Terça, 19 Maio 2020 12:30

 

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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JUACY DA SILVA*
 

A partir deste sábado, 16 de Maio até o domingo da próxima semana, dia 24 de maio de 2020, o mundo católico e também bilhões de fiéis de outras religiões estarão comemorando  mais uma SEMANA DA LAUDATO SI, o quinto aniversário desta, que pode ser considerada a mais importante Encíclica voltada para as questões ambientais ou o que o seu autor, o Papa Francisco, tem enfatizado como ECOLOGIA INTEGRAL.

No dia 24 de Maio de 2015, mesmo ano em que a ONU apresentava ao mundo os OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTLO SUSTENTÁVEL, o PAPA FRANCISCO, divulgou, ofereceu `a Igreja Católica e a todas as pessoas de bem ao redor do mundo,  a “LAUDATO SI” (LOUVADO SEJA”), a chamada ENCÍCLICA VERDE, que dentro de uma semana estará comemorando seu quinto aniversário.

Mesmo que o mundo esteja em meio à PANDEMIA do CORONAVIRUS, também denominada de CONVID-19, em meio a muito medo, as vezes pânico, um tremendo sofrimento e centenas de milhares de mortes, nem por isso, devemos esquecer que pesa sobre o planeta terra um grande desastre preconizado por cientistas, governantes, estudiosos, já anunciado, tendo como, se é que podemos assim denominar de epicentro, as mudanças climáticas, cujas consequências poderão e com certeza serão muito maiores do que as provocadas pelo CORONAVIRUS.

Logo no inicio da LAUDATO SI, o PAPA FRANCISCO refere-se ao cântico de São Francisco de Assis, o Santo da Ecologia, do Meio Ambiente e de todas as criaturas viventes sobre a terra, quando ele (São Francisco de Assis) assim dizia “Louvado seja, meu Senhor, pela nossa irmã, a MÃE TERRA, que nos sustenta e governa e produz variados frutos, com flores coloridas e verduras”.

A este cântico, o Papa Francisco aduz o inicio de seu pensamento desenvolvido ao longo da Encíclica, quando afirma “Esta irmã clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nos colocou. Crescemos pensando que éramos seus proprietários e DOMINADORES, autorizados a saqueá-la. A violência, que está no coração humano, ferido pelo pecado, vislumbra-se nos sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos. Por isso, entre os pobres mais abandonados e maltratados (o centro das preocupações, das exortações e do pensamento do Papa Francisco), encontra-se a nossa TERRA OPRIMIDA e devastada, que está “gemendo como que em dores de parto”.

A Laudato Si é constituída, além de uma parte introdutória, mais seis capítulos que orientam o leitor a uma viagem, uma caminhada, dentro da metodologia utilizada pela Igreja Católica, o VER, OUVIR E AGIR. Isto pode ser observado a partir dos títulos de cada capítulo: I) O que está acontecendo com a nossa CASA COMUM; II) O evangelho da criação; III) A raiz humana da crise ecológica; IV) Uma ECOLOGIA INTEGRAL; V) Algumas linhas de orientação e ação; VI) Educação e espiritualidade ecológicas. Em sua versão impressa, documento 201 da CNBB, da Edições Paulinas, a “Laudato Si” tem 197 páginas e em uma de suas versões online tem 87 páginas e na versão do site do Vaticano tem 197 páginas.

A “Laudato Si” está inserida e contribui para a atualização da Doutrina Social da Igreja (DSI), inserindo na mesma uma preocupação cristã e católica quanto ao destino de nossa CASA COMUM, que é o Planeta Terra, afinal, como diz o Papa Francisco “Tudo esta interligado”, o mundo é, neste sentido uma “aldeia global” e, como tal, todos somos responsáveis pelo que é de bom ou de ruim; de certo ou errado que fazemos quando nos relacionamos com a natureza.

O ser humano não existe sem a natureza e esta, inserida no contexto da criação divina, só tem sentido se colocar a humanidade de forma integrada, por isso, somos um todo único e o destino da humanidade está diretamente inserida no destino do planeta terra, que, lamentavelmente, está sendo destruído de forma impiedosa, principalmente quando se coloca a exploração irracional dos recursos naturais, na busca e na transformação desses recursos naturais como base para o lucro, para cultuar de forma desmedida o “deus mercado”, que tantos males tem feito ao planeta terra.

Na “Laudato Si” (item 13)  Francisco afirma de forma enfática “O urgente desafio de proteger nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família humana, na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as coisas podem mudar” e a seguir ele reafirma o seu apelo dizendo “Lanço um convite urgente a renovar o diálogo sobre a maneira como estamos construindo o futuro do Planeta. Precisamos de um debate que nos una a todos, porque o desafio ambiental que vivemos  e as suas raízes humanas dizem respeito e tem impacto sobre todos nós. O movimento ecológico mundial já percorreu  um longo e rico caminho, tendo gerado numerosas  agregações de cidadãos que ajudaram na conscientização”.

Esta exortação e apelo do Papa Francisco não é direcionado apenas aos católicos, mesmo que este seja um dos maiores grupos religiosos do mundo, com mais de 1,3 bilhão de adeptos, que, juntamente com os protestantes/evangélicos totalizam, como cristãos, 2,2 bilhões de pessoas; seguindo-se também os demais grupos religiosos, como o islamismo com 1,6 bilhão de pessoas; o hinduísmo com 1,0 bilhão de pessoas e o budismo com pouco mais de 900 milhões de pessoas.

Esses grupos religiosos representam mais de 70% da população da terra e em seus livros sagrados constam vários ensinamentos e princípios doutrinários que exortam seus fiéis a respeitarem o meio ambiente, a natureza, a biodiversidade como criação divina e não algo a ser utilizado de maneira utilitária e predatória, mas respeitando o princípio da sustentabilidade que é fundamental para que as próximas e futuras gerações possam também usufruir dos bens da natureza que estão inseridos na ideia do bem comum e da nossa casa comum.

Na “Laudato Si”  o Papa Francisco destaca que “Espero que esta carta encíclica, que se insere no magistério social da Igreja, nos ajude a reconhecer a grandeza, a urgência e a beleza dos desafios que temos pela frente” e a mensagem da encíclica segue afirmando “ Poderemos assim propor uma ecologia que, nas suas várias dimensões, integre o lugar específico que o ser humano ocupa neste mundo e as suas relações com a realidade que o rodeia”.

