PARADÍGMAS ULTRAPASSADOS
JUACY DA SILVA*
Depois de publicar na última semana o artigo “ Desenvolvimento: em busca de novos paradigmas” recebi diversas mensagens sugerindo que aprofundasse um pouco mais a discussão sobre esta questão dos modelos ou paradigmas que tem servido de base para o processo de desenvolvimento de nosso país, ao longo de séculos. É importante dizer que o Brasil nunca teve um grande projeto nacional de desenvolvimento, no sentido de uma visão estratégica de longo prazo; apenas projetos de governo que sofreram e ainda sofrem descontinuidade com as sucessivas trocas dos grupos de poder.
A ideia e as práticas de planejamento, bem como a continuidade de ação de governo representam a exceção enquanto a descontinuidade, a improvisação , o voluntarismo e personalismo passam a ser as regras. Prova disso são as milhares e obras públicas paralisadas, ou retomadas tardiamente, que representam bilhões de reais ou dólares desperdiçados.
Assim, vou apenas pontuar alguns desses velhos e ultrapassados paradigmas, a começar pelo sistema produtivo e as relações de trabalho que ainda afetam, negativamente, a nossa economia e sociedade. O modelo de desenvolvimento que vem praticamente desde o descobrimento, passando pelo Império e chegando por vias indiretas até o século XXI, é de base primária, extrativista e agropastoril, baseado no latifúndio, na exportação de matérias primas com pouco valor agregado e a importação de bens acabados.
As relações de trabalho por quase quatro séculos foram o trabalho escravo, semiescravo e a falta de garantia de direitos mínimos, chegando até a atualidade, com as novas regras para definir as relações do trabalho doméstico, mais de 70 anos após o surgimento da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, no início da década de quarenta, mas que deixou de fora milhões de trabalhadores rurais, autônomos e empregados domésticos.
O latifúndio e a grilagem de terras em todos os estados faziam parte do Sistema econômico e político, onde o trabalhador rural e moradores de pequenas cidades estavam muito mais próximos dos servos de gleba da idade média na Europa do que dos cidadãos livres como fonte primeira do poder. As mulheres só tiveram o direito de votar e serem votadas a partir dos anos trinta do século passado e os analfabetos há poucas décadas.
Outro paradigma presente tem sido a concentração da população, inicialmente ao longo da costa litorânea, em uma faixa de, no máximo 250 km, deixando o interior praticamente desabitado, a não ser por pequenas ilhas de ocupação como Cuiabá, bem no coração do Brasil. Somente a partir do Governo JK com a construção de Brasília e da abertura da Belém Brasília e depois da ligação de Brasília com o Acre e da Cuiabá –Santarém, é que ocorreu um avanço acelerado da expansão das fronteiras agrícolas rumo à Amazônia e ao Centro – Oeste.
As migrações rural urbana de forma acelerada durante o final dos anos quarenta até a década de sessenta, moldaram o surgimento de cidades onde a ocupação desordenada das periferias e áreas impróprias para a moradia humana determinaram o perfil de uma urbanização, onde as favelas e loteamentos clandestinos definiram o perfil de nossas cidades atualmente, com problemas de infra- estrutura, falta de regularização fundiária e a exclusão socioeconômica de milhões de famílias.
Podemos, então, mencionar a concentração econômica, demográfica, a industrialização tardia e no momento a desindustrialização, uma economia de base primária e agroexportadora, com baixo valor agregado, o rodoviarismo, uma estrutura agrária baseada nas grandes propriedades, no latifúndio improdutivo, a degradação ambiental, ainda presente nos dias atuais no desmatamento da Amazônia e do Centro-Oste, com a degradação dos solos e o uso excessivo de agrotóxico, na baixa produtividade e falta de competitividade da economia brasileira no contexto internacional e na importação de bens acabados, principalmente na atualidade de bens tecnológicos e ainda de petróleo, trigo, insumos agrícolas e industriais.
Ou seja, nossos paradigmas de desenvolvimento não mudaram ao longo de séculos e estão sendo e serão os responsáveis pelo atraso de nossa caminhada rumo a uma sociedade moderna, competitiva e que possibilite um melhor bem-estar e níveis de vida mais elevados para a sua população. Com isso continuamos com dois ou vários Brasis, um moderno e rico, representado pelo centro-sul, apesar da exclusão de uma grande parcela de sua população e outro atrasado, pobre e dependente representado pelas regiões norte, nordeste e parte do Centro-oeste, onde apenas uma elite usufrui dos frutos do crescimento econômico, boa parte graças às benesses distribuídas pelo governo e pelos bancos oficiais, como crédito subsidiado e renúncia fiscal aos grandes grupos econômicos, enquanto a grande maioria da população recebe migalhas dos programas assistencialistas.
*JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado UFMT, mestre em sociologia, articulista de A Gazeta. E-mail O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy Blog www.professorjuacy.blogspot.com
Cesarianas
Constato, com pesar, o abusivo e indiscriminado uso de cirurgias cesarianas.
O Brasil é um dos países recordistas nesse procedimento que determina mês, dia e o horário de nascimento de nossas crianças.
A cirurgia obstétrica foi uma das grandes conquistas da medicina moderna - quando usada com critérios preestabelecidos através de protocolos internacionais.
