Sexta, 05 Junho 2020 16:49

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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José Domingues de Godoi Filho*

Embora a ampla maioria das Instituições Federais de Ensino Superior tenham rejeitado a possibilidade de utilizar práticas pedagógicas remotas, algumas continuam tentando empurrar, como fato consumado, o que denominaram de “flexibilização das aulas presenciais” para se esconderem e não enfrentarem as polêmicas, o mercantilismo, os interesses escusos e os desgastes das metodologias da Educação à Distância (EaD); com o agravante de que os cursos afetados não foram pensados, nem planejados para serem ministrados à distância.

Como bem ressalta a nota divulgada pelo ANDES-SN , “a modalidade de ensino a distância não se configura em uma simples gravação em vídeo ou conversão em texto daquilo que seria trabalhado presencialmente, de modo que, sem a capacitação específica do(a) docente, é possível que a simples determinação de conversão em ensino a distância seja danosa ao ambiente de aprendizado. Ainda nesse ponto, merece destaque as possibilidades de controle de conteúdo e cerceamento da liberdade de ensinar docente, mediante o uso indevido dos vídeos-aulas. Se em sala de aula o(a)s docentes já estão subordinados a um conjunto de ações do(a)s apoiadore(a)s dos projetos Escola sem Partido, imaginem o que pode ser feito com aulas gravadas e que vão cair no domínio público?”

Como já explicitei em artigo anterior “os riscos envolvidos não são poucos e, as possíveis consequências para a educação pública enormes em todos os aspectos, sejam didáticos, pedagógicos, econômicos, institucionais e profissionais. O lucro ficará com os de sempre.” Por esse motivo, no final de março, capitaneados pela UNESCO (3), foi lançada a Coalizão Global de Educação com “os objetivos de propulsionar, no curto prazo, a utilização de tecnologias de aprendizagem remota ( para esconder a EaD) e, no longo prazo, consolidar o uso de tecnologias de educação nos sistemas regulares de ensino”. A coalizão envolve além da UNESCO, o Banco Mundial, OCDE,ONU,OMS,UNICEF,OIT, grupos empresariais (Microsoft, Google, Facebook, Zoom, Moodle, Huawei, Tony Blair Institute for Global Change, Fundação Telefônica, GSMA, Weidong, KPMG, dentre outros) e organizações filantrópicas, sem fins lucrativos, como Khan Academy, Dubai Cares, Profuturo e Sesame Street.

Nesse cenário de selvageria capitalista global, no meio de uma grave pandemia, mais um sanguessuga divulgado pelo Sindct-Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial. O Sindct publicou uma grave denúncia feita, no final de maio de 2020, pela Associação Brasileira de Profissionais Autônomos de Startups e de Desenvolvimento de Tecnologias – ABStartups. A denúncia é gravíssima e afeta a educação, a ciência e a tecnologia brasileira.

Diz a nota da ABStartups:

“Neste 27 de maio de 2020, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) anunciou conjuntamente com a empresa norte-americana CISCO, sem licitação, sem chamamento público, sem audiência pública e sem transparência, um acordo entre as duas partes, para que a empresa CISCO "acelere a transformação digital brasileira".

O evento de lançamento contaria com a presença do presidente da República, que desistiu de participar na última hora, e contou com a presença do ministro do MCTIC, astronauta Marcos Pontes.

O presidente da CISCO, durante sua apresentação do acordo, pedia em inglês que as lâminas de power point fossem sendo trocadas, numa clara demonstração de que a apresentação era coordenada dos Estados Unidos.

Em seguida, o presidente da CISCO deu uma coletiva de imprensa fechada, quando deu detalhes do acordo e onde se recusou a detalhar investimentos que poderiam incriminar o acordo.

Muito embora se tenha solicitado os termos desse acordo, até o momento o MCTIC e a CISCO não os apresentaram, num total falta de transparência sobre um ato que afetará a soberania nacional.

Até a RNP (rede utilizada pelas universidades) faz parte de referido acordo. (grifo meu)

O presidente da CISCO disse que "em troca" dos "excelentes" investimentos que farão, o MCTIC cederá funcionários, cederá informações e concordará com os termos da CISCO.

Ou seja, o nosso setor público se coloca de joelhos perante uma empresa privada norte-americana, que coordenará TODOS os dados e informações de nossa sociedade.

Isso é gravíssimo! Estão aproveitando a pandemia para "passar a boiada", cuja tentativa vem sendo feita há alguns anos e recusada por todos os ex ministros, tendo em vista o escárnio que é.

Uma ação sem precedentes na história, cujos efeitos serão sentidos pela nação no futuro próximo.

Se a CISCO tem a prerrogativa de, sem licitação, utilizar-se de nossos dados e informações para implantar em todo o Brasil suas tecnologias, inclusive o 5G, ela será soberana no controle de nossa sociedade.

O ridículo chegou ao ponto de o presidente da CISCO entregar um chip 5G para o ministro, dizendo que aquele chip representava a porta de entrada da CISCO no 5G brasileiro, algo que nem regulamentado ainda foi.

Um escândalo sem precedentes!

Pedimos ao Congresso Nacional, ao Tribunal de Contas da União e ao Ministério Público Federal que ajam imediatamente, freando esta loucura e nos ajudem a responder as seguintes perguntas:

a) Quais os termos desse acordo?

b) Outras empresas internacionais e nacionais foram chamadas para também apresentarem suas propostas?

c) Que tipos de dados e informações da nação brasileira serão disponibilizados para a CISCO?

d) O Governo Brasileiro terá também acesso a esses dados? De que forma?

e) Os sistemas que a CISCO implantará serão abertos e interoperáveis, permitindo que a indústria brasileira desenvolva soluções tecnológicas e elas possam ser aplicadas em todo o País?

f) Quando algum brasileiro desenvolver uma solução, ele terá que submeter a aprovação para CISCO para que tais soluções desenvolvidas "conversem/se conectem" com as soluções CISCO?

g) Como fica a participação de outras empresas de tecnologia da informação e comunicação que investem no Brasil, como as Europeias e Asiáticas?

h) Como será a participação de empresas nacionais que desenvolveram tecnologias abertas e querem participar do mercado Brasileiro e que não seguem o padrão da plataforma da CISCO?

i) Quantos e quais funcionários públicos o ministério vai disponibilizar, às custas dos impostos brasileiros, para a CISCO?

j) As Universidades brasileiras foram informadas desse acordo? Estão de acordo com ele? (grifo meu)

São perguntas que o Governo Brasileiro e a CISCO precisam responder imediatamente.

De outra forma, em breve teremos os sistemas da CISCO implantados em todo o País, obrigando os prefeitos e governadores a comprar soluções CISCO, a preços aviltantes, bem como teremos todo o nosso ambiente de startups brasileiras indo à bancarrota.

É preciso que os órgãos de controle atuem imediatamente, sem pestanejar, garantindo a aplicação da Lei e da Soberania Nacional!”

A denúncia já produziu pelo menos duas reações oficiais, uma do Senador Randolph Rodrigues (Rede/AP), que, em 29/05/2020, protocolou um requerimento junto ao Ministério Público Federal para tomada de providências cabíveis para a defesa dos interesses da sociedade brasileira.

E outra, em 01/06/2020 (REQUERIMENTO DE INFORMAÇÃO N° 556/2020), encabeçada pela Deputada Federal Margarida Salomão (ex-reitora da UFJF), onde requer informações aos Ministros do MCTI e das Relações Exteriores, a respeito do acordo de colaboração assinado em 27 de maio de 2020, entre o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e a empresa Cisco Systems, Inc., sediada nos EUA.

Como tem sido amplamente comentado e divulgado a quase totalidade das universidades públicas não tem acúmulo de discussões sobre a questão porque, salvo raríssimas exceções, os cursos não foram planejados e organizados para serem ministrados na modalidade remoto, nem possuem infraestrutura para tal, especialmente no que se refere aos meios de comunicação e capacitação dos envolvidos.

No meio de uma dramática pandemia aproveitar para “passar a boiada” é uma atitude irresponsável e totalmente desrespeitosa com os interesses da ampla maioria da sociedade brasileira. É colaborar e se comportar como capacho dos descompromissos do Estado com a educação e a ciência desenvolvida nas universidades públicas brasileiras.

Com a devida licença do grande poeta das montanhas de Minas, há uma pedreira nesse caminho, que nesse caso escabroso atravessa a autonomia da educação, da ciência e da tecnologia do país: - no caminho da flexibilização das aulas tem um(a) CISCO; tem um(a) CISCO no caminho da flexibilização das aulas.

Para aqueles que insistem em “passar a boiada”  com o discurso de estarem “preocupados” com a sociedade fica a sugestão de repetirem a iniciativa da UFBA, isto é, realizar um Congresso Universitário com participação aberta de toda a comunidade universitária, dos movimentos sociais e de todos os interessados na defesa e construção de uma ciência pública e de uma universidade pública, autônoma, laica, democrática e gratuita.

*Professor da Universidade Federal de Mato Grosso/Faculdade de Geociências.

 

Sexta, 05 Junho 2020 16:22

 

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 Por Fernando Nogueira de Lima*

 

Estão enganados os que afirmam ou acham que o mundo já está no avesso. Basta um olhar em retrospectiva, aqui e alhures, para constatar que ele está girando como sempre girou e continua sendo movido pelos mesmos interesses e forças propulsoras de sempre. Nele, a humanidade caminha como sempre caminhou, ou seja, o mundo nunca este no avesso. E quanto a isso, seja lá por qual motivo for, somos testemunhas, quando não, réus confessos.