As relações tanto sociais, econômicas, culturais quanto politicas devem ter o mesmo peso que nossas relações com a natureza. Fruto dessas relações, quando as mesmas não são guiadas pelos princípios da ética, da justiça, da sustentabilidade, da equidade e da fraternidade é o surgimento de sociedades opressoras, que geram exclusão, pobreza, miséria, desperdício, lixo em abundância, ganância, prepotência, degradação e crimes ambientais.

Existe um liame perfeito entre os princípios de uma “Igreja em saída”, missionária, comunitária, misericordiosa e também profética, que não pode compactuar com o desrespeito aos direitos fundamentais das pessoas, onde estão incluídos o direito `a vida, ao trabalho, `a dignidade, a liberdade, à busca da felicidade e, também, o direito a um meio ambiente saudável e ecologicamente integrado.

Governos que não dão importância e não respeitem o meio ambiente, cujas politicas públicas estimulam a destruição e degradação ambientais, a morte da biodiversidade, ao uso indiscriminado de agrotóxicos, à poluição do ar, das águas, do solo estão na contramão dos ensinamentos e das exortações da “Laudato Si” e precisam ser denunciados como coadjuvantes de prática ambientais predatórias e criminosas.

Como exemplo dessas relações, reafirmando que tudo “está interligado”, a “Laudato Si” reafirma de forma peremptória que “a relação íntima entre pobres e a fragilidade do planeta, a convicção de que tudo está estreitamente interligado  no mundo, a crítica do novo paradigma e das formas de poder que derivam da tecnologia, o convite a procurar outras maneiras de entender  a economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura, o sentido humano da ecologia, a necessidade de debates sinceros e honestos e a grave responsabilidade  da politica internacional e local, a cultura do descarte (e o desperdício) e a proposta de um novo estilo de vida”.

Enfim, a “Laudato Si”, tanto como uma encíclica em si mesma quanto uma exortação dirigida a todas as pessoas, independente de raça, cultura, credo, classe social, nos vários continentes e países, inclusive no Brasil, nos chama à responsabilidade em relação ao futuro do planeta, não apenas enquanto exercício intelectual mas, fundamentalmente, como bases e princípios para a ação como cidadãos e cidadãs conscientes e que agem coletivamente. Esta é a grande exortação que podemos extrair da Encíclica Verde e dos ensinamentos do Papa Francisco.

Não fosse a pandemia do coronavírus, esta semana seria plena em termos de eventos como ações em defesa do meio ambiente, seminários, palestras, fóruns de debates e discussões do conteúdo desta que é chamada de ENCÍCLICA VERDE.

Mesmo que o COVID-19, que já infectou mais de 4,57 milhões de pessoas, levando a morte 308,3 mil pessoas no mundo e 220,3 mil casos e 15,2 mil mortes no Brasil, esteja limitando, sobremaneira, nossas ações tanto pelo estado de emergência em que vivemos quanto no isolamento/distanciamento social a que estamos sendo submetidos, mas mesmo assim, podemos agir virtualmente, aprofundarmos nossas reflexões, ler e reler esta Encíclica, procurarmos entender as suas propostas de ação, principalmente quando o PAPA FRANCISCO e diversas cientistas, estudiosos das questões ambientais apontam que o caminho para superarmos os desafios mundiais que estão se agravando, principalmente decorrentes das mudanças climáticas e crimes ambientais é a ECOLOGIA INTEGRAL.

Algumas pessoas costumam dizer que for a da ECOLOGIA INTEGRAL não existe salvação para o planeta, tudo o mais são medidas paliativas que apenas vão retardar o grande desastre ambiental ou tentar mitigar seus efeitos.

Esta é apenas uma parte do que devemos levar em consideração quando estamos iniciando esta SEMANA ESPECIAL, dedicada para comemorar o quinto aniversário da “LAUDATO SI”.

Quem desejar se aprofundar mais no conteúdo da Encíclica Verde, basta entrar em qualquer site de busca na internet e vai encontrar tanto a “Laudato Si”, em sua integra, quanto diversas estudos sobre a mesma e os temas nela tratados, principalmente o que é a ECOLOGIA INTEGRAL, como o caminho para superarmos esses desafios que tanto nos afligem e a partir dos quais, com toda certeza, se nada for mudado, algo muito pior e mais terrível do que o COVID-19 e todas as pandemias que já ocorreram no mundo que ceifaram bilhões de vida, deverá ocorrer que será o grande desastre ambiental, um verdadeiro apocalipse, algo que muita gente diz que será o “Armagedon”, que poderá destruir se não totalmente, pelo menos a grande maioria da espécie humana.

Mesmo assim, ainda existem pessoas e governantes totalmente alienados, despreocupados, inclusive no Brasil, com as questões ambientais, que poderão provocar desastres que surgirão quando menos se esperar como aconteceu com o coronavírus, que pegou o mundo todo muito despreparado, apesar de que todos ou a grande maioria dos governantes saberem que existia e continua existindo a probabilidade de uma “Guerra bacteriológica” e mesmo assim, nada  fizeram para prevenir este desastre humano, social e econômico que está sendo e será o CONVID-19.

Já que estamos em isolamento social, muita gente sem ter o que fazer, talvez este seja o momento, durante esta semana especial dedicada ao quinto aniversario da “Laudato Si”, lermos ou relermos esta Encíclica, discutirmos virtualmente o seu conteúdo e nos preparamos para um maior ativismo ambiental a partir da retomada no pós CORONAVIRUS, quando a retomada a economia deverá respeitar ainda mais o meio ambiente e a sustentabilidade.

Gostaria , para finalizar esta reflexão, de enfatizar o que consta do item 137 da “Laudato Si”, que, a meu ver, é o âmago desta Encíclica, quando  o Papa Francisco  destaca que “Visto que tudo esta intimamente relacionado e que os problemas atuais requerem um olhar que tenha em conta todos os aspectos da crise mundial, proponho que nos detenhamos agora a refletir sobre os diferentes elementos de uma ECOLOGIA INTEGRAL, que inclua claramente as dimensões humanas e sociais”.

Assim, mesmo que já tenham se passado cinco anos desde que surgiu esta Encíclica, seus princípios, exortações e ensinamentos estão perfeitamente atualizados para os dias de hoje. Nunca o mundo precisou tanto desses ensinamentos como no atual momento crítico de nossa história.

*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular, aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy
 
 

 

Segunda, 18 Maio 2020 14:33

 

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A pedido do professor Geraldo Lúcio Diniz, do Departamento de Matemática da UFMT/Cuiabá, reproduzimos a Nota Oficial – EPICOVID 19: uma pesquisa para salvar vidas.
 

