Quinta, 03 Julho 2025 09:57

 

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Por Danilo de Souza*

  

 Se o domínio do fogo foi a primeira grande virada energética da história dos Sapiens, a segunda revolução não foi menos transformadora: trata-se do domínio da fotossíntese, ou, dito de outra forma, da invenção da agricultura. Nesse momento-chave da história dos Sapiens, esta espécie deixou de depender exclusivamente da coleta e da caça de alimentos silvestres e passou a produzir, armazenar e planejar sua energia alimentar. Dominar a fotossíntese significou submeter os ciclos naturais das plantas ao controle dos Sapiens, e com isso redefinir para sempre a forma como se relacionam com o tempo, o espaço e a natureza.


É importante destacar que a agricultura não surgiu como um evento isolado, mas como um conjunto de práticas que emergiram de forma independente em diferentes regiões do mundo entre 10 e 12 mil anos atrás, como na Crescente Fértil, no Sahel africano, na China, na Mesoamérica e nos Andes. Jared Diamond (2005), em seu clássico Guns, Germs and Steel, chama esse processo de “transição de caçadores-coletores para agricultores”, e argumenta que foi ela que estabeleceu as bases para o desenvolvimento de civilizações complexas, com escrita, hierarquia e tecnologia. O que está por trás dessa transição não é apenas a produção de comida, é a reorganização completa da matriz energética que possibilita a reprodução dos Sapiens e o seu avanço na biosfera.

 


 

 

Nesse cenário, ao cultivar grãos e raízes, ao domesticar plantas que transformam energia solar em biomassa comestível, os Sapiens criaram um novo ecossistema artificial, o campo agrícola, do qual passaram a depender. A energia, que antes era captada por forrageamento em áreas silvestres, passou a ser concentrada em áreas delimitadas, plantadas e protegidas. Esse domínio da fotossíntese trouxe como consequência direta o aumento da densidade populacional, a fixação no território, a criação de excedentes, e, posteriormente, a necessidade de desenvolvimento da estrutura atualmente chamada de Estado.


Como evidenciam Mazoyer e Roudart (2010), no livro intitulado História das Agriculturas no Mundo, esse processo foi, ao mesmo tempo, técnico e social. Não bastava plantar: era preciso desenvolver ferramentas, rotinas, conhecimentos empíricos sobre solo, clima e estações. Era necessário, sobretudo, criar regras de partilha, definir propriedade, inventar o imposto, instituir o calendário. O ciclo da planta tornou-se o ciclo da sociedade. A sazonalidade da energia fotossintética moldou, além do prato dos Sapiens, os seus mitos, suas religiões e suas guerras.


O solo, o arado, o grão e a colheita passaram a ser objetos de disputa. A revolução agrícola não democratizou o acesso à energia, ela criou, pelo contrário, novas desigualdades. Pimentel (2008), no livro Food, Energy and Society, alerta para o fato de que o cultivo intensivo e a monocultura alteraram drasticamente o balanço energético dos sistemas ecológicos. Cada caloria produzida passou a demandar trabalho humano, animal ou, mais tarde, combustível fóssil. A agricultura, que parecia libertar os Sapiens da escassez, passou a exigir sua servidão ao campo em um primeiro momento.
Essa mudança se reflete na própria fisiologia humana e na organização do trabalho. Populações agrícolas, como mostram os registros esqueléticos, apresentaram diminuição na estatura média, aumento de doenças ósseas e menor diversidade nutricional. A energia calórica passou a ser obtida em maior quantidade, mas com menor qualidade. O pão substituiu a carne, e o mingau, o fruto. Alimentar-se tornou-se uma rotina repetitiva, e trabalhar a terra, uma obrigação diária.


No entanto, o domínio da fotossíntese permitiu a multiplicação de pessoas por hectare, a formação de cidades, e a especialização do trabalho. Um grupo podia plantar, outro guerrear, outro rezar. A energia solar, capturada pelas folhas das plantas e acumulada em grãos e frutos, tornou-se a base invisível de todas as pirâmides sociais. A energia da fotossíntese, que até então era difusa na paisagem, foi domesticada e centralizada. A agricultura fez dos Sapiens, além de agricultores, também soldados, escravos e imperadores.


Jared Diamond (2005) argumenta que os continentes onde a agricultura surgiu de forma mais produtiva, com espécies domesticáveis ricas em proteínas e fácil armazenamento (como o trigo, a cevada, o arroz), foram os mesmos que originaram os impérios expansionistas. A vantagem energética derivada do domínio da fotossíntese não se limitou à nutrição, ela se traduziu em capacidade de sustentar exércitos, gerar excedentes e financiar inovação. Foi, portanto, uma vantagem geopolítica.


Mazoyer e Roudart (2010), por outro lado, ressaltam o papel da agricultura como vetor de desigualdade global. Enquanto algumas regiões intensificaram suas práticas, mecanizaram e acumularam capital, outras permaneceram presas a sistemas tradicionais com baixa produtividade. O domínio da fotossíntese, nesse sentido, é também a história do desequilíbrio energético entre povos, regiões e classes sociais. A monocultura exportadora, o latifúndio, a dependência alimentar, todos são legados dessa segunda revolução energética.


Pimentel (2008), com foco no balanço ecológico, chama atenção para os custos energéticos da agricultura moderna: erosão do solo, perda de biodiversidade, uso intensivo de fertilizantes e defensivos. A fotossíntese, embora gratuita e renovável, exige contexto ecológico estável. Ao desequilibrar o ciclo natural com práticas agrícolas agressivas, os humanos colocaram em risco justamente aquilo que pretendiam dominar: a capacidade das plantas de transformar luz solar em vida.


No plano simbólico, a agricultura moldou as cosmovisões humanas. Deuses da colheita, rituais de fertilidade, festas de plantio e colheita estão presentes em praticamente todas as culturas camponesas. A semente enterrada que renasce foi, por séculos, metáfora da própria existência humana. A energia solar internalizada na planta passou a ser vista como milagre, como bênção, como dádiva, e, também, como punição, quando falhava.


Do ponto de vista energético, o domínio da fotossíntese foi a segunda grande conversão da história dos Sapiens: da energia do fogo à energia do sol transformada em amido, fibra e proteína. Diferentemente da energia química do fogo, a energia da agricultura é mais lenta, mais cíclica, mais dependente do tempo. Mas é, ao mesmo tempo, mais produtiva em termos de densidade populacional, e mais estratégica em termos de poder.
Com o domínio da fotossíntese, os Sapiens tornaram-se dominantes de processos mais complexos de conversão de energia, não apenas consumidores. Deixamos de perseguir alimentos para fazer com que eles crescessem diante de nós.


Se a primeira revolução energética, o fogo, nos deu sobretudo a ampliação do cérebro, a segunda, a agricultura, nos deu a civilização.


OBS: Coluna publicada mensalmente na revista - "O Setor Elétrico".

*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.

 

Terça, 13 Maio 2025 08:45

 

 

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Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Por Danilo de Souza*



 

 

 

            Estamos dando início a uma nova série de textos nesta coluna dedicada às grandes revoluções energéticas que moldaram a história dos Sapiens. A cada edição, vamos explorar como o domínio de diferentes recursos/tecnologias de energia transformou a forma como vivemos, trabalhamos, comemos, nos locomovemos e organizamos a sociedade. Esta jornada começa com o fogo — a primeira grande ruptura energética — e seguirá por momentos decisivos como a agricultura, os ventos e as águas, o vapor, os combustíveis fósseis, a eletricidade, o átomo, as fontes renováveis e a digitalização da energia.
           O domínio do fogo marcou uma das transformações mais profundas na trajetória evolutiva dos Homo sapiens, e pode ter começado entre 1,9 e 1,8 milhão de anos atrás, com o ancestral que chamamos hoje de Homo erectus. Muito antes da agricultura ou das ferramentas metálicas, nossos ancestrais deram um salto adaptativo ao aprender a controlar uma fonte externa de energia: o fogo. Essa conquista, além de mudar radicalmente a relação com o ambiente, também teve efeitos duradouros sobre nossa biologia, cognição e organização social — configurando-se como a primeira grande revolução energética da humanidade.
           O primatólogo Richard Wrangham (2009), em Catching Fire: How Cooking Made Us Human, argumenta que o cozimento dos alimentos foi o fator determinante para o avanço do gênero Homo. Ao tornar os alimentos mais digestíveis – portanto, energeticamente mais eficientes, a cocção reduziu a necessidade de um sistema digestivo volumoso. Isso permitiu uma redistribuição de energia no corpo, favorecendo o crescimento do cérebro em detrimento do intestino.
           Esse “acordo biológico” entre digestão externa — feita pelo calor — e a expansão cerebral foi decisivo. Com menos esforço digestivo, o corpo pôde direcionar energia metabólica ao cérebro.  Alfred W. Crosby (2006), em seu texto “Children of the Sun: A History of Humanity's Unappeasable Appetite for Energy”, chega a essa mesma conclusão ao afirmar que, muito possivelmente, a cocção influenciou decisivamente a possibilidade de redução do trato intestinal e o aumento do cérebro.
           Os estudos de Wrangham e Crosby e respectivos grupos de pesquisa em Biologia Evolutiva Humana são corroborados pela neurocientista brasileira Suzana Herculano-Houzel (2017), em sua obra A Vantagem Humana, que reforça que cozinhar alimentos foi fundamental para sustentar o cérebro humano moderno, com seus 86 bilhões de neurônios. Ela evidencia que nenhum outro primata tem capacidade metabólica suficiente para alimentar um cérebro tão complexo sem a cocção. A digestão de alimentos crus requer tempo excessivo de mastigação e gasto energético elevado. Cozinhar tornou possível uma alimentação mais eficiente, permitindo que o cérebro crescesse sem sacrificar o resto do corpo.
           Vale destacar que a capacidade de simbolizar, raciocinar, lembrar e comunicar conferiu à nossa espécie o nome Homo sapiens — o humano de “saber”. Para sustentar esse cérebro altamente desenvolvido, que consome até 25% da nossa energia, o corpo humano evoluiu com adaptações notáveis: temos dentes pequenos e um trato gastrointestinal reduzido, em contraste com nossos parentes primatas. Enquanto os macacos possuem um sistema digestivo mais robusto, nós compensamos com um cérebro proporcionalmente muito maior — um claro reflexo das prioridades energéticas distintas entre as espécies.
           A transformação do corpo humano é um dos maiores testemunhos dessa evolução. A partir do Homo erectus, há cerca de 1,9 milhão de anos, observam-se mudanças anatômicas como mandíbulas mais finas, dentes menores e intestinos mais curtos. Essas alterações indicam uma adaptação clara a uma dieta composta por alimentos processados termicamente. O encurtamento do trato digestivo e a expansão cerebral são evidências diretas da reorganização fisiológica proporcionada pelo domínio do fogo. A Figura ilustra a evolução do cérebro: partindo do Homo habilis, com cerca de 600 cm³ de volume cerebral, passando pelo Homo erectus (~800 cm³), até chegar ao Homo sapiens, com volumes próximos de 1500 cm³, justamente após o domínio do fogo e o estabelecimento da cocção como prática central.

