Segunda, 26 Outubro 2015 12:39

 

 

JUACY DA SILVA*

Quando empresas recebem incentivos/renúncia fiscal por parte da  União, dos Estados e municípios, a lógica da concessão é que tais empresas apliquem corretamente e de forma eficiente o dinheiro que deveriam  recolher aos cofres públicos na forma de impostos. Na sequência, imaginam os idealizadores do sistema de renúncia/incentivos fiscais é que a empresa privada seja mais eficiente na aplicação de tais recursos  do que os entes públicos.

Em troca, além da criação de empregos devem  gerar outros sub-produtos como inovação tecnológica, respeito ao meio ambiente, compromisso  social, cumprir corretamente todas as leis trabalhistas, recolher devidamente os encargos sociais e assim por diante.

Geralmente o incentivo/renúncia fiscal é por um período relativamente longo, em torno de dez anos ou mais, para que as empresas possam amadurecer seus processos produtivos e assim um dia deixarem de mamar nas tetas do tesouro/cofres públicos, evitando ou reduzindo a concorrência  desleal  com milhares ou milhões de outras empresas  que não contam com tais privilégios.

Ao longo dos tempos, principalmente após  meados da  década de sessenta, vários programas de incentivos fiscais foram criados pelo Governo Federal, para vários setores da economia e regiões do país.  Cabe  ressaltar, por exemplo, o programa para estimular a ocupação e  desenvolvimento da Amazônia, principalmente pela “aplicação” de parcela do imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas em projetos agropecuários ou industriais. Os agentes financeiros e de desenvolvimento regional eram o BASA – Banco da Amazônia e a SUDAM – Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia, nos mesmos moldes da SUDENE. Essas políticas e programas abriram, na verdade,  as portas para a corrupção , ajudaram  a enriquecer muitos empresários, políticos e gestores públicos, sem que jamais tivesse sido feito um pente fino para coibir as práticas corruptas , levar os criminosos de colarinho branco para a cadeia  ou recuperar o dinheiro público usado de forma  fraudulenta. A impunidade perdurou por décadas e, em parte, ainda perdura até hoje.

Este  também  foi o caso do PRODEIC  em MT, ao longo de anos sempre surgiram boatos e até mesmo indícios de que a  renúncia fiscal/incentivos fiscais estariam alimentando uma rede de corrupção envolvendo empresários e agentes públicos/políticos com ou sem mandato e gestores de altos escalões do Governo.

Voltando um pouco na estória. Ao conceder incentivo a uma determinada empresa  ou a todas as empresas, o que também  está e sempre  esteve implícito é que cabe ou caberia  ao Governo, seja  federal, estadual ou municipal, ou, enfim, a quem concede  este privilégio empresarial, acompanhar e avaliar periodicamente, deveria ser anualmente, se as empresas beneficiadas estão ou estariam cumprindo com suas obrigações pactuadas com o Estado quando foram aprovadas para participarem do programa, ou seja, qual  ou quais os retornos que estariam oferecendo ao país, ao estado ou ao munícipio que lhe deu/deram tais incentivos.

Sabemos  que esta avaliação não é feita ou é feita de forma superficial, ou como o povo diz, “nas coxas"  e, mesmo que as empresas não gerem os resultados que figuravam na origem dos incentivos fiscais aprovados, continuam ou continuavam recebendo, de mão beijada, esses privilégios.

Ai  também surge  uma ponta  do iceberg da corrupção, onde técnicos , gestores de escalões inferiores deixam  de fazer as avaliações ou as  fazem de forma superficial e incorretamente, tudo isso a mando ou conivência dos escalões superiores, como acabou sendo  constatados recentemente no Estado e que motivou a prisão do ex-governador, dois secretários de Estado e outros servidores.

No caso do PRODEIC, em MT, somente com a posse do novo governo e a troca da maior parte do staff  e gestores, tem sido possível desmontar os esquemas criminosos que envolviam tais concessões e levantar o véu que encobria esse programa de renúncia fiscal.

Em minha opinião, não basta desqualificar e retirar empresas que fraudaram o programa. É necessário que seja feita uma avaliação mais a fundo caso a caso e, em constatando, fraudes e o não cumprimento do que foi estabelecido quando da concessão dos incentivos, obrigar a empresa  a devolver aos cofres públicos o montante, corrigido monetariamente, reparando concessões fraudulentas.

Já passa do tempo dos entes públicos , União, Estados e municípios, acabarem com essa prática criminosa de incentivos fiscais que pouco ou nenhum retorno oferece ao desenvolvimento do país, dos estados e municípios.
Não tem sentido o poder público ou seja , os contribuintes ajudarem a acumulação de capital nas mãos do setor empresarial, enquanto faltam recursos para a educação,  para a saúde,  para a segurança pública, para o meio ambiente e saneamento, para a infraestrutura e tantos outros setores.

No Brasil são mais de RS$200 bilhões de renúncia fiscal concedidos pela União, pelos Estados mais RS$85  bilhões  e pelos municipios mais de RS$50  bilhões  a cada ano, totalizando , mais de RS$335  bilhões por ano, algo  em torno de 8% do PIB, para um número extremamente pequeno de empresas, quando comparado com o universe total dasempresas existentes no país, que  acabam lucrando as custas dos cofrespúblicos e do povo.
Só em MT o PRODEIC em doze anos concedeu mais  de RS$15  bilhões ou mais de  RS$1,5  bilhões de reais por ano que o Estado de forma deliberada deixou e continua deixando de arrecadar, ajudando falsos empresários, políticos e gestores corruptos. Está na hora de ser  feita  uma revisão profunda e criteriosa deste programa e, por que não, submete-lo ao crivo de um debate público , quando a população possa ser ouvida e a opinião do povo ser levada em consideração. Criar programas que acabam sendo lesivos aos interesses do Estado e da população, em gabinetes que são frequentado por políticos influentes e empresários poderosos, onde  o povo que paga imposto e sofre jamais tem acesso é  um atentado contra a democracia e a transparência pública.