 
Segunda, 18 Maio 2020 14:12

 

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Profa. Vanessa C Furtado
Depto de Psicologia 
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Hoje é 18 de maio, dia da Luta Antimanicomial, luta esta construída por pessoas em sofrimento psíquico, seus familiares profissionais da saúde que ousaram imaginar e ousaram fazer uma sociedade sem manicômio.. Romper com os manicômios é estratégia fundamental para lidar com o sofrimento psíquico.
 
Talvez agora, ouso eu imaginar, não seja mais tão difícil de compreender quão sofrido é ficar limitado a um único espaço quando nos vemos obrigadas a ficar em casa e/ou limitar nossas saídas. Somada às nossas próprias experiências com o período necessário desta quarentena, outro fato que denuncia os prejuízos e sofrimento psíquico que o isolamento causa é o volume das chamadas "lives" sobre Saúde Mental e Quarentena, bem como, o aumento de oferta de acolhimento psicológico on-line. Então, devemos perguntar: Por que uma prática de isolamento social é defendida como tratamento para o sofrimento psíquico?
 
A respostas não é simples, mas, longe de querer ser simplista, o que podemos dizer, baseada numa análise histórica das ciências médicas, psiquiátricas e dos manicômios em nosso país é que a lógica angular dessa prática foi a Eugenia. Essa mesma palavra que andou circulando nas redes sociais, quando o médico Lichtenstein diretor técnico do Hospital das Clínicas denuncia essa mesma lógica por trás das ações anti-quarentena.

Grasso modo, de acordo com o dicionário da língua portuguesa: Eugenia se caracteriza por uma técnica que visa à seleção nas coletividade humanas baseada na genética. Na prática, foi essa técnica utilizada por Hitler para produzir a raça pura ariana e é com este espírito nazista que as ideias eugênicas entram no Brasil, com o objetivo de embranquecer a população, castrar doentes mentais, eliminar os "depravados" e produzir, assim, seres humanos que chegassem perto da ideia de raça pura e superior, essencialmente branca baseada na estética européia, em suma, no ethos burguês.
Portanto, a Luta Antimanicomial é e deve ser, uma luta anti-racista, num contexto como o do Estado de MT, por exemplo, onde a grande maioria da população dos hospitais psiquiátricos é negra.  Não por pura coincidência histórica, o primeiro manicômio no Brasil data de 1852, quando começam a ganhar força os movimentos abolicionista. Sob a falácia do cuidado, os manicômios se tornariam, então e até hoje, mais uma forma de aprisionamento do povo preto.

Contudo, compreendo o processo saúde e doença como fruto de múltiplas determinações e diretamente influenciada pelas condições do meio, objetivas e materiais e por isso, também não se trata aqui de negar que a população negra está submetida, em sua maioria, a condições que serão marcadores determinantes no processo de sofrimento psíquico e devem dispor de condições dignas de atenção à sua saúde, consideradas suas particularidades.. São condições objetivas e materiais, por exemplo, quando no meio desse período de quarentena a população do Complexo do Alemão no RJ é surpreendida com uma chacina do BOPE, onde 13 pessoas foram assassinadas, moradores do complexo tiveram seus carros destruídos pelo "caveirão" e as suas casas marcadas de bala, violência e desespero. Onde, sob orientação de isolamento social, famílias vizinhas se viram obrigada a se aglomerarem juntas em único cômodo pra se protegerem das "balas perdidas".

A luta Antimanicomial, não tem a ver só a ver com o método de "tratamento" psiquiátrico, ela está relacionada com as entranhas de uma sociedade construída sobre opressões, ela é combate, enfrentamento dessas opressões. Quando a jornalista Daniela Arbex relata no livro "O Holocausto Brasileira" a realidade do manicômio de Barbacena-MG, ela conta histórias de mulheres que foram violentadas dentro e fora do manicômio. As que foram violentadas fora, estavam lá justamente pelas consequências da violência, adolescentes que ficaram grávidas em estupros, mulheres cujos maridos as internava mesmo sem laudo médico… As que foram violentadas dentro, das inúmeras violações que sofreram, a sexual e o roubo de seus bebês (frutos da violência sofrida) gerou um "comércio" de adoções. Por isso, a luta Antimanicomial deve ser uma luta contra o patriarcado e o machismo.

Machismo que historicamente tratou as psicopatologias como uma doença feminina, a doença que vem do útero - Histérica! Que se popularizou no vocabulário cotidiano como forma de deslegitimar e desqualificar o discurso de uma mulher, mas também como forma de desumanizar e desvincular do machismo estrutural de nossa sociedade o ato de violência sexual frequentemente cometida por homens.

No esteio dessa vulgarização do sofrimento psíquico, nas interpretações esotéricas e mágicas dos fenômenos psíquicos, nas romantizações da loucura ou nas soluções simplistas para cuidar da saúde mental instaura-se um jogo perverso onde o misto de vontade de ajudar ao próximo movido pela caridade cristã e a banalização do sofrimento sob a ditadura da felicidade individualizam e, culpabilizam apenas o sujeito por seu adoecimento seja por sua constituição genética seja por sua falta de fé e positividade. E mais, deslegitima-se o processo de acúmulo histórico de construção do conhecimento sobre este fenômenos, este fazer científico que desenvolve um conjunto técnico-operativo para tratar pessoa em sofrimento psíquico que prescinda do manicômio. Esta realidade já deixou, em algumas regiões do país, de ser uma utopia a ser alcançada, para se transformar em ações concretas que ao longo dos últimos 20 anos vêm demonstrando sua eficácia, e que são apoiadas em um referencial que é técnico, construído também a partir da prática de profissionais que lidam cotidianamente com pessoas em sofrimento psíquico. O modelo de atenção psicossocial emplementado no Brasil é hoje uma das principais referências mundiais. Esta prática em Saúde Mental se torna referência porque suas ações se demonstram efetivas na atenção às pessoas em sofrimento psíquico e seus familiares.
 
Desconsiderar todo esse acúmulo de experiências e conhecimento é, em última instância, acobertar o quão desumanizante é a forma de viver em uma sociedade onde eu, você, nossa força de trabalho, nossa saúde são só mais uma mercadoria. Onde se enxerga no adoecimento um mercado a ser explorado e extraído lucro. A psiquiatria é repleta de "cloroquinas" e, os anseios de uma pílula mágica que leve todo mal como que por um milagre ou decreto, já são nossos velhos e conhecidos fantasmas. 
 