 

 

           

Convém salientar que a mudança no padrão alimentar e no metabolismo não teria sido possível sem a tecnologia do fogo. Coletar madeira, manter uma chama acesa durante dias, protegê-la da chuva e transmiti-la entre grupos exigiram capacidades cognitivas elevadas. Além disso, o fogo passou a representar mais do que calor ou cocção: ele assumiu valor simbólico, sendo associado à proteção, ao sagrado e à identidade coletiva. Em praticamente todas as culturas humanas conhecidas, a fogueira é um centro em torno do qual se reúnem histórias, decisões e memórias.
           Além dos ganhos fisiológicos, de fato, o fogo teve implicações sociais profundas. A cocção exigia planejamento, divisão de tarefas e convívio em torno da chama. Esses momentos de partilha podem ter sido o berço das primeiras estruturas sociais complexas, da linguagem e da cultura simbólica. O fogo permitiu aos hominídeos estenderem suas atividades para o período noturno, criando um novo espaço de tempo artificial — uma “noite iluminada” — que favoreceu o aprendizado coletivo e o fortalecimento de vínculos afetivos.
           Um dado curioso revelado por estudos contemporâneos é o tempo médio diário que um primata gastaria para se alimentar, caso dependesse somente de alimentos crus - até seis horas diárias dedicadas apenas à mastigação. Já os Sapiens, ao adotarem o cozimento, reduziram esse tempo para menos de uma hora em média. Com isso, nossos ancestrais ganharam tempo para aprender, ensinar, migrar e criar.
           Do ponto de vista energético, o fogo foi a primeira ferramenta humana de conversão de energia. Diferentemente das outras formas de vida, que dependem exclusivamente de fontes energéticas internas (como calorias oriundas de alimentos crus), os Sapiens passaram a ter graus de controle de uma reação exotérmica — a combustão — para modificar seu ambiente e seu próprio corpo. Trata-se do primeiro uso sistemático de energia exógena, que se tornaria o modelo para todas as revoluções energéticas seguintes: a do carvão, do petróleo, da eletricidade e digital. A utilização dessa força exógena marca outro ponto que simboliza a superação do Homem da contradição imposta pela Natureza, de acordo com “o conceito de tecnologia” de Alvaro Vieira Pinto (1977). Sob a ação ativa e consciente da espécie Homus, a natureza deixa de ser cada vez mais uma oposição à sobrevivência do Homem e passa a ser, inclusive, um fator favorecedor da sua sobrevivência. O domínio do fogo é, então, mais um degrau superado na escada humana de manipulação das leis da natureza ao seu favor.
           O impacto cultural e simbólico do fogo também foi explorado pela ficção. O filme francês “A Guerra do Fogo”, de 1981, dirigido por Jean-Jacques Annaud, dramatiza com intensidade a luta de grupos humanos primitivos para preservar e redescobrir o fogo após perdê-lo. Ambientado há 80 mil anos, a obra retrata a importância do fogo como tecnologia central à sobrevivência. Ainda, ilustra como o fogo era visto como um bem sagrado e estratégico, cuja perda colocava em risco a existência da comunidade.
           Assim sendo, o domínio do fogo foi uma revolução energética no sentido mais amplo do termo: uma transformação estrutural na forma como os seres humanos obtêm, distribuem e aplicam energia. Foi a partir do fogo que se tornou possível cozinhar, crescer cerebralmente, formar grupos estáveis e planejar o futuro. Essa energia controlada alterou o curso da evolução, criando um tipo de animal: o animal que cozinha, o animal que pensa, os Sapiens.

OBS: Coluna publicada mensalmente na revista - "O Setor Elétrico".

 


*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.

Sexta, 07 Fevereiro 2025 08:10

 

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Por Danilo de Souza*

 

 

             Nas redes sociais e nas conversas cotidianas, é comum encontrar a percepção de que uma matriz elétrica 100% baseada em fontes renováveis, de baixo carbono (ou ERNC - Energia renovável não convencional, o que exclui a hidráulica), como as energias solar e eólica, seria a solução ideal para os problemas energéticos e ambientais do planeta. Embora essa visão seja atraente e represente um futuro desejável em termos de emissões de carbono, ela desconsidera um elemento fundamental para a estabilidade das redes elétricas: a inércia.
            A palavra "inércia", muitas vezes associada nos dicionários a algo negativo, como preguiça ou falta de ação, precisa ser ressignificada no contexto dos sistemas elétricos. Originalmente, o termo deriva do latim "inertia", que significa inação ou falta de movimento, e ganhou relevância na física graças à obra de Isaac Newton. Em seus Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, Newton descreveu a inércia como a propriedade que faz com que um corpo em movimento permaneça em movimento ou em repouso, a menos que uma força externa atue sobre ele. Nos sistemas elétricos, essa mesma característica, longe de ser negativa, é essencial para garantir estabilidade e resiliência, tanto em condições normais, como na ocorrência de distúrbios.
            Nesse contexto, a inércia do sistema elétrico é definida pela energia rotacional armazenada em máquinas síncronas, como turbinas a vapor, turbinas a gás e geradores hidráulicos. Essa energia funciona como um "amortecedor" para variações de frequência, absorvendo os impactos de perturbações, possibilitando a atuação dos sistemas de proteção para limitação das falhas, e limitação das regiões de blecaute. A frequência da rede elétrica é tipicamente mantida em 50 Hz ou 60 Hz, dependendo da região, e pequenas variações podem indicar desequilíbrios entre geração e consumo. Assim, em sistemas elétricos dotados de alta inércia, esses desequilíbrios são mitigados mais rapidamente, garantindo maior estabilidade.
            A Figura 1, presente no relatório Meeting the Challenge of Reliability on Today’s Electric Grids: The Critical Role of Inertia, ajuda a compreender essa dinâmica por meio de uma analogia de banheira. A entrada de água representa a geração de energia, enquanto o escoamento simboliza o consumo. O nível de água, equivalente à frequência, permanece constante quando a entrada e a saída estão equilibradas. Nesse cenário, redes elétricas com maior inércia têm uma "banheira" maior e mais cheia, o que lhes permite lidar melhor com variações repentinas e evitar transbordamentos ou esvaziamentos.

 

 

           

            No entanto, as fontes de baixo carbono, apesar de serem fundamentais para a redução de emissões, contribuem pouco ou nada para a inércia do sistema. As turbinas eólicas, mesmo possuindo massa física rotativa, não estão sincronizadas à frequência da rede e, portanto, não fornecem inércia significativa. Os sistemas fotovoltaicos, por sua vez, não possuem partes móveis que gerem energia rotacional. Essa transição para fontes não síncronas, embora necessária, apresenta desafios técnicos substanciais para a integração e aporte na estabilidade no sistema elétrico.
            A Figura 2 ilustra os valores típicos da constante de inércia (H) para diferentes tipos de geração. As usinas nucleares são as campeãs, seguidas pelas fósseis (gás e carvão) e hidráulicas, que fornecem os maiores valores, enquanto a geração a partir de fontes renováveis, como solar e eólica, comumente no Brasil não são combinadas com tecnologias que fornecem essa contribuição. A solar, devido à sua natureza, de não possuir máquina girante, e a eólica, por ser geralmente conectada por meio de inversores, ou por máquinas não síncronas. Além disso, é importante notar que a penetração de geração por fontes de baixa inércia pode levar a uma redução drástica na inércia total do sistema, como evidenciado em estudos sobre o Reino Unido. Existe uma clara tendência de continuidade de queda da geração síncrona até 2030, enquanto a geração oriunda de máquinas não síncronas, ou conectadas por inversores ou por HVDC, aumenta proporcionalmente, criando desafios para a estabilidade da rede.