Talvez esta seja a maior responsabilidade da CPI que foi criada e está em funcionamento na Assembleia Legislativa de MT. Além de fazer um raio “x” do PRODEIC, deveria também ouvir a população quanto ao fim deste programa que foi e tem sido desvirtuado, gerando sérios prejuízos  ao nosso Estado e a população, que clama por serviços públicos de melhor qualidade, os quais necessitam de recursos orçamentários e financeiros que estão sendo mal aplicados.

Quantos leitos hospitalares, medicamentos, investimento em segurança pública, escolas, postos de saúde, obras de infraestrutura o Governo de MT poderia ter feito ou continuar fazendo com mais de RS$1,5 bilhões do por ano ou RS$15 bilhões em doze anos? Foi e continua sendo muito dinheiro público saindo pelo ralo, enquanto o povo sofre e clama desesperadamente.

Com a palavra nossos representantes políticos, nossos  governantes, integrantes do TCE, do Ministério Público ou do próprio Judiciário, a quem sempre deveria caber o papel de zelar pelo planejamento, pela  transparência, eficiência e eficácia dos gastos públicos.

O povo clama  por ética, transparência e justiça fiscal. Isto sim, pode ser considerado tempo de mudança ou no slogan do Governo do Estado “MT, estado de transformação”, transformar também é  acabar com com corrupção, com privilégios, com mamatas, com programas  ineficientes! Desenvolvimento só existe quando todos participam e usufruem de seus resultados!

 

*JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado UFMT, mestre em sociologia, articulista e colaborador de vários veículos de comunicação – jornais, sites e blogs de MT e outros Estados. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Blog www.professorjuacy.blogspot.com

 

Sexta, 23 Outubro 2015 19:56

 

Se já não bastasse todo o descaso das autoridades que transformou o Rio de Janeiro numa das cidades mais violentas do mundo, agora essa pecha internacional de rebaixamento como bom pagador, era justo o que nos faltava!  
A tradução ao pé da letra é bastante pesada - somos o “lixo para o investimento de capital estrangeiro”. 
Essas firmas para avaliação de risco surgiram como um tipo de pressão na economia de mercado, bem mais sutil e menos apavorante se comparada a dos anos 60.  
Naqueles anos, “marines” eram colocados nas costas brasileiras caso não andássemos como mandava o figurino das grandes potências internacionais. 
Sinal dos tempos! Ficamos todos como crianças de escola à mercê dos castigos que nos serão impostos em virtude do nosso boletim deficitário. 
Enquanto isso, os nossos dirigentes, umbigados nos seus próprios privilégios, só fazem deteriorar cada vez mais rapidamente a grande crise político-econômica em que nos meteram. 
Nessa minha última estada no Rio fiquei impressionado com o grande número de lojas comerciais fechadas, inclusive, nos bairros mais nobres como Copacabana, Ipanema e Leblon. 
A falta de movimento nas casas noturnas e bares elegantes, aptos para atender aos gostos mais requintados, é absolutamente assustador. 
Num deles, um dos mais em voga, apenas três pessoas compunham o cenário da casa: eu e mais dois amigos. Coisa de dar pânico numa quinta-feira, considerada, recentemente, a noite mais borbulhante de Ipanema. 
Mas, parece que, além-muros, nada disso afeta o governo, que continua dando aumentos exorbitantes para as castas privilegiadas, mantendo suas viagens megalomaníacas recheadas de convidados em hotéis do mais alto nível, seus trinta e um ministérios, seus cento e vinte mil cargos comissionados, enfim, tudo indica que a orgia com os cofres públicos continua a todo vapor. 
Afinal, o que será que se passa na cabeça dessas senhoras e senhores que pertencem a esse verdadeiro reinado? Será que não conseguem se tocar com essa imensa insônia que tomou conta de todos os habitantes dessa nação, do mais humilde, já à míngua, até aos poderosos, assustados com a possível perda repentina de suas benesses? 
A falta de pudor social é patente, e os desvios estratosféricos do erário público são temas proibidos em qualquer avaliação dos desmandos sucessivos. 
Como conseguir assistir pacificamente a derrocada de um país rico como o nosso? A sétima economia do mundo? 
A exaurida sociedade civil já pouco se manifesta. 
Nada nos interessa e, tal como o menininho sírio encontrado emborcado numa praia da Turquia, aguardamos inertes a ruína final. 
Os imigrantes dos países devastados pela guerra e pela fome, mesmo diante da possibilidade da morte, lutam desesperadamente por um mundo melhor. 
E nós, náufragos em potencial, tornamo-nos todos apáticos e deprimidos, incapazes de uma ação rápida que nos tire desse pesadelo de um país sem rumo. 
Onde estão os jovens, os estudantes, os artistas, todos com grande capacidade de mobilização e que em movimentos de protestos passados de nossa história se mostraram tão atuantes? 
O que me passa é que estamos todos comatosos, incapazes de qualquer reação, apenas aguardando que a mãe natureza nos indique a redenção.