 

Ao exercitar dia a dia o egoísmo existencial estamos ficando, uns menos e outros mais, insensíveis à dor dos que são injustiçados diante dos nossos olhos, ao vivo e em cores. Por isso, mesmo diante de tantos absurdos praticados o nosso protestar, assim como o nosso prantear tem local e hora para ocorrer e terminar. E assim, temos nos acostumado a viver e a conviver com a crueldade do ser humano revelada em inúmeras práticas abomináveis.

 

Ao que parece, a fúria e a maldade são características congênitas da espécie humana. Nascemos com elas, seguimos vivendo e até mesmo morrendo sob a égide e por causa delas. Somente assim, para explicar as atrocidades perpetradas pelo homem contra o homem, desde os primórdios da humanidade, denunciando a dificuldade que tem para abrir mão da liberdade, aqui abarcada como a coisa mais importante no estado de selvageria.

 

Diante de tantas barbaridades, aqui e mundo afora, busco e abraço o saber e a sabedoria, a arte e a cultura, a tolerância e a paciência, a retidão e a paz de consciência, o silêncio e a introspecção, para enclausurar a ira e a perversidade que habita em mim, evitando que eu me situe no lugar comum onde, para uns, a vida de muitos outros não tem valor algum.

 

Erguer bandeiras brancas ou coloridas, caminhar em silêncio ou bradando palavras de ordem, empunhar cartazes ou faixas com frases de efeito, levantar #hashtags ou viralizar blackout no instagram, não tem sido suficiente para que sejamos ouvidos e atendidos. Em síntese: agindo por ingenuidade, comodismo, oportunismo, omissão ou por meio de estratégias equivocadas nos tornamos, inevitavelmente, cúmplices e, portanto, culpados.

 

Não meu amigo. Não é por medo que ficamos imóveis ou nos mexemos na direção errada. É pela indiferença e ausência de compromisso social mesmo. É por descaso em relação ao sofrimento alheio. É por ser conivente com a injustiça e com a iniqüidade. É pela busca do poder pelo poder. É por hipocrisia e incapacidade de se indignar. É por outras razões desprezíveis, como a dita supremacia branca. Enfim é por não dar valor à vida de outrem.

 

Esta é a realidade que estamos lidando e não se trata de fatos isolados. Há, sim, motivos para justificar a revolta das pessoas que instigadas pela impunidade estão frustradas, com raiva e com sede de justiça, clamando com palavras e com ações violentas para que se dê um BASTA! a esta afronta cotidiana ao direito à vida. De todas as vidas, indistintamente.

  

Pairam sobre nós, de há muito, nuvens sombrias devido à ausência de justiça. Urge, portanto, que se faça justiça. Não para os mortos, pois para eles a justiça já não se presta. Justiça destinada aos vivos para que uns fiquem em paz e outros sejam punidos exemplarmente, e sempre. Não há dúvidas: somente a justiça poderá nos salvar da selvageria, mormente porque a transitoriedade é uma das características de seus agentes.

 

No mais, estou cansado deste isolamento social. De não poder abraçar quem eu quero abraçar. De não poder ir e vir livremente. De ter que ouvir repetidamente números absolutos de mortos e de acometidos. De presenciar o debate democrático se restringir a quem apóia ou é contra determinado governante. De ouvir tanta verborragia, bravatas, idiotices e insultos descabidos. Estou cansado de quem diz ser de esquerda ou de direita, sem saber do que está falando nem das atrocidades já cometidas por causa desta ou daquela ideologia.

 

Por fim, na ausência de palavras mais apropriadas para concluir estas linhas, eu recorro aos versos da canção que inspirou o título deste texto, para dizer: E eu quero é que esse canto torto feito faca, corte a carne de vocês.

 

*Fernando Nogueira de Lima é Engenheiro Eletricista e foi reitor da UFMT

 

Quinta, 04 Junho 2020 16:09

 

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Por Roberto de Barros Freire*

  

A discussão nacional sobre o Covid tem girado ao redor de três eixos: os problemas de saúde, os problemas econômicos e os problemas políticos, onde há um claro confronto entre o governo federal e os demais entes federados, municípios e estados. Nada ou quase nada se tem debatido sobre os problemas educacionais que a doença está acarretando e irá acarretar ao sistema educacional nacional, seja no nível fundamental e médio, seja no nível superior. Cada instituição de ensino toma as suas decisões, seguindo em parte a política das secretarias de educação, seja municipal, seja estadual, sem uma política nacional do MEC.

O que se assiste é um misto de improviso e falta de percepção dos problemas que temos diante dos nossos olhos, onde sem uma discussão mais profunda, sem inclusive um fórum para a sua realização, cada escola reage da sua forma aos problemas educacionais. Concretamente, o que se avista, são escolas e universidades que fingem que educam, e os alunos parecem fingir que aprendem. Pais de alunos preocupados com o suposto ensino a distância, que depende da participação dos pais ou tutores, que sem tempo e sem acreditarem nesse sistema de ensino improvisado pelas escolas e faculdades, se lamentam da situação. Ora, tirando o ensino à distância que já existia no ensino superior, que tinha uma certa tecnologia e contava com estudantes predispostos a este sistema de ensino, a experiência tem sido lamentável; pais e estudantes reclamando desse improviso, e professores se mostrando incapazes de lecionarem nessa sistemática, por não terem preparo para esse tipo de ensino, ou nem terem computador e acesso à internet também.

Ora, o que esse vírus trouxe à tona, é a grande desigualdade social, e a necessidade de se criar políticas para se atender as necessidades básicas das classes menos privilegiadas. Como se pode propor ensino à distância num país que 30% da população não tem acesso a internet e menos de 50% tem computador para realizar estudos pelas redes sociais? E os que tem acesso à internet, o fato é que a internet nacional é de péssima qualidade, mesmo que bem paga, e a maioria das pessoas só tem o celular para acessar os sites e salas de aula virtual, o que inviabiliza a educação, quando se tem que ver gráficos, mapas ou mesmo ler textos mais extensos.

Enfim, o que ficou claro é que temos que dar condições aos estudantes pobres, fornecendo um computador para todos os estudantes, e melhorar a internet, com internet gratuita nos bairros populares, nas favelas e na periferia. Isso foi o que fez os países que se preocuparam com a escolarização da sua população, o que nunca ocorreu em solo nacional, que trata a educação como um gasto e nunca como um investimento na população.

Na minha opinião, o certo seria cancelar esse ano escolar, fazer dele um preparo e uma discussão das atitudes que se deve tomar para a nova realidade que teremos pela frente, com a convivência com essa pandemia. O ensino que sempre foi precário aqui no Brasil, será nulo nesse ano. Os jovens não estão sendo preparados para entrarem nas universidades e os que ingressaram nas universidades não estão estudando. O ENEM que foi adiado, deveria ser cancelado; sua manutenção excluirá os alunos pobres, 30 % do total dos inscritos.

Naturalmente, há sérias consequências se tomarmos essa decisão. Será necessário dar ajuda financeira às escolas privadas para que possam arcar com suas despesas de pagamento dos funcionários e professores, assim como com os custos do espaço físico. Será necessário a distribuição de computadores para as crianças que não tenham esse instrumento, que já é obrigatório em quase todas as escolas do mundo. Será necessário dar cursos e formação aos professores que só foram treinados para o ensino presencial, além de computador e internet que não possuem.

Mas, ao invés de ficarmos fingindo que estamos educando nossos alunos, devemos nos propor a nos preparar para um novo ensino que deverá surgir após essa pandemia. Ao invés de tamparmos o sol com uma peneira grossa, devemos nos engajar numa preocupação nacional pela formação dos nossos estudantes. Devemos perceber que os materiais de ensino não podem ser apenas merenda e livros ou cadernos, mas também computador e internet, a única forma de ser incluído no mundo contemporâneo.

 

*Roberto de Barros Freire

Professor do Departamento de Filosofia/UFMT

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Quarta, 03 Junho 2020 19:13

 

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Wescley Pinheiro

Professor do Departamento de Serviço Social da UFMT

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Junho de 2020 se inicia incendiário no Brasil desgovernado por Jair Bolsonaro. Se o mês anterior começou com um primeiro de maio marcado por protestos virtuais, posição necessária diante da pandemia e da política genocida do Estado Brasileiro, coube ao último dia do mês anunciar um novo momento para a luta política diante do protofascismo em curso.

Manifestantes foram às ruas fazer frente ao discurso autoritário. Enfrentando as contradições e o dilema ético-político diante da necessidade de isolamento social e não efetivação dos mesmos pelos governantes, pelos empregadores oriundos do grande capital e pelos médios do protofascismo (acostumados às carreatas e passeatas violentas repletas de caricaturas e discursos negacionistas nesses últimos meses), membros de várias Torcidas Organizadas(TOs) foram de forma expressiva barrar manifestações antidemocráticas , enquanto, no Rio de Janeiro, esses e outros setores populares, sobretudo do movimento negro, fortaleciam manifestações contra a política de extermínio racista historicamente promovida. A morte como  política se impôs a vida das pessoas e encurralou sujeitos coletivos, o contra-ataque veio.

Para além da discussão rasa, moralista e de pseudoneutralidade da mídia, a aparente surpresa por essas manifestações parte de pessoas que pouco conhecem as disputas e contradições dentro dos mais diversos coletivos da classe trabalhadora. Por mais que as lentes da burocracia, do academicismo ou das performances cibernéticas dos conteúdos pós-modernos não percebam é onde a vida acontece que a política se expressa, se disputa e se renova. Religião, arte, cultura, esporte... tudo que envolve o cotidiano manifesta o limite da hegemonia e as possibilidades da práxis resistente.

