevero criador, o esporte também foi cogitação inaugural. A obrigatoriedade legal da prática da educação física no ensino fundamental até no superior encontrou guarida com a construção de um dos maiores ginásios cobertos universitários do país. Imaginamos logo uma Divisão de Educação Física, Desportos e Recreação – base formuladora do curso respectivo de graduação. Vínhamos do Instituto de Ciências e Letras de Cuiabá, e João Batista Jaudy, um dos docentes fundadores, assumiu a direção desse órgão suplementar.

Com o professor Batista redigimos o projeto que se consolidou a partir de 1972, nos primeiros dias da UFMT. Foi toque de mágica em suas mãos, criando e liderando, que logo o ginásio de esportes, quadras descobertas incipientes, parque aquático, pistas improvisadas de atletismo estavam logo ocupadas com estuante entusiasmo. Dispara o futebol de campo chegando, em 1979, com o primeiro torneio de confraternização reunindo 8 equipes. Sucederam-se Colônia de Férias para crianças, iniciação físico-recreativas e artísticas, com conteúdo de sociabilidade, educação sanitária e estímulos cívicos.

Chegamos em 1980 otimizando recursos para desenvolver crescentes atividades, ao encerrar handebol, ginástica orgânica, ciclismo, jogos diversos como xadrez e tênis de mesa. Batista com companheiros aliados em seu caminho compuseram grupos de trabalho para alcançar alta conquista na criação de federações de: voleibol, basquetebol, atletismo, natação, futebol de salão, handebol. Caminha mais ao criar a Federação Mato-Grossense de Esportes Universitários, a FMEU, e a Associação Atlética Uirapuru. Avança sinais imaginativos com o Unicuia – jogos de integração da Universidade com a Comunidade e o Muxirum Cuiabano; e determinou a criação do Grêmio Recreativo e Esportivo Mocidade Independente Universitária, com a explosão carnavalesca. Sacode a memória para admirar tamanho poder criativo em uma Universidade sob organização, acionando invejável extensão. Batista foi exemplo de fazejador.

Nominar obra física é obrigação social, desde que equidistante da erva daninha da politicagem, principalmente na universitas. Dar nome representa individualizar valor, diferençar personalidade, sobrelevar homem-luzeiro.

A comunidade universitária, através da Faculdade de Educação Física e sua congregação, professores, técnicos e estudantes, com o seu diretor professor Evando Carlos Moreira, em composição com a Pró-Reitoria de Cultura, Extensão e Vivência, onde está o titular Fabrício de Carvalho, tem a missão de escolher o nome para encimar o Complexo Esportivo e o Centro Oficial de Treinamento – o COT da UFMT. E tendo o Ginásio de Esportes reformado e revitalizado com nova cobertura, iluminação redimensionada, cadeiras e piso sintético na gestão do reitor Paulo Speller. Ressonâncias apontam o nome do professor João Batista Jaudy. Aqui não se propõe, apenas se exalta uma realidade, almejando a conclusão do COT, como deseja a reitora professora Maria Lúcia Neder. São tempos propícios, como neste 2016, a celebração dos 40 anos de criação do curso de Educação Física, em 30 de agosto de 1976, através da Resolução nº CD 44/76, com 20 vagas; e antevendo, ainda, o jubileu dos 300 anos de Cuiabá, em 2019. Não se trata de simples nominação, todavia de ato pedagógico para imprimir o selo da idealidade e da ação exemplar do professor Batista, o nome do esporte. 

Benedito Pedro Dorileo, é Advogado e Ex-Reitor da UFMT.

Terça, 05 Janeiro 2016 08:09

 