Não obedecidas as normas protetoras da saúde do binômio mãe-feto, transforma-se em notícias das páginas policiais.
A mulher, que a princípio foi programada pela mãe natureza para o parto natural, aos poucos viu esse privilégio ser colocado como excepcionalidade na reprodução humana.
A extração cirúrgica do feto, mesmo antes da data provável do parto, salvou da morte, milhares de mulheres e de recém-natos.
Para esse aumento incontrolável da taxa de partos cirúrgicos, múltiplos fatores foram determinantes.
A judicialização da medicina e a remuneração não condizente ao período de trabalho de parto, cuja duração varia de 10 a 12 horas, além da implantação, com sucesso, da ideologia da eficiência tecnológica pelas mídias, foram, com certeza, fatores preponderantes.
Acrescente-se a isso, o despreparo de muitas das nossas escolas médicas na formação de obstetras, além da desumanização que tem sofrido a medicina nas últimas décadas.
Em algumas clínicas particulares o parto natural só acontece se a gestante for internada em período expulsivo.
Nas maternidades públicas a taxa de partos cesáreos é, pelo menos, o dobro da recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
O nosso sistema educacional tradicional básico é um grande incentivador do “parto sem dor”, tido e sabido, erroneamente, como sendo a cesariana.
Por essas razões, pesquisas entre gestantes demonstram uma maior preferência pelo parto cesáreo, isso sem falar na possibilidade de uma laqueadura das trompas durante a cirurgia, e que acaba se tornando o sonho anticoncepcional de muitas mulheres.
Para inverter esse quadro equivocado seriam necessárias, não apenas campanhas sazonais, mas, principalmente, uma abordagem já nos ensinos fundamental e médio - complementadas pela educação caseira.
Nossos governantes precisam também ter uma visão social para este problema que vem se tornando um flagelo de saúde pública no nosso país.
Gabriel Novis Neves 09-10-2015
JUACY DA SILVA*
Ao longo de décadas e séculos, sem que tenha havido uma intenção deliberada, muito mais fruto do acaso, das ações e omissões, alguns acertos e muitos erros, por parte de nossos governantes em todos os níveis de poder e também pelo instinto de empresários, negociantes, do suor dos trabalhadores, inclusive de escravos que eram tratados de forma desumana, o Brasil foi se desenvolvendo, aos trancos e barrancos.
Se nossas elites governantes, tanto no passado quanto no presente fossem melhor preparadas, agissem com mais transparência, ética e zelo pela coisa pública, com certeza o nosso desenvolvimento teria sido muito mais dinâmico, menos excludente, harmonioso e teria, também, reduzido as mazelas que nosso país foi acumulando ao longo de sua história e ainda hoje afetam milhões de pessoas que jazem à margem da sociedade.
Mesmo que não tenha havido planejamento estratégico, um projeto de país e, por extensão de macro regiões, de estados e municípios, graças ao esforço coletivo do povo brasileiro, conseguimos ocupar um lugarzinho, quase sem destaque no cenário internacional, muito menor e mais acanhado do que o tamanho de nosso país, de sua dimensão geográfica, de seu peso populacional, de suas riquezas naturais e outras vantagens comparativas que poderiam nos colocar, sem dúvida alguma, entre as quatro ou cinco maiores potências mundiais neste início de século 21.
Países com muito menor potencial, com território acanhado, dependente de tudo e de todos, com população diminuta, sem grandes recursos naturais e ainda com obstáculos ou óbices de toda natureza, conflitos, guerras, desastres naturais conseguiram vencer todos esses desafios e hoje são olhados com certa inveja e, ao mesmo tempo admiração, por nós brasileiros e por outros povos. Basta citar os casos da Alemanha, do Japão, de Taiwan, da Coréia do Sul, dos países nórdicos e outros mais.
Nesses países, seus governantes em um determinado momento da história tiveram a capacidade de visualizar um futuro melhor para sua gente e resolveram definir uma única e grande prioridade , por décadas. Esta prioridade foi a educação, a inovação, o despertar da criatividade e como resultado o desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Enquanto isso o Brasil se manteve um país exportador de matérias primas, produtos in natura e só, muito tardiamente, desenvolveu uma incipiente indústria, que atualmente está em crise permanente. Hoje o Brasil está se desindustrializando e exportando apenas “commodities” com baixo valor agregado. Somos o quarto maior Mercado usuário de tecnologias importadas.
Há quase um século naqueles países o analfabetismo desapareceu, a educação de qualidade , de tempo integral, universal e gratuita, inicialmente até o ensino fundamental e, depois nos demais níveis, chegando até a universidade permitiu que os resultados desta revolução na educação também atingissem outros setores como a qualidade da mão de obra, a integração social, a melhoria dos níveis salariais, a melhoria da qualidade de vida e a redução das disparidades e desníveis regionais, setoriais, sociais, econômicos, principalmente de renda.
Enquanto isso o nosso Brasil continua patinando com elevados índices de analfabetismo, baixa qualidade do ensino que gera o analfabetismo funcional, evasão escolar nas primeiras séries, repetência, docentes mal preparados e mal pagos, enfim, uma educação que faz vergonha a qualquer pessoa que sonhe com um país decente, desenvolvido , com melhor distribuição de renda e melhores oportunidades para todos.