Gabriel Novis Neves
05-10-2015

Quarta, 21 Outubro 2015 18:48

Gostei muito  do livro “Subversion feminista de la economia”. Aportes para um debate sobre o conflito capital x vida, editado em Maio de 2014 na Espanha. A autora é Amaia Perez Orozco, Doutora em economia e ativista em movimentos sociais e feministas. Deu ao livro o nome poético de “Traficantes de Sonhos”. Na verdade, ela ultrapassa a concepção capital x trabalho e suas contradições, para situar-se no que denomina capital x vida. Critica o desprezo na sociedade ao olhar feminista e a crítica ecológica, vendo a desigualdade e seus impactos sobre os segmentos sociais como uma resposta complexa a ser dada no processo social. Aponta que devemos deixar os coletivos homogêneos e conflitos simples, para priorizar o entendimento de como as assimetrias e conflitos sociais atuam entre si. Dá relevo a maior precariedade entre as mulheres, em uma reflexão sobre quem está na base e no topo da pirâmide social? Ela sustenta que há um conflito sem resolução entre a acumulação de capital e sustentabilidade da vida. Então, o mercado abre portas para que, vidas se coloquem por cima de outras, daí, somente algumas ou poucas valem verdadeiramente. Coloca como padrão de referência uma sociedade que é apoderada por uma elite branca, masculina, adulta e heterossexual. Quanto mais distantes deste padrão mais sofrem variados níveis de precariedade e exclusão, no escore da pirâmide populacional de desigualdades. Existe aqui uma identidade política, construída para sustentar o mercado, onde o capital é o elemento central. Diz que quanto a mulher, não é suficiente reconhecer o eixo da opressão de gênero. Os países do Sul foram e continuam sendo espoliados, desde gênero, a destruição da natureza, até ao trabalho escravo dissimulado por leis que retiram os direitos de quem trabalha. No entanto, coloca como urgente e central, a defesa do caráter público, apesar das perdas e deficiências estruturais dos Estados como um caminho para um lugar diferente, onde o centro, o eixo das políticas públicas seja a vida de todas (os). Coloca a ideia de pensar em formas de gestão do público de maneira comunitária e democrática, até a auto-gestão. O trabalho deveria ser produzido antes, pelo seu sentido social do que pelo salário. É importante que trabalhos invisíveis historicamente como o das mulheres em suas casas sejam considerados. A economia deveria estar a serviço das pessoas, e o trabalho a serviço da vida. Significa dizer, ser parte da vida, e não um tempo que se rouba a vida! Para isto, seria necessária uma mudança social, desde os lugares de moradia,  Não bastam leis, serviços e instituições. É preciso tentar uma repartição equitativa de trabalho e renda entre as pessoas. Aponta que redistribuir trabalhos não remunerados implica aos que o não fazem, perder comodidades e privilégios na vida cotidiana. Diz que o endeusamento do mercado nega a vulnerabilidade e interdependência das vidas humanas e seu espelho oculto, incluindo aí a dependência  feminilizada. A pergunta é, qual vida merece ser sustentada pelo sistema sócio econômico? Ele é um jogo de poder, impondo passar por cima do resto das vidas desfavorecidas pelas desigualdades. Quer dizer, em tempos de crise abissal que vivemos, o valor da vida para o modelo econômico adotado no Brasil e MT, é rigorosamente trágico. A saída então, seria colocar o sistema econômico a serviço da vida de todas pessoas. Para isso, viver tem que ser uma responsabilidade coletiva. Penso que, no caso do Brasil, é não deixar nas mãos dos protagonistas da crise moral e financeira que assola o país. Será que existe um limite de desigualdade social aceitável? Qual  modelo de desenvolvimento?

Waldir Bertúlio

Professor aposentado da UFMT

Terça, 20 Outubro 2015 13:51

 

JUACY DA SILVA*

Como mencionei em meu artigo da última semana, o aumento da carga tributária está chegando a um nível insuportável em nosso país. No período compreendido entre o início do Governo Sarney em 1.986  e o fim do primeiro mandato da Presidente Dilma, em 2014, a  carga  tributária  total passou de 22,4% do PIB para 37,2%, podendo chegar a 38% até o final deste ano.

Isto representa um aumento de 66,1%  e indica que a cada ano os brasileiros precisam trabalhar mais para pagar impostos aos governos federal, que fica com 65% do total da arrecadação nacional,  cabendo aos Estados 24%  e aos municípios com apenas  11%.  Em 1986 cada contribuinte precisava  trabalhar 111 dias para pagar impostos e em 2015  são necessários  155  dias de  trabalho.

Segundo estudos da OECD – União Europeia, em 2014  o Brasil tinha a maior carga tributária entre os países do BRIC e a segunda maior da América Latina, com 36,6%, enquanto  a Rússia vinha  em segundo lugar com 23%, seguindo-se a China  com 20%, a África do Sul com 18%  e por ultimo a Índia  com 13%, mesmo patamar em  que o Brasil estava em meados dos anos quarenta  do século passado.

Alguns países europeus tem carga tributária superior a 40%, todavia, tais países  devolvem o que os contribuintes pagam na forma de  impostos, taxas  e contribuições na forma de serviços públicos de qualidade  e totalmente universais e gratuitos  como segurança pública, educação  desde o maternal até a universidade, saúde, cuidados com o meio ambiente e assim por diante; diferente do Brasil que tem carga  tributária praticamente igual a tais países e em troca oferece serviços semelhantes aos países mais pobres da Ásia, África , América Latina e Caribe, ou então, nem serviços públicos são oferecidos.

Diante disto, o Sistema tributário acaba sendo, na verdade, uma extorsão institucionalizada pelo Estado e pelos diferentes níveis de governo e, ao mesmo tempo, servindo para alimentar uma estrutura que tem na corrupção, nos privilégios e nos famosos esquemas que contribuem para o enriquecimento ilícito de uns poucos e acumulação  de capital nas mãos dos grandes grupos econômicos e financeiros.