O assunto sexo ainda desperta interesse em pesquisadores de todo o planeta Terra. 
Em pleno século XXI, quando a liberdade sexual é total e irrestrita, apesar das correntes de ignorância lideradas por alguns neuróticos, a temática sexual continua sendo um motivo de preocupação para médicos, psicólogos, sociólogos, educadores, cientistas sociais. 
A ausência de atividade sexual, como de qualquer outra que determine a fisiologia humana, é causa de inúmeros distúrbios que costumam permear a vida da humanidade. 
Tal como comer, dormir, urinar e evacuar, a prática sexual é fundamental para o bom funcionamento do organismo como um todo. 
Creio que toda essa problemática esteja relacionada à ausência de uma educação sexual, a uma falta de diálogo com os pais e a uma escassez de informações consistentes e convincentes sobre o assunto. 
A neurose desenvolvida sobre o assunto faz com que problemas socioeconômicos, culturais e religiosos, deteriorem a satisfação na permuta de emoções, produto de um sexo saudável sem traumas nem sentimentos de culpa. 
A educação sexual de qualidade nas escolas é fundamental para que tenhamos uma sociedade mais sadia, bem menos neurótica. 
É impressionante o número de crimes praticados tendo como pano de fundo essa problemática. A violência sexual seguida de morte é assunto diário nos jornais. 
Jocosamente, diz um ditado popular, que no céu os mecânicos são alemães; os cozinheiros franceses; os policiais ingleses; os banqueiros suíços e os amantes italianos. 
Já no inferno, os cozinheiros são ingleses; os policiais alemães; os banqueiros, italianos; os mecânicos franceses e os amantes suíços. 
Nos últimos anos as pesquisas sobre sexo colocam a Suíça sempre em primeiro lugar nesse quesito, tanto na frequência, quanto na satisfação, na iniciativa e na admiração pelo parceiro (a), entre outras indagações. 
Um estudo feito em 24 países com 26 mil pessoas, aponta a Suíça em primeiro lugar, seguida da Espanha, Itália, Brasil, Grécia, Holanda, México, Índia, Austrália, Nigéria, Alemanha e China. 
A ausência dos Estados Unidos, Japão e Grã-Bretanha nessa relação dos 12 países mais satisfeitos sexualmente, demonstram que condições educacionais mais repressivas podem interferir na satisfação sexual de seu povo. 
Se pensarmos culturalmente, como explicar a ausência da França? Mas pesquisas são pesquisas e nem sempre condizem com a realidade. 
Além disso, os franceses são tidos como mal humorados e, com certeza, bom humor é fundamental para um eficaz desempenho de vida, inclusive sexual. 
Aliás, esse mau humor deve ser atávico, uma vez que se trata de um povo privilegiado pela mãe natureza, seja no quesito beleza, cultura, gastronomia, saúde.
As religiões, com seus mitos e dogmas, têm travado por séculos o exercício da liberdade humana, principalmente no que tange à satisfação de seus instintos mais primitivos. 
Estudiosos afirmam que a satisfação suíça tem a ver com uma conjuntura que inclui educação sexual nas escolas, menos estresse, segurança financeira,  tolerância com a pornografia e boa qualidade de vida de um modo geral. Isso faz todo sentido. 
Sexo ainda é um problema a ser resolvido pelos ditos civilizados. 

Gabriel Novis Neves
05-11-2015

Segunda, 04 Janeiro 2016 12:10

 

Os grandes circos itinerantes, que se apresentavam sob uma grande tenda ou lona, com seus palhaços, domadores de animais, shows musicais, malabaristas, equilibristas, acrobatas, mágicos e trapezistas, eram a alegria da garotada quando faziam o desfile pela cidade em que iriam se apresentar!  
Eu e toda a minha geração éramos fascinados por essa trupe descompromissada com a vida, cujo único objetivo era proporcionar diversão e entretenimento aos espectadores. 
Logo se tornavam objetos de desejo, não só da meninada, mas, de todos os adultos cuja criança interna persistia em sobreviver. 
Até hoje guardo lembranças muito ricas desses momentos de puro encantamento. 
O mundo mudou e, com ele, os fabricantes de alegria, desempregados, foram se perdendo em outras atividades. 
A alegria ingênua e pura da arte circense foi substituída pela tecnologia, com seus jogos eletrônicos, com seus filmes com efeitos especiais e, finalmente, com a descoberta do mundo digital e todas as suas tentações - enlouquecedoras até para os de mais tenra idade. 
Os circos agora parecem existir apenas nas casas oficiais do governo, onde outrora eram votados projetos e leis importantes sempre tentando beneficiar os cidadãos do país. 
As dependências palacianas também passaram a contribuir com seus personagens travestidos de cômicos, embora no pior sentido. 
Sessões antes austeras e solenes dos poderes constituídos transformaram-se em palco de desordeiros, com troca de palavras de baixo calão sem a mais remota noção de decoro. 
Como bem disse um de nossos ex-presidentes, lá estão cerca de trezentos picaretas, dos quais, cento e cinquenta sofrendo investigação judicial, num espetáculo de verdadeira luta livre generalizada. 
Os políticos já investigados continuam em pleno exercício de suas funções e investigam os novos indiciados. Isso ocorre sucessivamente, num verdadeiro palco de horrores que consegue até impedir a nossa humilde participação, tamanha a esbórnia que se estabelece. 
A arena fica animada e a plateia, tal como nos antigos circos romanos, é levada à vergonha e ao delírio. 
Algumas vezes alguém da plateia colabora com o espetáculo e atira notas falsas de dólar num dos picaretas protagonista da comédia. 
Fica estabelecida a farra e o povo parece se divertir com essas cenas de mau gosto, exaustivamente mostradas em todas as mídias. 
Aliás, com uma simbologia muito explícita, um de nossos palhaços mais conhecidos teve, numa de nossas eleições recentes, uma das votações mais expressivas do país. 
Simbologia ou não, é assunto para pesquisa. 
Quantos anos mais serão necessários para que espetáculos dessa grandeza não mais ocorram em nossa recém-inaugurada democracia? 
Nossas crianças, diante da televisão, precisam distinguir o que é comicidade do que significa responsabilidade e civismo por parte de pessoas cujos mandatos por nós delegados não estão cumprindo as atividades para as quais foram eleitas. 
Que voltem rápidos os circos de lona, seus palhaços e toda a sua trupe, estes sim, nos faziam muito bem. 

