Roberto Boaventura da Silva Sá
Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP
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Em 1975, Paulinho da Viola lançou “Pecado Capital”, música em que trata da relação de seres humanos – ricos e/ou pobres – com o dinheiro. Ao fazer isso, como poucos, “fotografa” o comportamento psicossocial da maioria das pessoas que vivem em sociedades capitalistas.
Em termos estruturais, quatro são as estrofes que compõem “Pecado Capital”. Como as duas últimas são repetições das duas primeiras, o texto apresenta dois movimentos apenas; e que não se opõem na essência, como normalmente ocorre em textos poéticos, mas que se complementam na oposição de dois distintos extratos sociais.
No primeiro movimento, o texto musicado alude a um “sonhador” que busca, sem limites, uma “grandeza” material, traduzida pela posse do dinheiro: representação, por excelência, dos seres bem-sucedidos em sociedades capitalistas.
No outro movimento, não há mais referência a um sonhador deslumbrado pelo acúmulo de capital, que não mede consequências para ver seu sonho realizado, mas daquele ser que, driblando adversidades do cotidiano, precisa lutar pela mera sobrevivência dentro da própria espécie. Darwiniamamente falando, se “viver não é brincadeira não,// Quando o jeito é se virar// cada qual trata de si// Irmão desconhece irmão”.
Mas por que, hoje, lanço mão de “Pecado Capital”?
Porque a imagem de 51 milhões encontrados no apartamento em Salvador não me sai do pensamento. Daquela chocante imagem, outras lembranças se sucedem. E saber que Geddel não usava tornozeleira porque a “Triste Bahia”, agora lembrando Gregório de Matos e Caetano, não dispunha de recursos para esse e outros “investimentos”.
Agora os têm. E muito!
Paradoxalmente, diante desse “muito”, o texto de Paulinho acaba não dando conta. Nem essa grande música parece alcançar a dimensão do desvario de um Geddel, que parece disputar com a ganância de um Sérgio Cabral, que parece querer superar a avareza de um Maluf, de um Lula, de um Aécio, de um Temer... A lista não é pequena, só alma desse tipo de gente é...
Em meio à sovinice dos que buscam o topo dos mais corruptos, a impressão que nos dá é a de haver alguém sempre querendo superar outrem nas ações do subterrâneo nesta terra arrasada chamada Brasil.
Agora, na contraposição de “Pecado Capital”, resgato a composição musical “Casa no Campo”, de Tavito e Zé Rodrix. Nesta, o eu-poético – à lá árcades setecentistas – deseja apenas “...uma casa no campo// Do tamanho ideal, pau a pique e sapê”, onde se possa plantar amigos, discos, livros e nada mais.
Mas esse querer tão genuíno e elevador interno do humano (alma?) é para poucos. Muitos dos querem, hoje, uma casa no campo estão longe de se contentar com algo “do tamanho ideal”; tampouco construído de forma básica.
Ao que tudo indica, muita gente já entendeu que uma casa no campo – e se for em Atibaia e reformada com dinheiro de propina, melhor – também tem lá seu valor mais concreto do que qualquer simbologia próxima de descanso e sossego, desejados pelos antigos que almejavam apenas um locus amoenus, no qual pudesse usufruir do que de melhor a vida nos dá: livros, discos e amigos.
É, pois, nesse clima desolador de tanta corrupção, que assistimos, há alguns dias, à delação de um companheiro contra outro; de um irmão desconhecendo irmão da mesma legenda, ou do mesmo saco.
E assim, de delação em delação, as construções, mesmo as de mais alto padrão – em atibaias ou em quaisquer praias – vão se desmoronando; ao mesmo tempo, vão corroendo nossas energias, que não podem se esgotar.