 

 

           

            Um aspecto frequentemente negligenciado é que, mesmo sistemas baseados em tecnologia de corrente contínua de alta tensão (HVDC), que permitem a interconexão de diferentes regiões e o transporte de grandes quantidades de energia, não contribuem para a inércia do sistema. Ainda que os sistemas HVDC estejam conectados às máquinas girantes, a energia transmitida por esses sistemas não apresenta o amortecimento inerente das máquinas síncronas. Isso significa que, em situações de falhas ou perturbações, a frequência da rede pode variar de forma mais abrupta que em sistemas sem HVDC, aumentando ligeiramente o risco de desligamentos.
            Nesse cenário, o caso do Reino Unido é particularmente relevante como um estudo de caso. A rápida transição para fontes de baixo carbono, especialmente a expansão das energias eólica e solar, levou a uma redução significativa na inércia da rede. Ao longo da última década, políticas de incentivo às fontes de baixo carbono resultaram em um declínio constante na participação de geradores síncronos, como usinas a carvão e nucleares, que anteriormente forneciam níveis elevados de inércia. Esse fenômeno também é observado em países nórdicos, onde a combinação de energia hidrelétrica com crescente participação eólica trouxe desafios semelhantes. Em ambos os casos, os operadores de rede foram forçados a adotar soluções emergenciais, como a ativação de geradores de reserva e a implementação de novos mercados de serviços auxiliares.
            Para mitigar a perda de inércia, tecnologias emergentes estão sendo desenvolvidas. Os antigos compensadores síncronos se colocaram novamente como importantes, agora por simularem também o comportamento de inércia em máquinas síncronas, sem, necessariamente, gerar energia reativa. Além disso, sistemas de baterias têm sido amplamente discutidos como uma alternativa para oferecer "inércia sintética" e resposta rápida para estabilizar a frequência. No entanto, essas tecnologias ainda enfrentam limitações técnicas e econômicas. Compensadores síncronos, por exemplo, requerem investimentos elevados e espaço físico considerável, enquanto baterias dependem de avanços na eficiência e redução de custos.
            Ainda, outro recurso utilizado em alguns sistemas é a implementação de mercados de reservas de frequência rápida (FFR), que permitem uma resposta mais ágil a variações repentinas. Essas reservas podem incluir turbinas hidráulicas de resposta rápida, baterias e até mesmo ajustes nos sistemas de controle de turbinas eólicas. Essas medidas demandam investimentos significativos e uma coordenação cuidadosa entre operadores de sistemas e reguladores. Além disso, é necessário considerar os desafios técnicos e operacionais associados à integração dessas tecnologias em larga escala, especialmente em sistemas que já operam próximos de seus limites técnicos.
            Vale salientar que a importância de manter a inércia vai além de garantir a estabilidade da frequência. Sistemas com alta inércia também oferecem maior resiliência a falhas, permitindo que os operadores da rede tenham tempo adicional para implementar medidas corretivas em situações de emergência. Assim, consequentemente, redes com predominância de fontes de baixo carbono, com baixa inércia, são mais suscetíveis a colapsos rápidos, nos quais pequenos desequilíbrios podem se transformar em falhas sistêmicas antes que intervenções sejam possíveis. Dessa forma, é necessário ampliar o debate sobre as soluções que preservem ou substituam as funções essenciais da inércia. E, neste contexto, a tecnologia grid forming surge como um paliativo neste momento, pois possibilita que inversores eletrônicos em fontes renováveis, como solar, eólica e baterias, não apenas sigam a frequência da rede, mas também ajudem a estabilizá-la, atuando como fontes de referência de tensão e frequência, semelhantemente às usinas convencionais com turbinas síncronas.
            Nos países nórdicos, algumas iniciativas têm sido implementadas como estudo de caso, para enfrentar os desafios impostos pela baixa inércia. Por exemplo, mercados de reserva de frequência (serviços ancilares) para fornecer suporte rápido em caso de perturbações. Esses mercados combinam recursos de diversas tecnologias, incluindo baterias, geradores hidráulicos e até turbinas eólicas modificadas para resposta dinâmica. Apesar desses avanços, os custos associados ao gerenciamento de redes com baixa inércia continuam aumentando, exigindo soluções mais eficientes e escaláveis no futuro. Ou mesmo a reinserção das nucleares e outras fontes que utilizam máquinas síncronas.
            É importante destacar nos debates sobre a escolha das fontes primárias usadas para geração de energia elétrica que a preservação da inércia é uma questão técnica fundamental para manter a estabilidade dos sistemas. Redes elétricas confiáveis são fundamentais para o desenvolvimento econômico e social, e qualquer interrupção significativa pode ter consequências severas para indústrias, hospitais e outras infraestruturas críticas. Portanto, assegurar que as redes elétricas continuem a operar com altos níveis de estabilidade deve ser uma prioridade em qualquer estratégia de transição energética.

OBS: Coluna publicada mensalmente na revista - "O Setor Elétrico".

*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.

 

Segunda, 11 Novembro 2024 17:25

 

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
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Por Danilo de Souza*


 

 

            Uma questão pouco abordada atualmente envolve a utilização dos materiais para a construção dos equipamentos com tecnologias de baixo carbono, tanto para os usos finais de energia, por exemplo, em veículos elétricos, quanto para geração de energia, como em plantas eólicas (onshore e offshore) e solares. Ao comparar essas fontes com as fósseis – como carvão, óleo e gás – constatamos uma mudança expressiva na trajetória energética da humanidade. Nossa espécie mudou significativamente ao deixar de depender exclusivamente do "fluxo" energético, ou seja, de fontes como a fotossíntese para a agricultura, a energia eólica para navegação e moinhos, e a solar para a produção de alimentos. Essa dependência foi substituída pelo "estoque" de energia contido nos combustíveis fósseis, como petróleo, carvão e gás.
           A partir do século XIX, essa transição para fontes estocadas, em conjunto com os avanços médicos, foi fundamental para o crescimento populacional. Essa mudança de paradigma nas formas como interagimos com as fontes de energia iniciou-se na Revolução Industrial. Esse período permitiu que a humanidade abandonasse a dependência das fontes primárias de baixo carbono e se apropriasse dos hidrocarbonetos, expandindo a capacidade de produção e distribuição em grande escala. Essa “nova” fonte de energia viabilizou a concentração de pessoas em grandes cidades, transformando radicalmente o modo de produção e possibilitando o crescimento populacional acelerado. A exploração dos recursos fósseis, portanto, foi o motor central da Revolução Industrial e do subsequente boom populacional.
           Esse acesso ao "estoque" de energia permitiu que a população global saltasse de cerca de um bilhão para mais de oito bilhões em poucas décadas, com estimativas de estabilização em torno dos dez bilhões em 2050 segundo as estimativas da Divisão de População das Nações Unidas (ONU). No entanto, o desafio que se apresenta agora é imenso: retornar ao "fluxo" e buscar novamente as fontes de baixo carbono para sustentar o planeta, conciliando o crescimento humano com práticas energéticas que tenham menor impacto nas relações termodinâmicas antrópicas da biosfera.
           Cabe destacar que um dos aspectos pouco explorados ao se analisar o retorno ao fluxo é a intensidade do uso de materiais nas tecnologias de baixo carbono. Embora o ciclo de vida dessas fontes, desde a produção, transporte e uso, até o descarte ou reciclagem, mostre uma vantagem clara em relação às fontes fósseis, muitas vezes negligenciamos o impacto gerado pela própria produção dessas tecnologias. Em outras palavras, quão intensiva é essa produção em termos de materiais e recursos?
           Estamos atuando no sentido de deixar de depender dos combustíveis fósseis – hidrocarbonetos concentrados em determinadas regiões e, frequentemente, fonte de conflitos geopolíticos – e retornando aos fluxos, que possuem uma distribuição mais igualitária no nosso planeta. Esse é um dos motivos para falarmos em geração distribuída, em contraste com a geração concentrada típica dos fósseis. Sair dessa concentração, em princípio, nos afastaria de uma dependência geopolítica intensa, permitindo uma nova condição de produção energética mais distribuída e acessível. No entanto, a promessa de “felicidade” associada à transição para as fontes de baixo carbono enfrenta uma nova complexidade. Produzir as tecnologias necessárias para esse futuro, seja para o uso final, como os veículos elétricos, ou para a geração de energia, como a eólica e a solar, gera uma intensa demanda por um grupo específico de minerais e materiais, que, por sua vez, não se encontram igualmente distribuídos ao longo do planeta. Assim, ao sair do estoque fóssil para esse novo fluxo, não eliminamos a geopolítica, mas a transformamos.