Gabriel Novis Neves
16-11-2015

Segunda, 04 Janeiro 2016 12:09

Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT 

E lá se vai 2015 para o túnel do tempo! Vivemos suas últimas horas. Por isso, se eu tivesse a tarefa de resumir 2015 para nós, brasileiros, em um único vocábulo, com certeza eu diria que “lama” foi a palavra do ano. E que palavra!

Por questões óbvias, excluindo a referência a Lama, grafada com letras maiúsculas por se tratar do chefe supremo da religião budista, resta-nos outras indicações que “lama” – escrita agora com letras minúsculas – pode nos oferecer. E ela nos oferece pelo menos dois caminhos semânticos: um denotativo; outro conotativo.

Pelo primeiro, tradicionalmente, identificamos “lama” como aquela “mistura viscosa, pegajosa, de argila, matéria orgânica e água; terra molhada e pastosa; barro, lodo, vasa”; rejeito de vários minérios, em geral reservado em imensos depósitos construídos para essa finalidade exclusiva.

Pelo segundo viés, entramos no universo das figurações. Neste espaço, “lama” abarca tudo o que seja de “caráter daquilo que degrada e envergonha”. Esse tipo de lama está para as ações vis, para os porões do agir humano.

Pois bem. Hoje, falar de lama no sentido denotativo, sem nos esquecer de tudo o que já ocorreu em termos de destruição de povos (principalmente de indígenas) e lugares desde nosso “achamento” em 1500, é falar da tragédia de distritos de Mariana, cravados nas alterosas de Minas Gerais desde o séc. XVIII.

Mas falar dessa tragédia será sempre insuficiente para descrever o que ali ocorreu, ocorre e ocorrerá sabe-se lá até quando. Tudo é tão gigantesco, absurdo e criminoso que, drummondianamente falando, as palavras não dão conta.

Diante das imagens daquela lama descendo rios e riachos que um dia foram doces, arrasando povoados, até se encontrar com o sal do mar, e sem a ele querer se misturar completamente, a sensação de pequenez humana é inevitável; como inevitável é a indignação.

A perplexidade aumenta à proporção que vemos as medidas de reparo dos danos (que jamais serão reparados por completo) demorarem tanto a sair do papel, dos acordos. Minha preocupação é que, como lamas não nos faltam nunca, esqueçamos disso tudo com uma próxima avalanche. E janeiro já está chegando! Logo depois, as águas de março...

Mas piores do que essa lama – que não é coisa pouca – são aquelas ações que vão nos degradando dia após dia como povo de uma nação; que nos degradam como seres humanos. Detalhe: esse tipo de lama já nos é endêmico.

Aliás, perto dessa lama nossa de cada dia, a lama da tragédia de Mariana é um pocinho insignificante de sujeira. E engana-se quem pensa que esse tipo de lama a que estou me referindo restringe-se apenas às ações de nossos políticos. Com raríssimas exceções, a maioria de nós é um poço desse tipo de lama. A depender da ocasião e das oportunidades, uns mais profundos, outros menos. Agora, é claro que é no espaço público onde atuam representantes dos poderes executivo, legislativo e judiciário que a lama de viés conotativo nada de braçada.

Por tudo isso, urge que coletivamente nos esforcemos muito, mas muito mesmo, para entender nosso caráter, sempre e bastante susceptível à corrupção, para superarmos esse estágio de “civilização à brasileira”.