A luta Antimanicomial, portanto, é resistência à mercadologizaçao da vida, a humanidade em nós, pois, agoniza nos sintomas da psicopatologia, transborda desesperada na tentativa de subverter a lógica ainda que seja a psíquica e resiste a não ser explorada, excluída, suprimida, coisificada. A luta Antimanicomial quebra a lógica de sujeitos objetos e descartáveis, ela não só deve analisar e se relaciona com as entranhas de nossa sociedade mas resgatar sua capacidade de sacudir suas estruturas, denunciar a insistência em nos desumanizar e deve somar esforços na tarefa árdua e cotidiana de continuar ousando uma sociedade sem manicômios em outra forma de organização social. 

Muitos me dizem louca por ousar sonhar, imaginar, pesquisar e agir para construir uma sociedade sem manicômios e uma outra forma de sociabilidade, mas irracionalista, pq não vou chamar de loucura, é quem me diz que é normal e naturaliza a sociedade do fetiche da mercadoria.
 

 
 

Segunda, 18 Maio 2020 13:51

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá
Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP
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        O título deste artigo dialoga com a expressão “terrivelmente evangélico/cristão”, enunciada por Bolsonaro por conta de indicação que fará, em novembro, de um juiz ao Supremo Tribunal Federal.
       
        Quando o presidente verbalizou a expressão acima, várias análises surgiram, como a de Reinaldo Azevedo que, em seu site (10/07/2019), registrou que “Bolsonaro tinha muitos advérbios para modificar o adjetivo "evangélico"; e citou “alguns que integram o paradigma ligado à força e à convicção: ‘profundamente’, ‘convictamente’, ‘serenamente’, ‘inquestionavelmente’ e, até, sob certo sentido, ‘generosamente’...”

      Na semântica, “terrivelmente” liga-se a: “aterrorizante, amedrontador, angustiante, apavorante, arrepiante, assombroso, assustador, atemorizador, aterrorizador, atroz, espantoso, hediondo, horrível, intimidador, medonho, pavoroso, temeroso, temível, terrificante, terrífico, torvo...”; ou seja, a tudo que um evangélico/cristão não deveria ser, pelo menos não, na perspectiva do Novo Testamento (NT).

         Em que pese “terrivelmente” ligar-se a circunstâncias nada agradáveis, ou justamente por isso, Bolsonaro mantém coerência com sua forma de ser-e-estar. Quando ele utiliza esse advérbio, o faz imerso ao mar de sangue que escorre de incontáveis páginas do Velho Testamento. Estas, se espremidas, para o delírio de mentes belicosas, sangram mais do que as de jornais sensacionalistas; tudo porque, naquelas páginas, predomina a máxima do “dente por dente, olho por olho”, bem o oposto do que a Cristo é imputado nas páginas dos evangelistas do NT.

         Mas por que falar disso?

        De saída, pelo escárnio do pastor Waldemiro Santigo, que está vendendo “feijões que curam coronavírus”. Se isso não fosse trágico, seria digno de riso. Santiago pede às TVs que realizem reportagens sobre o “milagre do feijão”.

        Contra essa aberração, o Ministério Público Federal pediu investigação, pois o referido pastor sugere R$ 1 mil dos fiéis pelas sementes. Nisso, o órgão vê indícios de estelionato cometido por Santiago, que “praticamente debocha (aliás, há décadas) da boa-fé de seus seguidores” ao vender a falsa cura e ainda estampar nos feijões o slogan da Igreja Mundial do Poder de Deus:

      “Não se pode, a título de liberdade religiosa, permitir que indivíduos inescrupulosos ludibriem vítimas vulneráveis e firam a fé pública... valendo-se da crendice alheia, mediante sofisticados esquemas publicitários, psicológicos e tecnológicos”, diz um procurador do MPF.

     Outro motivo para falar disso é complexo e surge por conta das considerações acima; ele recai no dilema de procurarmos saber quem somos como brasileiros: cordiais, como idealizou Sérgio Buarque? Solidários? Felizes? Macunaímicos, à lá Mário de Andrade, ou seja, sem nenhum caráter? Ou simplesmente “...batuqueiro, bragulheiro, baderneiro, bandoleiro...”, como cantou Gonzaguinha?

      Somos um pouco disso tudo e muito mais, mas com nítida perversidade arraigada em muitos de nós, principalmente nos que seguem determinados mitos, religiosos e/ou políticos.

      Com respeito às divergências, e deixando de lado o empresariado da fé, que nada de braçada na onda da ignorância vigente, mas um ser humano não perceber manifestações odiosas, preconceituosas, perversas vindas do “mito” político da extrema direita brasileira é ser um seu igual: é questão de espelho. Pior: conforme pesquisas, há cerca de 30% desse tipo.

        Portanto, o brasileiro, na proporção da belicosa cristandade de muitos, é também “terrivelmente” cruel.

        E tudo em “nome do Pai”. Ai se não fosse...

 

Sexta, 15 Maio 2020 14:12

 

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Por Roberto de Barros Freire*

Bolsonaro não se cansa de afirmar que o povo está com ele. Será? Estatisticamente isso não é verdadeiro. Seus seguidores são no máximo 30% da população, e com tendência crescente de baixa. Cada vez mais as pessoas estão percebendo o despreparo do governo. Se teve mais eleitores, esses hoje estão arrependidos, e abandonando o presidente.


70% não concordam com ele, nem confiam, nem acreditam, nem o querem. Há meia dúzia de gatos pingados, financiados sabe-se lá por quem, que vão adulá-lo nos seus passeios pela capital, atrapalhando a vida do cidadão, ameaçando a todos, a imprensa, ao STF, ao Congresso, e ele acha que essa parcela insignificante é o povo; é parte, e a parte ruim da população, que é uma pequeníssima parte.


Golpistas, terroristas, pessoas que agem contra a lei, e que representam uma ameaça às instituições republicanas e ao cidadão comum. Clamam por um golpe de estado, por uma quartelada, pela morte da esquerda, dos juízes, dos deputados e senadores. Esse é o povo do Bolsonaro. A maior parte da população está em casa, distante dessas atividades antidemocráticas, antirrepublicanas, atrasadas, contra a ciência e o bom senso.