           A comparação entre o uso de materiais para produzir 100 MW de energia a partir de fontes eólica e de gás natural revela uma demanda significativamente maior de recursos pela primeira, especialmente em materiais como aço (14.000 toneladas), cobre (600 toneladas) e concreto (90.000 toneladas), necessários para a infraestrutura das turbinas. Em contrapartida, a produção de energia a partir do gás natural utiliza menos materiais para a construção de uma usina (1.500 toneladas de aço, 20 toneladas de cobre e 15.000 toneladas de concreto – conforme tabela), embora dependa do abastecimento contínuo de gás para operar, resultando em emissões constantes de carbono.
 

Tipo de Material

100 MW Eólica (aprox.)

100 MW Gás Natural (aprox.)

Aço

14.000 toneladas

1.500 toneladas

Cobre

600 toneladas

20 toneladas

Concreto

90.000 toneladas

15.000 toneladas

Alumínio

700 toneladas

30 toneladas

Plástico e Compostos

2.000 toneladas

100 toneladas

Óleo Lubrificante e Outros

100 toneladas

200 toneladas

 
           Uma das contradições observadas nesse processo é que os países que detêm a maior parte das reservas de minerais estratégicos são os mais afetados pelas mudanças climáticas e, em alguns casos, são considerados de governança “frágil”, destacando-se a República Democrática do Congo, Afeganistão, países do Sahel, da África Central, algumas nações do Oriente Médio e do Norte da África, Sudeste Asiático, América Central e partes da América do Sul. A falta de governança sólida, em bases fortemente enraizadas nos interesses da população mais pobre, e o comprometimento com o acesso às riquezas produzidas, aumentam os riscos de conflitos, do deslocamento de comunidades locais e a ampliação da degradação ambiental já inerente da exploração mineral, criando uma situação complexa para o desenvolvimento das forças produtivas.
           Segundo o artigo "Energy transition minerals and their intersection with land-connected peoples", publicado na Nature Sustainability, aproximadamente 30 minerais estratégicos, como o cobalto, lítio, metais de terras raras, entre outros, formam a base material para essa transição. No entanto, a exploração desses minerais apresenta uma elevada interseccionalidade com territórios historicamente menos industrializados – muitos deles habitados por povos nativos e populações rurais. Uma análise de 5.097 projetos geolocalizados mostrou que mais da metade está situada em ou próxima a terras reservadas a esses grupos - os quais têm soberania sobre as terras e devem ser consultados a respeito da possibilidade de exploração dessas matérias-primas, sendo esses direitos protegidos por declarações das Nações Unidas.
           Dessa forma, é importante enfatizar que a simples presença de minerais na crosta terrestre não é suficiente. O verdadeiro desafio reside na extração e processamento deles, além da construção de uma infraestrutura de baixo carbono, que demandará grandes quantidades de metais, como alumínio, aço, cimento e metais de terras raras, bem como recursos específicos, como o polissilício para painéis solares, e o disprósio e neodímio para turbinas eólicas. Apesar de as reservas geológicas serem suficientes para atender à demanda até 2050, a mineração e o processamento desses materiais gerarão uma grande quantidade de resíduos no ar, na terra e na água. Esse desafio se agrava no contexto de sistemas de armazenamento, principalmente baterias, cuja produção de grafite, lítio e cobalto precisará de um aumento de aproximadamente 450% até 2030, quando comparado aos níveis de 2018.
           Assim, a expansão das tecnologias de baixo carbono, tanto na produção quanto nos usos finais de energia, representa um avanço significativo na mitigação das mudanças climáticas e como um mecanismo de adaptação. No entanto, essa transição traz consigo desafios que vão além da simples substituição dos combustíveis fósseis. A crescente dependência de minerais estratégicos exige uma abordagem complexa e holística, que não se limite apenas ao fornecimento dos recursos necessários — sejam eles energia, tecnologia ou materiais. É essencial também promover um diálogo profundo e respeitoso com as comunidades locais, estimar os impactos ambientais para além das emissões e assegurar que as populações diretamente envolvidas participem equitativamente da riqueza gerada.

OBS: Coluna publicada mensalmente na revista - "O Setor Elétrico".

*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.

Segunda, 07 Outubro 2024 10:05

 

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Por Danilo de Souza*
 

 

            O cobalto é um dos minerais críticos para a transição energética, desempenhando um papel fundamental na produção de baterias de íons de lítio, utilizadas em veículos elétricos (EVs) e sistemas de armazenamento de energia, como smartphones, notebooks e outros eletrônicos portáteis com baterias. Com o avanço da transição para fontes e usos finais em tecnologias de baixo carbono, o cobalto teve uma ressignificação como um dos principais componentes na transformação global do setor energético. A demanda por esse mineral está crescendo rapidamente, impulsionada pela necessidade de eletrificação de setores que anteriormente dependiam de combustíveis fósseis, especialmente o transporte e a geração de energia elétrica.
           De acordo com o relatório da Agência Internacional de Energia (IEA), as baterias de íons de lítio (já discutimos anteriormente nesta coluna) são amplamente utilizadas devido à sua alta densidade de energia, longevidade e desempenho, características fortemente influenciadas pelo cobalto. Ele é fundamental para melhorar a estabilidade térmica e a capacidade das baterias, o que permite o armazenamento eficiente de grandes quantidades de energia. As baterias que utilizam cobalto como elemento principal, como aquelas com química NMC (níquel, manganês e cobalto), são consideradas essenciais para sustentar a transição energética global.
           Vale lembrar que o aumento da produção de veículos elétricos é um dos maiores responsáveis pelo crescimento da demanda por cobalto. Conforme o mercado de EVs cresce, as expectativas são de que a demanda por cobalto se amplie de forma significativa nas próximas décadas. A IEA destaca que, até 2040, a demanda por cobalto pode ser até 25 vezes maior que os níveis atuais, dependendo do cenário de transição energética adotado. Além disso, o cobalto é essencial não apenas para o setor de transportes, mas também para o armazenamento de energia em larga escala, que se torna cada vez mais necessário à medida que fontes intermitentes de energia, como solar e eólica, se expandem​.
           Os números indicam que, para atender às metas climáticas (o que vem se desenhando como um grande desafio), a demanda por minerais como o cobalto deverá crescer exponencialmente. A transição energética para um futuro de baixa emissão (emissões líquidas zero é cenário que, conforme já discutimos, está bastante distante do que temos atualmente) requer o uso maciço de baterias e tecnologias de armazenamento de energia, que dependem de cobalto, níquel e outros minerais críticos.
           De se destacar que um dos maiores desafios em torno do uso do cobalto é sua produção altamente concentrada. Mais de 60% do cobalto global é extraído na República Democrática do Congo (RDC), o que gera preocupações em termos de segurança de fornecimento, transparência e condições de trabalho. Ademais, o processamento do cobalto é amplamente dominado pela China, que controla mais de 70% da capacidade global de refino do mineral. Essa concentração suscita incertezas, pois crises políticas, sanções econômicas ou barreiras comerciais podem facilmente interromper a cadeia de fornecimento.

A extração de cobalto na RDC está profundamente enraizada em abusos dos direitos humanos, incluindo trabalho infantil, mortes não declaradas, e condições desumanas para os trabalhadores, como exposto no livro Cobalt Red, do pesquisador Siddharth Kara. Trabalhadores artesanais, incluindo crianças, escavam o mineral essencial para baterias de dispositivos eletrônicos portáteis, muitas vezes com as mãos nuas, sem equipamentos de proteção adequados e expostos a toxinas perigosas. O impacto na saúde é devastador, com relatos de abortos espontâneos, doenças respiratórias e até mortes, frequentemente não documentadas. As grandes empresas de tecnologia, embora afirmem adotar práticas responsáveis, são involuntariamente cúmplices desse sistema, já que o cobalto extraído sob tais condições flui para as cadeias de suprimento globais.
           Apesar de esforços como a Global Battery Alliance e a Responsible Minerals Initiative, as condições de mineração permanecem perigosas, com mineradores enfrentando colapsos de túneis, agressões físicas e sexuais, e vivendo em extrema pobreza. Kara destaca que, sem uma ação urgente para melhorar as condições de trabalho e a formalização do setor de mineração artesanal, a exploração e destruição ambiental continuarão a prejudicar o povo congolês.
           O mercado global de cobalto também está sujeito a grandes variações de preço, o que pode afetar o custo de produção de baterias. Nos últimos anos, o preço do cobalto tem mostrado volatilidade significativa, impulsionado principalmente por flutuações na oferta e por incertezas em relação ao controle das reservas no Congo e nas políticas de exportação chinesas. Portanto, é fundamental que países importadores, como Estados Unidos e membros da União Europeia, bem como os países em desenvolvimento do BRICS, invistam em estratégias para mitigar essa dependência, incluindo pesquisas para descobertas de novas reservas e a reciclagem de baterias usadas.
           Atualmente, a taxa de reciclagem do cobalto ainda é baixa em comparação a outros metais como o alumínio e o cobre. No entanto, com a crescente quantidade de baterias de veículos elétricos que atingem o final de sua vida útil, a reciclagem de cobalto deverá se tornar um componente fundamental para atender à demanda futura de forma sustentável. A reciclagem de cobalto no contexto da economia circular e outros minerais essenciais pode reduzir a necessidade de novas explorações em até 10% até 2040, aliviando parte da pressão sobre os recursos naturais e mitigando o impacto ambiental da mineração​​. Além disso, as pesquisas sobre novas tecnologias de baterias estão explorando maneiras de reduzir a quantidade de cobalto necessária sem comprometer o desempenho. Químicas alternativas, como o desenvolvimento de baterias com maior proporção de níquel ou que utilizam outros materiais, estão em fase de desenvolvimento, mas ainda não são viáveis em larga escala.