Por conta de tanto mensalões, lava-jatos etc etc etc..., a entrada de um novo ano pode ser um momento para esse tipo de reflexão. Mais do que isso: para a disposição à mudança geral de que todos precisamos.

Assim, finalizo este meu último artigo de 2015 com o mesmo convite que Gonzaguinha já nos fizera um dia: “vamos à luta, rapaziada”. 2016 está inapelavelmente chegando.

Segunda, 04 Janeiro 2016 12:07

 

JUACY DA SILVA*

 

Existe um certo pensamento mágico entre as pessoas de que com a chegada de um novo ano os problemas desaparecem e tudo se renova. Isto faz parte de um sentimento inato do ser humano de, mesmo em meio a dificuldades, problemas, desafios, alguma força sobrenatural possa agir  em nosso favor e transformar a realidade.

Todavia, isto não é verdade, pois, com exceção dos desastres naturais, desde que não sejam provocados pela irresponsabilidade das ações humanas como aconteceu em Mariana, Minas Gerais, tudo o que acontece no mundo em  cada país ou local, é fruto das ações ou omissões humanas, sejam as pessoas mais simples sejam os governantes que agem  de forma desonesta/corrupta ou decorrente  da incompetência em planejar e agir racionalmente.

Outro aspecto, o tempo não é cíclico com o dia e a noite  ou as quatro estações do ano, que se  renovam a cada 24 horas ou a cada três meses, ou seja, o tempo é continuo e imutável e isto representa  a dimensão do processo histórico, com suas peculiaridades culturais, sociais, políticas, religiosas  e econômicas. A diferença do que acontece em um ou outro país decorre da combinação  desses fatores e jamais da influência de divindades, entidades, deuses ou demônios. Por mais que algumas pessoas acreditem que ao se oferecer comida, flores, rezas, preces  ou orações, isto não  vai transformar pessoas corruptas em honestas, governantes e gestores incompetentes  e  irresponsáveis em seres competentes e responsáveis de uma hora para a outra, ou transformar políticos mentirosos e demagogos em representantes que falem a verdade e deixem de enganar o povo antes, durante e depois das eleições.

No caso do Brasil, por exemplo, dezenas  e dezenas de passagens  de ano, milhões de pessoas costumam  se vestir de branco ou amarelo, na vã  esperança de que naquele minuto  mágico da contagem regressiva quando o relógio se aproxima  da meia noite e no próximo segundo um novo ano vai raiar, enquanto as pessoas em júbilo se abraçam  e festejam o raiar de um novo ano, os problemas continuam bem ao nosso lado, bem a nossa frente.

O caos na saúde pública que afeta todos os estados e todos os municípios, onde milhões de pessoas sofrem com a falta de atendimento não  vai acabar por que um novo ano se inicia, pois os governantes e gestores que produziram e produzem  este caos continuam os mesmos, agindo de forma cínica como se nada estivesse acontecendo, afinal a baixa qualidade dos serviços públicos em geral  e  da saúde em particular não lhes  afeta, quando precisam de cuidados médicos  ou hospitalares recorrem `a  rede privada, pagando os custos, geralmente com dinheiro público, enquanto os contribuintes, eleitores ou os excluídos tem apenas um Sistema falido que é representado pelo  SUS.

A violência, seja a decorrente da bandidagem , do crime organizado, de acidentes de trabalho  ou do trânsito continua  crescendo, ano após ano  o número de assassinatos, estupros, sequestros, tráfico de pessoas e mortes nas vias públicas e rodovias aumentam. Só as mortes violentas no Brasil devem superar  este ano que se finda  mais  de cem mil pessoas, muito mais do que há dez ou vinte anos, em ritmo muito maior do que os índices de crescimento populacional ou de urbanização.

A educação também continua  muito aquém dos desafios provocados pelas mudanças tecnológicas ou das necessidades do progresso individual ou coletivo, milhões de crianças  continuam fora da escola ou tendo um aprendizado abaixo das exigências de uma educação de qualidade. As universidades públicas continuam sucateadas e as greves de professores e trabalhadores do ensino superior são  constantes motivadas por falta de recursos e de políticas de valorização do ensino.

A crise econômica, o aumento do desempero, a queda dos investimentos, a inflação, a  recessão, a desvalorização cambial, as taxas de juros absurdas, a inadimplência que já afeta mais de 56 milhões de pessoas, o descontrole das contas públicas, a dívida publica que  deverá superar R$ 2,8 trilhões em 2015, ultrapassando 70% do PIB e o rebaixamento  da nota do Brasil por duas agências de classificação de risco fará de 2016  um ano muito ruim para o país e para todos os brasileiros. Tudo isso em meio a operação lava jato e a tentativa de impeachment da Presidente Dilma  e a crise política.

