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O Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
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Roberto Boaventura da Silva Sá
Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP
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Às vésperas do 1º de maio, perdemos Beth Carvalho, uma trabalhadora do meio musical.
Por conta da gravação de 1976 que Beth fizera de “As rosas não falam”, de Cartola, o jornalista Mauro Ferreira, para o G1, partindo do título “A rosa do povo”, que é um dos livros mais importantes de Drummond, registra que, “pelo repertório sempre escolhido com rigor, e sobretudo pela genuína vocação para ser uma rosa do povo, que Beth Carvalho floresceu e se transformou numa cantora da casa de todos os brasileiros, irmanando ricos e pobres no prazer de ouvi-la dar voz ao samba”.
Correto. Todavia, Beth cantou mais do que belos sambas. Fosse o ritmo que fosse, ela cantou o que era preciso no tempo certo das coisas, mesmo, quando nesse tempo vigorava o sombrio; um tempo em que a humanidade já precisava ser alertada para a necessidade do cultivo do lado humano de nossa espécie, perigosa por natureza.
Por isso, para esta homenagem a essa cantora, que, antes de ser artista, era reconhecida como uma cidadã, que sabia que a luta pela dignidade das pessoas precedia a qualquer coisa, escolhi recordar – dentre um vasto leque de preciosidades musicais, uma gravação sua com Mercedes Sosa – “Eu só peço a Deus”, do argentino León Gieco, que fez e gravou aquela canção quando os ditadores Videla, da Argentina, e Pinochet, do Chile, no final de 1978, quase arrastaram seus países a uma guerra.
Quando Mercedes Sosa regressou à Argentina, após a redemocratrização de seu país, gravou essa canção com diferentes cantores do mundo. Beth Carvalho – uma voz constante contra a censura que prevaleceu durante os anos de vigência da ditadura militar no Brasil – foi uma dessas. A gravação, com versão de Raul Ellwanger, é de 1986.
Dada sua relevância, diante de tantas atrocidades pelas quais passa a humanidade, transcrevo a canção, cuja melodia é tão tocante quanto o seu conteúdo:
“Eu só peço a Deus// Que a dor não me seja indiferente// Que a morte não me encontre um dia// Solitário sem ter feito o que eu devia// Eu só peço a Deus// Que a injustiça não me seja indiferente// Pois não posso dar a outra face// Se já fui machucado brutalmente// Eu só peço a Deus// Que a mentira não me seja indiferente// Se um só traidor tem mais poder que um povo// Que esse povo não esqueça facilmente// Eu só peço a Deus// Que o futuro não me seja indiferente// Sem ter que fugir desenganado// Pra viver uma cultura diferente// Eu só peço a Deus// Que a guerra não me seja indiferente// É um monstro grande e pisa forte// Toda a pobre inocência dessa gente”.
Diferentemente da lógica que molda a maioria dos que se dizem cristãos, como muitos de nossos governantes do passado e, principalmente, do presente, o eu-lírico do texto, repleto de preocupações com os rumos que a vida contemporânea vai apresentando, pede a Deus, na essência, o exercício constante de busca pelo império da humanidade que deve habitar o seu ser; logo, clama para não ser indiferente à dor alheia; para não ser socialmente inerte; para não se omitir perante mentiras e injustiças; para ter forças no enfrentamento com os traidores; para não se omitir perante o futuro das novas gerações; para ter capacidade de “viver uma cultura diferente”. O último de seus pedidos é para que a guerra não lhe seja indiferença, pois sua monstruosidade é “grande e pisa forte”.
A letra acima resume o que foi a existência de Beth Carvalho: uma artista brasileira que cantou a alma de seu povo, principalmente de sua parte mais explorada e marginalizada pelo sistema vigente.