Outro aspecto importante do cobalto é o impacto ambiental de sua extração e processamento. Sua mineração tem sido associada a uma série de problemas ambientais, incluindo contaminação da água, desmatamento e altos níveis de emissões de carbono devido aos métodos de processamento. À medida que a demanda por cobalto aumenta, cresce também a pressão para que o setor se torne mais sustentável e adote práticas de processamento de baixo carbono. Iniciativas nas operações de mineração para reduzir o consumo de água e minimizar os resíduos devem ser o foco nos próximos anos.
           Nessa perspectiva, o cobalto desempenha um papel central na transição para um sistema energético de baixo carbono. Sua importância no armazenamento de energia e na eletrificação do transporte o coloca como um mineral estratégico para a mitigação das mudanças climáticas. No entanto, a dependência de fontes concentradas de fornecimento, os desafios ambientais e as limitações tecnológicas sugerem que serão necessárias grandes mudanças tanto no fornecimento quanto no consumo de cobalto. A reciclagem e a inovação tecnológica serão fundamentais para garantir que o cobalto continue a contribuir para a transição energética para uma matriz primária e usos finais de baixo carbono no ciclo de vida completo, ao mesmo tempo que a governança e os cuidados com o ambiente devem ser intensificados para reduzir os impactos negativos associados à extração e processamento desse mineral.

OBS: Coluna publicada mensalmente na revista - "O Setor Elétrico".

*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.

 

Terça, 06 Agosto 2024 17:12

 

 

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Prof. Danilo de Souza*
 

 

            A ideia de transição energética que vem sendo construída, como processo crucial para mitigar as mudanças climáticas, depende fortemente de minerais estratégicos, entre os quais o cobre tem importância vital. Sua relevância é evidenciada pelo seu papel fundamental em diversas aplicações.
            De forma particular, o cobre exerce uma função importante em instalações elétricas de baixa tensão, devido à sua excepcional condutividade elétrica, superando o alumínio em cerca de 40% e ficando atrás apenas da prata. Além disso, suas propriedades, como alta maleabilidade, excelente ductilidade, grande durabilidade e alta resistência à corrosão, e custo acessível (quando comparado à prata) o tornam  indispensável em várias indústrias de transformação.
            Conforme ilustrado, o cobre é um elemento crítico para muitas tecnologias de energia que podem ser consideradas menos impactantes quando analisado o ciclo de vida. Em especial, ele tem uma importância alta para redes elétricas, veículos elétricos e sistemas de armazenamento de baterias, e uma relevância moderada para tecnologias como energia solar fotovoltaica, eólica e hidroelétrica. A diversidade de aplicações e a alta demanda para tecnologias emergentes reforçam ainda mais a sua importância. Dessa forma, esse metal torna-se essencial para a implementação e expansão das infraestruturas de produção/conversão de sistemas energéticos e os seus finais, sendo fundamental na transição energética para sistemas de baixo carbono.

            Vale lembrar que o cobre também está presente em tubos de condução de água, sistemas de aquecimento, refrigeração, telhas e placas da construção civil. Além disso, é amplamente utilizado explorando sua capacidade de condução eficiente de calor, reduzindo as perdas e contribuindo para eficiência energética de sistemas térmicos.
            Destaca-se ainda como matéria-prima essencial em diversas indústrias de transformação, sendo utilizado na fabricação de panelas, tubulações para aparelhos de ar-condicionado, encanamentos, estátuas, medalhas, adornos, eletroímãs, magnetrons de micro-ondas, motores elétricos, transformadores elétricos, interruptores e relés, tubos de vácuo e na cunhagem de moedas, entre outros. Por essa razão, a  previsão é que a demanda pelo metal aumentará entre 24% e 45% até 2040.​
            No contexto residencial, a eletrificação das coisas está transformando diversos aspectos do cotidiano, aumentando significativamente o uso de cobre. Sistemas de aquecimento, ventilação e ar-condicionado (HVAC) estão cada vez mais adotando tecnologias elétricas mais eficientes, como as bombas de calor elétricas, que utilizam cobre em seus sistemas de tubulação e unidades de condensação devido à sua excelente condutividade térmica e elétrica. Eletrodomésticos modernos, como geladeiras, máquinas de lavar, fornos elétricos e secadoras, dependem fortemente de componentes de cobre em seus motores elétricos, e o aumento da eficiência desses equipamentos passa pelo incremento da massa de cobre nos condutores internos. A instalação de painéis solares em residências também está se tornando mais comum, e o cobre é amplamente utilizado nos seus cabos e sistemas de conexão, facilitando a transmissão eficiente de energia solar gerada para uso doméstico.

 

            Adicionalmente, o cobre é um componente essêncial em ligas metálicas populares, como o latão, que é uma combinação de cobre e zinco, e o bronze, que é composto de cobre e estanho.  Existem evidências de que o cobre foi o primeiro metal trabalhado pelo Homo sapiens. A transição da Idade da Pedra Polida para a Idade do Bronze foi marcada pela substituição das ferramentas de pedra por aquelas feitas de cobre e suas ligas, dando início a um novo período histórico.
            De se notar que o cobre desempenha um papel estratégico na intensificação da industrialização. Recentemente, tornou-se um insumo essencial no avanço da mobilidade elétrica. Motores de combustão interna utilizam, em média, 25 quilos de cobre, enquanto carros híbridos utilizam cerca de 40 quilos, e veículos totalmente elétricos podem requerer até 70 quilos. Esse aumento na demanda motivou que o preço do minério subisse drasticamente nos últimos anos, passando de 4,4 USD/kg em março de 2020 para 11 USD/kg em março de 2022.
            No mesmo período, o dólar também se valorizou, subindo de R$ 4,8 para R$ 5,4, e nos últimos 20 anos, a moeda norte-americana teve um incremento de mais de 300% em relação ao real. Esse cenário resultou em um aumento significativo do preço do cobre no mercado brasileiro, que passou de R$ 28.000,00/tonelada para R$ 52.000,00/tonelada. Esse fator contribuiu para a alta nos casos de furto do metal, que tem crescido nos últimos anos.
            Historicamente, o Chile tem sido o maior produtor de cobre do mundo, representando cerca de 30% da produção global. Apesar de sua proximidade geográfica com o Brasil, o Chile tem a China como seu principal mercado consumidor. Isso se deve não apenas ao voraz apetite chinês por commodities, mas também à rota marítima facilitada pelo Oceano Pacífico.

 

            O "Corredor Minero" é uma importante região de mineração no Peru, conhecida por concentrar diversas operações de extração de minerais, especialmente cobre. Existem graves denúncias de violações de direitos humanos e impactos ambientais severos associados à mineração na região. As comunidades locais têm sofrido com a contaminação de recursos hídricos, além de enfrentarem conflitos com empresas mineradoras devido à falta de consulta e compensação considerada justa.
            A extração e o processamento do cobre requerem grandes volumes de água, o que se torna um problema crítico em regiões áridas e semiáridas onde muitas das minas estão localizadas, como no Chile e no Peru. Além disso, a diminuição da qualidade do minério de cobre implica a necessidade de processar maiores volumes de rocha para obter a mesma quantidade de metal, o que aumenta a geração de resíduos e eleva o consumo de energia e as emissões de gases de efeito estufa. A gestão inadequada de resíduos, incluindo a contenção de elementos perigosos como o arsênio, pode causar contaminação de solo e água, afetando negativamente as comunidades locais e os ecossistemas.
            O processo de descoberta e implementação de novas jazidas de cobre é geralmente lento, podendo levar mais de uma década, especialmente em grandes minerações. Esse período inclui pesquisa geológica, identificação e estruturação da jazida. Mesmo com a descoberta de boas jazidas, tornar um local produtivo pode demorar anos. Tem-se como exemplo o caso de Aripuanã-MT, onde um depósito de cobre conhecido desde a década de 1990 só agora está entrando em operação. Além disso, há o desafio geológico da escassez de depósitos naturais de cobre, pois os superdepósitos estão se esgotando e os novos geralmente têm menor teor de cobre e são menores, aumentando o custo de extração.
            Paradoxalmente, o cobre é encontrado em alguns dos países de média e baixa renda, menos industrializados, que, no entanto, estão entre os mais vulneráveis às mudanças climáticas. Nações como a República Democrática do Congo e a Zâmbia, que possuem significativas reservas de cobre, enfrentam desafios econômicos e sociais profundos, agravados pelos impactos ambientais e climáticos, como secas e inundações. Além disso, a alta concentração de atividades de mineração em áreas ecologicamente sensíveis eleva o risco de degradação ambiental, intensificando ainda mais os efeitos adversos das mudanças climáticas nessas regiões.
            Nesse contexto, o papel estratégico do cobre na transição energética é inegável, destacando-se como um mineral necessário para a ampliação dos sistemas de baixo carbono. Sua ampla aplicação, que abrange desde a infraestrutura elétrica até veículos elétricos, reflete sua importância em diversas indústrias. A crescente demanda por cobre, impulsionada pelo avanço tecnológico, também evidencia a necessidade de se compreenderem os desafios ambientais e geopolíticos relacionados à sua extração e processamento.