Os resultados do ENEM nos últimos anos dão uma demonstração desta catástrofe e vergonha que tem sido o ensino médio, principalmente nas escolas públicas e a crise nas universidades e institutos federais de educação , dos hospitais universitários também atestam esta lástima. Apesar desta situação vexatória, o slogan do atual governo é “Brasil, pátria educadora”.
Como pode um país ser uma pátria educadora quando nossos governantes demonstram uma incapacidade permanente, corrupção que envergonha a sociedade brasileira perante os olhos do mundo, degradação ambiental apoiada, estimulada e financiada pelos poderes públicos? Índices de violência que a todos amedrontam, a péssima qualidade de todos os serviços públicos e o caos permanente que ronda nossas instituições?
É fundamental, mais do que urgente que o Brasil encontre novos paradigmas para nortear seu desenvolvimento, caso isso não aconteça, se ficarmos nas mãos de uma elite do poder como a que nos governa atualmente, dentro de poucas décadas teremos perdido o bonde da história e faremos companhia para países que estão em crise e conflitos internos permanentes.
*JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado UFMT, mestre em sociologia. E-mail O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Blog www.professorjuacy.blogspot.com Twitter@profjuacy
Gastos
Enquanto o governo só pensa em criar e recriar novos impostos para cobrir a gastança escandalosa da estrutura do poder, o deputado federal por Rondonópolis, (MT) Adilson Sachetti (PSB), critica veementemente os gastos exagerados dos Poderes e posiciona-se contrário à criação de qualquer novo imposto no país – é o que nos informa a mídia.
Há necessidade urgente de que sejam criados redutores de estruturas administrativas, os famosos cabides de emprego, antes de, mais uma vez, penalizar o cidadão trabalhador.
Também é importante estudar a redistribuição de recursos ao Judiciário, ao Tribunal de Contas e ao Legislativo.
O site que vinculou o protesto do deputado afirma que o judiciário brasileiro é o mais caro do mundo, gastando por ano cerca de cento e vinte bilhões de reais, segundo matéria publicada no Jornal Valor Econômico.
Aprendi que o exemplo vem de cima, e é o que fez a Presidente da República cortando parte dos seus salários, do Vice e Ministros.
O mesmo é esperado pelo povo brasileiro com relação aos outros poderes da República.
A população não suporta mais tanto arrocho sem retorno de serviços, especialmente os essenciais como saúde, educação, segurança, transporte e emprego.
Aqui, na terra do boi, dezoito frigoríficos foram fechados por falta de matéria prima. Acreditem se quiser.
O número de empresas de grande porte que estão pedindo recuperação judicial tem se tornado alarmante.
O reflexo dessa quebradeira é a diminuição da arrecadação, e menos benefícios fiscais para investimentos.
A denúncia da gastança feita pelo nosso representante no Congresso Nacional é grave, pois o país passa por um momento de grandes dificuldades econômicas e falta de credibilidade – com seus efeitos cascata nos cofres públicos dos poderes estaduais e municipais.
O toma lá, dá cá parece estar acima dos interesses nacionais.
Triste terra de Pedro Álvares Cabral!
Gabriel Novis Neves
07-10-2015
DESENVOLVIMENTO E RENÚNCIA FISCAL
JUACY DA SILVA*
Quando empresas recebem incentivos/renúncia fiscal por parte da União, dos Estados e municípios, a lógica da concessão é que tais empresas apliquem corretamente e de forma eficiente o dinheiro que deveriam recolher aos cofres públicos na forma de impostos. Na sequência, imaginam os idealizadores do sistema de renúncia/incentivos fiscais é que a empresa privada seja mais eficiente na aplicação de tais recursos do que os entes públicos.
Em troca, além da criação de empregos devem gerar outros sub-produtos como inovação tecnológica, respeito ao meio ambiente, compromisso social, cumprir corretamente todas as leis trabalhistas, recolher devidamente os encargos sociais e assim por diante.
Geralmente o incentivo/renúncia fiscal é por um período relativamente longo, em torno de dez anos ou mais, para que as empresas possam amadurecer seus processos produtivos e assim um dia deixarem de mamar nas tetas do tesouro/cofres públicos, evitando ou reduzindo a concorrência desleal com milhares ou milhões de outras empresas que não contam com tais privilégios.
Ao longo dos tempos, principalmente após meados da década de sessenta, vários programas de incentivos fiscais foram criados pelo Governo Federal, para vários setores da economia e regiões do país. Cabe ressaltar, por exemplo, o programa para estimular a ocupação e desenvolvimento da Amazônia, principalmente pela “aplicação” de parcela do imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas em projetos agropecuários ou industriais. Os agentes financeiros e de desenvolvimento regional eram o BASA – Banco da Amazônia e a SUDAM – Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia, nos mesmos moldes da SUDENE. Essas políticas e programas abriram, na verdade, as portas para a corrupção , ajudaram a enriquecer muitos empresários, políticos e gestores públicos, sem que jamais tivesse sido feito um pente fino para coibir as práticas corruptas , levar os criminosos de colarinho branco para a cadeia ou recuperar o dinheiro público usado de forma fraudulenta. A impunidade perdurou por décadas e, em parte, ainda perdura até hoje.
Este também foi o caso do PRODEIC em MT, ao longo de anos sempre surgiram boatos e até mesmo indícios de que a renúncia fiscal/incentivos fiscais estariam alimentando uma rede de corrupção envolvendo empresários e agentes públicos/políticos com ou sem mandato e gestores de altos escalões do Governo.