Há algumas semanas membros da Gaviões da Fiel já haviam saído do isolamento para barrar fascistas em São Paulo. Torcedores do Fortaleza fizeram o mesmo na capital cearense. Tantos outros coletivos começaram a se manifestar diante do posicionamento reacionário dos clubes e seus cartolas comprometidos com a política vigente. No Espaço Aberto de 23 de Maio de 2019, num texto intitulado de "AS RUAS E AS ARQUIBANCADAS EM TEMPOS REACIONÁRIOS: FUTEBOL, DIVERSIDADE E AS TORCIDAS ANTIFASCISTAS", busquei falar panoramicamente das potencialidades que vinham sendo cultivadas no espaço marcadamente tido como reprodutor das opressões e amortecedor da consciência de classe. Falamos das torcidas antifas, mas também dos grupos LGBTs, da tradição histórica desde a Democracia Corintiana até pensarmos a pedagogia da luta diante do impacto cotidiano dos opressões, suas naturalizações e cultura aristocrata nos clubes de futebol.

No dia 27 de maio de 2020, junto de outros movimentos, a estudante e torcedora do Fortaleza Maria Izabel (Mabel), representando a Torcida Antifascista Resistência Tricolor, participou do episódio do Miolo de Pod, podcast que realizo semanalmente nas principais plataformas da área cujo, o tema foi Solidariedade de Classe. Em sua fala ela nos demonstrou que as ações da campanha "Quarentena Sem Fome" não são um conjunto de iniciativas estruturadas numa lógica meramente caritativa, mas sim, de demarcação de uma ação coletiva pela sobrevivência da classe trabalhadora.

Mabel falou também da organicidade da ação, de sujeitos que aprendem e compartilham experiências e disputam as arquibancadas dos estádios, as ruas e a vida cotidiana por uma sociedade sem exploração e opressão de qualquer ordem. Ela nos contou dos riscos e das alegrias da resistência onde não chegam as vídeo-chamadas dos nichos acadêmicos e o nexo da cultura de autoconstrução organizativa.

Veja como uma travesti, negra, periférica, nordestina representando uma torcida organizada de futebol e falando de solidariedade de classe é uma síntese emblemática que foge de muitas das polêmicas rasas existentes no campo das esquerdas. Como os atos, esse exemplo é uma fresta de materialidade e esperança entre ações imediatas e leitura profunda de realidade, de base concreta com o real e construção de um mundo novo, de perspectiva classista, sem abstração que desconecte ou sucumba a necessidade de pensar raça/etnia, gênero/sexo e tantas outras questões.

Assim, a discussão de comunicação e educação popular, de solidariedade e consciência de classe está no ponto essencial da disputa política, pujante e potente, que se expressa criativamente, com direção radical, para além dos debates em-si-mesmados e, com o perdão da trocadilho, com tom clubista muito comum nos coletivos militantes..

A semana que se inicia após os levantes antirrascistas nos Estados Unidos da América e a repercussão das atos em São Paulo no último domingo, rememorando a famosa Revoada das Galinhas Verdes na Praça da Sé, quando em 07 de abril de 1934 grupos operários botaram os integralistas para correr, é algo traz que renova esperança e possibilidades reação. O sangue nos olhos e o ar de perspectiva foram revitalizados por setores marginais, contraditórios e longe da perfeição, enquanto muitas organizações ainda pensavam o que fazer.

No entanto, como nada pode ser tão simples, o fenômeno antifascista que toma de conta das redes sociais já revela uma disputa de direção e, para não errar novamente, quem de fato quer transformar o estado de coisas atual precisará aprender com essa realidade.

O subtítulo desse texto é um verso da música Pedrada, do compositor e cantor Chico César que, antes de muitos compreenderem a gravidade do problema que vivenciamos, já cantava afinado e afiado sobre o que nos atinge com a palavra certa: fascismo. E não se responde fascismo com flores. Chico soube denominar o  governo, é preciso que não tenhamos vergonha de também saber adjetivá-lo. 

Em poucas horas que a bola incendiária que já estava no ar se tornou mais evidente, arquibancadas e barricadas, nas ruas e nos espaços virtuais, ficaram em polvorosa. Uma onda de manifestações se espalhou com conteúdo antifascista num volume a muito não visto. Nesse sentido, o momento atual demonstra que a lógica bolsonarista e suas ações vai perdendo força e o processo de apropriação das coisas e dos corpos explorados e oprimidos vai tornando a forma de governo insustentável.

No entanto, nem os levantes de ontem e nem a onda de hoje nos tiram das contradições, disputas e do tempo de confusão. É notório que as narrativas e direções são diversas no processo de apropriação do conteúdo antifascista. Fora a reação autoritária e a marcadamente liberal, em poucas horas já foram construídas análises de toda sorte sobre as manifestações e os próximos passos dentro dos chamados setores progressistas.

A primeira delas defende a tese de que as manifestações aconteceram sem a presença da esquerda. Esse pensamento não é inédito. Surge sempre em busca da novidade, promovendo formulações em defesa do espontaneísmo e de idealizações que não se concretizam. Poderíamos falar de vários exemplos onde o discurso das "novas formas de luta" deu com os burros n'água ou em neoliberais e/ou reformistas na presidência. 

No entanto, o principal é que, inclusive nesse caso, essa é uma afirmação falsa. Uma coisa é falar — acertadamente — que partidos, centrais sindicais, sindicatos e outros movimentos não conseguiram dar respostas efetivas e que as ações das TOs foram substanciais nessa conjuntura, capitulando o sentimento coletivo de indignação diante da paralisia atual. Outra é desconhecer ou esconder que dentro das próprias Torcidas há muita gente da esquerda disputando esse espaço, inclusive de partidos, e que isso é um elemento fundamental para os setores que não reproduzem a reacionarismo dentro dessas agremiações. Por fim, é não perceber que esses movimentos são também frutos de um acúmulo coletivo produzido historicamente.

Apagar a esquerda da rua é um artifício liberal e conservador que também não é novo. Em junho de 2013, quando não mais conseguiu apenas criminalizar os movimentos de rua, que iniciaram as manifestações por pautas concretas, o processo de abstração moralista (e tentativa de expulsão) das organizações foi crucial para encaminhar os atos para um inchaço sem crescimento qualitativo, promovendo o sufocamento de possibilidades emancipatórias esterilizando a capacidade das manifestações.

O coquetel trágico entre décadas de ausência de formação de base, distanciamento dos movimentos sociais, partidos e instrumentos de luta do cotidiano, mais o aparato repressivo do Estado, o apogeu midiático conservador, a interferência imperialista e a tradição da formação sócio-autoritária, golpista, racista, machista e elitista é algo até hoje pouco compreendido e mal explicado sobre os atos daquele mês e que , por consequência, fazem com as manifestações sejam frequentemente reduzidas à suposta causa de termos chegado ao tempo histórico bolsonarista.

Nesse debate muito se fala sobre o que junho de 2013 supostamente criou e pouco se pensa sobre o que criou junho de 2013. De lá até aqui, passando pelo golpe de 2016 e as eleições de 2018, setores progressistas e de direita reproduzem uma narrativa de polarização, que, agora, deve ganhar força novamente, embora tenha a profundidade de um pires. A ideia do país dividido em torcedores de siglas, mitos e nomes vilipendia o país dividido, na verdade, entre burguesia e classe trabalhadora, artificialmente constituído por um cisão importante, mas parcial, produzida na política formal e na opinião pública. Nesse sentido dos dois times que reproduzem essa táticas estão interessados em jogar na retranca.

Daquele junho até hoje a massa da classe trabalhadora ainda não foi às ruas com substancial efetivo para qualquer tipo de bandeira. A nossa classe, desmobilizada, materializa seu cotidiano a partir do distanciamento dos instrumentos de luta e permanece vivenciando a precarização da vida e o extermínio dela sem grande construção de reação organizada.

Voltando ao junho de 2020. Uma segunda característica após os contra-atos do último domingo de maio na Avenida Paulista, vem como afobação voluntarista e distante da realidade. Uma defesa impulsiva, tal e qual fogo no palheiro, desconsidera a complexidade do momento atual e sobre como, quando e com quais cuidados as ruas precisarão ser ocupadas. A cautela que, por vezes, traz lentidão, é importante para que toda a indignação não se transforme apenas em combustível para o extermínio, pela Pandemia e, principalmente, pelo braço armado do Estado. Como próximas manifestações serão ainda mais arriscadas é preciso apontar que isso não é ficção: há um governo protofascista aí fora.

Essa forma de defesa muito promovida nas redes sociais e evidenciadas por pessoas que desconhecem os riscos, como formas de enfrentamento e a necessidade de organização tática em ações diretas, precisa ser respondida com absorção de indignação, mas em unidade com cuidado e maturidade militante dos sujeitos coletivos que sabem quais os corpos sofrerão primeiro e, principalmente, com as balas, com o vírus e com as grades. 

Nessa tarefa precisamos de muitos e, sobretudo, de muitos organizados nas ações, pois não poderemos mais responder com tão pouco quando um homem negro for preso por portar pinho sol ou quando uma vereadora negra for assassinada por vizinhos e amigos dos poderosos.

Por fim, nesse campo complexo, há a terceira característica pós atos. A enxurrada de memes antifascistas nas redes evidenciam que precisamos apontar a diferença profunda entre popularização e massificação da luta antifascista da mera propagação superficial dos símbolos dessa luta para uma indignação diversa e distintamente diferente entre tantos setores que hoje se opõem ao governo Bolsonaro.

É muito bom que as pessoas estejam propagando e se afirmando antifascistas. É um momento privilegiado de agitação e de necessidade de diálogo. É também a hora de não reduzirmos o significado disso. De possibilitar unidade tática em pautas possíveis com os divergentes setores democráticos sem deixar com que liberais e sua parcela mais inescrupulosa pode esvaziar a luta antifascista de sentido para aproveitar e se desresponsabilizar pela atual conjuntura.