No período  considerado, aos poucos  a União foi transferindo diversos encargos como educação, saúde, meio ambiente, segurança, assistência social, meio ambiente, outras áreas e políticas públicas aos Estados e municípios, mas mantendo uma grande concentração de recursos no âmbito  do poder central. Com isso, o crescimento da carga tributária nos Estados e Municípios  tem crescido em percentual maior do que da  União e muito maior do que o crescimento do PIB  nacional, estaduais ou municipais.

No período considerado de 1986  e 2014, o aumento da carga tributária federal foi de 53,3%, dos estados  de 78,7% e dos municípios 195,2%, indicando que está havendo uma verdadeira sangria dos recursos gerados pelos contribuintes, principalmente  pelas classes trabalhadora e média, enfim, os  mais pobres  da  sociedade. O Estado  brasileiro a cada ano cresce mais e demanda mais recursos para manter uma máquina ineficiente, burocratizada e corrupta.

Apesar dos baixos  níveis de crescimento econômico, o  aumento do desemprego e do subemprego, da inflação, ocorridos nos últimos cinco anos, incluindo um certo empobrecimento por parte da população, razão do elevado número de pessoas que estão dependentes de programas assistencialistas do governo, mesmo assim, o Governo Dilma, a título de equilibrar  o orçamento da União para 2016, acaba de abrir  um verdadeiro saco de maldades que terá  como vítimas  o chamado andar de baixo, ou seja, os trabalhadores e a classe média.

Deseja  promover a volta da CPMF, o congelamento dos salários dos servidores públicos, mais cortes nos recursos de diversos ministérios e programas do governo, redução nos níveis de investimentos e um corte de oito bilhões do Sistema S – Senai, Senac, Senar, que atendem fundamentalmente filhos de trabalhadores e da classe média baixa que não tem acesso as universidades, principalmente as públicas e de melhor qualidade, e precisam se qualificar melhor para um Mercado de trabalho cada vez mais tecnificado e competitivo.  Esta  é  uma verdadeira facada nas costas de milhões de crianças, adolescentes e jovens que sempre encontraram no Sistema S  uma porta para o progresso individual. Dilma  vai fechar mais esta porta  como está  fechando as portas do FIES  e de outros programas sociais.

Enquanto isto, os banqueiros e os grandes grupos econômicos batem palmas para  este pacote draconiano, como eu mencionei em meu ultimo artigo, faz como um Robin Wood  as  avessas, tira dos pobres  para dar aos ricos. Literalmente dar através  da  renúncia fiscal de mais de 250  bilhões que o Governo Federal concede a grandes grupos econômicos por ano, juros subsidiados, como  os concedidos pelo BNDES  e por outros bancos oficiais  como Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal.  Ou então pela leniência com os grandes sonegadores que devem mais de  1,5  trilhões  de reais, além da defasagem na correção da  tabela do imposto de renda ao longo dos últimos 20 anos, escorchando principalmente as pessoas físicas.

A volta  da CPMF, os cortes orçamentários como já ocorreram neste ano em mais de 80  bilhões e que estão afetando diversos setores, principalmente a educação  e saúde, se somam  ao peso dos gastos com juros e financiamento/rolagem  da dívida pública, que a  cada ano consomem mais de 45% dos  recursos do Orçamento Geral da União.  Este ano só  de juros serão gastos 225,2 bilhões com juros e 1,131 trilhões na rolagem da dívida.  A LOA  para 2016  que deverá  ser de 3,0 trilhões, reserva 1,184 trilhões para juros , encargos e rolagem da dívida, ou seja, 39,5% do orçamento.

Somente durante os quatro anos do primeiro mandato de Dilma, o Governo Federal  gastou R$3,157 trilhões de reais com juros, encargos e rolagem da dívida pública interna e externa. A tendência dessa situação é piorar muito nos próximos anos, pois a dívida pública continua crescendo, igual a uma agiotagem, principalmente porque parte do endividamento do Brasil é atrelado ao dólar e com a desvalorização brutal do real que está ocorrendo nos últimos anos  e meses, mais dia menos dias, vamos chegar `a situação da Grécia que foi estrangulada por uma dívida pública impagável. Atualmente o total da dívida pública brasileira  corresponde a 64,1% do PIB. Aí  reside, de fato, o grande estrangulamento das finanças públicas e da crise que estamos vivendo. O resto é apenas uma cortina  de fumaça  para desviar a atenção do povo, que vive alheio `a real situação em que vive o país.

Diante  dessas  distorções, não sentido fazer  um verdadeiro terrorismo fiscal  sobre a sociedade, afinal, um déficit de 31 bilhões em um orçamento de três trilhões, representa apenas 1%, convenhamos, o buraco é mais em baixo. Enquanto o Governo Federal não realizar  uma auditoria cidadã na dívida pública  e estabelecer  um percentual menor, digamos no máximo de 20%  do orçamento da união para os juros e encargos da dívida publica, iremos assistir um verdadeiro desastre fiscal e orçamentário como o  que o governo Dilma enfrenta no momento,   agravando ainda  mais a crise.

Não  tem sentido jogar nas costas dos contribuintes e da população em geral, principalmente das camadas mais  humildes o peso desta incompetência, insensibilidade, engodo e da corrupção  que são  as marcas do atual governo.

