Segunda, 20 Maio 2024 10:25

50 ANOS DA TRAGÉDIA DO EDIFÍCIO JOELMA E OS RISCOS DE ORIGEM ELÉTRICA EM MATO GROSSO - Danilo de Souza

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Por Danilo de Souza*


            Na manhã do dia 1º de fevereiro de 1974, em uma sexta-feira nublada, São Paulo foi palco de um desastre sem precedentes. Por volta das 8h30, um curto-circuito nos cabos elétricos que alimentavam um ar-condicionado desencadeou o incêndio devastador no Edifício Joelma, localizado no coração da cidade. A tragédia foi uma das mais severas já registradas na metrópole, tendo como causas raízes a falta de manutenção e o não cumprimento das normas técnicas da época referentes às instalações elétricas.


           

            As faíscas oriundas do curto-circuito encontraram um terreno fértil no 12º andar do Joelma, um ambiente repleto de materiais inflamáveis como carpetes, forros de espuma e divisórias de madeira. Situado na rua Santo Antônio, 140, no bairro da Bela Vista, o edifício não possuía infraestrutura de segurança contra incêndios, como paredes corta-fogo entre os andares, que são mandatórias atualmente. Em poucos minutos, as chamas obstruíram a única rota de fuga e avançaram rapidamente para os andares superiores, alcançando o 23º andar em aproximadamente 30 minutos. No momento do incêndio, cerca de 750 pessoas estavam no prédio; destas, mais de 300 sofreram ferimentos e, lamentavelmente, ao menos 187 vidas foram perdidas.
            Para evitar a repetição de tragédias como a do Edifício Joelma, duas questões cruciais são colocadas: i) o que já foi feito; e ii) o que ainda podemos fazer. Nos últimos 50 anos, testemunhamos avanços significativos em tecnologias de combate a incêndios e na proteção de instalações elétricas, além de melhorias nos procedimentos do Corpo de Bombeiros e das brigadas internas, bem como nas normas técnicas de instalações elétricas. No entanto, analisando o cenário da catástrofe do Joelma, fica evidente que, mesmo na década de 70, o desastre poderia ter sido evitado com as tecnologias, normas e procedimentos existentes no Brasil naquela época. O problema residia na falta de cumprimento das normas, de inspeções e de manutenção das instalações elétricas, além da ausência de dispositivos de proteção contra sobrecorrentes.
            Uma análise atual das instalações elétricas revela cenários preocupantes em que desastres como o ocorrido no edifício Joelma possam se repetir. Visando reduzir as probabilidades de eventos dessa natureza, a Associação Brasileira para Conscientização dos Perigos da Eletricidade (Abracopel) conduz pesquisas sobre a qualidade das instalações elétricas no Brasil. Um equipamento essencial na prevenção de fugas de corrente elétrica, choques e incêndios é o Dispositivo Diferencial Residual (DR), obrigatório desde 1997 pela NBR 5410 - Norma Brasileira de Instalações Elétricas de Baixa Tensão. Contudo, de acordo com o estudo “Raio X das Instalações Elétricas Residenciais e Comerciais Brasileiras”, publicado pela Abracopel em 2024, cerca de 79% das residências e 60% das edificações comerciais e públicas no Brasil ainda não estão equipadas com o DR em suas instalações elétricas, e mais da metade dos incêndios urbanos têm origem em falhas nessas instalações.
            Outro elemento necessário para a segurança dessas instalações é o sistema de aterramento, identificado pelo condutor verde de proteção. No Brasil, a realidade é preocupante: mais de 48% das residências e 41% dos estabelecimentos comerciais carecem desse recurso essencial. Além disso, toda instalação elétrica deve ser projetada e executada por profissionais habilitados, mas, infelizmente, verifica-se que 71% das residências e 54% dos comércios não possuem sequer um projeto elétrico definido.


 

             Uma das grandes causas dos incêndios de origem elétrica são os cabos “desbitolados” ou irregulares, que possuem menor quantidade de cobre que o necessário. Em 2021, nas inspeções realizadas pelo Instituto de Pesos e Medidas de Mato Grosso (Ipem/MT – Inmetro), com o apoio da Associação Brasileira pela Qualidade dos Fios e Cabos Elétricos (Qualifio) e do Sindicato da Indústria de Condutores Elétricos, Trefilação e Laminação de Metais Não-Ferrosos do Estado de São Paulo (Sindicel), chegaram ao infeliz recorde nacional do cabo mais “desbitolado” em Cuiabá, que tinha apenas 25% da massa de cobre necessária.
            Nesse cenário, esses dados alarmantes nos desafiam a promover mudanças urgentes para evitar tragédias como a do edifício Joelma. Pode-se inferir que, devido à qualidade das instalações elétricas brasileiras, por sorte acidentes similares ao do Joelma não ocorram com maior frequência no Brasil. Entretanto, esta é uma falsa percepção. Embora o Joelma tenha sido um caso extremo de incêndio de origem elétrica com inúmeras vítimas, o número total de incêndios e vítimas vem crescendo assustadoramente. Em seis anos, houve um aumento de quase 100% nos casos, saltando de 451 registros em 2016 para 874 em 2022. Esses números refletem uma realidade que não pode ser negligenciada.
            Segundo o Anuário Estatístico de Acidentes de Origem Elétrica da Abracopel publicado em abril de 2024, Mato Grosso é o oitavo estado brasileiro com mais incêndios de origem elétrica. E assim como o incêndio no Edifício Joelma, que se iniciou no circuito do condicionador de ar, Cuiabá é considerada a capital mais quente do país, e o uso do condicionamento ambiental é obrigatório. Esse contexto reforça a necessidade da atenção especial com a manutenção e inspeção das instalações elétricas, para que outros casos como o do Joelma não ocorram novamente.


*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.

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