Esses maus cidadãos sequestraram a bandeira e as cores nacionais, como Collor em idos passado também o fez. Como os militares também fizeram na ditadura. Na verdade, envergonham a nação perante o mundo civilizado, como Collor e os militares fizeram no passado, utilizando um símbolo para aparentarem algum tipo de patriotismo que desconhecem o verdadeiro sentido. Patriotismo não é carregar bandeiras ou vestir verde e amarelo, isso é coisa de torcedor da seleção. Patriotismo é atuar para a melhoria das instituições nacionais, não contra elas. Esses supostos patriotas levam também bandeiras de Israel e dos EUA, contra a vontade de ambos, que se sentem ofendidos de serem associados com essas manifestações antidemocráticas, atrasadas. Os israelenses não se cansam de reclamar de Bolsonaro e do Ernesto Araújo de menosprezarem o nazismo, de falarem mentiras sobre ele, associando-o a atividades presentes. De um lado, querem ampliar a maldade de setores sociais atuais, falsamente, e por outro lado desconhecem a especificidade do nazismo, cuja maldade é algo sui generis na história humana, movimento só visto uma vez na história, e esperamos que pela última vez, ainda que tenha tolos seguidores até hoje, principalmente entre bolsonaristas. Lembram do antigo secretário de cultura plagiando nazistas?


Enfim, nada sabem sobre patriotismo, nazismo, nem mesmo sobre comunismo ou esquerda, ou mesmo sobre valores morais e éticos. São assassinos em potenciais, basta ver o exercício bárbaro de ficar atirando objetos contra figuras nacionais em faixas: se pudessem fariam com os próprios. Se pudessem matariam a todos que consideram inimigos das suas crenças impróprias para a vida civilizada, que significa respeito a diversidade, e a defesa da pluralidade, não sua eliminação.


Seremos obrigados a fazer o mesmo que se fez com Collor, começarmos a sair de preto, para mostrar nossa insatisfação com essa patifaria de patriotismo chulo, tacanho, retrógado.


Quero a bandeira de volta, que ela não sirva para vestir péssimos brasileiros, que nem apreciam as instituições nacionais e não respeitam a maioria da população que não é golpista, nem aprecia quartelada.


É preciso com urgência que tanto o Congresso como o STF atuem para limitar a sanha golpista de Bolsonaro, que estimula e patrocina essas atividades antipolíticas e antirrepublicanas dos seus seguidores. Já deveriam ter agido contra esses movimentos e repreendido Bolsonaro. Não é possível termos que ficar aturando essas pessoas agindo contra a república e a nação, mas principalmente contra o povo, realizando atos nitidamente contra as instituições e a favor de golpes violentos contra os seus inimigos políticos, que são bem mais do que 80% da população. É preciso investigar de onde vem o dinheiro para financiar esse movimento dos apoiadores de Bolsonaro, com carro de som, bandeiras, faixas, bonecos; tudo isso custa muito dinheiro: quem está financiando esses maus patriotas?
 
 
*Roberto de Barros Freire
Professor do Departamento de Filosofia/UFMT
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Quinta, 14 Maio 2020 14:48

 

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Por Gustavo Canale*
 

Se você acha que o problema está nos morcegos, ainda não entendeu o que está acontecendo. Se acha que está nas florestas, entendeu menos ainda. O problema mais grave não está na pandemia causada por um dos vários coronavírus existentes, mas na falta de perspectiva histórica e no imediatismo míope, os quais impedem as autoridades de entenderem que esta é apenas uma de uma série de epidemias e pandemias a serem enfrentadas. Não sabemos quando, mas sabemos que outras virão. O novo coronavírus (SARS-COV2) está nos dando a chance de preparar estratégias para o enfrentamento de outras várias epidemias com potencial pandêmico, que estão latentes em nosso ambiente.
 
O próximo vírus a afetar o Brasil não virá do Kansas (como o vírus da gripe “espanhola”) ou de Wuhan, ele poderá ser brasileiro. Os vírus já estão por aqui muito antes de seres humanos ocuparem o continente americano. Para citar apenas um exemplo temos o hantavírus, muitas vezes mais letal do que o novo coronavírus seu principal foco de surtos esporádicos está nas regiões de avanço das monoculturas de grãos e pastagens sobre a vegetação nativa de Cerrado e Amazônia de Mato Grosso. As hantaviroses levam anualmente dezenas de trabalhadores à morte na zona rural do Estado.
 
E por que temos tantos vírus no Brasil? Isto ocorre por vivemos em um país tropical, abençoado por (escolha o/a(s) de sua preferência), bonito por natureza, e repleto de uma biodiversidade esplendida, rica e pouco conhecida. Este cenário fascinante abriga a maior diversidade de primatas do planeta, a segunda maior diversidade de morcegos e a maior diversidade de roedores silvestres do mundo, mais de 200 milhões de habitantes, cerca de 180 línguas faladas, mais de 200 povos originários com culturas distintas, e muitos vírus.
 
Entretanto, a miopia está evidente nas projeções de reabertura do comércio, no afrouxamento do isolamento social, mas, principalmente, no erro de não perceber que estamos tendo a chance de estruturar medidas socioeconômicas e sanitárias para uma próxima pandemia. Pensando de forma simplista e dicotômica, como tem sido o costume nos grupos de aplicativos e nos churrascos de domingo, qualquer cidadão, de bem, poderia pensar que: “se o coronavírus vem do morcego (sic) basta exterminar todas as populações de morcego e resolveremos nosso problema”. Aqui percebemos que nosso inimigo não é o morcego. Explico. Imaginemos que o cidadão, sempre bem-intencionado, consiga recursos suficientes para começar um processo de “desmorcegação”. Permito-me o neologismo seguindo o precedente aberto pelos ratos. Neste processo, muitos morcegos morreriam, mas alguns ficariam apenas debilitados. É um fato científico que animais debilitados aumentam sua capacidade de replicação e disseminação de vírus no ambiente. Mesmo que o cidadão, aquele do “zap”, consiga a façanha de matar todos os milhões de morcegos que sobrevoam florestas, plantações e cidades do Brasil, de um único golpe e sem deixar testemunhas, a chance de um vírus encontrar outro hospedeiro, tais como animais domésticos, de criação, ou seres humanos, é gigantesca. Tão possível quanto a chance de uma pandemia parar o planeta de mais de 7 bilhões de humanos no século XXI. Vale ressaltar que este cenário, ou epidemias em escalas regionais, deverá voltar a ocorrer com outros vírus já presentes em ambientes urbanos e silvestres. Tenha em mente o hantavírus.
 