Nem todo mundo que hoje é anti-bolsonaro é antifascista. Há um leque de setores aí buscando fisgar o momento e reconstruir o projeto autoritário com um rosto mais palatável. Há uma clara disputa para transformar o antifascismo num fetiche. O problema não é a ampliação do uso dos símbolos, ao contrário, isso é um efeito fundamental. A grande dificuldade é não deixar que o processo de indignação seja cooptado por peles democráticas e espírito da coalizão ultraliberal e protofascista.

Para a esquerda articular a paciência histórica e o diálogo pedagógico com as ações efetivas e o não amortecimento dos princípios e direções é um desafio no meio de tantos outros que permanecem e crescem como a violência policial, a criminalização da luta, a dificuldade de organização, a dificuldade de unidade frente as divergências estratégicas, além dos vícios hegemonistas da autoconstrução.

É fundamental que a luta antifascista aglutine de forma orgânica, profunda, para além das notas e dos memes. É preciso que saiba apreender esse momento para crescimento efetivo e não mero inchaço. A onda é encantadora, mas passageira. Difícil e necessário é conquistar o oceano.

Por ora, também é preciso cumprir a tarefa antipática de demonstrar que as coisas são mais complexas do que desejamos e que o otimismo da vontade sozinho não resolve as questões da realidade. Os aparentes atalhos são caminhos para a frustração política e ela, já sabemos, é combustível do irracionalismo e da barbárie.

Para nossa classe só restou a luta, para uma grande parcela da nossa classe essa questão é imediata, urgente, posto que as outras alternativas estão todas em formas diferentes de morrer. As tarefas atuais nos provocam para encontrar formas de superarmos a subvivência, resistirmos, sobrevivermos e construirmos uma nova vida e não um novo normal.

O novo virá de nossa capacidade coletiva, historicamente determinada, promovida pelos coletivos organizados capazes de enxergar na realidade, na diversidade e na criatividade de nossos pares o processo de ampliação da consciência de classe. Por tudo que vivemos e presenciamos, suspeito que as saídas estão nos sujeitos coletivos que, além de disputar a direção dos instrumentos de luta, além de promoverem debates importantes e visibilizar os seus quadros, estão por aí realizando, construindo ações organicamente, alicerçando alternativas, abrindo caminhos.

Antifascismo sem projeto de sociedade antagônica é voluntarismo abstrato. Que todas as pessoas que hoje se chocam com o fascismo descubram que, como disse Brecht, "não há nada mais parecido com um fascista que um burguês assustado". A derrota do fascismo só ocorrerá na vitória e construção de uma sociedade sem classes. A bola incendiária está no ar. Treino é treino e o jogo é o lugar onde não há empate e onde a torcida é protagonista. Vencer é a única opção de sobrevivência.

Terça, 02 Junho 2020 11:35

 

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A pedido da Profª Marluce Souza e Silva - Departamento de Serviço Social/UFMT - publicamos o gráfico de casos de COVID-19 em Cuiabá e Mato Grosso, referente aos meses de maio e junho de 2020.

Fonte: SES/MT.

 

Segunda, 01 Junho 2020 14:40

 

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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 JUACY DA SILVA*

Em carta/manifesto assinado ontem, 26 de Maio de 2020, endereçada a todos os líderes dos países do G20, as 20 maiores economias do mundo, que detinha em conjunto em 2028 nada menos do que 73,55% do PIB mundial, estando projetado que este percentual chegue a 74,02 em 2024, assim se expressaram: “Pela nossa saúde, devemos recomeçar pela saúde do planeta. Isso é o que escrevem e falam, em alto em bom som, 40 milhões entre médicos e profissionais de saúde de todo o mundo, de 90 países. Em uma declaração conjunta lançada nesta terça-feira, 26-05-2020, com a hashtag #HealthyRecovery, os profissionais de saúde pediram aos líderes dos países do G20 que se engajassem concretamente na batalha contra a crise climática, por um mundo menos poluído e mais verde, com uma pegada sustentável de forma a tentar evitar futuras pandemias”.

Enquanto esses 40 milhões de médicos e outros profissionais de saúde do mundo inteiro acabam de enviar uma carta aos lideres dos países do G20, entre os quais o Brasil está presente, o ministro do meio ambiente de nosso pais, de forma cínica e oportunista, na malfadada reunião ministerial, em cujo vídeo  fala em modificar decretos, normas que não dependam de aprovação do Congresso Nacional, etc., para facilitar a degradação ambiental (na surdina, enquanto a imprensa está mais voltada para as noticias do coronavírus) e possibilitar "passar a boiada", "dar de baciada", ou seja, sucatear ainda mais os organismos de fiscalização ambientais, demonstra a falta de compromisso com a agenda contida inclusive nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU e no Protocolo de Paris, ambos tratados em que o Brasil é signatário.

Não foi por acaso que o desmatamento, legal e, principalmente, ilegal aumentou assustadoramente na Amazônia e no Centro Oeste e as queimadas voltam com toda a forca nesses dois biomas entre outubro e abril deste ano. É mais do que sabido que o Governo Bolsonaro e seus ministros tudo fazem para implantar o Estado mínimo, isto é, um Estado/poder público/governo federal omissos e conivente com práticas ambientais criminosas que destroem os ecossistemas e burlam todas os regulamentos ambientais, incluindo o sucateamento de todos os organismos de fiscalização, no que também tem sido seguido por diversas governadores e prefeitos bolsonaristas.

Nesta carta esses 40 milhões de signatários enfatizam e “pedem aos governos que priorizem os investimentos em saúde pública, em ar e água limpa, em investimentos capazes de reduzir as emissões que provocam mudanças climáticas. O objetivo é convidar os líderes mundiais a pensar em uma retomada pós-Covid-19 que coloque no centro a saúde humana, começando com o que podemos fazer para criar maior resiliência para as futuras pandemias. E, portanto, os profissionais pedem investimentos para a redução da poluição atmosférica que mata milhões de pessoas no mundo e enfraquece os nossos corpos, por exemplo, em nível pulmonar, como observado durante a emergência do coronavírus. Mas também investir em agricultura sustentável, para dar um adeus aos combustíveis fósseis em favor de fontes renováveis, por uma mobilidade com baixas emissões de carbono”.

Está muito claro em diversas estudos e discussões internacionais que a recuperação da economia, no mundo todo, terá que ser feita com um respeito maior ainda ao meio ambiente, para reduzir a poluição em suas diversas manifestações, como das águas (rios, ribeirões, córregos, baias, lagoas, lagos e o mar),  poluição do ar com o aumento das emissões de gases que produzem o efeito estufa, poluição do meio urbano; tudo isso que acaba provocando um aumento das mudanças climáticas, a degradação do solo, o uso abusivo e criminoso dos agrotóxicos, o uso nefasto dos combustíveis fósseis, tanto no Sistema produtivo/fábricas e atividades rurais, e, principalmente no Sistema de transportes ou seja, a agenda econômica no pós COVID-19 deverá ser uma AGENDA baseada na ECOLOGIA INTEGRAL e no respeito ao meio ambiente.

Diversos países já apontam neste sentido, como a maioria da União Europeia que já está se comprometendo a aportar vários bilhões de euros para a substituição de suas matrizes energéticas, sistemas de transporte, muito mais baseadas e baseados em energia limpa e renovável. O Governo Macron, da França, por exemplo, vai incentivar tanto a produção quanto a aquisição massiva de carros elétricos, como forma de reduzir o uso de combustíveis fósseis. Outros países estão incentivando, através dos respectivos tesouros, o transporte público e outras medidas neste sentido.

 Nesses países quem vai bancar a maior parte, a maior fatia dos programas de recuperação econômica, inclusive com o objetivos de gerar empregos e distribuir renda será o Estado, os Governos e não apenas deixar tudo a cargo da iniciativa privada ou o “deus mercado”, a quem os liberais como Paulo Guedes e seus seguidores imaginam que conseguirá dar o salto qualitativa na implementação de sua agenda liberal.

Outro aspecto na agenda de recuperação econômica naqueles países é com a garantia dos direitos dos trabalhadores, diferente do que acontece com países que estão aproveitando a pandemia do coronavírus para retirar direitos e tornar a legislação trabalhista mais tênue, que acabará, como aconteceu no pós crise de 2008/2009 em que foi constatada uma maior concentração de renda e aumento da desigualdade do que antes da crise.

Quanto aos ganhos econômicos globais, caso os governos realmente percebam que é urgente a mudança de paradigma tanto na questão energética quanto de outros aspectos do desenvolvimento, a Carta afirma ainda  que "Se os governos fizessem grandes reformas nos atuais subsídios aos combustíveis fósseis, deslocando a maioria deles para a produção de energia renovável e limpa, nosso ar seria mais saudável e as emissões que afetam o clima seriam drasticamente reduzidas, alimentando uma retomada econômica que, de hoje até 2050, daria estímulos aos ganhos globais do PIB em quase 100 trilhões de dólares".

Voltando a carta dos 40 milhões de médicos e demais profissionais da saúde e estudos em diversos países tem apontado que a degradação ambiental, inclusive a falta de saneamento básico, principalmente no urbano, tem contribuído e irá contribuir sobremaneira para o surgimento e propagação de epidemias como as que ocorreram em anos recentes como o EBOLA, a SARS e outras mais, em diversos países e  agora,  como está acontecendo com o CORONAVIRUS, que está estrangulando de forma profunda todos os países e seus sistemas econômicos.