Voltando um pouco na estória. Ao conceder incentivo a uma determinada empresa ou a todas as empresas, o que também está e sempre esteve implícito é que cabe ou caberia ao Governo, seja federal, estadual ou municipal, ou, enfim, a quem concede este privilégio empresarial, acompanhar e avaliar periodicamente, deveria ser anualmente, se as empresas beneficiadas estão ou estariam cumprindo com suas obrigações pactuadas com o Estado quando foram aprovadas para participarem do programa, ou seja, qual ou quais os retornos que estariam oferecendo ao país, ao estado ou ao munícipio que lhe deu/deram tais incentivos.
Sabemos que esta avaliação não é feita ou é feita de forma superficial, ou como o povo diz, “nas coxas" e, mesmo que as empresas não gerem os resultados que figuravam na origem dos incentivos fiscais aprovados, continuam ou continuavam recebendo, de mão beijada, esses privilégios.
Ai também surge uma ponta do iceberg da corrupção, onde técnicos , gestores de escalões inferiores deixam de fazer as avaliações ou as fazem de forma superficial e incorretamente, tudo isso a mando ou conivência dos escalões superiores, como acabou sendo constatados recentemente no Estado e que motivou a prisão do ex-governador, dois secretários de Estado e outros servidores.
No caso do PRODEIC, em MT, somente com a posse do novo governo e a troca da maior parte do staff e gestores, tem sido possível desmontar os esquemas criminosos que envolviam tais concessões e levantar o véu que encobria esse programa de renúncia fiscal.
Em minha opinião, não basta desqualificar e retirar empresas que fraudaram o programa. É necessário que seja feita uma avaliação mais a fundo caso a caso e, em constatando, fraudes e o não cumprimento do que foi estabelecido quando da concessão dos incentivos, obrigar a empresa a devolver aos cofres públicos o montante, corrigido monetariamente, reparando concessões fraudulentas.
Já passa do tempo dos entes públicos , União, Estados e municípios, acabarem com essa prática criminosa de incentivos fiscais que pouco ou nenhum retorno oferece ao desenvolvimento do país, dos estados e municípios.
Não tem sentido o poder público ou seja , os contribuintes ajudarem a acumulação de capital nas mãos do setor empresarial, enquanto faltam recursos para a educação, para a saúde, para a segurança pública, para o meio ambiente e saneamento, para a infraestrutura e tantos outros setores.
No Brasil são mais de RS$200 bilhões de renúncia fiscal concedidos pela União, pelos Estados mais RS$85 bilhões e pelos municipios mais de RS$50 bilhões a cada ano, totalizando , mais de RS$335 bilhões por ano, algo em torno de 8% do PIB, para um número extremamente pequeno de empresas, quando comparado com o universe total dasempresas existentes no país, que acabam lucrando as custas dos cofrespúblicos e do povo.
Só em MT o PRODEIC em doze anos concedeu mais de RS$15 bilhões ou mais de RS$1,5 bilhões de reais por ano que o Estado de forma deliberada deixou e continua deixando de arrecadar, ajudando falsos empresários, políticos e gestores corruptos. Está na hora de ser feita uma revisão profunda e criteriosa deste programa e, por que não, submete-lo ao crivo de um debate público , quando a população possa ser ouvida e a opinião do povo ser levada em consideração. Criar programas que acabam sendo lesivos aos interesses do Estado e da população, em gabinetes que são frequentado por políticos influentes e empresários poderosos, onde o povo que paga imposto e sofre jamais tem acesso é um atentado contra a democracia e a transparência pública.
Talvez esta seja a maior responsabilidade da CPI que foi criada e está em funcionamento na Assembleia Legislativa de MT. Além de fazer um raio “x” do PRODEIC, deveria também ouvir a população quanto ao fim deste programa que foi e tem sido desvirtuado, gerando sérios prejuízos ao nosso Estado e a população, que clama por serviços públicos de melhor qualidade, os quais necessitam de recursos orçamentários e financeiros que estão sendo mal aplicados.
Quantos leitos hospitalares, medicamentos, investimento em segurança pública, escolas, postos de saúde, obras de infraestrutura o Governo de MT poderia ter feito ou continuar fazendo com mais de RS$1,5 bilhões do por ano ou RS$15 bilhões em doze anos? Foi e continua sendo muito dinheiro público saindo pelo ralo, enquanto o povo sofre e clama desesperadamente.
Com a palavra nossos representantes políticos, nossos governantes, integrantes do TCE, do Ministério Público ou do próprio Judiciário, a quem sempre deveria caber o papel de zelar pelo planejamento, pela transparência, eficiência e eficácia dos gastos públicos.
O povo clama por ética, transparência e justiça fiscal. Isto sim, pode ser considerado tempo de mudança ou no slogan do Governo do Estado “MT, estado de transformação”, transformar também é acabar com com corrupção, com privilégios, com mamatas, com programas ineficientes! Desenvolvimento só existe quando todos participam e usufruem de seus resultados!
*JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado UFMT, mestre em sociologia, articulista e colaborador de vários veículos de comunicação – jornais, sites e blogs de MT e outros Estados. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Blog www.professorjuacy.blogspot.com
Triste realidade
Se já não bastasse todo o descaso das autoridades que transformou o Rio de Janeiro numa das cidades mais violentas do mundo, agora essa pecha internacional de rebaixamento como bom pagador, era justo o que nos faltava!