 

*JUACY DA SILVA,  professor  universitário, titular e aposentado UFMT, mestre  em sociologia, articulista  de A Gazeta.  Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.  Blog  www.professorjuacy.blogspot.com Twitter@profjuacy

Segunda, 19 Outubro 2015 16:45

 

Aumentar contingentes policiais nas ruas em nada contribuirá para que milhares de jovens, absolutamente sem perspectivas, parem de fazer os famosos arrastões pelas praias do Rio de Janeiro durante os finais de semana ensolarados. 
As autoridades detentoras do poder público precisam vivenciar as ruas, e não, se encastelarem em suas mansões, seus helicópteros, seus jatinhos. 
Moradores da orla da zona sul há muito advertem sobre o aumento da violência, visível a cada verão. 
As periferias que abraçam a cidade dão sinais de que não mais aceitam o estado de abandono e descriminação com que são tratadas há décadas. 
Belos fins de semana são convites ao deleite nas mais belas praias do mundo, até porque, é o único espaço democrático que sobreviveu à fúria da comercialização brutal da cidade. 
As periferias, totalmente abandonadas, suas praias poluídas, piscinas, as poucas existentes, contaminadas, ausência de saneamento básico, enfim, a injustiça social avassaladora. 
Continuamos confiando naquele bom humor carioca, na sua índole pacífica, mas, a realidade mostra que isso está desaparecendo com o agravamento da crise socioeconômica. 
São quinhentos e seis comunidades em busca de entretenimento e diversão a preço baixo. 
A luta de classes, antes despercebida no país, vem visivelmente se acirrando, inclusive através das redes sociais. 
É preciso que o sistema educacional leia imediatamente todos os sinais que a sociedade está mostrando a passos muito rápidos. 
A hora é de ações educativas imediatas, ou mergulharemos todos num grande conflito social de proporções incalculáveis. 

Gabriel Novis Neves
25-09-2015

Terça, 13 Outubro 2015 12:40

 

A rotina da vida foi-se instituindo de forma radicalmente fundamentada no “trabalho”, mas não no sentido ontológico marxiano, e sim no sentido capitalista que elevou essa ontologia à máxima potência matemática, e em contradição nos despotencializou subjetiva, coletivamente e, por fim, humanamente.

Temos nossa casa, nossos horários, nossas relações permeadas pela rotina da atividade laboral; e a consequência disso?

Perdemos a capacidade para lidar com o extraordinário no sentido estrito do termo, como aquilo que está fora da ordem, sem programação, aquilo que não é o trivial, rotineiro, ou seja, ordinário. E quando os eventos extraordinários acontecem nos deslumbramos e paralisamos, depois buscamos encaixá-los na ordem, racionalizamos e nos incomodamos com sua existência, não sabemos lidar com os “estados de exceção” que tais eventos proporcionam. É assim quando nos apaixonamos, por exemplo, quando somos tomados de um sentimento que nos inunda a vida e que não faz sentido algum, a não ser o de tornar-se o sentido próprio da vida, até que transformemos esse sentimento em ordinário e, então, o encaixamos na rotina.

Este é também, o incômodo que nos causa o rompimento com a rotina laboral que uma greve nos provoca. Assim, vamos racionalizando sua função, seu objetivo, criticando a paralisação que ela causa, em última instância, em nossas vidas, afinal, em nossa sociedade, instituiu-se a máxima de que “somos aquilo que fazemos” enquanto atividade produtiva para o capital, ou seja, enquanto capacidade de produzir riqueza para o capital. Quantas vezes nos apresentamos às pessoas nos referindo a nossa atividade laboral? (Oi prazer, sou fulana, sou professora, psicóloga etc.). E quantas vezes, muitos de nós, julgamos como “vagabundos” aqueles que não produzem essa riqueza? FHC e seu discurso sobre os aposentados ilustra bem esse juízo de valores, que remunera mais às profissões que melhor servem ao capital.

Somos tão colonizados que transportamos para nossa vida íntima as metas produtivas que nos impõem o capital, num estado de competição eterno competimos com nossos pares, instauramos a competição em nossas relações cotidianas afetivas (sejam elas de amizade, de amor ou de trabalho). Quem cumpre melhor a meta ideal para ter uma vida perfeita e feliz?! Entre “ser feliz ou ter razão”, não há escolhas quando se faz da própria felicidade uma competição mascarada! Uma eterna busca do cumprimento da meta “felicidade”. Para tanto, aceitamos sem questionar que devemos ter isso, fazer aquilo e as eternas listas com receitas de como conseguir aquilo que não se tem ainda.

Na lógica social que nos damos e que nos é dada, de modo muito superficial, devemos ter uma boa casa, uma profissão em que sejamos socialmente reconhecidas e competimos com nossos colegas para sermos melhores, lógica absurda em que “melhor” se resume em ser “mais” (mais artigos, mais citações de seu nome, mais metas alcançadas, mais... mais... sempre mais!). Vivemos uma época das quantidades! E de “mais” em “mais” vamos nos tornando subjetivamente “menos” humanos, “mais” máquinas!

E seguimos na ilusão “máquina” de não sentir; o império da razão se sobrepôs à emoção e se instituiu (desde os gregos) que a razão coincide com pensamento e, em nossa sociedade atual, institui-se que pensar/razão é o que nos faz fortes e “melhores”. Aos sentimentos é relegada a fraqueza, a instabilidade, a insanidade. Não descumpra, não questione as regras, seja policamente correto! Controle-se! Não seja LOUCO! Não chores, não ria, não se irrite, não “perca a cabeça”, pois é nela, por herança de Platão, onde mora a razão.