Por isso que na carta também é destacada a importância dos sistemas de saúde, com o mesmo status e importância dos demais setores, para os missivistas não tem sentido a polêmica do que é mais prioritário se a saúde ou a economia, quando diz “Os enormes investimentos que seus governos farão nos próximos meses em setores-chave como assistência médicatransporteenergia e agricultura devem ter a proteção e promoção da saúde incorporadas em seu núcleo”

Isto pode ser constatado quando afirmam textualmente “Uma recuperação verdadeiramente saudável não permitirá que a poluição continue a deteriorar o ar que respiramos e a água que bebemos. Não permitirá que as mudanças climáticas e desmatamento continuem avançando, potencialmente desencadeando novas ameaças à saúde de populações vulneráveis”.

Além deste manifesto diversos outros organismos internacionais como FAO, OIT, CEPAL, UNICEF, FMI, Bancos Internacionais de desenvolvimento, como BID e Bando Mundial e centros universitários tem apresentado estudos e indicativos dos aspectos fundamentais que devem constar desta nova fase do desenvolvimento mundial.

Muitos afirmam  que o mundo e os países não serão os mesmos no pós CORONAVIRUS, destacando exatamente as questões da pobreza, fome, exclusão social, violência,  concentração/distribuição de renda, trabalho, emprego, novas formas do trabalho, o avanço da tecnologia, a robotização, a inteligência artificial e, claro, no centro de tudo isto a questão ambiental.

O Papa Francisco, como outros líderes religiosos mundiais também tem chamado a atenção quanto `a importância de criarmos uma nova economia, um novo sistema econômico baseado na solidariedade, na equidade e que reduza tanto as desigualdades entre as nações, os países quanto também leve em consideração a redução das desigualdades politicas, sociais e econômicas dentro dos países, pois o modelo atual esta mais do que falido, além de ser extremamente injusto e predatório.

Na convocação de um Encontro que deveria ser realizado em Roma no final de março último, para discutir a chamada “nova economia” ou “a economia de Francisco”,  o Papa Francisco assim se expressa: “Na ‘Carta Encíclica Laudato si’” enfatizei como hoje, mais do que nunca, tudo está intimamente conectado e a salvaguarda do ambiente não pode ser separada da justiça para com os pobres e da solução dos problemas estruturais da economia mundial. É necessário, portanto, corrigir os modelos de crescimento incapazes de garantir o respeito ao meio ambiente, o acolhimento da vida, o cuidado da família, a equidade social, a dignidade dos trabalhadores e os direitos das futuras gerações”.

Creio que esta carta/manifesto dos 40 milhões de médicos e demais profissionais da saúde se insere, perfeitamente, nas preocupações constantes dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, quando, em 2015, foram estabelecidas mais de 160 metas que deveriam servir de bússola para a definição de politicas públicas, programas e projetos nos diversas países, inclusive no Brasil, que é um dos signatários dos ODS com vistas a um novo patamar de desenvolvimento e bem estar social para a população, sem as mazelas dos atuais modelos de desenvolvimento, tendo como horizonte o ano de 2030.

Talvez este seja o momento de revivermos e colocar esses objetivos e suas metas na agenda do desenvolvimento nacional do Brasil neste momento em que já estamos nos preocupando com o pós coronavírus, sem perder de vista que pesa sobre nossas cabeças algo mais tenebroso e mais terrível que a COVID-19, que é o DESASTRE AMBIENTAL, a ser desencadeado pelas mudanças climáticas, desastre este que os criminosos e destruidores do meio ambiente e seus protetores nas estruturas públicas fingem ignorar.

Vale a pena aprofundarmos essas discussões, não podemos deixar que as elites econômicas e seus aliados nas estruturas de governo, os donos do poder definam sozinhos as bases para a recuperação do Brasil no pós coronavírus. A questão ambiental, a ECOLOGIA INTEGRAL não podem ficar ausentes desses debates e das propostas a serem implementadas proximamente.

*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy

Quinta, 28 Maio 2020 14:16

 

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Por Maelison Neves*
 
 

Estamos vivendo uma situação de trauma psicossocial e luto coletivos diante das dezenas de milhares de mortes provocadas pela COVID-19. Até agora, o isolamento social tem sido a única medida eficaz para conter essa tragédia que nos assola, o que levou à suspensão das aulas presenciais na UFMT. Nesse período, há um consenso entre a comunidade universitária sobre a importância de nossa instituição manter-se ativa durante o período de isolamento social, havendo divergências quanto à direção desses esforços.
 
A gestão da UFMT apresentou uma proposta de flexibilização curricular em que se institui um calendário paralelo de oferta remota das disciplinas presenciais e outros componentes curriculares dos cursos de graduação, conforme deliberação dos colegiados de curso, com adesão facultativa de docentes e estudantes. Os defensores da proposta fizeram questão de demarcar que não se trata de EAD, mas de flexibilizar as regras acadêmicas para que conteúdos de disciplinas presenciais sejam oferecidos a distância. Ao compreender que haja mesmo uma diferença entre EAD e a oferta remota, via Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), de conteúdos planejados para os cursos presenciais, concluímos que por não ter a mesma estrutura, fluxos e suportes que sustentam a EAD, a flexibilização mostra-se muito débil, com desigualdades no acesso ao ensino que poderá se tornar também desigualdade na qualidade da formação.
 
Não fica claro se os conteúdos ofertados remotamente serão reofertados presencialmente. Assim, surge a pergunta: quem começar tais disciplinas, mas desistir ou quem nem tiver a possibilidade de escolha, poderá cursá-las presencialmente no retorno das atividades nos campi? Ao que se lê nas respostas dadas pela gestão da UFMT é que não, eles apenas poderão acessar o conteúdo que ficará armazenado no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA). Veja que além de não garantir o acesso simultâneo de todos os estudantes a esse conteúdo mediado pelas TIC, criando uma sensação de “deixado para trás”, mesmo que não tenha sido essa a intenção dos que seguiram adiante, não há garantia de que eles tenham a mesma qualidade da formação, caso tenham que acessar ao histórico do AVA. Sem falar que a qualidade está em questão até para quem tem acesso à internet e a computadores, dado os problemas de oscilação de sinal, a tensão psicológica do momento da pandemia e do isolamento social, entraves causados com a mudança da rotina e estrutura dos lares.
 
Há referências a pesquisas de que 92% dos estudantes da UFMT afirmaram ter acesso à internet. Porém, essa informação não nos serve por vários motivos: 1) E o acesso a computadores? Muitos acessam a internet exclusivamente pelos celulares, com pacote de dados limitados e isso não era problema quando tinham a internet dos laboratórios de informática da UFMT; 2) muitos não têm condições de trabalho e estudo em seus lares, por diversos motivos; 3) a pesquisa traz informação de período anterior à grave crise que vivemos, em que muitas famílias perderam renda e podem não mais conseguir pagar a internet. Além disso, pesquisas publicadas recentemente na imprensa indicam que 1/3 dos brasileiros (70 milhões) têm acesso precário à internet ou nenhum acesso; entre as famílias de baixa renda (classes D e E), 85% somente acessam a internet pelo celular com pacotes de dados limitados.
 
Chama a atenção a rapidez com que se tentou aprovar essa proposta no Conselho Universitário de Ensino, Pesquisa e Extensão, em curto prazo para discussão e elaboração de alternativas; essa ferramenta de gestão do tempo deliberativo costuma ter efeitos antidemocráticos: aceitar o que se tem porque não dá tempo fazer diferente.
 
Tal debate traz à tona a profunda desigualdade social imposta pela sociabilidade capitalista e impõe à universidade pública, que pelas cotas se vê inclusiva, um dilema que já existia antes, mas que agora mostra suas vísceras: sob ataque das políticas de austeridade desde 2012, quando começamos a sofrer cortes e contingenciamentos orçamentários, até onde vai nosso compromisso com a inclusão e permanência dos estudantes oriundos de famílias com baixa renda?
 
Há os que parecem propor que o enfrentamento e solução da desigualdade social não cabem à universidade, mas sim ao Estado. Nas entrelinhas, parece haver a proposição: “não podemos fazer nada, sigamos o calendário acadêmico de forma remota e o Estado que se vire para dar o acesso a quem fica para trás. Quem não teve acesso às aulas on line, que busque estudar com conteúdo gravado quando puder acessá-los”. Esse é um grande dilema ético que atravessa a universidade pública e gratuita e põe à prova os discursos de inclusão.
 
Penso que temos debatido tal dilema de forma limitada, como se estivéssemos em um beco sem saída e isso ocorre porque não temos encarado sua determinação fundamental: a desigualdade do acesso às TIC e a um ambiente adequado de trabalho e estudo são apenas a ponta do iceberg; são expressão da questão social imposta pela sociabilidade capitalista, que deve ser modificada radicalmente. É certo que isso não se resolve pelo Estado nem pela ciência burguesa: é tarefa da classe trabalhadora organizada em sua luta anticapitalista, antirracista e contra o patriarcado. Por outro lado, mesmo sendo um campo de disputa de projetos de sociedade, dentro das contradições da “democracia” burguesa, a universidade pública brasileira, patrimônio de seu povo, deve estar a serviço da sociedade no enfrentamento à pandemia que nos assola, além de ser um estratégico agente do Estado (sim, a UFMT é parte do Estado!) para elaboração de políticas públicas de enfrentamento às desigualdades sociais, por mais limitadas que sejam.
 
