Quarta, 05 Julho 2017 14:51

 

Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT

 

Na esteira do pensamento de Mikhail Bakhtin, todo busto, estátua, monumento etc. – antes de representar algo ou alguém no campo simbólico – não passa do material que o constitui: argila, cimento, madeira, bronze, prata, ouro... Assim, qualquer escultura não será, antes de tudo, mais do que um determinado tipo de material com determinado peso, que pode variar de poucos gramas até muitas toneladas, como, p. ex., a estátua do Cristo Redentor.

Se isso é verdadeiro, bustos, estátuas, monumentos espalhados por inúmeras cidades, antes de nos ajudar a contar histórias de lugares e de pessoas, portanto, antes de absorverem significado social para além de sua matéria, podem servir para qualquer coisa, inclusive como escudos contra situações indesejadas, como a violência urbana. Claro que em casos tais, as fortalezas seriam mais razoáveis; provavelmente, mais eficazes; seguramente, menos chocantes.

Mas por que essa introdução a este artigo?

Por conta do que ocorreu, há poucos dias, nos pés da estátua de Agenor de Oliveira, mais conhecido por Cartola, um dos maiores poetas de nossa Música Popular Brasileira: mãe e filha foram mortas numa troca de tiro entre policiais e traficantes.

Durante mais esse combate, câmeras mostraram dois soldados usando a estátua de Cartola para se proteger da munição inimiga, bem como revidar os ataques. Uma cena de guerra. A estátua fica próximo à Quadra da Estação Primeira de Mangueira, bem ao lado daquela comunidade.

                                                                                              

 (Foto: Domingos Peixoto/Agência O Globo)

 

Esse tipo de cena, cada vez mais recorrente, por si, já é algo inominável; quando ela ocorre num cenário em que uma personagem da paz – mesmo na condição de estátua, acostumada que foi a pensar com as palavras e brincar com as notas musicais – é obrigada a participar, ainda que simbolicamente, do evento, isso nos deveria fazer refletir sobre a dimensão da contradição diária a que estamos sendo empurrados a viver em nosso país.

Quando vi aquela cena tão triste, como outras tantas que se lhe antecederam e sucederam, sem contar as que estão por vir, imaginei um mundo quase sem porvir, pois estamos perdendo a vida para a violência generalizada, originada nos tempos coloniais, dos quais ainda não nos despedimos completamente.

  Diante de um mundo bonito que vai escorrendo pelos dedos, lembrei da “Exaltação à Mangueira”, de Enéas Brites e Aloísio da Costa:

Mangueira teu cenário é uma beleza... Todo o mundo te conhece ao longe,/ Pelo som de teus  tamborins/ E o rufar do seu tambor...”.

Lembrei de tanta gente. De Paulo César Pinheiro, vieram-me os “Nomes de Favelas”:

“O galo já não canta mais no Cantagalo,/ A água não corre mais na Cachoeirinha/ Menino não pega mais manga na Mangueira/ E agora que cidade grande é a Rocinha!/ Ninguém faz mais jura de amor no Juramento/ Ninguém vai-se embora do Morro do Adeus/ Prazer se acabou lá no Morro dos Prazeres/ E a vida é um inferno na Cidade de Deus/ Não sou do tempo das armas/ Por isso ainda prefiro/ Ouvir um verso de samba/ Do que escutar som de tiro/ Pela poesia dos nomes de favela/ A vida por lá já foi mais bela/ Já foi bem melhor de se morar/ Hoje essa mesma poesia pede ajuda/ Ou lá na favela a vida muda/ Ou todos os nomes vão mudar”.

Por fim, lembrei do próprio Cartola, cantando Candeia:

“Deixe-me ir/ Preciso andar/ Vou por aí a procurar/ Rir pra não chorar... Quero assistir ao sol nascer/ Ver as águas dos rios correr/ Ouvir os pássaros cantar/ Eu quero nascer/ Quero viver...”.

Está difícil, caro Cartola. Até sua estátua corre o risco de não ficar em pé por muito tempo mais.

Segunda, 03 Julho 2017 09:24

 

 
 O brilho dos seus olhos azuis já se misturou ao azul do céu. Aos 89 anos, Lenir Couto da Silva nos deixou esta semana. Devota do Divino Espírito Santo, costumava tirar esmolas nas festividades do Divino, enquanto a sua saúde permitiu. Uma forte queda há quatro anos atrás deixou sequelas em sua saúde, comprometendo a sua locomoção e um pouco da sua memória.  Desde essa época, afastou-se do convívio social.

 
O azul também predominou na escolha do seu clube. O Clube Esportivo Dom Bosco foi o seu clube de coração. Irmã de Ana Maria do Couto, a May, que foi presidente do Clube Esportivo Dom Bosco em 1971, e que,  talvez tenha sido a primeira mulher no mundo a presidir um clube ligado ao futebol, casou-se com um dom-bosquino ferrenho: Gonçalo Ribeiro da Silva, que foi do conselho deliberativo do clube, e que, por um breve período de transição, assumiu a presidência interina do clube junto a dois outros conselheiros.
 
Com o jovem oficial da Polícia Militar de Mato Grosso foi amor à primeira vista. Casou-se com o primeiro namorado e grande amor da sua vida, cuja união só a morte do esposo, já com a patente de coronel, separou.
 
Poucos conheceram o seu lado forte e guerreiro. Sempre esteve ao lado do marido, que foi “sapador” e abriu estradas no “mundão” de um estado ainda não dividido. Ao invés de ficar no conforto do lar, optou por acompanhar o esposo. Morou em acampamentos empoeirados no interior de Mato Grosso e dormiu em redes em regiões inóspitas. Os buracos das antigas estradas a fizeram sofrer um aborto na primeira gestação. Tiveram dificuldade para conseguir ajuda médica adequada à época, o que pode ter causado problemas em sua saúde. O primeiro filho morreu na hora do parto. Dizem que parecia muito com a mãe, com cabelo ruivo e olhos azuis. Foi a segunda perda forte para Lenir. Fervorosa, agarrou-se às orações. Após um tempo conseguiu realizar o sonho de ser mãe: teve três filhos.
 