Finalmente, a falta de rumo e a mediocridade tanto do governo federal quanto dos governos  estaduais e municipais atestam que este novo ano nada mudará radicalmente. Por exemplo, das 55  metas previstas para serem realizadas em 2015, o Governo Dilma realizou integralmente apenas 6; e das 922 de todos os governos estaduais 72,3% ficaram apenas no papel.

Mesmo assim, não podemos perder as esperanças, em 2016 teremos eleições municipais e em 2018 eleições gerais e aí o povo terá oportunidade de dar um cartão vermelho aos políticos incompetentes e corruptos. Só assim poderemos dizer sempre FELIZ ANO NOVO!

 

*JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado, mestre m sociologia, articulista de A Gazeta.  

E-mail O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Blog www.professorjuacy.blogspot.com Twitter@profjuacy

Segunda, 04 Janeiro 2016 12:06

 

Poucas vezes na nossa história um ano deixou tão poucas saudades quanto esse de 2015, que felizmente vai se despedindo, ainda que aos trancos e barrancos.
Aqui no Brasil fomos vítimas de todos os tipos de achincalhes, de humilhações, de desrespeito, de cenas inesquecíveis de escárnio e de canalhices de toda ordem da parte de pessoas por nós eleitas, supostamente para promover a ordem e o bem estar de todos.
Famílias inteiras desestruturadas pela alta inflação, pelo desemprego, pela angústia do não recebimento de seus salários, pela recessão galopante, pela falência gradativa dos governos estaduais e federal.
Enfim, clima de pânico total em função dos fatos políticos e econômicos cada vez mais alarmantes dos noticiários.
A classe política, de um modo geral, abusou de suas prerrogativas de poder e encastelou-se, alheia aos clamores de toda uma população cada vez mais deprimida e angustiada.
Corrupção escabrosa, conchavos criminosos, conivência explícita com organizações dirigidas para assaltar o erário público, enfim, tudo que conseguisse aniquilar com o tão propalado “brasileiro, profissão esperança”. 
Sabemos que o mundo todo passa por momentos difíceis, mas, nem de leve, a não ser nos países em guerra, vimos semelhantes desmandos vividos aqui na terrinha, outrora orgulhosa por ser uma das mais promissoras nações em desenvolvimento, tendo em vista o potencial de riquezas de que é possuidora.
Que 2016, ora raiando, afastem-se de nós a intolerância, a mesquinharia, a vaidade, a soberba.
Que a classe dirigente, seja ela de que partido for, se conscientize da necessidade de um entendimento maior, coletivo, que possa tirar todo esse povo, que vem sendo esgarçado ao limite máximo de suas perspectivas ordeiras  e bem humoradas, da situação afligente em que se encontra.
Esses são os meus votos para o novo ano que vai iniciar. 
Que a família brasileira possa readquirir a paz, aliás, modestamente, única das suas pretensões.

Gabriel Novis Neves
13-12-2015

Segunda, 04 Janeiro 2016 12:05

 

Mais um Natal! Acordei com um firme propósito: praticar o desapego. 
Segundo a filosofia oriental esta prática consiste em nos desapegarmos de tudo que não usamos - daquilo que não nos é mais necessário. 
A filosofia ocidental faz exatamente o contrário – torna as pessoas retentivas, algumas vezes beirando à mesquinharia. 
Essa conta é difícil de ser zerada, até porque, nós, idosos e velhos que moramos sozinhos, acabamos depositários de tudo que os filhos acham que precisarão um dia. 
Nossas casas se transformam num emaranhado de grandes entulhos, principalmente quando há espaço para isso. 
Como já chegamos à fase da não discussão, aceitamos resignados, às vezes nem tanto, essas imposições que a idade vai trazendo. 
Confesso que gostaria de uma grande jornada de desapego, mas, sei que isto me traria problemas de outra ordem. 
Entretanto, cada dia invejo mais os ditos egoístas, que conseguem priorizar os seus desejos, fazendo de suas velhices um mar de liberdades. 
Por agora, conforta-me apenas o sentimento de ser aquele velho cordato, sempre atento para agradar os circunstantes, tarefa que, convenhamos, muito pouco consigo fazê-la. 
O mundo mudou além do esperado nesses últimos oitenta anos, e todos os valores éticos se pulverizaram para as novas gerações. 
Tudo que aprendi foi, não só anulado, como considerado careta e jurássico. 
Cheguei à conclusão, depois de ouvir uma palestra em vídeo, que cada um de nós é um ecossistema próprio e único, composto de um quadrilhão de microrganismos, e que somente juntos podemos formar o ecossistema global que sustenta o planeta. 
Diante dessa lógica estamos totalmente vinculados uns aos outros, ainda que no cotidiano algumas vezes isso se torne muito pesado para nós.