Assim, em nome do compromisso ético de formação de qualidade para todos os segmentos da sociedade brasileira, sobretudo das famílias de baixa renda, deverá ser rejeitada qualquer proposta de continuidade do calendário acadêmico que não leve em conta a igualdade de condições de acesso e de padrões de qualidade. Tal posição jamais representou cruzar os braços e esperar a pandemia passar, ao contrário: é preciso intensificar as ações que se voltem para produção de conhecimento, tecnologias e serviços que auxiliem a sociedade brasileira a vencer a tragédia da Covid-19 e seus impactos socioeconômicos, psicológicos e culturais. É nessa direção que deveremos pensar nossos esforços para atualização (e não flexibilização) do tripé ensino-pesquisa-extensão.


 
* Docente do Departamento de Psicologia, diretor da Associação dos Docentes (Adufmat-Ssind) e doutorando em Saúde Coletiva na UFMT – Campus Cuiabá.
 

Terça, 26 Maio 2020 12:41

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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Desde sempre, a humanidade cria seus mitos. No início, eles serviam para auxiliar na explicação da origem da vida e de questões existenciais. Com o tempo, ganharam uso pejorativo, que se concretiza por meio das crenças comuns, consideradas sem fundamento – objetivo ou científico – e vistas apenas como histórias maravilhosas de diferentes povos.

Neste enfoque, o “avô” de nossos mitos políticos pode ter sido o “Sebastianismo” português, que nascera com a morte do rei D. Sebastião, durante a batalha de Alcácer-Quibir, em 1578. Como seu corpo não fora encontrado, e logo Portugal passara ao jugo do reinado espanhol, os portugueses mantinham a esperança de seu retorno para resgatá-los, inclusive, moralmente.

Por aqui, Antônio Conselheiro, no séc. XIX, em paráfrase bíblica da ressurreição, reatualiza o mito, afirmando que D. Sebastião retornaria dos mortos para restaurar a monarquia. De lá para cá, não paramos de criar mitos, em geral, esdrúxulos e perigosos.

No enquadramento acima, em dimensão sincrônica, destaco as figuras Lula e Bolsonaro. Embora ambos tenham mais aproximações do que distanciamentos, de um, descuidadamente, se diz ser de esquerda; de outro, acertadamente, de extrema direita. Dos dois, recentes manifestações – sobre mortes pela COVID/19 – contribuem para esta leitura.

Se o inominável Bolsonaro diz o desumano “E daí?”, e que, embora sendo “Messias”, não faz milagres, Lula, em entrevista, dá graças ao coronavírus, que, para ele, “veio demonstrar a necessidade do Estado”.

Diante de críticas, desculpou-se, o que já é avanço, pois sempre se recusou a se autoavaliar. Lula é um dos responsáveis pelo atual cenário político brasileiro; em 2018, ele insistiu em ver o PT disputar uma eleição anunciadamente perdida, inviabilizando saída menos polarizada.

Dono de si e de suas peculiares verdades, e apostando na amnésia geral da nação, Lula ainda condenou quem, hoje, queira “vender tudo o que é público”.

Mesmo vivendo dias absurdos e perigosos com Bolsonaro no poder, e tudo piorado com o vídeo da espantosa “reunião ministerial” de 22/04, não me farei de esquecido; por isso, afirmo que esse enunciado de Lula é outra de suas trapaças discursivas, pois ele manteve a ânsia privatista de FHC. A quem duvidar, pergunte ao grupo OHL, o grande vencedor das concessões para explorar, por 25 anos, pedágios em rodovias nacionais.

E o que é a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), criada por Dilma-PT, que se lixou para os clamores das universidades federais? Detalhe: Dilma a criou, mas foi Lula quem a concebeu.

Vamos à história?

Em 31/12/2010, Lula assinou a Medida Provisória 520, que caducou no Senado em 01/06/2011. Lula reordenou forças e elaborou o Projeto de Lei 1749/11, que, mesmo sob fortes protestos, foi aprovado em setembro de 2011 na Câmara. Em novembro, como Projeto de Lei Complementar 79/11, foi consumado no Senado.

Infelizmente, o PT de Lula é tão neoliberal e vendilhão de bens públicos quanto o PSDB de FHC e o governo Bolsonaro, hoje, sem partido, e, amanhã, quiçá, sem a presidência, isso se ele não tentar nos impor alguma arte malfeita no meio do caminho, como ameaçou o general Heleno em recente e repugnante “Nota à Nação”. 

Enfim, fora a capacidade que um tem de dissimular mais do que o outro e a militarização entranhada no sangue de um sobre o outro, na essência, ambos são “terrivelmente maléficos” ao mesmo povo, que, inadvertidamente, segue dividido, pensando cultuar mitos muito diferentes.

 

 
 
Segunda, 25 Maio 2020 15:01

 

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Roberto de Barros Freire*

 

Há vários mitos que circulam pela opinião comum, decorrentes fundamentalmente da falta de ilustração das pessoas. O mito só aparece nos discursos a-históricos, ou seja, quando não se conhece como o objeto ou o fenômeno surgiu e se desenvolveu, e se atribui causas e efeitos fantásticos para explicar o evento. Assim, os mitos são originários da fantasia dos homens, que quando não sabem da explicação real ou verdadeira, apela ao fantástico para justificar a ocorrência. É algo que se originou em tempos primitivos, quando os homens não sabiam distinguir o imaginário do real, e permanece até hoje nas mentes pouco instruídas, que acabam acreditando em tudo que dizem, quando o dito corrobora suas crenças pessoais.

Um dos mitos recorrentes em solo nacional é que as Forças Armadas são eficientes, capazes e honestas. Eficiência nunca comprovada, capacidade nunca testada e honestidade nunca avistada. Recentemente, inclusive, segundo a imprensa, milhares de militares acabaram recebendo R$ 600,00 de ajuda aos mais pobres, enganando os organismos estatais que distribuem tais recursos, tirando recursos dos necessitados. Na época da ditadura, ainda que houvesse censura, sabe-se dos custos astronômicos de suas obras, em particular em Itaipu, na ponte Rio-Niterói e na Transamazônica, todas obras faraônicas e superfaturadas, mas como na época não se podia noticiar, ficou escondido da população comum, sendo que essas informações só eram visíveis em certos meios. Mesmos com os jornais censurados, dava-se um jeito de avisar do problema, por vezes, como fazia o Estadão, colocando receita de bolo, para mostrar que o jornal havia sofrido censura.

A formação dos militares é muito fraca, basta ver o que disseram os generais palacianos na semana passada, pegando números errados, fazendo comparações de coisas incomensuráveis e atacando todos os entes civis, para preservar os militares e o presidente. A imprensa, o judiciário, o legislativo estão todos errados e só os militares estão certos, eis o discurso dos militares, o típico discurso infantil e autoritário, que busca mais culpados do que contribuir com a sociedade. Quando informaram nossos números da Covid, omitiram que há uma subnotificação, que varia de 5 a 15, dependendo do cálculo que se faça, ou seja, de cada caso notificado pode haver de 5 a 15 casos a mais não notificados. Falaram da Suécia, mas não informaram que ela tem números piores do que todos os estados escandinavos vizinhos que tiveram a política de distanciamento social, para compararmos com Estados equivalentes em condições de saúde e assistência social, o que não é o caso de se comparar com o Brasil, como erroneamente fizeram, que tem um péssimo serviço de saúde ou de assistência social. E o que é pior, os militares, que são portadores de recursos e meios para ajudar na saúde, pouco disponibilizam tais meios para a sociedade civil, ficando subutilizados apenas para militares. Não vejo os médicos e hospitais militares engajados na luta contra a pandemia. Não vejo eles utilizarem seus recursos de transportes para transportar a população ou técnicos. Não vejo montarem seus hospitais de campo em todo país, em particular no Amazonas que está um caos.

E mais ainda, não têm formação humanística, sendo preparados para matar homens, não para salvá-los. Uma formação arcaica, atrasada, sem perceberem que a vida humana é mais importante que a formação bélica, cada vez mais algo que o mundo precisa menos, visto que não há mais guerras de anexação, algo que acabou ao fim da segunda guerra.

As forças armadas são mais uma ameaça à sociedade civil do que uma garantia constitucional, como falsamente alardeiam; elas obedecem mais ao superior que a lei, que é o ordenador máximo da nação. Os militares estão tomando todos os postos civis e as coisas estão piorando. Piorou as derrubadas e queimadas nas nossas florestas. A saúde, as estradas, os minérios, enfim onde estão, pouco ou mesmo nada melhorou. Muitos acham que eles são capazes de tudo, mas na verdade são pouco capazes na maior parte das coisas que dizem respeito a vida civil.

Além disso, são dos funcionários públicos os mais privilegiados. Trabalham pouco, recebem muito e se aposentam cedo, e com altas aposentadorias, mais do que recebiam na ativa. Hoje em dia, tomando os postos do Estado, estão cada vez mais ameaçando a sociedade civil e a política, querendo transformar problemas políticos em questões técnicas, nada mais falso e a forma mais segura de acabar com a política. O exército é a maior ameaça à paz civil que sofremos atualmente, pois como mostra a história, eles inventam pretextos para darem seus golpes, como ocorreu em 64. Em nome de “inimigos” imaginários, derrubam os civis e impõe sua tirania. É um mito que os militares estão do lado da sociedade civil; seus altos custos operacionais retiram recursos fundamentais da educação, da saúde e da segurança, em detrimento de todos. Se há alguém que está praticando a desobediência civil é Bolsonaro, que quer passar por cima da autoridade dos governadores, do STF e do Congresso. Quer impor suas idiossincrasias e não respeita as esferas de decisões cívicas.
 