*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.

 

Terça, 25 Junho 2024 14:41

 

 

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Por Danilo de Souza*

 
Nesta coluna, exploramos o papel crucial do lítio na transição energética. Considerado um mineral essencial para a transição energética, é utilizado principalmente fabricação de baterias, especialmente para veículos elétricos e para armazenamento estacionário de energia. Abordamos aqui o panorama da extração do lítio no Brasil, onde o mineral é encontrado em áreas como o Vale do Jequitinhonha, e discutimos a distribuição global das reservas, majoritariamente localizadas na China, Austrália e Chile. Além disso, são examinados os desafios ambientais e sociais relacionados à extração do lítio, bem como as características e benefícios das baterias de íon-lítio, essenciais para a evolução tecnológica e sustentabilidade energética.


 

Aproximadamente 90% do lítio mundial produzido provém da China, Austrália e Chile. A Bolívia, individualmente, possui uma das maiores reservas globais de lítio, mas enfrenta limitações de produção, tornando-se um ponto de disputa entre empresas chinesas e estadunidenses. Cerca de 75% das reservas mundiais conhecidas de lítio estão localizadas no Triângulo Andino, que abrange o Salar de Atacama, no Chile, o Salar de Uyuni, na Bolívia, e as Salinas Grandes, na Argentina.

No caso brasileiro, pode ser extraído de espodumênio em áreas como o Vale do Jequitinhonha e a província de Borborema, onde o mineral encontrado é de alta pureza. Além das baterias, o lítio é usado na produção de cerâmicas, vidros, lubrificantes e nas indústrias elétrica, eletrônica, farmacêutica e metalúrgica.

No Chile, a extração de lítio a partir de salinas, bombeando salmoura para a superfície, tem reduzido os níveis de água em uma região dos Andes já afetada recentemente por uma seca extrema, prejudicando a agricultura e a pecuária locais. Na China, a mineração de lítio na região de Yichun, responsável por 12% da produção mundial, foi suspensa em dezembro de 2022 devido à contaminação do rio que fornece água para várias cidades. Portugal registrou em 2022 e 2023 dezenas de protestos contra a prospecção de lítio em diversas aldeias do país.


De se destacar que as técnicas de extração de lítio de rochas, salmouras e argilas evoluíram pouco desde o século passado, e ainda dependem de processos mecânicos e químicos caros que demandam grandes quantidades de energia e água. Para extrair lítio, os minérios rochosos precisam ser aquecidos a até 1.100 °C e, em seguida, tratados com ácido a 250 °C. Depois, passam por seis reações químicas adicionais que requerem mais calor, reagentes e água. Dependendo da matéria-prima, a produção de uma tonelada de lítio consome 70 mil litros de água e emite entre 3 e 17 toneladas de dióxido de carbono – de 2 a 11 vezes mais do que a produção de uma tonelada de aço. Além disso, produz os resíduos do processamento acumulados em lagoas de evaporação, que contêm metais pesados como arsênio, tálio e cromo, bem como urânio e tório, que são elementos radioativos naturais encontrados nos minérios de lítio.

Em usos de armazenamento de energia, o lítio é fundamental para a produção da bateria de íon lítio, as atuais no mercado, que conseguem armazenar a maior quantidade de energia em um menor volume. O que nos faz voltar mais uma vez nesta coluna à noção-chave desta nossa trajetória – a densidade energética.

As baterias de íon-lítio se destacam em várias características cruciais. Com alta densidade energética, elas armazenam mais energia por unidade de volume e peso, prolongando o tempo de uso entre recargas e permitindo designs mais compactos e leves. Elas também possuem um ciclo de vida longo, oferecendo mais ciclos de carga e descarga antes de uma queda significativa na capacidade, o que resulta em maior durabilidade e economia.

Atualmente existe um esforço de pesquisa para mitigar os riscos de incêndio e explosão das baterias de íon de lítio. As taxas rápidas de carga e descarga dessas baterias são ideais para veículos elétricos e dispositivos que demandam alta potência instantânea. Além disso, elas têm alta eficiência energética, perdendo menos energia em forma de calor, e operam eficientemente em uma ampla faixa de temperaturas. A baixa taxa de autodescarga é especialmente útil para dispositivos de backup e armazenamento de energia, enquanto o custo, embora ainda significativo, tem diminuído com o avanço da tecnologia.


O Gráfico de Ragone é uma ferramenta importante para comparar o desempenho de diferentes tecnologias de armazenamento de energia, plotando a densidade de energia versus a densidade de potência. Este gráfico ilustra como as baterias de íon-lítio se destacam ao oferecer uma combinação excepcional de alta densidade energética e densidade de potência. Enquanto algumas tecnologias de armazenamento, como as baterias de chumbo-ácido, podem fornecer alta densidade de potência, elas falham em densidade energética, resultando em menor duração. As baterias de íon-lítio, por outro lado, equilibram eficientemente ambos os aspectos, proporcionando longa duração e capacidade de fornecer energia rapidamente quando necessário. Isso as torna ideais para uma ampla gama de aplicações, desde dispositivos eletrônicos portáteis, dos quais esta sociedade é cada vez mais dependente, até veículos elétricos e sistemas de armazenamento de energia em larga escala no contexto da tentativa de transição das fontes de estoque (carvão, petróleo e gás), para as fontes de fluxo que são intermitentes (eólica, solar, etc.) e, em alguns casos, precisam de complementariedade pelo armazenamento.

Assim, embora o lítio seja um elemento vital para a transição energética, impulsionando avanços significativos na tecnologia de baterias e contribuindo para a sustentabilidade, é essencial refletir criticamente sobre os desafios e impactos associados à sua extração e uso. A transição energética não é um caminho simples; continuamos a depender de minerais estratégicos como o lítio, cuja distribuição na crosta terrestre é desigual. Essa desigualdade perpetua questões geopolíticas complexas, já que poucos países controlam a maior parte das reservas globais, o que pode levar a tensões e disputas econômicas e políticas. Além disso, a exploração do lítio enfrenta questões ambientais e sociais significativas, como a possibilidade de degradação dos recursos hídricos, a contaminação ambiental e os conflitos locais. A dependência de técnicas de extração intensivas em energia e água levanta preocupações sobre a sustentabilidade a longo prazo desse mineral, e a necessidade de desenvolvimento de rotas de reciclagem eficientes. Portanto, é imperativo também que nos empenhemos em desenvolver métodos de extração e processamento eficientes e menos impactantes, e em explorar alternativas que possam mitigar os impactos negativos. A reflexão sobre esses aspectos, analisando todo o ciclo de vida das tecnologias, deve guiar as políticas e investimentos futuros, atuando no sentido da redução da dependência dos fósseis.



*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.

Segunda, 20 Maio 2024 10:25

 

 

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Por Danilo de Souza*


            Na manhã do dia 1º de fevereiro de 1974, em uma sexta-feira nublada, São Paulo foi palco de um desastre sem precedentes. Por volta das 8h30, um curto-circuito nos cabos elétricos que alimentavam um ar-condicionado desencadeou o incêndio devastador no Edifício Joelma, localizado no coração da cidade. A tragédia foi uma das mais severas já registradas na metrópole, tendo como causas raízes a falta de manutenção e o não cumprimento das normas técnicas da época referentes às instalações elétricas.


           

            As faíscas oriundas do curto-circuito encontraram um terreno fértil no 12º andar do Joelma, um ambiente repleto de materiais inflamáveis como carpetes, forros de espuma e divisórias de madeira. Situado na rua Santo Antônio, 140, no bairro da Bela Vista, o edifício não possuía infraestrutura de segurança contra incêndios, como paredes corta-fogo entre os andares, que são mandatórias atualmente. Em poucos minutos, as chamas obstruíram a única rota de fuga e avançaram rapidamente para os andares superiores, alcançando o 23º andar em aproximadamente 30 minutos. No momento do incêndio, cerca de 750 pessoas estavam no prédio; destas, mais de 300 sofreram ferimentos e, lamentavelmente, ao menos 187 vidas foram perdidas.
            Para evitar a repetição de tragédias como a do Edifício Joelma, duas questões cruciais são colocadas: i) o que já foi feito; e ii) o que ainda podemos fazer. Nos últimos 50 anos, testemunhamos avanços significativos em tecnologias de combate a incêndios e na proteção de instalações elétricas, além de melhorias nos procedimentos do Corpo de Bombeiros e das brigadas internas, bem como nas normas técnicas de instalações elétricas. No entanto, analisando o cenário da catástrofe do Joelma, fica evidente que, mesmo na década de 70, o desastre poderia ter sido evitado com as tecnologias, normas e procedimentos existentes no Brasil naquela época. O problema residia na falta de cumprimento das normas, de inspeções e de manutenção das instalações elétricas, além da ausência de dispositivos de proteção contra sobrecorrentes.
            Uma análise atual das instalações elétricas revela cenários preocupantes em que desastres como o ocorrido no edifício Joelma possam se repetir. Visando reduzir as probabilidades de eventos dessa natureza, a Associação Brasileira para Conscientização dos Perigos da Eletricidade (Abracopel) conduz pesquisas sobre a qualidade das instalações elétricas no Brasil. Um equipamento essencial na prevenção de fugas de corrente elétrica, choques e incêndios é o Dispositivo Diferencial Residual (DR), obrigatório desde 1997 pela NBR 5410 - Norma Brasileira de Instalações Elétricas de Baixa Tensão. Contudo, de acordo com o estudo “Raio X das Instalações Elétricas Residenciais e Comerciais Brasileiras”, publicado pela Abracopel em 2024, cerca de 79% das residências e 60% das edificações comerciais e públicas no Brasil ainda não estão equipadas com o DR em suas instalações elétricas, e mais da metade dos incêndios urbanos têm origem em falhas nessas instalações.
            Outro elemento necessário para a segurança dessas instalações é o sistema de aterramento, identificado pelo condutor verde de proteção. No Brasil, a realidade é preocupante: mais de 48% das residências e 41% dos estabelecimentos comerciais carecem desse recurso essencial. Além disso, toda instalação elétrica deve ser projetada e executada por profissionais habilitados, mas, infelizmente, verifica-se que 71% das residências e 54% dos comércios não possuem sequer um projeto elétrico definido.


 

             Uma das grandes causas dos incêndios de origem elétrica são os cabos “desbitolados” ou irregulares, que possuem menor quantidade de cobre que o necessário. Em 2021, nas inspeções realizadas pelo Instituto de Pesos e Medidas de Mato Grosso (Ipem/MT – Inmetro), com o apoio da Associação Brasileira pela Qualidade dos Fios e Cabos Elétricos (Qualifio) e do Sindicato da Indústria de Condutores Elétricos, Trefilação e Laminação de Metais Não-Ferrosos do Estado de São Paulo (Sindicel), chegaram ao infeliz recorde nacional do cabo mais “desbitolado” em Cuiabá, que tinha apenas 25% da massa de cobre necessária.
            Nesse cenário, esses dados alarmantes nos desafiam a promover mudanças urgentes para evitar tragédias como a do edifício Joelma. Pode-se inferir que, devido à qualidade das instalações elétricas brasileiras, por sorte acidentes similares ao do Joelma não ocorram com maior frequência no Brasil. Entretanto, esta é uma falsa percepção. Embora o Joelma tenha sido um caso extremo de incêndio de origem elétrica com inúmeras vítimas, o número total de incêndios e vítimas vem crescendo assustadoramente. Em seis anos, houve um aumento de quase 100% nos casos, saltando de 451 registros em 2016 para 874 em 2022. Esses números refletem uma realidade que não pode ser negligenciada.
            Segundo o Anuário Estatístico de Acidentes de Origem Elétrica da Abracopel publicado em abril de 2024, Mato Grosso é o oitavo estado brasileiro com mais incêndios de origem elétrica. E assim como o incêndio no Edifício Joelma, que se iniciou no circuito do condicionador de ar, Cuiabá é considerada a capital mais quente do país, e o uso do condicionamento ambiental é obrigatório. Esse contexto reforça a necessidade da atenção especial com a manutenção e inspeção das instalações elétricas, para que outros casos como o do Joelma não ocorram novamente.


*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.

Terça, 07 Maio 2024 09:12

 

 

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Por Danilo de Souza*

 No cenário atual de discussões acerca da transição energética, os recursos eólicos aparecem com destaque dentre as possibilidades viáveis de complementariedade para produção de eletricidade. A apropriação da energia dos ventos é caracterizada por sua natureza intermitente o que coloca desafios à sua adoção, diferentemente das tradicionais fontes disponíveis de resevas naturais (carvão, gás, petróleo). Para complementar os sistemas de geração de energia elétrica existentes, a energia eólica se apresenta como um vetor importante, sendo considerada promissora no processo de transição energética global, pois utiliza o vento — um recurso natural inesgotável e amplamente disponível — para gerar eletricidade sem emitir gases de efeito estufa.

Atualmente, a integração da energia eólica nas redes elétricas tem se mostrado viável devido a avanços tecnológicos que permitem uma operação mais estável e eficiente. Esses avanços tecnológicos dos sistemas de armazenamento de energia (baterias) e melhorias na previsão meteorológica, tem facilitado a gestão da variabilidade natural da produção de energia eólica.


A principal tecnologia usada para geração de energia eólica são os geradores de imãs permanentes. O elemento químico neodímio é crucial para a fabricação dos ímãs permanentes empregados nos geradores eólicos devido à sua habilidade em manter fortes campos magnéticos, aumentando a eficiência na conversão da energia cinética do vento em eletricidade.


 Ressalta-se que o setor industrial depende fortemente de eletricidade, abrangendo uma ampla variedade de aplicações, como motores elétricos (para movimento de fluidos, processamento de materiais, manuseio, compressores de ar, refrigeração e operações auxiliares de caldeiras), aquecimento e iluminação. Em 2021, os sistemas de motores elétricos representavam cerca de 70% da demanda por eletricidade no setor industrial. Portanto, é crucial implementar estratégias para melhorar a eficiência energética desses sistemas. Além de contribuir para uma indústria mais competitiva, essa abordagem pode reduzir a demanda de eletricidade na rede, aumentando assim a capacidade disponível e oferecendo uma alternativa à criação de novas infraestruturas, que são caras e demandam tempo para implantação.


Os Motores de Indução de Gaiola de Esquilo (MIT), que representam mais de 95% de todas as aplicações de acionamento no setor industrial, apresentam perdas significativas inerentes no seu rotor. Com objetivo de aprimoramento da eficiência dos MIT forma criados índices de eficiência energética adotados em diversos países e no Brasil; estes índices iniciam no numeral 1 e à medida que se alcança a eficiência esperada cria-se um novo índice. Portanto, alcançar o nível de eficiência IE5 é um desafio. Reconhecendo essa limitação dos MITs tradicionais, os Motores Síncronos de Ímãs Permanentes (MSIP) surgiram como alternativas viáveis, oferecendo a possibilidade de aumentar significativamente a eficiência energética e alcançar potencialmente o nível de eficiência IE5, e mais recentemente, IE6. Os MSIP não apresentam perdas de energia no rotor, o que aumenta significativamente a eficiência energética, devido aos ímãs permanentes feitos de neodímio, ferro e boro (NdFeB) em seus rotores.


Nesse sentido, outro uso final de energia em que os motores elétricos são fundamentais, é na mobilidade elétrica. Os motores elétricos de carros podem ser de diversos tipos, mas, os motores de ímãs, produzidos principalmente a partir de neodímio, representam uma parcela significativa do mercado de veículos elétricos. Aproximadamente 90% dos motores de carros elétricos de hoje utilizam ímãs de neodímio devido à maior densidade de potência, reduzindo assim o seu volume, o que é essencial para os requisitos de espaço e peso dos veículos elétricos.


Nos três casos citados: i) aerogeradores; ii) motores elétricos para mobilidade; e iii) indústria (força motriz estacionária), a função dos ímãs permanentes é a mesma: produzir campo magnético de elevada intensidade, a partir do menor volume de material fonte. E nesse sentido, o gráfico mostra que o Neodímio-Ferro-Boro [NdFeB] apresenta produto energético de 60 Mega-Gauss Oersteds (MGOe), sendo o seu melhor concorrente o Samário-Cobalto [SmCo], que com o mesmo volume de material produz praticamente a metade do campo produzido pelo NdFeB.


Destaca-se que as barras na parte superior esquerda da figura indicam de forma visual o volume de material necessário para produzir a mesma intensidade de campo magnético.


Outras observações relevantes sobre a disponibilidade, acesso, uso e descarte de ímãs permanentes que utilizam neodímio são fundamentais, tanto para a indústria quanto para a formulação de estratégias de desenvolvimento regionais e globais. A produção dos ímãs permanentes causa impactos ambientais significativos ao longo do tempo. As etapas de extração e processamento desses minerais são intensivas em energia e resultam em altas emissões de gases de efeito estufa, além de perturbarem os ecossistemas locais com problemas como erosão do solo, contaminação da água e destruição de habitats naturais.


Além destes impactos ambientais, a falta de rotas de reciclagem ou possibilidades de reuso para os imãs permanentes de terras raras pioram significativamente a sua pegada ecológica. Questões de natureza técnica também são fatores importantes a serem analisados. A temperatura de Curie pode ser facilmente superada por alguma condição adversa na utilização do motor, por exemplo. Pulsos de corrente elevada também podem levar à desmagnetização dos imãs, como por exemplo, em um eventual curto-circuito interno na máquina. Estes casos podem levar, a inutilização da máquina com elevados custos de reposição.


Um outro aspecto bastante relevante é a concentração da produção de imãs de terras raras na China, que detém cerca de 90% da capacidade de produção global. Deste modo, existe uma tensão geopolítica sobretudo no ocidente, acerca da dependência chinesa nesse aspecto. Já no início da década passada a China impôs sobretaxas à exportação dos imãs de NeFeB buscando o estímulo à exportação de máquinas prontas, o que é interessante para a economia doméstica chinesa. Essa situação ensejou uma resposta dos países ocidentais que procuraram estimular a pesquisa de máquinas elétricas de alta eficiência que não usem imãs de terras raras. Pode-se destacar ações da União Européia, do Japão e dos Estados Unidos, na busca por motores elétricos de alta eficiência “livre” de metais de terras-raras.


No Brasil, foram mapeados grandes depósitos de minerais de terras-raras em locais como Araxá-MG, Serra Verde-GO, Catalão-GO e Pitinga-AM. As ocorrências brasileiras de terras-raras são predominantemente de monazita, que contém uma alta concentração de terras-raras leves, como neodímio e praseodímio, enquanto em Pitinga-AM se encontram quantidades maiores de terras-raras pesadas, como o disprósio. Essas descobertas são importantes para o desenvolvimento de políticas e estratégias que possam mitigar os impactos negativos e maximizar os benefícios da exploração desses recursos.


Dessa forma, a transição energética para fontes e usos finais mais sustentáveis é um processo complexo, demorado e desafiador, entrelaçado com questões geopolíticas profundas que se assemelham às dinâmicas observadas nos mercados de produtores de petróleo. Essa transição não apenas depende da disponibilidade de questões tecnológicas, mas do desenvolvimento de infraestruturas adequadas, e está profundamente influenciada pelas relações políticas e econômicas globais, especialmente em relação aos países detentores das terras-raras.

 

*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP. E-mail: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

Terça, 09 Abril 2024 16:09

 

 

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Danilo de Souza*


A prática de compra de produtos pela internet (e-commerce) tornou-se rotineira no mundo globalizado. Atualmente, a China tem se destacado na liderança das vendas desse tipo de comércio, representando mais de 50% de toda a comercialização no varejo em todo o mundo.

Não só o e-commerce, mas aproximadamente 80% das mercadorias comercializadas globalmente são transportadas em navios. Esse transporte representa, atualmente, cerca de 14% das emissões anuais (incluindo gases não-CO2) e aproximadamente um quarto das emissões de CO2 provenientes da queima de óleo diesel.  Então, quais são os maiores desafios para descarbonizar o transporte marítimo?

Tendo em vista que a eletrificação dos meios de transporte terrestres surge como a melhor forma de descarbonização do setor, uma pergunta quase óbvia emerge em um primeiro momento: por que não adotamos navios contêineres elétricos? A ideia parece promissora à primeira vista, especialmente quando consideramos os avanços significativos alcançados em outros meios de transporte, como trens, metrôs, ônibus e carros. A expectativa cresceu ainda mais desde que o Yara Birkeland lançou um navio autônomo de porta-contêineres de mesmo nome, com capacidade para 1,7 mil toneladas, especializado no transporte de fertilizantes, navegando entre os portos noruegueses de Herøya e Brevik. O Yara Birkeland, além de ser o primeiro navio contêiner elétrico do mundo, também pode ser considerado o primeiro veículo comercial autônomo nesta modalidade.


      

Contudo, esse navio contêiner elétrico ainda possui uma série de limitações. Por exemplo, os navios de carga médios tradicionais podem carregar mais de 290 mil toneladas, cruzando os oceanos com velocidades de aproximadamente 28 km/h, enquanto o Yara Birkeland viaja a 11 km/h.

Avançando para a matemática da questão nos deparamos com números ainda mais desanimadores. Os modernos navios a diesel, em uma única viagem transcontinental, consomem uma quantidade de combustível que carrega uma densidade energética quase 40 vezes maior do que as melhores baterias de lítio disponíveis hoje. Para um navio elétrico cobrir a mesma distância com a mesma carga, ele precisaria transportar uma quantidade de baterias que ocuparia uma parcela significativa de sua capacidade de carga, tornando a operação economicamente inviável.

Essa realidade nos leva a uma conclusão inescapável: para que os navios elétricos possam competir de igual para igual com os gigantes a diesel de hoje, precisamos de uma revolução tecnológica nas baterias que as torne capazes de armazenar energia numa densidade mais de dez vezes superior à atual. Tal proeza, embora desejável, enfrenta o duro teste da viabilidade técnica, considerando que a densidade energética das melhores baterias comerciais que, mesmo aumentando 8x nos últimos 15 anos, apesar de todos os nossos esforços, ainda assim, estão muito longe de serem o suficiente para a navegação de carga.

Assim sendo, esse panorama nos coloca diante de um paradoxo: embora o desejo por uma indústria marítima mais limpa e sustentável seja grande, as limitações tecnológicas atuais nos obrigam a navegar com cautela rumo a esse futuro ideal. O caminho à frente exige não apenas inovação em baterias, mas também uma reconstrução das práticas e estruturas que sustentam o comércio global marítimo. À medida que buscamos soluções, o Yara Birkeland surge como um exemplo de que talvez o caminho não seja por aí.

Dessa forma, a questão continua colocada: Qual pode ser a alternativa para descarbonizar a navegação?

A ideia de navios nucleares navegando os mares do mundo não é mais uma visão restrita aos poderosos arsenais das marinhas militares (apenas submarinos, porta-aviões e alguns navios quebra-gelo possuem propulsão nuclear). Um estudo conduzido recentemente pela American Bureau of Shipping (ABS) e pela Herbert Engineering Corp. (HEC) se aprofundou na pauta da propulsão nuclear em navios comerciais.

Nesse contexto, a pesquisa explorou o impacto da implementação de reatores modernos de alta tecnologia em dois tipos de embarcações: um navio porta-contêineres de 300 mil toneladas e um petroleiro Suezmax. A descoberta de que tais embarcações, quando equipadas com propulsão nuclear, não só poderiam de baixa emissão de CO2 na etapa de uso, mas também aumentar a capacidade de carga e a velocidade operacional, ressalta o potencial transformador da tecnologia nuclear. Esses benefícios vão além das questões ambientais, abordando eficiências operacionais e reduzindo a necessidade de reabastecimento, o que pode significar uma revolução na logística marítima global.

Entretanto, o caminho para a adoção generalizada da propulsão nuclear em navios comerciais está longe de ser direto. Desafios significativos permanecem, tanto em termos de aceitação pública quanto de regulamentações. A utilização de fissão nuclear para produção de energia para usos finais, apesar de suas vantagens em termos de capacidade de geração de energia de baixa emissão, ainda enfrenta preocupações significativas relacionadas à segurança, ao tratamento de resíduos nucleares e aos custos iniciais de implementação.

Além disso, para que essa visão de navios comerciais nucleares se torne uma realidade prática, são necessários um apoio significativo do setor público e um compromisso contínuo da indústria marítima. Isso inclui não apenas investimentos em pesquisa e desenvolvimento, mas também a criação de um quadro regulatório internacional que possa acomodar a operação segura dessas embarcações em águas globais. A colaboração internacional será essencial, dadas a natureza transfronteiriça da navegação marítima e a necessidade de normas consistentes que regulem a segurança, a operação e o descarte de resíduos.


A iniciativa da ABS, reconhecida pelo Departamento de Energia dos EUA (DOE) através de contratos para investigar as barreiras à adoção da propulsão nuclear, representa um passo promissor nessa direção. A parceria com instituições acadêmicas, como a Universidade do Texas, para pesquisar a integração termoelétrica de sistemas de propulsão nuclear em embarcações comerciais é um exemplo de associação entre indústria e universidade para aumento da produtividade do trabalho que pode resultar em ganhos coletivos.

Outras soluções para redução das emissões na navegação também estão em pauta, como por exemplo, o Gás Natural (seriam emitidos entre 70% e 85% menos poluentes que a gasolina e a diesel) como combustível de transição, Hidrogênio a partir de fontes renováveis, biocombustíveis etc. Todas estas soluções possuem seus desafios intrínsecos, sendo que no caso da propulsão nuclear para a navegação, já existe uma indústria desenvolvida para fins militares.

A possibilidade de navios comerciais navegarem com baixa emissão de CO2 graças à propulsão nuclear não é apenas uma oportunidade para a indústria marítima reduzir sua pegada de carbono; é uma declaração audaciosa de compromisso com um futuro menos impactante, até o desenvolvimento de tecnologias que culminarão na fusão nuclear.

 
*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.