Somos tão máquinas, que não aprendemos a lidar com a humanidade e a transformamos em superstição, transcendência, já dizia Espinosa: “(...) os homens são dominados pela superstição enquanto dura o temor (...)”. E seguimos cumprindo as metas das provas, das datas de formatura, dos prazos que nos impomos, em suma, aprisionamos a vida pública e privada, nossa razão e emoção à meta das quantidades.

Fomos colonizados, emoldurados, formatados para seguir o absurdo das conquistas imediatistas (a tão almejada meta). Agimos em prol dos resultados. E que resultados têm uma intensa atividade política que ultrapassou longos quatro meses?

Acúmulo histórico, político e resistente. It´s bullshit! Qual foi a meta, o resultado concreto, real e imediato alcançado?

Em tempos de imediatismo, “cagamos” para o acúmulo histórico, para as conquistas que não nos são palpáveis. Esquecemos que a política é parte de nosso “fazer ser” seres humanos. Deixamos o estágio abstrato e nos fixamos no concreto. Pobre Piaget, que entendia como natural, a partir da interação com o meio, essa passagem; talvez se sentisse perdido com a capacidade humana de não apenas aceitar, como “lutar” por permanecer na mediocridade concreta e imediatista.

 Pois bem, na contramão dessa lógica dos absurdos (eu invoco como um mantra) nosso saudoso poeta-menino Manoel de Barros e lhes digo: “Perdoai eu preciso ser outros!”.

 

Profa. Vanessa C. Furtado

Professora do Departamento de Psicologia

Instituto de Educação/ UFMT

Sexta, 09 Outubro 2015 09:51

 

De repente, fiquei sabendo que você se despediu de nós. Nem tempo de dizer adeus tivemos. Até entendo: você foi poetar noutros recantos. 

Jamais me esqueço daquilo que, um dia, você me disse: A vida é uma festa. Merece ser bem vivida. Estou convencido de que você não queria ir tão cedo, preocupado sempre com suas duas princesas. Deus é o dono da vida. Que sua vontade prevaleça! 

Sabe, Rômulo, não de hoje acredito que, quando a gente nasce, nasce à semelhança de uma estrela. Brilha com grande intensidade. Aos poucos, essa luz vai se apagando com a sequência de nossas primaveras. Vão minguando seus lampejos. Até que chega um dia em que, de novo, somos convidados a luzir noutro palco, brilhando na companhia do Pai, por tempos que não morrem. 

Isto nos conforta: em cada um de nós repousa um poderoso Deus. Este, sim, eterno! 

Há bem pouco, você me assegurava que velho tem todo o direito a rabugice. Mas a sua, meu compadre, era carga pesada. Agora sei por quê: também os poetas são rabugentos. Aí a explicação da dose dupla... 

Nisto eu acredito: fomos criados para viver. Afinal, se é verdade que Deus é vida, o fato de sermos seus filhos nos garante – por si só – que nosso ciclo não se encerra. O Pai nos convoca à vida sem fim! 

Não lastimamos sua partida, apenas choramos sua ausência. Como sua falta nos faz falta! Amigo, você foi presenteado pelo destino com uma alma grande. Some a isso a sorte de ter tido a seu lado o companheirismo e o amor da Beth. Açucarou-lhe a existência. 

Defeitos você tinha, mas quem não os tem. Nem de longe chegaram a deslustrar suas extraordinárias qualidades. Dou meu testemunho: você foi um escritor de mão-cheia. Sua adega mental esteve sempre abastecida de vinhos do mais erguido conhecimento. 

Em nossos encontros, uma coisa me chamava a atenção: você sempre desdenhou os bens deste mundo. Esperto, aspirava continuamente a bens que jamais findam. Agora, tem todo o direito de curti-los. 

Receba meu muito-obrigado. Valeu, Rômulo! O bem que você espalhou é obra que tempo nenhum consome. O Pai – estamos certos disto – já o acolheu, abrindo- lhe os braços.

Quem vive no coração dos que o amam de verdade, não morre nunca. Você vive!  Com Deus! 

 

Lúcia Helena e Germano, amigos para sempre.

Quinta, 08 Outubro 2015 10:48

 

Por Roberto Boaventura

Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT 

Hoje falo da expressão “gatos pingados”, que, geralmente, vem acompanhada de outra expressão: “meia dúzia”. Juntas, tem-se a duplicidade de uma carga semântica que aponta para um grau fabuloso da depreciação de um grupo de pessoas. Quando se quer desqualificar o trabalho coletivo exercido por poucos cidadãos, basta afirmar tratar-se de algo feito por “meia dúzia de gatos pingados”. Paradoxalmente, na história do Brasil, a força dos gatos pingados é constante, é vibrante.

Os estudiosos de nossa cultura não têm acordo sobre as origens da expressão. Por si, o termo “gato” traz uma gama de informações, dais quais destaco alguns tópicos. De chofre, lembro da suposta dificuldade que se diz ter para matar gatos, prática cruel entre diversos povos. Disso decorre a fama de que esses felinos têm sete vidas; logo, por natureza, são resistentes.

Resistente também é o couro de seus corpos. Daí que do couro dos gatos, faziam-se os tamborins e as cuícas que, juntos, na passagem do século XIX para o XX, ajudavam a dar os melhores sons de percussão entre os escravos recém libertos.

Já uma das acepções do verbo “pingar”, de onde vem o complemento da expressão, refere-se aos suplícios que pingos de líquidos ferventes, como a água e o óleo, causavam nos seres em que eram “pingados”. No Brasil, pingavam-se os escravos, os gatos e outros animais, a depender do sadismo do algoz.

Há algumas décadas, Henfil criou a personagem “Gato Pingado” para representar os pouquíssimos torcedores do América Futebol Clube.