Gabriel Novis Neves
28-12-2015

Segunda, 04 Janeiro 2016 12:04

 

Minha vida em nada combina com meu porte grifado e distante - sou um weimaraner. 
Possuo belíssimos olhos claros e pelagem acinzentada. Dizem que é uma cor de cinza só presente na minha raça. Sou carinhoso, dócil, brincalhão e curioso. 
Não sou agressivo, mas não sou subserviente. Estou habituado ao requinte das pessoas que praticam um dos espores mais elegantes da Europa – a caça. 
Em contraste com tudo isso, aqui na terrinha, tenho levado uma vida ao relento desde que o meu protetor, um simpático hippie dos anos 70, tornou-se um morador de rua. 
Tínhamos abrigo numa daquelas Kombis estacionadas na praia de Ipanema, onde ambulantes fazem a sua feriazinha diária à custa de vendas de cocos. 
Esse pequeno detalhe, entretanto, não tirou a nossa alegria, já que continuamos com o nosso despertar habitual logo aos primeiros raios de sol, quando partíamos, eu e meu protetor, para uma longa e prazerosa natação na bela Ipanema.  
Adoro essa parte do dia, quando posso, descontraidamente, exercitar a minha total liberdade. 
Em volta já começam os pequenos serviços para os banhistas madrugadores, geralmente atletas e idosos. 
Dessas tarefas ao longo do dia depende a única refeição que assegurará a sobrevivência do meu querido Pipão. 
A minha, fornecida pela simpatia e carinho que transmito, é da melhor qualidade, sempre fiscalizada por uma bela loura jogadora de vôlei de praia que me paparica como ninguém mais consegue fazê-lo. 
Tanto que estou sabendo que hoje ela me levará a um desses elegantes Pets para banho e embelezamento. 
Desde que a prefeitura nos tirou da praia, temos tido dificuldade na busca de uma marquise mais abrigada onde eu e meu protetor possamos dormir, pelo menos nos dias chuvosos. 
Graças à solidariedade dos nossos amigos frequentadores do Posto 9, parece que teremos um teto num quarto a ser alugado na comunidade do Pavãozinho, tudo pago pelos nossos admiradores em sistema de cotização. 
Muito avesso a qualquer tipo de aprisionamento, um desses dias, despreguei-me do que me acorrentava e saí em busca de novas experiências, quem sabe novos amores... 
Infelizmente a minha raça não tem um bom aparelho visual, apesar da beleza chamativa dos meus olhos, e acabei atropelado na praia de Ipanema. 
Mais uma vez a sorte me sorriu e tive apenas uma pequena luxação, logo resolvida com o auxílio de um bom veterinário.
Fui imediatamente cercado por muitos transeuntes e a única dificuldade foi que eles aceitassem a minha entrega ao meu protetor, que logo foi avisado que eu estava ansioso por ele. 
A sua chegada devolveu-me a alegria e a segurança que o momento exigia e fez com que todos se questionassem por que razão um simples mendigo tinha sido agraciado com amizade de um cão tão elegante. 
Como caçador, perco as estribeiras quando vejo gatos, pombos e aves em geral. Eles não me interessam como alimentação, apenas como troféus para serem mostrados aos que confiam na nossa capacidade de exímios caçadores. 
Preciso entender que não estou no lugar onde meu DNA se fazia necessário e que aqui, na selva urbana, preciso usar de outros atrativos para continuar a ser amado. 
Enfim, sem IPTU, sem IPVA, sem IR, sem os impostos escorchantes que aviltam os bolsos e as cabeças de todos os outros mortais, eu e meu protetor, vamos levando uma vida de total descompromisso e plenos de liberdade... 
Gosto de frisar “protetor”, pois a palavra “dono” não me agrada em nada. Ninguém é dono de ninguém, e muito menos de animais ou coisas. 
A mãe natureza faz questão de nos dar tudo e, invariavelmente, nos tirar em seguida. 

Gabriel Novis Neves
10-12-2015