A tradução ao pé da letra é bastante pesada - somos o “lixo para o investimento de capital estrangeiro”.
Essas firmas para avaliação de risco surgiram como um tipo de pressão na economia de mercado, bem mais sutil e menos apavorante se comparada a dos anos 60.
Naqueles anos, “marines” eram colocados nas costas brasileiras caso não andássemos como mandava o figurino das grandes potências internacionais.
Sinal dos tempos! Ficamos todos como crianças de escola à mercê dos castigos que nos serão impostos em virtude do nosso boletim deficitário.
Enquanto isso, os nossos dirigentes, umbigados nos seus próprios privilégios, só fazem deteriorar cada vez mais rapidamente a grande crise político-econômica em que nos meteram.
Nessa minha última estada no Rio fiquei impressionado com o grande número de lojas comerciais fechadas, inclusive, nos bairros mais nobres como Copacabana, Ipanema e Leblon.
A falta de movimento nas casas noturnas e bares elegantes, aptos para atender aos gostos mais requintados, é absolutamente assustador.
Num deles, um dos mais em voga, apenas três pessoas compunham o cenário da casa: eu e mais dois amigos. Coisa de dar pânico numa quinta-feira, considerada, recentemente, a noite mais borbulhante de Ipanema.
Mas, parece que, além-muros, nada disso afeta o governo, que continua dando aumentos exorbitantes para as castas privilegiadas, mantendo suas viagens megalomaníacas recheadas de convidados em hotéis do mais alto nível, seus trinta e um ministérios, seus cento e vinte mil cargos comissionados, enfim, tudo indica que a orgia com os cofres públicos continua a todo vapor.
Afinal, o que será que se passa na cabeça dessas senhoras e senhores que pertencem a esse verdadeiro reinado? Será que não conseguem se tocar com essa imensa insônia que tomou conta de todos os habitantes dessa nação, do mais humilde, já à míngua, até aos poderosos, assustados com a possível perda repentina de suas benesses?
A falta de pudor social é patente, e os desvios estratosféricos do erário público são temas proibidos em qualquer avaliação dos desmandos sucessivos.
Como conseguir assistir pacificamente a derrocada de um país rico como o nosso? A sétima economia do mundo?
A exaurida sociedade civil já pouco se manifesta.
Nada nos interessa e, tal como o menininho sírio encontrado emborcado numa praia da Turquia, aguardamos inertes a ruína final.
Os imigrantes dos países devastados pela guerra e pela fome, mesmo diante da possibilidade da morte, lutam desesperadamente por um mundo melhor.
E nós, náufragos em potencial, tornamo-nos todos apáticos e deprimidos, incapazes de uma ação rápida que nos tire desse pesadelo de um país sem rumo.
Onde estão os jovens, os estudantes, os artistas, todos com grande capacidade de mobilização e que em movimentos de protestos passados de nossa história se mostraram tão atuantes?
O que me passa é que estamos todos comatosos, incapazes de qualquer reação, apenas aguardando que a mãe natureza nos indique a redenção.
Gabriel Novis Neves
05-10-2015
Pensar (e reagir?} na crise.
Gostei muito do livro “Subversion feminista de la economia”. Aportes para um debate sobre o conflito capital x vida, editado em Maio de 2014 na Espanha. A autora é Amaia Perez Orozco, Doutora em economia e ativista em movimentos sociais e feministas. Deu ao livro o nome poético de “Traficantes de Sonhos”. Na verdade, ela ultrapassa a concepção capital x trabalho e suas contradições, para situar-se no que denomina capital x vida. Critica o desprezo na sociedade ao olhar feminista e a crítica ecológica, vendo a desigualdade e seus impactos sobre os segmentos sociais como uma resposta complexa a ser dada no processo social. Aponta que devemos deixar os coletivos homogêneos e conflitos simples, para priorizar o entendimento de como as assimetrias e conflitos sociais atuam entre si. Dá relevo a maior precariedade entre as mulheres, em uma reflexão sobre quem está na base e no topo da pirâmide social? Ela sustenta que há um conflito sem resolução entre a acumulação de capital e sustentabilidade da vida. Então, o mercado abre portas para que, vidas se coloquem por cima de outras, daí, somente algumas ou poucas valem verdadeiramente. Coloca como padrão de referência uma sociedade que é apoderada por uma elite branca, masculina, adulta e heterossexual. Quanto mais distantes deste padrão mais sofrem variados níveis de precariedade e exclusão, no escore da pirâmide populacional de desigualdades. Existe aqui uma identidade política, construída para sustentar o mercado, onde o capital é o elemento central. Diz que quanto a mulher, não é suficiente reconhecer o eixo da opressão de gênero. Os países do Sul foram e continuam sendo espoliados, desde gênero, a destruição da natureza, até ao trabalho escravo dissimulado por leis que retiram os direitos de quem trabalha. No entanto, coloca como urgente e central, a defesa do caráter público, apesar das perdas e deficiências estruturais dos Estados como um caminho para um lugar diferente, onde o centro, o eixo das políticas públicas seja a vida de todas (os). Coloca a ideia de pensar em formas de gestão do público de maneira comunitária e democrática, até a auto-gestão. O trabalho deveria ser produzido antes, pelo seu sentido social do que pelo salário. É importante que trabalhos invisíveis historicamente como o das mulheres em suas casas sejam considerados. A economia deveria estar a serviço das pessoas, e o trabalho a serviço da vida. Significa dizer, ser parte da vida, e não um tempo que se rouba a vida! Para isto, seria necessária uma mudança social, desde os lugares de moradia, Não bastam leis, serviços e instituições. É preciso tentar uma repartição equitativa de trabalho e renda entre as pessoas. Aponta que redistribuir trabalhos não remunerados implica aos que o não fazem, perder comodidades e privilégios na vida cotidiana. Diz que o endeusamento do mercado nega a vulnerabilidade e interdependência das vidas humanas e seu espelho oculto, incluindo aí a dependência feminilizada. A pergunta é, qual vida merece ser sustentada pelo sistema sócio econômico? Ele é um jogo de poder, impondo passar por cima do resto das vidas desfavorecidas pelas desigualdades. Quer dizer, em tempos de crise abissal que vivemos, o valor da vida para o modelo econômico adotado no Brasil e MT, é rigorosamente trágico. A saída então, seria colocar o sistema econômico a serviço da vida de todas pessoas. Para isso, viver tem que ser uma responsabilidade coletiva. Penso que, no caso do Brasil, é não deixar nas mãos dos protagonistas da crise moral e financeira que assola o país. Será que existe um limite de desigualdade social aceitável? Qual modelo de desenvolvimento?