Em agosto deste ano, um vereador de Jacarezinho-PR depreciou um grupo de moradores da cidade – chamando-os de “gatos pingados” – que se revoltaram com as mordomias dos políticos locais. Os gatos pingados procriaram-se e algumas das mordomias foram cortadas.

Mas por que estou falando disso?

Porque ajudo na construção de uma greve – que agora já se aproxima do término – de resistência contra a destruição das federais. E nossa greve tem sido conduzida por “meia dúzia de gatos pingados”, como dizem alguns colegas que sempre se opõem às lutas; por isso, nunca resistem a nada.

Mas como é possível um professor universitário se opor a uma greve necessária, num panorama de humilhação a uma das profissões mais importantes a uma nação?

Por vários motivos. Com a imersão do programa neoliberal nas universidades, elas vêm sendo privatizadas aos poucos. Esse processo só ganha espaço porque muitos docentes parecem ter mentes colonizadas. Com a abundância desse tipo de mentalidade, tem sido fácil aos governos imporem a lógica do mercado entre nós.

Logo, por bem pouco e sempre com algo circunstancial (bolsas de projetos de pesquisa, participação em cargos administrações etc), muita gente tem esquecido de olhar para o futuro.  

Aliás, o olhar de muitos é turvo, politicamente falando. Há pouco dias, uma colega dizia sobre seu horror de estar em uma greve, coordenada por meia dúzia de gatos pingados, por mais de 120 dias.

De fato, uma greve longa é um horror, pois demonstra a falta de disposição do governo ao diálogo; no mais, os prejuízos são enormes, principalmente aos estudantes. Todavia, horror bem maior do que isso foi o anúncio do pacote de ajuste do governo, lançado no dia 14/09.

Portanto, é desse pacote, que corta orçamento para todas as políticas públicas, incluindo as verbas para as universidades, que todos os cidadãos deveriam ter horror. Perante os “ajustes fiscais”, tudo é fichinha em termos de tragédia coletiva, inclusive uma greve de resistência como a que estamos vivendo.

Segunda, 05 Outubro 2015 15:48

 

Cruel imaginar que, enquanto a União Europeia discute se são “imigrantes” ou “refugiados” os milhares de indivíduos que tentam abandonar seus países devido às guerras, a pobreza, repressão religiosa ou política, entre outros motivos, morram sem que ninguém se comova.

Os últimos acordos datam de 1970, quando a Europa fechou as suas portas para os expatriados, salvo em condições especiais – se eles fossem importantes para os países que os recebessem.
De lá para cá, o mundo se tornou mais violento e mais pobre.  Alguns países da África e do Oriente Médio foram se tornando inviáveis para as suas populações.
O que nos apavora é que o resto do mundo, mergulhado nas suas perspectivas capitalistas desumanas, não se sensibiliza, aparentemente, com esse verdadeiro genocídio.
As perdas de vidas são diárias nessa fuga desesperada. Famílias inteiras desafiam a morte através de caminhos marítimos ou terrestres.
A rota preferida por essas pessoas é: chegar à Itália ou à Grécia por meio de embarcações precárias, atingir, por via terrestre a Macedônia, daí para a fronteira com a Sérvia e, finalmente, para a Hungria, país que seria a porta de entrada final para a Alemanha e para os outros países ricos da Europa.
A Macedônia já se declarou em estado de emergência. A Hungria vem construindo uma imensa cerca de arame farpado para impedir a entrada desses imigrantes.
Acontece que as fronteiras de todos esses países já se transformaram em imensos campos de refugiados, com todos os problemas que isso acarreta para as suas devidas organizações.
A Organização Internacional para Migração (OIMpublicou um relatório mostrando que mais de 4.000 pessoas morreram em 2014 tentando migrar para outros países.
Em 2015 quase 1.000 pessoas já morreram em busca de uma vida melhor – segundo dados do Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados)
A mais recente e chocante foi a morte de uma família síria em sua tentativa de fuga desesperada para o Canadá.
A imagem do corpo do menino sírio, de apenas três anos de idade, encontrado em uma praia da Turquia parece que, finalmente, acordou o mundo para este sério problema. Ele morreu juntamente com seu irmão de cinco anos e sua mãe. O pai foi o único sobrevivente dessa desgraça.
O Jornal britânico The Independent estampou em sua página: “Se essa imagem extraordinariamente poderosa de uma criança síria morta em uma praia não mudar a atitude da Europa com os refugiados, o que irá?”.
O jornal português também publicou a imagem chocante e justificou: “Vamos de forma paternalista proteger o leitor de quê? De ver uma criança morta à borda da água, com a cara na areia? Não sabemos se esta fotografia vai mudar mentalidades e ajudar a encontrar soluções. Mas hoje, no momento de decidir, acreditamos que sim”.
Eu também quero acreditar que sim. Quero crer que aquela imagem brutal e bestial do resgate do menino sírio Aylan Kurdi seja o início de tentativas sérias para se resolver esse grande problema.
Aquela imagem que chocou o mundo, já se tonou o símbolo da terrível crise migratória que hoje presenciamos.

Gabriel Novis Neves
20/09/2015

Quarta, 30 Setembro 2015 13:07

 

Quando os trabalhadores perderem a paciência
Não terá governo, nem direito sem justiça
Nem juízes, nem doutores em sapiência
Nem padres, nem excelências.

Mauro Iasi 

Não é “conversa de corredor”: um conjunto de universidades públicas federais completou 120 dias em greve essa semana no país. Movimento, resultado de um processo democrático de consulta às bases, mediante assembleias realizadas em todas as sessões sindicais. Porque parece, na maioria das vezes, pelos “comentários de corredores”, que essa greve está literalmente comandada por meia dúzia de professores e professoras que não têm vocação para sacerdócio e que não sabem fazer pesquisa, por isso, fazem greve; e que só acontece na UFMT! Creio que a grande maioria precisa acreditar nisso para justificar sua omissão ou convicção em não fazer greve.