 
*Roberto de Barros Freire
Professor do Departamento de Filosofia/UFMT
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Quinta, 21 Maio 2020 13:18

 

 

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JUACY DA SILVA*
 

Existem milhares de pessoas pelo Brasil afora, sentados em corredores de unidades de saúde, no chão, em leitos improvisados ou "devolvidos para casa" por falta de vagas, ou desesperadamente em busca de socorro nas UPAs,  outras unidades de Saúde e em leitos de enfermarias de hospitais, públicos ou privados, aguardando uma vaga de UTI e um respirador. As UTIs, principalmente onde pacientes do SUS deveriam ser atendidos com dignidade e de forma humanizada, estão super lotadas, praticamente ocupadas com suas capacidades máximas, algumas próximas de 100%  e não existem respiradores suficientes para atender essas pessoas que estão nas filas da morte. Um Quadro tétrico conforme diversas relatos `a imprensa por profissionais da saúde, esgotados e angustiados por serem testemunhas de tanto sofrimento e morte.

No hospital das clinicas da Universidade de São Paulo, segundo o noticiário dos últimos dias, indicam que 80% das pessoas internadas em UTIs necessitam de respiradores para continuarem sobrevivendo e lutando pela vida, o que nem sempre conseguem.

Os relatos de médicos/médicas, enfermeiras/enfermeiros ou familiares dessas vitimas indefesas, a quem é negado o principal e maior direito que é a VIDA, são dramáticos, tristes, horrorosos, como o de um senhor que morreu, tendo ficado todo roxo, sufocado, bem na frente desses profissionais de saúde, sem que os mesmos pudessem salvar aquela vida.

Quando somadas as pessoas que estão nas FILAS DA MORTE, chegam a milhares  aguardando  tanto um leito de UTI quanto um respirador, sentadas em cadeiras simples (não elétricas como acontece em alguns países que adotam a pena de morte), em macas, no chão, para praticamente zero de possibilidades. Resultado, as FILAS DA  MORTE, constituídas por pessoas que aguardam que algum paciente se recupere ou morra para abrir uma nova vaga crescem muito mais rápido do que a disponibilidade de leitos de UTIs e de respiradores, mesmo com a construção de hospitais de campanha ou aquisição de leitos de UTIs disponíveis no Sistema privado de saúde, tudo, é claro, a preços exorbitantes e as vezes superfaturados.

Mesmo diante da subnotificação vergonhosa que existe no Brasil, principalmente em decorrência da baixa capacidade de realizar testes em massa e diagnosticar a verdadeira situação, o número exato de quantas pessoas estão infectadas pelo Coronavírus no país e sendo transmissores para outras pessoas, a cada dia milhares de pessoas são diagnosticadas com CORONAVIRUS, como aconteceu no último dia 19 deste mês de maio (última terça feira, ontem) quando o número de novos casos chegou a 17.628 um recorde tanto no Brasil quanto na maior parte dos países e o número de novas mortes em 24 horas também bateu mais um recorde e chegou a 1.179 praticamente igual a de diversas países europeus no auge da pandemia há poucas semanas.

A subnotificação, conforme estudo recente informa que o número real de casos e de mortes por coronavírus pode ser de 3; 4; 5 ou de até 16 vezes maior do que os dados informados pelas autoridades sanitárias (Ministério da Saúde e secretarias estaduais e municipais de saúde), outros estudos indicam números menores, mas que somente uma testagem em massa, como feito pelos EUA, Rússia e outros países pode realmente determinar o tamanho do problema.

Enquanto isto em um mês dois ministros da saúde deixaram o cargo por discordarem das posições esdrúxulas do Presidente Bolsonaro nesta questão e o atual ministro, um general, que também já nomeou mais de 20 militares no Ministério da Saúde, não consegue adquirir e nem promover esta testagem em massa e, por isso, não dispõe de um diagnóstico verdadeiro da situação.

Devido ao descaso e conflitos em torno das estratégicas de como enfrentar o problema de forma racional, tanto por parte de inúmeras autoridades, empresários e da população em geral, que não sabe a quem seguir, se o Presidente da República que passou a ser um entusiasta propagandista da cloroquina, mesmo não sendo médico e a combater o isolamento/distanciamento social, apesar de tal estratégia ser a recomendada pela OMS e pelas comunidades médica e científica,  o país defronta-se com o  avanço acelerado do CORONAVIRUS  tanto o número de novos casos quanto o de mortes, muito mais do que a capacidade dos  governantes em providenciarem leitos de enfermarias (apesar da construção de hospitais de campanhas em algumas cidades) e também leitos de UTI, respiradores, equipamentos de proteção individual para o pessoal da saúde, que são os guerreiros na linha de frente, que também estão sendo contaminados e vários dos quais acabam perdendo a vida, morrendo, desnecessariamente, enquanto os políticos estão preocupados com cargos, o toma lá dá cá e as eleições municipais ou as de Presidente, esta que só deve ocorrer em 2020.

Devido ao conjunto de todos esses fatores, médicos, cientistas, gestores de saúde, alguns governadores e prefeitos, há semanas e meses vem alertando que o PICO tanto de casos quanto de mortes ainda nem chegou no Brasil e que isto talvez só ocorra entre final de junho e inicio de julho, ou seja, durante mais de um mês ainda vamos assistir diariamente esta tragédia em tempo real.

A possibilidade do Brasil, principalmente em alguns estados e regiões metropolitanas, que possuem milhões de pessoas vivendo em favelas ou habitações sub-humanas,  sem saneamento básico, sem água potável, sem trabalho e sem renda, defrontar-se com o COLAPSO TOTAL dos sistemas de saúde público e privado é muito alto e aí, estaremos em situação muito pior do que a que ocorreu na Itália, na Espanha e nos EUA, na Inglaterra e outros países, cujos sistemas de saúde e funerárias são muito superiores aos do Brasil e que não possuem a quantidade de pessoas vivendo em verdadeiros amontoados humanos como nas favelas, cortiços, casas de cômodo, palafitas ou até mesmo em conjuntos habitacionais que não passam de novas favelas, onde a proximidade das "casas" e a quantidade de pessoas vivendo em pequenos espaços é enorme, onde o contagio também é enorme e rápido. Se aqueles países com condições muito melhores e uma economia muito mais forte do que o Brasil entraram em colapso, imaginemos qual o cenário que se projeta em nosso país, com todas as mazelas mencionadas.

Por essas razões, em poucas semanas, mesmo com a subnotificação que ocorre, o Brasil passou da 10a. posição em número de casos de pessoas infectadas para o terceiro lugar e, para desgraça da população, dentro de mais alguns dias seremos o segundo país com um maior número de infectados e talvez até o final da pandemia também passaremos a atingir a triste marca de segundo ou terceiro país com mais mortes, Talvez mais de 30 ou 35 mil mortes, conforme algumas projeções.

A questão da subnotificação também está associada aos baixos índices de testes que são realizados no Brasil. Nosso pais ocupa da 101a. posição em número de testes realizados por um milhão de habitantes. Em termos de total de testes realizados, no mundo até no último sábado haviam sido realizados pouco mais de 59 milhões de testes e no Brasil, em torno de 800 mil apenas, ou seja, nada mais do que 1,4% do total mundial, apesar do Brasil ter a sexta maior população do planeta.

Ontem, dia 19 de maio de 2020, foi um dia histórico, não no sentido de termos alguma coisa positiva para comemorar, mas sim, porque nesta data o Brasil registrou tanto o maior número de novos casos de pessoas diagnosticadas positivamente, ou seja, estão infectadas com o coronavírus e na medida em que a maioria da população não esta praticando o isolamento social,  milhões estão saindo às ruas, se aglomerando, sem uso de máscaras e sem os cuidados necessários o numero de pessoas infectadas vai aumentar rapidamente.

Neste dia foram registrados 17.628 mil novos casos de coronavírus e também fomos testemunhas mudas de mais 1.179 mortes, repito, desnecessárias, muitas precoces e muitas em uma situação de negligência e falta de atendimento, pelas razões já apontadas, totalizando,271.628 casos e 17.071 mortes.

Mantida esta tendência, com toda certeza, dentro de poucos dias o Brasil deverá ultrapassar a Rússia em número de casos positivos/pessoas infectadas com o CORONAVIRUS e como existe uma relação entre quantidade de pessoas infectadas x número de mortes, que no caso do Brasil este índice é de 6,6%; quanto maior o número de pessoas infectadas, aliados ao fato da falta de UTIs e respiradores, que contribuem para a formação das FILAS DA MORTE, com toda a certeza o Brasil será o país com maior progressão dos casos positivos e também de mortes, só perdendo para os EUA.

Segundo notícias, matérias, relatórios e estudos de diversas organismos brasileiros, como universidades, Fundação Oswaldo Cruz e outros mais, desde fevereiro deste ano até dados mais recentes, tem demonstrado que apenas 536 ou apenas  9,6%  dos 5.570 municípios brasileiros possuem unidades de saúde com UTIs e menos ainda com respiradores, condições necessárias e imprescindíveis para atenderem e tratarem os doentes infectados com CORONAVIRUS e também de tantas outras doenças que já fazem parte dos quadros epidemiológico e de mortalidade no Brasil.

Nos municípios que não possuem nenhuma estrutura compatível com o enfrentamento do coronavírus, reside mais de 48 milhões de pessoas (22,7% do total da população brasileira) e com o avanço do coronavírus para o interior e também para áreas indígenas e favelas/comunidades, para pequenas e médias cidades, as pessoas infectadas acabam sendo transferidas (quando conseguem) para outras cidades maiores, cidades polos e, principalmente, para as capitais e regiões metropolitanas onde concentram mais de 85% das UTIs do país.

Outro problema sério que já vem de longe é a disparidade entre os sistemas público e privado de saúde. O SUS já vem em processo de falência, de sucateamento há anos, com cortes de recursos orçamentários, financeiros, falta de pessoal/recursos humanos e equipamentos, redução do número de leitos em geral e de UTIs em particular, tendo como resultado uma enorme fila da morte (física ou virtual). Inúmeras reportagens em anos recentes tem demonstrado a precariedade e o caos que ja existia na saúde publica do país, que é responsável pelo atendimento a mais de 159 milhões de pessoas, que pela precariedade de renda, só tem o SUS como recurso para tratamento da saúde.