Chegamos então à segunda agonia que assola o cidadão, sempre aflito em acertar: se vivemos em um planeta repleto de florestas, animais e vírus, como evitar ou amenizar as epidemias? Atualmente os pesquisadores têm algumas sugestões a partir de estudos realizados em ambientes naturais. A conversão de ambientes naturais em ambientes urbanos, ou em áreas de pasto e agricultura, diminuem os recursos alimentares para os animais silvestres e interrompem suas rotas de movimentação e migração. Isto gera fome nas populações destes animais, diminui a eficiência de seu sistema imune, potencializa a replicação do vírus nos organismos debilitados, e aumenta a chance de animais silvestres disseminarem vírus para as populações de humanos. Torna-se óbvio que a manutenção de florestas com alta qualidade ambiental e disponibilidade de alimento para a fauna é uma das melhores soluções para diminuirmos os riscos de disseminação de viroses.
 
Hoje, Mato Grosso é proporcionalmente um dos estados da Amazônia Legal com a menor extensão de áreas de proteção integral para a biodiversidade (sensu Sistema Nacional de Unidades de Conservação). Por consequência, as terras indígenas complementam vigorosamente a proteção da vegetação nativa mato-grossense. E são justamente os povos indígenas que estão sendo colocados em situação de maior vulnerabilidade pelo afrouxamento do isolamento social proposto pelas autoridades. Isto se deve ao fato de muitos povos terem sido deslocados de seus territórios originários, forçados a adotar novas práticas de produção de alimento e, por consequência, necessitarem de remédios e alimentos vindos de fora das terras indígenas. Este trânsito de pessoas e produtos pode levar agentes contagiosos para dentro das aldeias, como o coronavírus que já está presente em municípios de referência para as populações indígenas, como Sinop, Querência, e Canarana em Mato Grosso. Urge a necessidade de protegermos as florestas para a nossa própria sobrevivência, e o conhecimento dos povos originários, os grandes engenheiros de ecossistemas, é fundamental.
 
Neste momento, boa parte da população ainda não entendeu a importância de ficar em casa, outra enorme porção da sociedade brasileira não tem condições de ficar em casa sem trabalho. Os auxílios do governo federal não chegam ao bolso do trabalhador com a mesma rapidez da fome e das dívidas a pagar. Por sua vez, muitos prefeitos e alguns governadores recomendam que a população siga sua rotina normal, compre sua máscara ou será multado, use álcool em gel, se achar e tiver condições de comprar, e siga trabalhando por um salário de fome. Para o bom funcionamento de uma estratégia planejada de isolamento social, é necessário um conjunto enorme de ações de solidariedade coletiva e de autoridades com verdadeiro espírito público. As autoridades eleitas pelo povo seguem flexibilizando o isolamento social, e lavando as mãos.
 
O isolamento social é a forma mais eficaz para conter esta pandemia em curto prazo, em função da alta capacidade de transmissão do novo coronavírus entre as pessoas. Máscaras, álcool em gel e outros equipamentos de segurança são importantes, mas nada substitui o isolamento social neste momento de pico de disseminação da doença. Porém, devemos pensar em medidas que evitem ou diminuam os efeitos de epidemias tropicais em cenários que evolvam estratégias de longo prazo. Dentre as estratégias, certamente está a proteção da biodiversidade, com a criação e implementação de novas áreas legalmente protegidas, tais como os Parques Nacionais e Estaduais e as Reservas Biológicas. Como também, será fundamental a proteção de habitats e corredores ecológicos para a fauna em Áreas de Preservação Permanente (APP), Reservas Legais e Terras Indígenas. Em um futuro pós-pandêmico, toda gestão territorial deverá ser planejada considerando que qualquer área de desmatamento é potencialmente um local de surgimento de novas epidemias.
 
*Gustavo R. Canale é biólogo, PhD em Ecologia e Conservação pela Universidade de Cambridge (Inglaterra), tem experiência nas áreas de Zoologia de Vertebrados e Ecologia com ênfase em Biologia da Conservação. Atualmente é professor da Universidade Federal de Mato Grosso, representante da subseção da Adufmat-Ssind – campus Sinop, e presidente da Sociedade Brasileira de Primatologia.

 

Quarta, 13 Maio 2020 13:58

 

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Publicamos a pedido do professor Frederico José Andries Lopes o texto de autoria de Giorgio Agamben*
 
  

O que chama a atenção nas reações aos dispositivos de exceção que foram implementados no nosso país [Itália] (e não apenas nele) é a incapacidade de observá-los além do contexto imediato em que eles parecem operar.
 
Raros são aqueles que, em vez disso, assim como uma séria análise política imporia que se fizesse, tentam interpretá-los como sintomas e sinais de um experimento mais amplo, no qual está em jogo um novo paradigma de governo dos seres humanos e das coisas.
 
Em um livro publicado há sete anos, que agora vale a pena reler atentamente (“Tempêtes microbiennes”, Gallimard, 2013), Patrick Zylberman já havia descrito o processo pelo qual a segurança de saúde, que até então permanecera à margem dos cálculos políticos, estava se tornando uma parte essencial das estratégias políticas estatais e internacionais. O que está em questão é nada menos do que a criação de uma espécie de “terror sanitário” como instrumento para governar aquele que era definido como o worst case scenario, o pior cenário.
 
É de acordo com essa lógica do pior que, ainda em 2005, a Organização Mundial da Saúde havia anunciado “de 2 a 150 milhões de mortes pela gripe aviária a caminho”, sugerindo uma estratégia política que os Estados ainda não estavam prontos para acolher à época.
 
Zylberman mostra que o dispositivo que era sugerido se articulava em três pontos:
 
1) construção, com base em um risco possível, de um cenário fictício, em que os dados são apresentados para favorecer comportamentos que permitam governar uma situação extrema;
 
2) adoção da lógica do pior como regime de racionalidade política;
 
3) a organização integral do corpo dos cidadãos, a fim de fortalecer ao máximo a adesão às instituições governamentais, produzindo uma espécie de civismo superlativo em que as obrigações impostas são apresentadas como prova de altruísmo, e o cidadão não tem mais um direito à saúde (health safety), mas se torna juridicamente obrigado à saúde (biosecurity).
 
Aquilo que Zylberman descrevia em 2013 se verificou pontualmente hoje. É evidente que, além da situação de emergência ligada a um certo vírus que no futuro poderá dar lugar a outro, está em questão o desenho de um paradigma de governo cuja eficácia supera muito a de todas as formas de governo que a história política do Ocidente já conheceu.
 
Se, no progressivo declínio das ideologias e das fés políticas, as razões de segurança já permitiram que os cidadãos aceitassem limitações às liberdades que antes não estavam dispostos a aceitar, a biossegurança provou ser capaz de apresentar a absoluta cessação de toda atividade política e de toda relação social como a forma máxima de participação cívica.
 