Foram várias outras batalhas vencidas durante sua existência, até que, no último dia 26, partiu serena, em casa, deixando para seus filhos e neta, um exemplo de luta, dedicação e dignidade.
 
Lenir pediu que quando partisse fosse sepultada com o bolero “Sabor a mi” sendo entoado. Gonçalo estaria esperando-a de braços abertos e juntos iriam dançar, como faziam nos antigos bailes de Cuiabá. O seu pedido foi atendido. Agora descansa no jazigo da família no cemitério da Piedade, com a ossada do seu grande amor ao lado. Foi sepultada usando um vestido azul.
 

**Texto enviado pela Profª Telma Cenira Couto da Silva em homenagem a sua mãe.

 

Quinta, 22 Junho 2017 09:31

 

Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT

 

Sem medo de errar, afirmo que a democracia é o melhor dos regimes sociais conhecidos. Contudo, paradoxalmente, é também o mais difícil de ser vivido. Do micro ao amplo, tudo é complexo.

Em meu local de trabalho, há quem me cause perplexidade por conta de atitudes antidemocráticas; têm dificuldades de acatar decisões aprovadas pelo coletivo. Com seres assim, não há argumentos que os modifiquem. Essa face egocêntrica é como se fosse a externalização de uma doença que circulasse pelas veias de seus corpos, diminuindo-os, por consequência, como profissionais e cidadãos. Impressionante.

Em âmbito mais amplo, também me impressiona ver que a maioria dos nossos políticos e séquitos imediatos seja tão antidemocrática. Digo isso porque não tolero ataques à imprensa e a jornalistas, ou seja, em geral, os primeiros alvos dos antidemocratas. Sobre a mídia e seus profissionais sempre caberá a crítica, mas em lugar correto. Nunca pode ser o ataque e/ou o cerceamento ao direito do outro de se expressar.

O parágrafo acima surgiu por conta do relato de Miriam Leitão, publicado em seu blog no jornal “O Globo”. Segundo ela, em recente voo de Brasília para o Rio, militantes do PT agrediram-na verbalmente. “Foram duas horas de gritos, xingamentos, palavras de ordem contra mim e contra a TV Globo”, relata.

De minha parte, não saberia dizer quantas vezes já critiquei a Globo e a própria jornalista em pauta. Todavia, reconheço o direito que têm de pensar e comungar de ideais diferentes dos meus. A referida emissora e seus trabalhadores têm o direito de acreditar no programa neoliberal.

Como não poderia ser diferente, as grandes entidades do nosso jornalismo repudiaram aquele constrangimento. Com este artigo, também manifesto meu repúdio. Na condição de articulista, percebo aumentarem as ofensas verbais por parte de destemperados. Depois de artigos que escrevi, principalmente criticando o PT e/ou expondo opiniões sobre temas religiosos, também já fui constrangido. Esses temas são veredas perigosas para os jornalistas. Neles, podem estar escondidas verdadeiras tocais. É a ditadura da reza na mesma cartilha.

Não ter o pleno direito de opinar sobre aquilo que se pensa é agressão que só sente quem por ela passa. A cada novo artigo, me armo psicologicamente para o que possa vir. É raro quando ofensas verbais não vêm. Além delas, há o constante risco das agressões físicas. Isso tudo é retrocesso. Contra eles, todos devemos lutar.

Diante do ocorrido com Leitão, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, lamentou o constrangimento. Disse que o PT orienta a militância a “não realizar manifestações em locais impróprios”. Todavia, disse que a Globo é, “em grande medida, responsável pelo clima de radicalização e ódio por que passa o Brasil”.

Ao dizer isso, Hoffmann enfraquece a orientação que diz ajudar a fazer à militância petista. No mais, discordo de sua leitura. Sem santificar o jornalismo da Globo, o buraco é mais embaixo. O problema não está na forma/intensidade da exposição de nossas mazelas, como a corrupção, p. ex., mas nos atos praticados em si.

Em outras palavras, a questão não está na incidência e na virulência com que tais fatos possam ser publicados pela mídia, mas neles próprios. Nosso problema não é a mídia, não são os jornalistas, mas a corrupção, a desfaçatez, o desrespeito que nossa elite, incluindo os “donos” da legenda petista, tem imposto à sociedade.

Nesse caos, ser democrático parece ser uma arte cada vez mais difícil de ser exibida, seja no ar ou em solo.  

Terça, 20 Junho 2017 13:50

 

 

Profa Vanessa C. Furtado

Departamento de Psicologia - UFMT

 

 

Quando vislumbrei a carreira acadêmica como possibilidade de atuação, muitos foram os estereótipos que permearam minha escolha: a possibilidade de realizar pesquisas que pudesse efetivamente trazer melhorias à sociedade; o trabalho em conjunto de ensino-aprendizagem enquanto processo dialético de produção de conhecimento; a integração da comunidade e universidade e a disseminação do conhecimento produzido pela universidade com a finalidade de dar acesso universal a essa produção. Hoje, cara a cara com a realidade, reconheço quão ambiciosos eram esses estereótipos que se tornaram planos de atuação quando fui convocada para assumir o cargo de professora.

 

Das condições materiais efetivas para o exercício de minha profissão dois me são ainda mais árduos   e   áridos:   a   falta   constante   de   recursos   e   profissionais   suficientes   em   meu departamento e a burocratização de meu trabalho. Um implica diretamente no outro, comecemos pela situação da falta de condições de trabalho, ou seja, de recursos. Logo em meu primeiro ano nesta universidade, participava de um curso de formação para professoras quando ouvi, da então reitora, que não deveríamos deixar de trabalhar pelo simples fato da universidade não nos dar as condições necessárias, se o problema fosse falta de data-show, então que o comprássemos com nossos excelentes salários. Na época, embora ainda engatinhando na profissão, achei a declaração absurda e me recuso terminantemente, até hoje, a comprar um data-show para dar aulas! No entanto, não me recuso a comprar livros dos quais a universidade não dispõe, não me recuso a buscar programas que escaneiam trechos de textos para disponibilizar para as turmas as quais dou aula e assim evitar que fiquem sem o material necessário, não me recuso a sair de casa com meu carro percorrer os campos de estágios (que são obrigatórios na grade curricular), às custas de parte do meu salário para abastecer o veículo, não me recuso de atravessar um prédio inteiro para utilizar os sanitários que vivem interditados por falta de água ou algum outro problema, não me recuso fazer orientações extra “PIA” para não deixar os/as discentes sem orientação, não me recuso a trabalhar três turnos e ainda finais de semana para dar conta das atividades que me são impostas. Enfim, nesta conta, o valor do data-show até que não me sairia tão mais caro!

 

Ah mas não só de sala de aula vive uma professora! Então, preciso integrar ensino-pesquisa- extensão (repetimos isso quase que como um mantra). E, para alguém como eu, que compreende a função social da universidade pública, congregar as teorias com as práticas de minha profissão e militância por uma sociedade mais justa é posto, também, como dever. Sem esquecer, é claro, que no mundo acadêmico tanto vale quanto maior for seu Lattes, portanto: PUBLIQUE! Assim, em algum momento entre todas as reuniões agendadas, aulas a serem preparadas e ministradas, trabalhos a serem avaliados, é preciso tempo para preencher os intermináveis formulários (e como se os já existentes não bastassem, criam mais um tal de REA),  que  devem  ser  “selado,  registrado,  carimbado  (protocolado)/Avaliado,  rotulado  se quiser voar”! Ou seja, TORNEI-ME UMA INEFICIENTE BUROCRATA! Alimentando os fantasmas da fiscalização do trabalho público, pois o mito da funcionária pública que não faz nada é tantas vezes propagado quanto se deseja acabar com essa espécie de serviço neste país.

 

E para que nos serve O burocratismo em uma universidade pública, onde tudo precisa de carimbos, etiquetas e protocolos? Respondo: para nos retirar do trabalho que nos é mais essencial nesta instituição: a produção de conhecimento (e aqui, leia-se: pesquisa, extensão e preparo de aulas). Quanto tempo dispomos do nosso dia-a-dia de trabalho para montar processos, carimbar folhas, levar ao local de registro, levar ao local de destino? Em meu caso, pelo menos, um turno do meu dia é ocupado por essa função, quando necessito montar um processo  para  legitimar  qualquer  ação  extra  sala  de  aula,  como  um  simples  projeto  de extensão que atenda as necessidades da comunidade matogrossense. Não são raras as vezes que eu penso em não realizar tais atividades, apenas para evitar todo esse ciclo de processos intermináveis. E não porque eu me ache incapaz de fazê-lo, mas por falta de tempo dentro daquela rotina já descrita acima.

 

Agora, o que mais me espanta e indigna é a naturalização desse processo burocrático, que atravanca os caminhos da produção e disseminação do conhecimento produzido em nossa universidade. Também não são raros os relatos de colegas que solicitam a estudantes que as auxilie nesse processo de preenchimento de formulários, usualmente atribui-se essa atividade a quem recebe bolsa, afinal precisa trabalhar. A naturalização dessa atividade é tamanha que, esquecemos que estudantes também recebem bolsa para pesquisar.

 

Para se ter ideia, apenas hoje, para correção de atividades em meu REA gastei cerca de 34 minutos (contados no relógio por pura birra) de um tempo que estava disponibilizando para preparar minhas aulas da semana. Ou seja, mais 34 minutos porque já havia gasto vários outros, em pleno feriado, preenchendo o tal do relatório com todas as atividades realizadas no semestre. E tome mais fiscalização! Como se não bastassem os imperativos do currículo lattes, do PIA, diário de classe, mais um REA. Pra meu espanto, só que não, as atividades registradas nesse  novo  relatório  ultrapassaram  as 40  horas  de trabalho  às  quais  deveria  me  dedicar exclusivamente.

 

Por um lado, achei ótimo ter uma forma de registro de atividades que chegam perto de demonstrar a realidade da atividade docente, por outro “que vantagem Maria leva?”. Estas horas-extras servirão para efeito de banco de horas ou adicional salarial? Não estranhem a pergunta,  pois  é  retórica,  contudo  necessária,  uma  vez  que,  são  estas  as  opções,  em instituições privadas, que se contrapõem ao conteúdo do e-mail que recebemos no início deste semestre, sob orientação da pró-reitoria de graduação, informando a necessidade de darmos aulas nos dias marcados, de justificarmos nossas faltas e planejarmos as reposições, caso contrário, nosso PONTO seria CORTADO! O que de fato não é um problema; entendo que faz parte de nossa obrigação enquanto funcionárias públicas, bem como, do compromisso que assumimos com discentes que necessitam das horas da disciplina para se formar. No entanto, estou tratando a questão por sua essência e não pela aparência, ou seja, muitos mecanismos se criam para regular e fiscalizar nossa atividade, porém, poucos para efetivarmos o trabalho que compreende ensino, pesquisa e extensão “aoommmmmmmm”

 

E desta forma, chegamos a meu último questionamento: a que se presta esse burocratismo fiscalizador? Qual a sua essência?

 

Pois bem, aprendi no movimento da luta anti-manicomial que, não adianta abrir as portas dos manicômios e sair das instituições manicomiais se o manicômio não sair de dentro da gente,

 

ou seja, a lógica que nos é ensinada de que a pessoa considerada “louca” é incapaz e deve ser tutelada e, de preferência, privada do convívio social se mantém. Enfrentamos, nesse âmbito, uma verdadeira resistência de se libertar da lógica manicomial “do passado” e assumir o novo modelo de  tratamento.  Transpondo essa  ideia para  nossa discussão  sobre  a  universidade pública, fizemos o contrário, paulatinamente estamos cedendo à nova lógica: a privatista, com resistências cada vez menores a cada nova leva de docentes que ingressam na universidade. O que vai deixando a “velha” lógica do trabalho docente de universidades públicas com ares de ultrapassada. Já sou capaz de vislumbrar as marchas para Brasília onde estaremos clamando por direitos tais quais os que tem os trabalhadores e trabalhadoras com regime de trabalho regido  pela  CLT  (e  sabe-se  lá  quanto  tempo esses direitos  durarão)  e  o  faremos  com as aspirações de que horas-extras e/ou banco de horas são grandes conquistas da luta para o funcionalismo público, para a carreira docente e venderemos alegre e servilmente nossa saúde ao   trabalho.   Quanto   mais   o   burocratismo   nos   retira   dos   espaços   de   produção   de conhecimento, mais privatizamos nossa sala de aula, nossa profissão e a universidade pública brasileira. “Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão” (Aldous Huxley).

 

E o que mais representa a lógica privatista do sistema se não a produção e metas? E o que mais representa essa lógica, hoje, na universidade pública do que a ilusão de que quanto mais se vale maior é o seu formulário de atividades docentes inócuas ao conhecimento, seja ele o Lattes, o REA ou quantos outros quisermos criarmos.

Segunda, 19 Junho 2017 14:29

 

JUACY DA SILVA *

Para que as cidades  sejam realmente sustentáveis e locais que ofereçam condições para que seus habitantes possam desfrutar de níveis de vida dignos, uma série de desafios devem ser superados, incluindo serviços públicos de qualidade, a começar pela saúde, saneamento, educação, segurança e, também, cuidar da mobilidade urbana, onde estão incluídos não apenas as questões do trânsito e dos transportes, mas também possibilitar que os pedestres e os ciclistas possam ter garantido o seu direito de ir e vir.


Neste sentido, tanto as vias públicas, ruas, avenidas e as rodovias, devem ser seguras quanto as calçadas e ciclovias devem atender este requisite básico. Lamentavelmente, apesar de que praticamente quase a metade da população faça seus deslocamentos a pé, incluindo pessoas portadoras de necessidades especiais ou o que denominamos de deficientes, as calças na quase totalidade de nossas cidades é  um caso de polícia,  uma vergonha, demonstrando que os pedestres principalmente não constam da agenda de nossas administrações municipais, com raríssimas exceções, que apenas confirmam a regra.


Neste artigo vou tratar apenas da questão da violência no trânsito que ao logo dos últimos 21 anos foi responsável pela morte de 843.451 pessoas,  das quais 43,3%  eram pedestres  e 4,5% ciclistas, números  que assustam  pois representam mais do que todos os atos terroristas cometidos em mais de 50 anos pelo mundo afora.


De acordo com dados da ONU, tomando como base o ano de 2010, morrem aproximadamente 1,3 milhões de pessoas em acidentes de trânsito ao redor do mundo. O total de pessoas, vítimas desses acidentes, incluindo as que morrem chega a mais de 50 milhões de pessoas. O  custo desses acidentes e dessas  mortes  naquele ano era de US 518 bilhões de dólares, valor maior do que o PIB  de 160 países, incluindo os custos médicos, hospitalares, ausências do trabalho e a previsão da sobrevida que haveria se essas mortes, desnecessárias, não houvessem ocorrido.


O Brasil, como em tantos outros aspectos, quando comparado  com outros países, está e continua muito feio na foto. Nosso país é o quarto no ranking mundial de mortes por acidentes de trânsito, perdendo apenas para a China, a Índia e a Nigéria, mas quando comparado por índice de mortes por 100 mil habitantes, entre os quatro mencionados, somos o segundo onde o trânsito mais mata, pior do que na China, na Índia, nos EUA, no Japão e em todos os países Europeus, Canadá e Austrália.


Por  ano morrem mais de 46 mil pessoas em acidentes de trânsito em nosso país.  O  total de mortos no trânsito de 1996 a 2017, deverá chegar a 843.451 mortes violentas, que poderiam ser plenamente evitadas se nossa  legislação do trânsito fosse respeitada, desde que os poderes públicos exercessem uma efetiva  fiscalização  e os infratores fossem de fato  punidos. Da mesma forma que a impunidade acoberta a corrupção política e empresarial, também  a impunidade e penas consideradas leves ou brandas demais acabam sendo a regra geral nos acidentes e mortes no trânsito.


As  estatísticas de acidentes e mortes no trânsito demonstram de forma clara que estamos diante de uma verdadeira carnificina. Ficamos horrorizados quando um ato terrorista mata 10 , 20 ou cem pessoas na Europa, nos EUA  ou em outros países,  e parece que aceitamos de forma passiva quando sabemos que em 2017 deverão morrer em torno de 46 mil pessoas em acidentes de trânsito em nosso país. Dessas, nada menos do que 43,3%  são pedestres,  como bem demonstrou o MAPA DA VIOLÊNCIA, para o período de 1996/2010.  Neste período 225.361 pedestres  morreram  ou melhor, foram assassinados por motoristas irresponsáveis, verdadeiros  assassinos ao volante, muitos dos quais sequer foram presos ou indenizaram suas vítimas.


No mesmo período 23.445  ciclistas também foram vítimas de um trânsito violento e assassino  e o que se apresenta como uma escalada nesta violência no cotidiano de nossas cidades, 99.203 motociclistas  também perdem a vida. No conjunto desta tragédia, os pedestres representam 43,3% das mortes no trânsito; os ciclistas 4,5%   e os motociclistas 19,1%, totalizando 66,9% das mortes no trânsito.


Em  termos de uma visão evolutiva, percebemos que no período considerado as mortes de pedestres apresentaram  uma redução anual de 51,5%, os ciclistas um aumento de 207,8% e os motociclistas um aumento vertiginoso de 846,5%, o que indica que  estamos diante de  uma tragédia anunciada, uma escalada  sem paralelo, no que tange  `a  violência no trânsito.


No Brasil as mortes por acidentes de trânsito, ocupam em termos gerais a oitava causa de morte, mas quando consideradas algumas faixas etárias podemos acender o alarme vermelho antes que esta carnificina passe a ser mais uma rotina a marcar a imagem de nosso pais.


As  mortes no trânsito é a terceira causa na faixa entre 30 e 44 anos; a segunda na faixa entre cinco e 14 anos e a primeira na faixa de 15 a 29 anos, ou seja, o trânsito, da mesma forma que o banditismo, os assassinatos, está matando impiedosamente as nossas crianças, a nossa juventude e os nossos  adultos em plena idade produtiva.


Enquanto isto, continuamos a conviver com o noticiário diário dando conta que nossos políticos, empresários e governantes  estão roubando descaradamente o dinheiro que faz falta para as políticas públicas em todas as áreas, incluindo saúde, segurança e na mobilidade urbana. É triste e vergonhoso viver  em um país como o nosso, onde há anos só se fala em operações caça  corruptos.


A continuar esta rotina, a cada década milhões de pessoas continuarão morrendo de forma violenta, assassinadas no trânsito ou pela sanha do banditismo que no amedronta, ante o descaso de nossas autoridades!


* JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado UFMT, mestre em sociologia, articulista e colaborador de jornais, sites, blogs e outros veículos de comunicação. 

E-mail O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo." target="_blank">O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Blog www.professorjuacy.blogspot.com Twitter@profjuacy 

Sexta, 09 Junho 2017 08:40

 

 


JUACY DA SILVA*

 

Todos os países, de uma forma ou de outra, enfrentam inúmeros desafios para atenderem as necessidades, as aspirações e os objetivos de suas populações. Basta observarmos o noticiário internacional, falado, escrito ou televisivo, que vamos nos deparar com atos terroristas cada vez mais frequentes,  fanatismo religioso ou  ideológico, conflitos de baixa ou média intensidade, guerras civis  ou regionais, pobreza, fome, violência urbana e criminalidade, drogas, crime organizado e a corrupção generalizada na sociedade e nas instituições públicas, principalmente nas relações entre setores públicos  e empresários.


Todavia, existem outros problemas que, segundo a ótica da sobrevivência da humanidade são muito mais graves do que os apontados anteriormente e que as vezes pouca atenção e as ações para a sua superação, recebem das pessoas, individualmente e dos governos como um todo, por mais que cientistas e organizações internacionais apontem a gravidade desses desafios e a urgência que deve ser dada para evitar que uma catástrofe anunciada acabe ocorrendo com consequências as mais desastrosas possíveis em um futuro não muito longínquo.


O aumento demográfico mundial,  indica que dentro de poucas décadas o mundo deverá atingir nada menos do que 9,2 bilhões de habitantes, dos quais mais de 80% estarão vivendo nas cidades. Mesmo que as taxas de crescimento demográfico venham declinando em escala mundial de forma lenta, a urbanização desde meados do século passado vem ocorrendo de forma acelerada.


A combinação desses dois fatores coloca alguns desafios prementes e impõem  a necessidade de um planejamento em escala transnacional para que os mesmos possam ser encarados.  Os três maiores são a produção de alimentos , a geração de energia e o suprimento de água.  Outros desafios estão diretamente ligados `as formas como essas três demandas são atendidas.


A ideia de que o planeta  tem recursos naturais abundantes e inesgotáveis tem se mostrado uma grande falácia e induzido alguns governos nacionais a se descuidarem das questões ambientais. Em boa hora a ONU substituiu os OBJETIVOS DO MILÊNIO, cujo prazo de conquista encerrou-se em 2015, pelos OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, demonstrando que se cada país e o conjunto de países não cuidarem do planeta, denominado pelo Papa Francisco em sua Encíclica Verde (Laudato Si), como a casa comum, estaremos , todos , condenados a um grande desastre talvez  igual ao que levou ao desaparecimento dos dinossauros.



Está comprovado, basta ler os resultados do trabalho do Painel dos cientistas sobre as mudanças climáticas, que boa parte dos desastres naturais e a degradação ambiental que está acontecendo em escala global, estão diretamente relacionados com as ações humanas para produzirem alimentos, energia e água e desenvolver a economia.


Diretamente relacionada com esses desafios todos os países já experimentaram ou estão experimentando a destruição dos biomas, no caso do Brasil esta destruição acontece  em todos os nossos biomas, como Amazônia,  Cerrado, Caatinga, Pantanal, Mata Atlântica e Pampas, como demonstrou recentemente a CNBB  na última Campanha da Fraternidade.


Estamos produzindo bens e serviços que acabam atendendo a um consumismo desenfreado, alimentado pelo marketing  comercial na busca frenética pela acumulação de capital e a busca do lucro e, em decorrência gerando lixo e rejeitos que estão tornando inviável a vida em geral. Só nos oceanos são lançados oito milhões de toneladas de lixo em geral e plásticos por ano, tornando a vida marinha impossível, destruindo todo tipo de vida. De forma semelhante nossos rios, lagos, lagoas, ruas, avenidas, terrenos não ocupados estão se transformando em uma grandes lixões e nossos córregos e rios nada mais são ou serão do que grandes esgotos a céu aberto, vide Rios Tiete e Cuiabá.


A interação de todos esses fatores estão contribuindo de forma assustadora para as mudanças climáticas, aquecendo o planeta e tornando a vida impossível dentro de algumas gerações. Diante deste desastre anunciado, é fundamental que cada pessoa faça  sua parte. Mas a maior responsabilidade continua sendo das instituições públicas e dos governos, no sentido de desenvolverem políticas públicas, planos e programas que tenham na sustentabilidade sua base fundamental e que os países/governos cumpram os acordos internacionais que firmaram para que tudo não venha a ser apenas discursos e uma grande encenação, esperando, talvez pelo próximo ou o grande desastre que se avizinha.

 

O maior desafio ou o somatório de todos os desafios pode ser resumido em uma frase: O planeta está  morrendo, a hora de salva-lo é agora!

 


*JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado UFMT, mestre em sociologia, articulista e colaborador de jornais, sites e blogs.

E-mail O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Blogwww.professorjuacy.blogspot.com Twitter@profjuacy

 

Quarta, 31 Maio 2017 13:30

 


 
JUACY DA SILVA*
 

Há 45 anos a ONU estabeleceu que 05 de Junho deveria ser dedicado ao DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE e, desde então, mesmo em meio a muitas resistências políticas, geopolíticas e, principalmente econômicas, vários passos  já foram dados na direção do desenvolvimento sustentável,  nova agenda da ONU chamada de Agenda 2030, buscando  um maior respeito em relação à natureza.


Como marcos desta caminhada podemos mencionar a primeira conferência mundial do meio ambiente em Estocolmo, no início dos anos setenta, depois a ECO 92, no Rio de  Janeiro,  a Rio+20, também no Brasil, o acordo do clima de Kyoto e mais recentemente o acordo de Paris e vários outros protocolos e decisões das Assembleias Gerais da ONU, culminando com os Objetivos do desenvolvimento sustentável, em que praticamente todos os países, inclusive o Brasil passaram a ser signatários.


Em alguns países esses compromissos nacionais ou regionais, como na Europa, tem avançado  e em outros  a caminhada é bem mais lenta  ou até mesmo a resistência se faz presente como acontece no momento atual nos EUA, o segundo país mais poluidor do planeta, só perdendo para a China, que ainda caminha muito devagar.


No  Brasil, que é o Quinto país mais poluidor do planeta, a retórica , os discursos  e as leis, a maioria só de fachada, também não tem contribuído de forma significativa para reduzir a degradação ambiental e os crimes ambientais continuam sendo praticados `a luz do dia, como se costuma dizer, a impunidade  dos crimes ambientais só perde para  a  impunidade dos crimes de colarinho branco, ou seja, a corrupção, na maioria da vezes ambos estão juntos.

Para comemorar o DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE em 2017, na próxima segunda feira, a ONU  estabeleceu como tema “Conectando as pessoas com a natureza”, representando um chamamento individual e coletivo, local, regional, nacional e internacional para práticas que resgatem as relações dos seres humanos com a natureza e desses  entre si. A ênfase continua a mesma de anos e décadas , é preciso reduzir o consumismo, que gera desperdício  e estimula a destruição da natureza e a degradação ambiental.  Neste processo é de fundamental importância a reciclagem, a economia circular, para que a  redução de bens de consumo, o reuso  e a transformação dos rejeitos ou do que chamamos lixo possa novamente ser transformado em bens de consumo, sem os impactos negativos sobre a natureza. É preciso produzir sem o uso abusivo dos agrotóxicos que estão envenenando as pessoas e destruindo a biodiversidade de forma impiedosa.


Já é por demais conhecido que a capacidade física do planeta terra em suportar uma população de bilhões de pessoas, que deverá ultrapassar 9 bilhões  em 2050, é limitada. Mesmo países como o Brasil, que possui uma população que deverá chegar a mais de 250 milhões dentro de algumas décadas,  por ter um grande território e outros recursos naturais abundantes, não pode se dar ao luxo de ser o celeiro do mundo ou uma potência agrícola  e pretender alimentar o mundo com grãos, carnes, minérios, madeira e outros produtos derivados ou extraídos da natureza.


Este modelo, agroexportador, baseado na monocultura , no extrativismo que tem em sua pauta de  comércio exterior a troca de bens   primários por produtos acabados de alta tecnologia, a longo prazo, como a nossa história tem comprovado, deixará um  grande passiva ambiental, como acontece com a destruição do Cerrado, da Amazônia, do Pantanal; como no passado deixou suas marcas negativas na destruição da Mata Atlântica, nos Pampas  e na Caatinga e no caos urbano.


Em  boa hora a CNBB estabeleceu como tema da Campanha da Fraternidade deste ano “ Biomas Brasileiros e a defesa da vida”, fazendo um chamamento aos católicos, demais cristãos e não cristãos para defendermos a Casa Comum, o nosso meio ambiente, demonstrando que práticas econômicas baseadas no lucro fácil e rápido, ao mesmo tempo que favorecem uma minoria da população traz consequencias que afetam milhões, principalmente a  grande maioria da população brasileira, constituída de excluídos política, econômica, social e culturalmente.


É fundamental que, mesmo em meio a esta grande crise econômica, financeira, moral e institucional pela qual passa nosso país, possamos recolocar a questão ambiental na ordem do dia. Precisamos, com urgência estabelecer  uma NOVA AGENDA AMBIENTAL verdadeira e não apenas baseada em discursos e mentiras oficiais.

*JUACY DA SILVA, professor universitário, UFMT, mestre em sociologia, articulista  e colaborador de jornais, sites, blogs e outros veículos de comunicação.

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Sexta, 19 Maio 2017 09:32

 

JUACY DA SILVA*
 

Este é o terceiro artigo que escrevo sobre agricultura urbana e periurbana nas últimas semanas. Ao longo de décadas tenho acompanhado discussões, reuniões e ações de pequenos agricultores que lutam em duas frentes. A primeira pela posse  de um pequeno pedaço de terra para poderem permanecer no campo e a outra para livrarem-se dos diversos atravessadores que os exploram, pagando um preço vil, as vezes abaixo dos custos de produção e para lucrarem mais, oneram sobremaneira os consumidores.
 
O Brasil, como de resto a imensa maioria dos países, a cada dia está se transformando em uma sociedade urbanizada. O esvaziamento do campo e as migrações rurais em direção às cidades tem contribuindo para o que muita gente denomina de caos urbano, principalmente com a ocupação desordenada das áreas periféricas, com ocupações irregulares, invasões ou loteamentos ilegais ou mesmo ocupação de áreas impróprias para a habitação humana.
 
O resultado, todo mundo conhece, incluindo nossos governantes, muitos dos quais continuam  insensíveis ao drama humano da pobreza, do desemprego, da fome, da violência, da miséria, do domínio do crime organizado sobre imensos territórios urbanos. Tudo isso tem  ajudado   no agravamento de um outro problema bem conhecido que é a questão da insegurança alimentar generalizada nas periferias urbanas de nosso país.
 
As periferias urbanas, tanto das pequenas, medias  e grandes cidades, incluindo as áreas metropolitanas são constituídas de migrantes de origem rural e seus descendentes, primeira ou segunda geração , ou seja, pessoas  que de uma forma direta  ou indireta tiveram contato com a terra, com a agricultura, enfim, pequenos agricultores expulsos de suas terras e de seu meio tanto pela violência da luta no campo quanto pela exploração econômica e financeira e a falta de assistência técnica, creditícia e de apoio para a comercialização.
 
De outro lado também podemos observar que as cidades e o entorno das mesmas, o que é chamado de espaço periurbano, possuem enormes áreas desocupadas, sem qualquer atividade econômica, constituindo—se  em reserva de capital para a especulação imobiliária.
 
No intuito de combater  este mal urbano, o Estatuto das cidades  estabeleceu  o instituto do IPTU progressivo, que até o momento não passou de letra morta, inclusive com uma certa omissão do Ministério Público, que deveria  atuar como o “fiscal da Lei” e colaborar para que o uso do espaço urbano tenha uma função social.
 
Assim, há muitas décadas no mundo todo, principalmente nos países desenvolvidos tem havido o despertar de um movimento no sentido de ocupar essas áreas urbanas e periurbanas, para a produção de alimentos. No Brasil também esta tendência tem despertado a atenção tanto de movimentos sociais organizados quanto de prefeituras, algumas apenas, entidades governamentais nas três esferas do poder, para possibilitar que a terra e o direito `a propriedade, tanto rural quanto urbana tenham uma função social e econômica e não apenas de caráter especulativo.
 
Este é o movimento de milhares e milhões de pessoas que tem descoberto que a produção de alimentos e o uso de áreas desocupadas, ou terrenos baldios  como algumas  pessoas  assim denominam, pode ser feita em pequenos espaços, sem uso de agrotóxicos, de forma orgânica, tanto individual  quanto e principalmente através de associação de pequenos produtores, possibilitando a criação de emprego e a geração de renda, enfim, abrindo oportunidades para a inclusão social e econômica de milhares de pessoas que estão à margem da sociedade e as vezes vivendo na pobreza e na miséria.
 
Em diversos países, como nos EUA e na Europa, as universidades  tem constituído centros de estudos, de pesquisas e de extensão rural voltados para a agricultura urbana e periurbana e ao mesmo tempo as entidades governamentais também  estão sendo despertadas para a importância deste setor, praticamente esquecido quando  da elaboração do planejamento urbano e regional.
 
Em nosso país este é o momento mais do que propício para que a agricultura urbana e periurbana possa ocupar seu espaço e contribuir para um desenvolvimento sustentável e integral não apenas de nossas cidades mas das regiões em seu entorno. Este é um desafio e um tema extremamente  fascinante.  Vale  a pena dedicarmos  nossa  inteligência e nossos esforços para transformarmos sonhos em realidade! Todavia, como escreveu Miguel de Cervantes Saavedra, um dos maiores escritores de todos os tempos, nascido em 1.547 e morto em 1.616  “Quando se sonha sozinho é apenas um sonho. Quando se sonha juntos é o começo de uma nova realidade”
 
O momento atual quando a ONU estabeleceu os OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, ou a agenda 2030, é para sonharmos juntos. Que tal encararmos o desafio do desenvolvimento da agricultura urbana e periurbana juntos?
 

*JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado UFMT, mestre em sociologia, articulista e colaborador de jornais, sites, blogs  e outros veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo." target="_blank">O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Blog www.professorjuacy.blogspot.com Twitter@profjuacy
 
 

Quinta, 18 Maio 2017 10:10

 

Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT

 

De seu nascedouro até este instante, o Brasil produziu poucos intelectuais. Pior: vivemos um tempo de perdas dos últimos que ainda resistem ao tempo. Em breve, só teremos acadêmicos, que, por mais pós-graduados que sejam, não são necessariamente intelectuais.  

Nesse cenário de indigência do intelecto, perdemos o crítico literário, sociólogo e militante Antônio Candido. É menos um a nos ajudar na difícil trajetória de pensar, sentir e viver como seres humanos.

Para quem ainda não o conhecia, o Jornal Nacional (12/05) o apresentou. No limite, a matéria de Graziela Azevedo sobre a morte de Candido foi bem produzida.

De início, foi exibida uma antiga gravação. Nela, o ex-aluno e professor da USP caminha nas imediações da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Sobre sua atividade intelectual, em certo momento, Candido dissera:

Nós acabamos não sendo nem sociólogos nem filósofos. Nós utilizamos a sociologia e a filosofia para pensar a vida cotidiana. Eu dizia: é preciso vocês pensarem sobre os seus amores, sobre a fita de cinema que veem, sobre os acontecimentos do dia, sobre pintura. Isso que é filosofia: entender a vida”.

Dentre os que puderam participar de seu velório, destaco a fala de Marisa Lajolo, uma das referências no ensino da leitura em nosso país:

O que me marca muito na figura de Candido é a generosidade com que ele acolhia alunos, como eu, sem nenhum background maior cultural, mas que ele acolheu com muito carinho”.

Logo depois, a repórter registra o hábito de leitura que Candido tinha, e fala de sua trajetória de vida. Durante várias décadas do século XX, diz Graziela, Candido ensinou, escreveu e lutou “nas trincheiras da democracia, da justiça social e da igualdade. Chegou ao século XXI e não gostou do que viu. Antônio Candido estava triste com o Brasil e com o mundo”.

E ele tinha motivos. Candido foi um dos intelectuais da USP que ajudaram a fundar o PT, que se opunha à ditadura. Naquele instante, aquela luta – também dos intelectuais militantes – era dever cívico dos “anjos tortos”.

Do registro da tristeza de Cândido na entrada deste século 21, sua filha Marina de Mello e Souza diz que gostaria de que o pai fosse lembrado como o símbolo do contrário do que acontece hoje:

A morte de um homem feito Antônio Candido é um símbolo que representa, primeiro, um mundo que acabou, de esperança, de sonho, de crença na igualdade, que não aconteceu”.

Na sequência, para atenuar essa fala pesada de Marina, a repórter diz que “Candido era otimista e gentil. Foi assim com a vida, mesmo no nosso estranho século, e com a literatura brasileira, que estudou e amou”.

Correto. De nossa literatura, Candido era ciente de suas limitações. Todavia, dizia ser “é ela, não outra, que nos exprime”.Por isso, precisava ser amada.

Já com a vida, sua tristeza poderia ser resumida e compreendida apenas na própria edição do telejornal que anunciara seu falecimento. Ali, nos inteiramos dos ataques cibernéticos em quase cem países do planeta, da corrupção também no BNDES, do casal de publicitários delatando crimes de dois ex-presidentes da República, ambos petistas; do petista Antônio Palocci se preparando para delatar a corrupção de seu partido, de Trump demitindo e ameaçando ex-diretor do FBI para não fazer vazamento de gravações que comprovem seu envolvimentos com autoridades russas...

No dia anterior à sua morte, o maior líder do PT, Lula, prestara depoimento no primeiro dos cinco processos dos quais é réu.

Convenhamos. O “requiescat in pace” é mesmo muito difícil.

Segunda, 15 Maio 2017 15:49

 

 

Na manhã do dia 15 de maio, a Administração Superior da UFMT, os CA, o DCE, e os sindicatos dos técnico-administrativos (SINTUF) e dos docentes (ADUFMAT) ofereceram aos calouros de 2017 uma emocionante recepção, realizada no Teatro Universitário da Instituição, que esteve, como nunca, superlotado.

De forma descontraída, discursos breves, mas todos qualificados, foram proferidos pelos representantes que compuseram a mesa. Cada qual ao seu modo, todos destacaram o momento difícil pelo qual passa o nosso país. Contudo, todos apontaram a luta como necessária para suplantarmos as dificuldades.

Depois dos discursos, a manhã foi repleta de qualificadas atividades artísticas, muitas das quais oferecidas por valorosos colegas do Departamento de Artes da Faculdade de Comunicação e Artes. Cantar o “Hino Nacional” ao som da viola de cocho, tocada por Habel dy Anjos, é ímpar. É coisa nossa. Tem se tornado a cara da UFMT em diferentes momentos.

E tudo foi feito, embora dentro de um dos melhores teatros do país, com insuficiente estrutura técnica de som. Nessas condições, apresentaram-se músicos de alto nível. Ouvimos violões, violinos, violoncelos, flautas, clarinete... Vimos uma linda apresentação da garota Ana Clara, que há pouco, expôs seu talento nacionalmente em um programa musical de televisão.

Mas por que destaquei a deficiência da estrutura de som?

Porque isso não foi impeditivo para a juventude que esteve no Teatro Universitário apreciar tudo, e da forma mais educada possível. A cada apresentação, as fisionomias dos jovens, compenetrados, demonstravam a satisfação de estar ali, ouvindo aquelas obras, verdadeiras raridades. Logo, nada do que ouviram se aproximava de algo chamado “50 reais”. Ao contrário. Ouviram tango, milonga.. Ouviram Villa-Lobos, incluindo parte de suas Bachianas Brasileiras e o “Trenzinho caipira”. Ouviram um finíssimo e desconhecido repertório para muitos. Por fim, ouviram, também respeitosamente, o som trazido por alguns indígenas que já estão frequentando a Instituição.

Diante dessa manhã mágica que vivemos na UFMT, faço publicamente um pedido aos acadêmicos representantes dos CA e DCE: além da luta pela qualidade constante das atividades acadêmicas, realizem com frequência esse tipo de atividade cultural. Façam festas. Muitas. Isso faz parte da vivência universitária. Isso é maravilhoso, mas não deixem cair o nível do repertório de suas festas. Façam como os antigos latinos: otium cum dignitate; ou seja, no tempo livre, dignifiquem o ócio. Em seus encontros festivos, dignifiquem-se.

Assim, apostem nesse momento vivido nesse 15 de maio e busquem nossos valores em todos os campos de nossas artes. Temos belos cantores, magistrais artistas plásticos, grandes escritores, encantadores atores, dançarinos incríveis, fotógrafos geniais, artesãos fantásticos... Somos ricos no universo das artes: as folclóricas, as populares, as eruditas... Deixem as artes fazerem parte de suas vidas.

Que nas festas organizadas por vocês seja banido o interesse comercial que, necessariamente, proporciona espaço a manifestações grosseiras, tão presentes em tantas “músicas” ditas “universitárias”. Nesse tipo de repertório, embute-se o que há de pior para a formação das novas gerações. Nessas músicas sem a menor qualidade, encontram-se a apologia da bebida alcoólica para curar melancolias, a vingança contra eventuais traições, o desrespeito completo contra as mulheres, a consolidação do machismo. Enfim, tudo o que é vil está presente nessas “músicas”, audaciosamente, chamadas de “universitárias”. Refutem esse lixo.

Não compactuem com isso. Rompam com o baixo nível tão presente em tantos espaços de entretenimento. Enfrentem, de fato, e não só nos discursos, a luta pelo respeito à diversidade, incluindo a diversidade cultural. Sejam, enfim, universitários qualificados.

É o meu desejo. É o meu pedido. É que espero sempre de nossa juventude.

Saudações

Roberto Boaventura da Silva Sá

Professor da Área de Literatura da UFMT

Diretor do Instituto de Linguagens da UFMT