De acordo com o cadastro nacional dos estabelecimento de saúde do Ministério da Saúde, em 2010 o SUS tinha 336.842 leitos hospitalares e em 2018 tinha apenas 302.524, ou seja, em oito anos perdeu 34.318 leitos, 10% do total e neste mesmo período a população brasileira passou de 195,7 milhões de habitantes para 209,5 milhões, um crescimento de 7,1%.

Considerando que 75% da população brasileira tem o SUS como único recurso para seus cuidados com a saúde, isto significa que em 2010 esta clientela era representada por 146,8 milhões de pessoas e em 2018 passou para 157,1 milhões de pessoas, um aumento de 10,3 milhões e em 2020 são 159 milhões de pessoas.

Se em 2010 o atendimento do SUS já era precário, imaginemos como estariam sendo em 2018 com um aumento de 10,3 milhões de pessoas e uma redução de 34.318 leitos e como esta sendo nos dias de hoje.

É neste contexto que a crise deste momento em que o CORONAVIRUS ataca de forma acelerada, que o Sistema público de saúde brasileiro está se exaurindo,  entrando em colapso total, prejudicando, inclusive, milhões de pessoas que todos os anos, todos os dias precisam de atendimento médico, hospitalar, desde as UPAs ou PSF até hospitais e centros cirúrgicos por serem portadoras de diversas outra doenças como problemas cardíacos, respiratórios, diabetes, hipertensão, acidentes diversos, diversas tipos de câncer, doenças crônicas degenerativas e outras mais, incluindo doenças de massa transmissíveis como dengue, zika, chicungunha, pneumonia, malária, tuberculose, problemas visuais etc.

A essas pessoas, milhões de pessoas, está também sendo negado o direito à saúde, pois o Sistema publico de saúde está praticamente voltado,  única e exclusivamente, para suspeitos de ou doentes com coronavirus, negligenciando os demais casos. Além disso, as pessoas que não tem coronavirus mas precisam de atendimento do SUS ou mesmo da rede privada estão temerosas de irem a uma unidade de saúde e acabarem sendo infeectadas. Este é o outro lado das FILAS DA MORTE, pois esses pacientes também fazem parte desta fila macabra.

A situação entre 2018 e 2020, quando o coronavirus chegou ao Brasil , já estava muito pior e, a catástrofe que estamos vendo não deveria causar espanto nem para as autoridades, a grande maioria que pouco se importa com a sorte e o destino do povo; nem para a imprensa que cobre diariamente o sucateamento e caos na saúde pública e muito menos para a população em geral e em particular das pessoas que são humilhadas e tratadas com descaso ante o quadro lastimável em que se encontra a saúde dos pobres, como costumo chamar a saúde publica no Brasil.

Portanto, a chegada do CORONAVIRUS apenas retirou a cortina, o manto que aos olhos dos governantes, encobria o estado lamentável, caótico e as vezes criminoso em que se encontrava e se encontra a saúde pública no Brasil.

Com uma alta probabilidade de acerto podemos dizer que passada esta onda do coronavírus, milhares de leitos desses hospitais de campanha improvisados, serão desativados, quando o caos e sucateamento do SUS será maior ainda e tudo voltará ao “normal”, pessoas em filas virtuais ou físicas, abandono, descaso, falta de leitos, equipamentos, recursos humanos, orçamentários e financeiros.

O total de UTIs pouco antes do CORONAVIRUS iniciar a sua devastação no Brasil, conforme Estudo que mapeou leitos de UTI, respiradores e as necessidades do SUS para enfrentar a COVID-19, realizado por uma equipe de pesquisadores do  Instituto  de Estudos para Politicas Públicas (IEPES)  divulgado inicialmente pela FGV em  23 de março último, indicam que das 436 regiões de saúde do Ministério da Saúde, 279 (63,3% tinham menos de 10 leitos de UTIs, para cada grupo de 100 mil habitantes). Em relacao ao SUS 316 (72%) estavam abaixo do minimo necessário, onde estão 56% da populacao brasileira (119 milhões de habitantes).

Em 142 das regiões de saúde, no que concerne a leitos de UTIs para uso do SUS não tinham sequer um leito de UTI, para atender 31,7 milhões de habitantes que sempre estiveram totalmente desassistidos quando necessitam de um leito de UTI, ou mesmo um leito hospitalar comum ou até mesmo exames de rotina, com destaque de que essas áreas estão concentradas mais na Amazônia Legal e no Nordeste.

Todavia, mesmo nas demais regiões (Sudeste, Sul e Centro-Oeste) 40% da população depende única e exclusivamente do SUS para suas demandas de saúde, principalmente as que integram as camadas excluódos, de baixa renda, subempregados, desempregados. Mas nada disso chamava a atenção de governantes que agora dizem estar super preocupados com os pobres, desassistidos, desempregados e sem renda.  

No Brasil 25% da população (53 milhões de habitantes) tem planos de saúde ou condições financeiras para custearem seus cuidados com saúde , entre os quais os marajás da República em Brasília e nos Estados, que além de terem altos salários ainda tem planos especiais ou ajuda de custo, para custearem suas despesas com saúde; enquanto 75% da população (159 milhões de pessoas) dependem exclusivamente do SUS e nem renda possuem para aquisição de medicamentos.

De acordo com o estudo que mapeou os leitos de UTI e respiradores, verifica-se que no Brasil até a data do estudo, existam 40.600 leitos de UTIs e o SUS tinha apenas 44% dos mesmos (17.900 leitos) e o Sistema privado de saúde o restante (22.700). Tendo em vista o número de pessoas que cada Sistema (SUS e o sistema privado)  deve atender, percebe-se uma grande disparidade no que concerne `a possibilidade de atendimento.

Esta é a razão pela qual neste momento faltam leitos e respiradores na saúde pública (SUS) que já entrou em colapso e sobram leitos no Sistema privado que estão sendo “comprados” pelos poderes públicos, o que representa de certa forma um mercado da morte, a preços de ouro, além de outros deslizes na aquisição e até mesmo certo nível de corrupção na área da saúde, mesmo em um momento tão sofrido e doloroso para milhões de brasileiros.

Enquanto o SUS dispõe de 11,3 leitos para cada 100 mil habitantes/clientes; no Sistema privado de saúde são 42,8 leitos para cada 100 mil habitantes/clientes. Se este referencial fosse aplicado ao SUS, com toda a certeza o número de mortes não seria tão elevado e o tamanho das FILAS DA MORTE seriam bem menores no Brasil, ou seja, o CORONAVIRUS não teria o poder destruidor como vem apresentando em nosso país.

Diversos outros países, muito mais populosos do que o Brasil, como China e Índia, por exemplo, com mais de 1,4 e 1,38 bilhões de habitantes, respectivamente, tiveram ou estão tendo um número ínfimo de casos e de mortes, quando comparados com paises europeus, EUA e o Brasil. Isto demonstra que existem estratégias mais eficientes e sistemas de saúde mais efetivos e eficazes do que no Brasil.

Além da diferença gritante de leitos de UTIs entre o SUS e o Sistema privado de saúde, existe também uma enorme concentração de leitos hospitalares em geral e de UTIs e respiradores, em particular, nas capitais e nas cem cidades com maiores populações, as chamadas cidades polos, presentes em todos os Estados e DF, para onde acorrem, em tempos normais, milhares, milhões de pacientes, transportados em ambulâncias ou outros meios, para essas cidades.

Por muito tempo e isto ainda acontece atualmente no Brasil, a grande politica de saúde pública na maioria ou quase totalidade dos municipios com menos de cem mil habitantes é a “abulancioterapia”, houve, inclusive uma época que precisou ser realizada uma CPI das ambulâncias, tamanha era a corrupção neste setor, fator este que ajuda a explicar o sucateamento, caos e colapso do SUS.

Só para exemplificar este aspecto, em Mato Grosso, existem 141 municípios, cinco deles, incluindo a Capital Cuiabá, Várzea Grande, Cáceres, Rondonópolis e Tangará da Serra concentram 80,5% do total de leitos de UTIs. Só Cuiabá representa 60,7% do total de UTIs, que no Estado todo são 1.318. Em apenas 15 dos 141 municípios do Estado estao concentrados 94,2% do total de UTIs.

Esta mesma situação se repete praticamente em todos os Estados da Federação, uma das ou talvez a maior razão do colapso do Sistema público de saúde. Esta é a realidade de uma “cronica anunciada”, o coronavirus surgiu apenas para tornar a realidade sanitária brasileira um pouco mais cruel, mas parece que nem esta realidade e muito menos o colapso do SUS comovem nossas autoridades! Lamentável em todos os sentidos.

Com toda a certeza, diante dos impactos econômicos, institucionais e a recessão, queda de arrecadação dos poderes públicos, aumento de desemprego, perda de renda por um enorme contingente populacional, milhões de pessoas que hoje possuem planos de saúde, serão ‘empurradas” para o SUS.

Diante disso, o SUS pós coronavirus deverá precisar, muito mais do que antes, de também ser socorrido por uma UTI e irá precisar de um respirador para não morrer definitivamente!

Podemos afirmar, com um Elevado grau de probabilidade, que dentro de poucos meses o SUS também estará na FILA DA MORTE e com ele dezenas de milhões de brasileiros e brasileiras, principalmente as camadas excluídas social, econômica e políticamente.

*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado UFMT, sociológo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veiculos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy