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O Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
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Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. em Jornalismo/USP; prof. de Literatura/UFMT
Envolto ao clima do 1º de maio, reflito sobre os recentes acontecimentos que envolveram o PT e sua militância. Até agora, eu nada publicara sobre a prisão de Lula. Meu silêncio, ainda que não fizesse parte de razões cínicas, não escapava da covardia acadêmica, algo nada nobre.
Mas, afinal, de que “razão cínica” quero falar?
Respondo, usando parte das considerações que César Benjamin – um dos fundadores do PT – fez publicar no artigo “O triunfo da razão cínica” (Revista Caros Amigos, n. 80; nov/2003).
Há quinze anos, César deixava o PT. De seus motivos, destaco:
- “O PT está morrendo... suas posições históricas - sobre previdência, transgênicos, política econômica, FMI ou qualquer outro assunto - estão sempre prontas a ser sacrificadas no balcão em que se fazem as negociações...”;
- “Os que construíram o PT e não se corromperam nele não têm mais lugar... É tênue a separação entre política e negócios. Candidatos a deputado, até ontem assalariados, falam em levantar 10 ou 20 milhões para suas campanhas, sabe-se lá de que forma... Não há mais pudor...”;
- “A crise do PT é a mais profunda da esquerda... A cooptação do PT pelo sistema de poder é a mais vergonhosa de todas, pois vem desassociada de qualquer ganho real para a base social que ele deveria representar. Lula aceitou ser o algoz dessa base...”;
- “No lugar da verdade, marketing, dissimulação e engodo, uma enorme operação de deseducação política. No lugar de uma ação coletiva, um líder que... começa a se considerar semideus (“Eu sou uma ideia”, já disse Lula). No lugar de um projeto, espertezas... No lugar de diálogo, ameaças, chantagens, nomeações, demissões. No lugar da luta de ideias, movimentos sempre nas sombras. É o triunfo da razão cínica”
- “Aos pobres, Lula pede infinita paciência, enquanto atende com presteza... os financiadores de campanhas...”.
O artigo de César foi ignorado.
Não tardou, e, em 2005, explodiu o escândalo do Mensalão do PT. Mesmo diante de fatos, os cínicos, incluindo intelectuais, saíram dizendo que aquilo não passava de artimanhas das elites.
Não eram. Eram conchavos do PT com agentes das elites. Resultado: líderes do Partido foram condenados e presos. Dali em diante, o PT passou a promover uma divisão social, perguntando: e os outros (corruptos do PSDB et alii)?
Sua preocupação (a do “nós”) com os “outros” foi bem maior do que a ética devida. Na sequência, mais sofisticado e perverso, nova bomba: o Petrolão, ou seja, corrupção tipo outra camada do mesmo bolo podre.
Tanta falta de ética não isentaria, ad aeternum, Lula, hoje, devidamente preso. Outros petistas e líderes de outros partidos, igualmente corruptos, deverão ter direito aos mesmos metros quadrados. É necessário. Nossa democracia não pode sofrer golpe nesse processo em curso; aliás, seria o único até agora.
E é justamente em cima da palavra “golpe” que a razão cínica se revitaliza, tornando-se longeva. Que apeados do poder e apartados das tetas do Estado chorem, é normal. Senhores feudais e absolutistas também já derramaram lágrimas. Agora, é demais que intelectuais e artistas, que se enganaram um dia, queiram continuar se enganando.
Qual é o problema de – à lá Cazuza – reconhecer que nossos heróis morreram todos? Intelectuais também erram. Todavia, se insistirem em erros, há ditados populares que machucam, mas definem bem a postura.
Enfim, o cinismo de artistas e intelectuais me preocupa. Isso ajuda a consolidar a mentira de que Lula seja preso político. Não é.
Simples (e complicado) assim.