Waldir Bertúlio
Professor aposentado da UFMT
O BRASIL NÃO AGUENTA MAIS IMPOSTOS
JUACY DA SILVA*
Como mencionei em meu artigo da última semana, o aumento da carga tributária está chegando a um nível insuportável em nosso país. No período compreendido entre o início do Governo Sarney em 1.986 e o fim do primeiro mandato da Presidente Dilma, em 2014, a carga tributária total passou de 22,4% do PIB para 37,2%, podendo chegar a 38% até o final deste ano.
Isto representa um aumento de 66,1% e indica que a cada ano os brasileiros precisam trabalhar mais para pagar impostos aos governos federal, que fica com 65% do total da arrecadação nacional, cabendo aos Estados 24% e aos municípios com apenas 11%. Em 1986 cada contribuinte precisava trabalhar 111 dias para pagar impostos e em 2015 são necessários 155 dias de trabalho.
Segundo estudos da OECD – União Europeia, em 2014 o Brasil tinha a maior carga tributária entre os países do BRIC e a segunda maior da América Latina, com 36,6%, enquanto a Rússia vinha em segundo lugar com 23%, seguindo-se a China com 20%, a África do Sul com 18% e por ultimo a Índia com 13%, mesmo patamar em que o Brasil estava em meados dos anos quarenta do século passado.
Alguns países europeus tem carga tributária superior a 40%, todavia, tais países devolvem o que os contribuintes pagam na forma de impostos, taxas e contribuições na forma de serviços públicos de qualidade e totalmente universais e gratuitos como segurança pública, educação desde o maternal até a universidade, saúde, cuidados com o meio ambiente e assim por diante; diferente do Brasil que tem carga tributária praticamente igual a tais países e em troca oferece serviços semelhantes aos países mais pobres da Ásia, África , América Latina e Caribe, ou então, nem serviços públicos são oferecidos.
Diante disto, o Sistema tributário acaba sendo, na verdade, uma extorsão institucionalizada pelo Estado e pelos diferentes níveis de governo e, ao mesmo tempo, servindo para alimentar uma estrutura que tem na corrupção, nos privilégios e nos famosos esquemas que contribuem para o enriquecimento ilícito de uns poucos e acumulação de capital nas mãos dos grandes grupos econômicos e financeiros.
No período considerado, aos poucos a União foi transferindo diversos encargos como educação, saúde, meio ambiente, segurança, assistência social, meio ambiente, outras áreas e políticas públicas aos Estados e municípios, mas mantendo uma grande concentração de recursos no âmbito do poder central. Com isso, o crescimento da carga tributária nos Estados e Municípios tem crescido em percentual maior do que da União e muito maior do que o crescimento do PIB nacional, estaduais ou municipais.
No período considerado de 1986 e 2014, o aumento da carga tributária federal foi de 53,3%, dos estados de 78,7% e dos municípios 195,2%, indicando que está havendo uma verdadeira sangria dos recursos gerados pelos contribuintes, principalmente pelas classes trabalhadora e média, enfim, os mais pobres da sociedade. O Estado brasileiro a cada ano cresce mais e demanda mais recursos para manter uma máquina ineficiente, burocratizada e corrupta.
Apesar dos baixos níveis de crescimento econômico, o aumento do desemprego e do subemprego, da inflação, ocorridos nos últimos cinco anos, incluindo um certo empobrecimento por parte da população, razão do elevado número de pessoas que estão dependentes de programas assistencialistas do governo, mesmo assim, o Governo Dilma, a título de equilibrar o orçamento da União para 2016, acaba de abrir um verdadeiro saco de maldades que terá como vítimas o chamado andar de baixo, ou seja, os trabalhadores e a classe média.
Deseja promover a volta da CPMF, o congelamento dos salários dos servidores públicos, mais cortes nos recursos de diversos ministérios e programas do governo, redução nos níveis de investimentos e um corte de oito bilhões do Sistema S – Senai, Senac, Senar, que atendem fundamentalmente filhos de trabalhadores e da classe média baixa que não tem acesso as universidades, principalmente as públicas e de melhor qualidade, e precisam se qualificar melhor para um Mercado de trabalho cada vez mais tecnificado e competitivo. Esta é uma verdadeira facada nas costas de milhões de crianças, adolescentes e jovens que sempre encontraram no Sistema S uma porta para o progresso individual. Dilma vai fechar mais esta porta como está fechando as portas do FIES e de outros programas sociais.
Enquanto isto, os banqueiros e os grandes grupos econômicos batem palmas para este pacote draconiano, como eu mencionei em meu ultimo artigo, faz como um Robin Wood as avessas, tira dos pobres para dar aos ricos. Literalmente dar através da renúncia fiscal de mais de 250 bilhões que o Governo Federal concede a grandes grupos econômicos por ano, juros subsidiados, como os concedidos pelo BNDES e por outros bancos oficiais como Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Ou então pela leniência com os grandes sonegadores que devem mais de 1,5 trilhões de reais, além da defasagem na correção da tabela do imposto de renda ao longo dos últimos 20 anos, escorchando principalmente as pessoas físicas.
A volta da CPMF, os cortes orçamentários como já ocorreram neste ano em mais de 80 bilhões e que estão afetando diversos setores, principalmente a educação e saúde, se somam ao peso dos gastos com juros e financiamento/rolagem da dívida pública, que a cada ano consomem mais de 45% dos recursos do Orçamento Geral da União. Este ano só de juros serão gastos 225,2 bilhões com juros e 1,131 trilhões na rolagem da dívida. A LOA para 2016 que deverá ser de 3,0 trilhões, reserva 1,184 trilhões para juros , encargos e rolagem da dívida, ou seja, 39,5% do orçamento.
Somente durante os quatro anos do primeiro mandato de Dilma, o Governo Federal gastou R$3,157 trilhões de reais com juros, encargos e rolagem da dívida pública interna e externa. A tendência dessa situação é piorar muito nos próximos anos, pois a dívida pública continua crescendo, igual a uma agiotagem, principalmente porque parte do endividamento do Brasil é atrelado ao dólar e com a desvalorização brutal do real que está ocorrendo nos últimos anos e meses, mais dia menos dias, vamos chegar `a situação da Grécia que foi estrangulada por uma dívida pública impagável. Atualmente o total da dívida pública brasileira corresponde a 64,1% do PIB. Aí reside, de fato, o grande estrangulamento das finanças públicas e da crise que estamos vivendo. O resto é apenas uma cortina de fumaça para desviar a atenção do povo, que vive alheio `a real situação em que vive o país.
Diante dessas distorções, não sentido fazer um verdadeiro terrorismo fiscal sobre a sociedade, afinal, um déficit de 31 bilhões em um orçamento de três trilhões, representa apenas 1%, convenhamos, o buraco é mais em baixo. Enquanto o Governo Federal não realizar uma auditoria cidadã na dívida pública e estabelecer um percentual menor, digamos no máximo de 20% do orçamento da união para os juros e encargos da dívida publica, iremos assistir um verdadeiro desastre fiscal e orçamentário como o que o governo Dilma enfrenta no momento, agravando ainda mais a crise.
Não tem sentido jogar nas costas dos contribuintes e da população em geral, principalmente das camadas mais humildes o peso desta incompetência, insensibilidade, engodo e da corrupção que são as marcas do atual governo.
*JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado UFMT, mestre em sociologia, articulista de A Gazeta. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Blog www.professorjuacy.blogspot.com Twitter@profjuacy
Educar já
Aumentar contingentes policiais nas ruas em nada contribuirá para que milhares de jovens, absolutamente sem perspectivas, parem de fazer os famosos arrastões pelas praias do Rio de Janeiro durante os finais de semana ensolarados.
As autoridades detentoras do poder público precisam vivenciar as ruas, e não, se encastelarem em suas mansões, seus helicópteros, seus jatinhos.
Moradores da orla da zona sul há muito advertem sobre o aumento da violência, visível a cada verão.
As periferias que abraçam a cidade dão sinais de que não mais aceitam o estado de abandono e descriminação com que são tratadas há décadas.
Belos fins de semana são convites ao deleite nas mais belas praias do mundo, até porque, é o único espaço democrático que sobreviveu à fúria da comercialização brutal da cidade.
As periferias, totalmente abandonadas, suas praias poluídas, piscinas, as poucas existentes, contaminadas, ausência de saneamento básico, enfim, a injustiça social avassaladora.
Continuamos confiando naquele bom humor carioca, na sua índole pacífica, mas, a realidade mostra que isso está desaparecendo com o agravamento da crise socioeconômica.
São quinhentos e seis comunidades em busca de entretenimento e diversão a preço baixo.
A luta de classes, antes despercebida no país, vem visivelmente se acirrando, inclusive através das redes sociais.
É preciso que o sistema educacional leia imediatamente todos os sinais que a sociedade está mostrando a passos muito rápidos.
A hora é de ações educativas imediatas, ou mergulharemos todos num grande conflito social de proporções incalculáveis.
Gabriel Novis Neves
25-09-2015
Fomos colonizados
A rotina da vida foi-se instituindo de forma radicalmente fundamentada no “trabalho”, mas não no sentido ontológico marxiano, e sim no sentido capitalista que elevou essa ontologia à máxima potência matemática, e em contradição nos despotencializou subjetiva, coletivamente e, por fim, humanamente.
Temos nossa casa, nossos horários, nossas relações permeadas pela rotina da atividade laboral; e a consequência disso?
Perdemos a capacidade para lidar com o extraordinário no sentido estrito do termo, como aquilo que está fora da ordem, sem programação, aquilo que não é o trivial, rotineiro, ou seja, ordinário. E quando os eventos extraordinários acontecem nos deslumbramos e paralisamos, depois buscamos encaixá-los na ordem, racionalizamos e nos incomodamos com sua existência, não sabemos lidar com os “estados de exceção” que tais eventos proporcionam. É assim quando nos apaixonamos, por exemplo, quando somos tomados de um sentimento que nos inunda a vida e que não faz sentido algum, a não ser o de tornar-se o sentido próprio da vida, até que transformemos esse sentimento em ordinário e, então, o encaixamos na rotina.
Este é também, o incômodo que nos causa o rompimento com a rotina laboral que uma greve nos provoca. Assim, vamos racionalizando sua função, seu objetivo, criticando a paralisação que ela causa, em última instância, em nossas vidas, afinal, em nossa sociedade, instituiu-se a máxima de que “somos aquilo que fazemos” enquanto atividade produtiva para o capital, ou seja, enquanto capacidade de produzir riqueza para o capital. Quantas vezes nos apresentamos às pessoas nos referindo a nossa atividade laboral? (Oi prazer, sou fulana, sou professora, psicóloga etc.). E quantas vezes, muitos de nós, julgamos como “vagabundos” aqueles que não produzem essa riqueza? FHC e seu discurso sobre os aposentados ilustra bem esse juízo de valores, que remunera mais às profissões que melhor servem ao capital.
Somos tão colonizados que transportamos para nossa vida íntima as metas produtivas que nos impõem o capital, num estado de competição eterno competimos com nossos pares, instauramos a competição em nossas relações cotidianas afetivas (sejam elas de amizade, de amor ou de trabalho). Quem cumpre melhor a meta ideal para ter uma vida perfeita e feliz?! Entre “ser feliz ou ter razão”, não há escolhas quando se faz da própria felicidade uma competição mascarada! Uma eterna busca do cumprimento da meta “felicidade”. Para tanto, aceitamos sem questionar que devemos ter isso, fazer aquilo e as eternas listas com receitas de como conseguir aquilo que não se tem ainda.
Na lógica social que nos damos e que nos é dada, de modo muito superficial, devemos ter uma boa casa, uma profissão em que sejamos socialmente reconhecidas e competimos com nossos colegas para sermos melhores, lógica absurda em que “melhor” se resume em ser “mais” (mais artigos, mais citações de seu nome, mais metas alcançadas, mais... mais... sempre mais!). Vivemos uma época das quantidades! E de “mais” em “mais” vamos nos tornando subjetivamente “menos” humanos, “mais” máquinas!
E seguimos na ilusão “máquina” de não sentir; o império da razão se sobrepôs à emoção e se instituiu (desde os gregos) que a razão coincide com pensamento e, em nossa sociedade atual, institui-se que pensar/razão é o que nos faz fortes e “melhores”. Aos sentimentos é relegada a fraqueza, a instabilidade, a insanidade. Não descumpra, não questione as regras, seja policamente correto! Controle-se! Não seja LOUCO! Não chores, não ria, não se irrite, não “perca a cabeça”, pois é nela, por herança de Platão, onde mora a razão.
Somos tão máquinas, que não aprendemos a lidar com a humanidade e a transformamos em superstição, transcendência, já dizia Espinosa: “(...) os homens são dominados pela superstição enquanto dura o temor (...)”. E seguimos cumprindo as metas das provas, das datas de formatura, dos prazos que nos impomos, em suma, aprisionamos a vida pública e privada, nossa razão e emoção à meta das quantidades.
Fomos colonizados, emoldurados, formatados para seguir o absurdo das conquistas imediatistas (a tão almejada meta). Agimos em prol dos resultados. E que resultados têm uma intensa atividade política que ultrapassou longos quatro meses?
Acúmulo histórico, político e resistente. It´s bullshit! Qual foi a meta, o resultado concreto, real e imediato alcançado?
Em tempos de imediatismo, “cagamos” para o acúmulo histórico, para as conquistas que não nos são palpáveis. Esquecemos que a política é parte de nosso “fazer ser” seres humanos. Deixamos o estágio abstrato e nos fixamos no concreto. Pobre Piaget, que entendia como natural, a partir da interação com o meio, essa passagem; talvez se sentisse perdido com a capacidade humana de não apenas aceitar, como “lutar” por permanecer na mediocridade concreta e imediatista.
Pois bem, na contramão dessa lógica dos absurdos (eu invoco como um mantra) nosso saudoso poeta-menino Manoel de Barros e lhes digo: “Perdoai eu preciso ser outros!”.
Profa. Vanessa C. Furtado
Professora do Departamento de Psicologia
Instituto de Educação/ UFMT