Aproveito a ocasião para registrar aqui alguns sentimentos e minhas convicções em participar de movimentos grevistas há quase 30 anos nesta universidade. Espero que não pareça discurso piegas ou arrogante, mas sinto necessidade de mais uma vez registrá-las, ainda que já tenha feito por diversas vezes em plenárias.

A mais importante, penso, trago da minha formação política: é a clareza que vivemos numa sociedade de contradições, de luta de classes e de que pertenço à classe trabalhadora. Isso eu aprendi ainda com o Partido dos Trabalhadores, quando defendia um projeto classista “rumo ao socialismo” ou o chamado Projeto Democrático e Popular, tantas vezes alardeado pelos timoneiros da razão instrumental.  Se o PT me ensinou isso errado, problema dele que para mim perdeu a legitimidade enquanto partido de esquerda.

O professor Mauro Iasi avalia que o governo do PT tem aberto mão até mesmo de uma alternativa democrática e popular que com todas as suas limitações, poderia tensionar a ordem capitalista, aprofundando as lutas de classes e criando as condições para uma ruptura revolucionária. Contraditoriamente, a alternativa adotada desarma a classe, desmobilizando as suas organizações e fortalecendo a burguesia. É o controle e o apassivamento da classe trabalhadora; partido que se metamorfoseou de democracia de massas para democracia de cooptação. Eis sua tese. Eis o PT. (Iasi, 2006).

Para não ficar apenas no argumento de um professor comunista que, portanto, gosta de fazer greve, vou lançar mão da referencia inquestionável de um dos mais importantes ideólogos do PT, o professor Carlos Nelson Coutinho. Afirma ele: “Infelizmente, fui depois obrigado a constatar que o governo Lula, iniciado em 2003, longe de representar uma tal alternativa (refere-se à democracia de massas), tornou-se uma nova e radicalizada expressão do neoliberalismo; e o PT, em vez de se afirmar como o principal instrumento desta nova hegemonia, abandonou inteiramente seu velho programa e deixou-se envolver pelos piores vícios da politica brasileira”. É do conhecimento de grande parte dos intelectuais a defesa do professor Carlos Nelson da tão propalada democracia como valor universal e isso pressupunha para ele a presença de um sindicalismo forte e combativo. (Coutinho, 2006, p.53-54).

Tenho outra convicção que trago da minha formação acadêmica como assistente social e professora de Serviço Social (com mestrado e doutorado na área), cujo projeto ético-político é claramente comprometido com outra sociabilidade que imprima uma nova direção social anticapitalista: “esse projeto tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor ético central – a liberdade concebida historicamente, como possibilidade de escolher entre alternativas concretas; daí um compromisso com a autonomia, a emancipação dos indivíduos sociais. Consequentemente, o projeto profissional vincula-se a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem dominação e/ou exploração de classe, etnia e gênero” (NETTO, 1999). Nesse projeto eu tenho construído as minhas bases profissionais e políticas.

Também faço greve porque minha trajetória na UFMT foi de muita luta e conquista. Para entrar aqui tive que passar em 1º lugar, ou seja, me submeter a várias provas. Mas as conquistas se somam: uma carreira de 30 anos com mestrado e doutorado públicos, meus livros, meus (três) filhos/as formados nesta instituição. Sem contar no plano afetivo, os/as companheiros/as e companheiros de departamentos que convivi e a legião de alunos e alunas que estudam meu livro por esse país, quiçá no continente.

Quero dizer ainda que não faço greve por aumento salarial exclusivamente, pois 5% não muda o poder de compra do meu salário. Disse em assembleia: “entrei pobre e saio pobre da universidade”.

Retomando as “conversa de corredores”, soube de comentário provavelmente capitaneado por alguém sem leitura sociológica ou análise de conjuntura, dizendo que eu estava passando “atestado de pobreza”. Ora, nós professores/as que vivemos somente dos proventos da universidade, não ganhamos o que merecemos; nós formamos cotidianamente um conjunto de profissionais de todas as áreas do conhecimento desse país, produzimos pesquisa, realizamos projetos de extensão e sequer temos o reconhecimento de um delegado de polícia, porque esse provavelmente é mais funcional ao Estado penal.

Para quem não conhece os principais eixos de nossa luta são: defesa do caráter público da universidade, condições de trabalho, garantia de autonomia, reestruturação da carreira e valorização salarial de ativos e aposentados. Lutamos, sim, principalmente, pelo que resta de uma instituição pública que vem sendo sucateada desde a ditadura militar, para que possa servir a várias gerações de homens e mulheres que necessitarão de uma universidade pública, gratuita, com qualidade e socialmente referenciada.

Retomando o projeto da minha profissão faço uma analogia dizendo que, como é um projeto e não uma religião, nem todos/as os/as assistentes sociais necessariamente farão sua defesa ou pautarão seus valores teórico-prático e ético-político pelo mesmo. Justo por preconizar princípios como autonomia e liberdade de escolha entre alternativas concretas dirão alguns: escolhi não fazer greve. O que me assusta é quando grande número tem essa convicção. Mas, eu disse muitas vezes, também em plenária, que já passei da idade de fazer cobrança: cada um com suas convicções. Da minha parte, continuarei na luta! 

Ivone Maria Ferreira da Silva

Professora do Departamento de Serviço Social/CHS/UFMT