Assim, pôde-se assistir ao paradoxo de organizações de esquerda, tradicionalmente acostumadas a reivindicar direitos e a denunciar violações da Constituição, aceitando sem reservas limitações das liberdades decididas com decretos ministeriais desprovidos de toda legalidade e que nem o fascismo jamais havia sonhado em poder impor.
 
É evidente – e as próprias autoridades governamentais não deixam de nos lembrar disto – que o chamado “distanciamento social” se tornará o modelo da política que nos espera e que (como anunciaram os representantes de uma chamada força-tarefa, cujos membros se encontram em flagrante conflito de interesse com a função que deveriam exercer) se aproveitará desse distanciamento para substituir, em toda a parte, os dispositivos tecnológicos digitais às relações humanas na sua fisicidade, que se tornaram suspeitas de contágio (contágio político, entenda-se).
 
As aulas universitárias, como o Ministério da Educação [italiano] já recomendou, a partir do próximo ano, serão feitas estavelmente online, não nos reconheceremos mais olhando no rosto, que poderá estar coberto por uma máscara sanitária, mas sim através de dispositivos digitais que reconhecerão dados biológicos obrigatórios coletados, e toda “aglomeração”, seja por motivos políticos ou simplesmente por amizade, continuará sendo vetada.
 
O que está em questão é toda uma concepção dos destinos da sociedade humana em uma perspectiva que, em muitos aspectos, parece ter assumido das religiões já em seu declínio a ideia apocalíptica de um fim do mundo. Depois que a política havia sido substituída pela economia, agora esta também, para poder governar, terá que ser integrada ao novo paradigma da biossegurança, ao qual todas as outras exigências deverão ser sacrificadas.
 
É legítimo se perguntar se tal sociedade ainda poderá ser definida como humana ou se a perda das relações sensíveis, do rosto, da amizade, do amor pode ser verdadeiramente compensada por uma segurança de saúde abstrata e presumivelmente fictícia em sua totalidade.
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* Fonte:
http://www.ihu.unisinos.br/598847-biosseguranca-e-politica-artigo-de-giorgio-agamben
Tradução de Moisés Sbardelotto

Terça, 12 Maio 2020 15:28

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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Quem já acumula algumas décadas de vida tem acompanhado a trajetória de Regina Duarte. Antes, pela jovialidade e meiguice, tornou-se a “namoradinha do Brasil”. Talvez, apenas Lucélia Santos, com a escrava Isaura, tenha ameaçado o posto de Regina. Todavia, Lucélia foi secundarizada nas telas, pois se tornou sindicalista da categoria.

De sua parte, a alienada Regina foi só ganhando personagens marcantes, como, p. ex., a viúva Porcina e Malu Mulher. Todavia, falarei de Madalena, personagem do livro São Bernardo (1934) de Graciliano Ramos, adaptado como Caso Especial (1983) pela Globo.

Madalena e Paulo Honório (José Wilker) são os protagonistas do livro citado. Sem se conhecerem, casam-se; porém, ente ambos, só divergências e desentendimentos: Honório incorpora a lógica capitalista de ser-e-estar no mundo; assim, faz atrocidades para obter a posse de uma fazenda e das pessoas, principalmente a posse de Madalena, que simboliza uma visão comunista da existência.

Como as diferenças explicitam-se logo após a “união”, o casal passa a empreender brigas, que só se intensificam.

Pelas posses e influência, Honório tinha sempre em casa os poderosos locais, incluindo um padre, que chega a dizer ao protagonista que não se preocupasse com pessoas (no caso, Madalena) de ideias comunistas, pois “isso” não pegaria em um país que acreditava em Deus.

No epílogo, Madalena, em uma capela, estabelece diálogo de despedida de Honório, que, insensível, não percebe a intenção. Depois, ela sobe ao quarto e se envenena, vindo a óbito.

Antes de subir, por segundos, Regina dá à Madalena um olhar enigmático à lá Capitu, personagem de Dom Casmurro de Machado.

Sobre Capitu, sempre residirá a dúvida da traição ao companheiro. Sobre Madalena, jamais. Embora houvesse desconfiança por parte de Honório, Madalena, ao contrário de Capitu, não tinha os "olhos de cigana oblíqua e dissimulada". Por isso, o olhar de “ressaca” à Madalena comprometeu a essência da personagem e derrubou o trabalho de Regina, que “matou” Madalena antes da hora exata.

Pois bem. Essas lembranças voltaram após a entrevista de Regina à CNN, dia 7. Seu ódio aos que querem a sociedade mais humanizada – pretensão de Madalena –escancarou-se.

Nunca Regina se distanciou tanto de uma personagem sua. Embora em seu direito, anticomunista como é, nunca, de forma repugnante, Regina foi tão Honório, para quem a morte do outro não tinha a menor importância, principalmente se isso lhe ajudasse a manter o status.

Regina é insensível e debochada à dor alheia. Sobre as mortes pela COVID-19, incluindo a de Aldir Blanc, desdenhosa a um talento tão raro, disse não ser obituário; que mortes ocorrem a toda hora.

Mas o ápice de sua miserável existência foi quando começou a cantar “Pra frente, Brasil”, hino do tricampeonato da Seleção, usado em 70 pela ditadura militar. Com saudosismo, Regina perguntou: “não era tão bom quando cantávamos isso?”.

Para idiotas que se pensavam patriotas, sim. Aos que viviam/compreendiam a tragédia de uma ditadura, não.

A desprezível criatura foi contraposta no mesmo instante; por isso, Regina, a megera, se descompensou. Os entrevistadores se indignaram com aquele papel tão verdadeiro e chocante da atriz, que passa a ser também mais uma inominável, assim como o seu “mito”.

Náusea – e sem a flor de Drummond – à entrevista de Regina.

Mas aquela “dor assim pungente não há de ser inutilmente”, pois “amanhã vai ser o outro dia”, e tudo isso “vai passar”.

Desesperar, jamais”.

Segunda, 11 Maio 2020 13:09

 

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 Por Fernando Nogueira de Lima*

 

Certa vez, em um dos meus textos, motivado pelo sentimento de perda, utilizei a frase: “ninguém verdadeiramente morre enquanto for lembrado”. Alguns dias atrás, um amigo meu, ao se manifestar sobre a morte de um colega, disse: “O nosso céu é do tamanho das lembranças dos que vão depois”. No meu entender são frases que se complementam e que, juntas, revelam um dos propósitos – talvez o mais importante desta vida: o bem viver.

Não raro, na lida desta vida árdua, nos esquecemos de enaltecer as virtudes alheias, de aprisionar nossos vícios e de combater o bom combate. Além disso, duvidamos da nossa capacidade de cultivar boas amizades, de estreitar laços familiares, de agradecer bênçãos recebidas e de recordar com gratidão dos que já encerraram o ciclo natural da vida.

Não bastasse isso, ignorando o livre arbítrio que temos para escolher, optamos pelo egoísmo material, pela insensatez no agir, pelo desamor e pela ausência de fé. E quando surpreendidos pelo imprevisto que nos impõe a todos limites na vida, ficamos estacionados e impotentes sem superar a incapacidade latente de modificar nosso proceder, na vida.

Tanto assim que, ao contrário de exercitar a tolerância e a harmonia, seguimos dando vazão à discórdia e à violência. Em vez de cultivar bons hábitos e boas recordações continuamos alimentando vícios e culpas. Deste modo, vamos desperdiçando esta oportunidade, e mesmo diante do descaso, da dor e do sofrimento que campeia mundo afora, nada aprendemos.

Por conta da verdade difusa nas ruas sem nada de novo, da fome insaciável do poder que se apossa da dignidade alheia, da ignorância que prevalece impedindo o porvir, meu coração se enche de revolta e minha alma em pé clama por justiça e equidade. Por causa das vidas ceifadas, da miséria, da falta de alteridade, de tanto sofrimento existencial, não poderia ser diferente, meu coração se entristece e minha alma se comove e de joelhos chora.

E por causa das lágrimas de “Marias e Clarisses” viajo rumo ao passado, para um tempo em que as letras das músicas importavam. Tempos idos em que a inteligência abraçava a criatividade e as palavras se uniam e juntas denunciavam mazelas deste viver. Palavras que como cuícas haverão de roncar nas lembranças de muitos que irão depois. Valeu Aldir!



*Fernando Nogueira de Lima é engenheiro eletricista e foi reitor da UFMT.

 

Segunda, 11 Maio 2020 13:03

 

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Por Roberto de Barros Freire*
 

Todas instituições republicanas estão colocadas sob estresse, tendo um presidente tentado ultrapassar seus limites, romper com suas competências e estabelecer a sua ordem, ou melhor, desordem. Com ultrajes cada vez mais fortes, ele desafia os limites da lei na tentativa de impor o que quer. O presidente não suporta os limites das leis, e que suas atribuições são superiores ao que seus seguidores desejam que faça. Ele não percebe que deve governar para todos; ao invés de entrar em conflito com tudo e com todos, pensar mais em salvar a nação do que a sua presidência.


Uma presidência miúda, pequena, agressiva, baixa, cujo objetivo mais claro é acomodar sua família e seus cúmplices ao Estado, distribuindo regalias e cargos. Não é uma política nova, o que é novo é o nepotismo explícito, e ficar mais brigando contra os demais do que trabalhando pelo país, mais passeando pelo país do que ajudando os diversos lugares.


É a tentativa de destruir o passado e sem capacidade para criar o novo, pois antes de ter qualquer plano de país, tem inimigos que quer sufocar, perseguir, dificultar, contrariar, buscando prejudicar com as miudezas. E, infelizmente, cercado por incompetentes ou por  militares, que pensam a vida de forma dualista – amigo ou inimigo, sem formação humanista, sem sensibilidade antropológica e sem competência cívica, pois tem competência bélica, querem tratar os problemas políticos como se fossem técnicos, ou como se todos devessem obediência sem reflexão, ou sem discussão.


Na verdade, Bolsonaro usa os militares, o estigma de confiança que desfrutam na população brasileira, trazendo-os para os diversos postos e instância do Estado. Mas, isso não funciona se não há uma diretriz clara, ou sem alguma grandeza do governante, coisa que não se avista. Pelo contrário, é um mal exemplo para a maioria das pessoas, debocha das pessoas, das mulheres, dos índios, dos LGBT, dos professores, dos negros, das mulheres de chefes de Estados, das nações, dos organismos internacionais, do Congresso, do STF, da imprensa; ofende a inteligência de todos e mente compulsivamente, negando as mentiras registradas pelas câmeras, desconversando, fingindo que é brincadeira, ou liberdade de expressão.


Por enquanto, só os ricos, os folgados, em carros de luxo, saem para apoiar Bolsonaro, bem poucos. Mas, aumenta o número daqueles que percebem a incompetência presidencial. Falta perceber a maldade, o uso da máquina pública para se beneficiar, para espionar os outros, seus inúmeros desafetos. Em breve, os descontentes sairão em grande número para protestar contra o aumento do autoritarismo, pela incapacidade de realizar melhoras sociais ou econômicas, pelos procedimentos erráticos, por se colocar contra a grande maioria de nós, contra outras nações. Perceberão que temos o líder político mais ignorante e isolado do mundo, que jogou o Brasil na sarjeta do globo, um país que não é mais convidado para deliberar sobre os problemas sérios do mundo, que são ultrajados e esculachados pelo presidente.


Não! Não teremos desenvolvimento, teremos regresso, um governo atrasado e que caminha para coisas atrasadas. Um governo que tenta criar um caos confrontando as instituições, para criar as condições para um golpe, com apoio dos militares, que até o momento não se colocaram claramente contra às intenções bolsonaristas. Um presidente que incentiva e alimenta golpistas, terroristas prontos a matarem a população civil para se imporem com seus atrasos, que passeiam impunemente pela capital nacional e por diversas outras capitais, sem punição, agredindo a todos, às leis, ameaçando a sociedade civil e as instituições, desafiando as autoridades.


Se as autoridades não julgarem e prenderem esses terroristas, que sequestraram a bandeira nacional, as nossas cores, contra o próprio país, caminharemos para uma guerra civil. Eles não são dignos de carregarem a bandeira, nem portarem nossas cores, são todos contra o Brasil. É capaz inclusive de muitos terem casas em países da Europa ou nos Estados Unidos, de gastarem seus lucros extorsivos no exterior, visto inclusive que muitos tem carros importados, ou seja, beneficiando a indústria estrangeira e sem prestigiar a indústria nacional. É preciso que haja um julgamento exemplar desses indivíduos adeptos do terrorismo, de derrubar as instituições, de agredir a imprensa, e o cidadão comum, porque, covardes, estão sempre em bandos de arruaceiros. Se nada for feito, chegará o momento que teremos que fazer justiça com as próprias mãos, pois o Estado não está protegendo a sociedade civil.


 
*Roberto de Barros Freire
Professor do Departamento de Filosofia/UFMT
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