Quarta, 10 Maio 2017 14:02

UMA DOSE DIÁRIA DE LITERATURA - Roberto Boaventura

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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Em recente colação de grau de que participei, vimos renovada a importância da literatura. Todos os oradores lançaram mão de fragmentos literários. Claro que, com a força da internet, gafes ocorrem também nesses momentos. Ali, p. ex., um acadêmico citou, em alto e bom som, um fragmento “de um poema do escritor português José Saramago”.

Na hora, um susto. Saramago era brilhante, mas prosador, não poeta. Mais: a essência da citação parecia louvar a figura de Deus. Detalhe: Saramago era ateu convicto. Nem em pesadelo, ou mesmo com faca no pescoço, ele escreveria os versos citados.

Em contrapartida, na mesma cerimônia, no final de outro discurso, proferido de improviso, Manoel de Barros salvou uma oradora. Depois de muito dizer, mas quase tudo sem nexo, o poema manoelino serviu como santo remédio aos cansados ouvidos da plateia.

Por falar em santo remédio vindo da literatura, chego ao cerne deste texto, que surgiu por conta da matéria “Um em cada três brasileiros tem um parente ou amigo assassinado”, exibida pela Globo no telejornal “Bom dia Brasil”, edição de 08/05/2017; ou seja, com base em resultados de pesquisas do Datafolha, cerca de 50 milhões de pessoas já perderam amigos ou parentes para a violência no Brasil.

Já no início da matéria, a seguinte informação: “Em uma década, o homicídio no Brasil cresceu mais de 20%”. Na sequência, foram exibidos o depoimento e a dor de brasileiros que perderam entes para esse tipo de violência. Das vítimas, 64% eram jovens e negros. Mais: em cada dez cidadãos, um diz conhecer alguém assassinado por agentes de segurança, policiais e guardas municipais.

Para a “redução da carnificina em nosso país”, o repórter diz que os especialistas apontam a necessidade de ações conjuntas dos munícipios, estados e União, o que ocorre de forma precária.

Para Samira Bueno, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, faltam políticas públicas para prevenir a violência, punir os criminosos e acolher os parentes das vítimas. Muitas vezes, após traumas advindos da violência, sobreviventes abandonam a escola e/ou trabalho, quando não, ambos. O caminho das drogas acaba sendo refúgio para um contingente significativo de pessoas.

Na falta de políticas do Estado, ONGs acabam fazendo esse papel. De uma delas, o entrevistado é Marcos Lopes, um ex-usuário de drogas que fundou o Instituto Projeto Sonhar. Seu depoimento – que não imputa a Deus sua recuperação – é tão importante quanto comovente:

O que me salvou e me fez um cara não-violento foi a literatura, a escola, a educação. Por isso, as mesmas armas que eu tive pra me livrar daquela situação, eu uso com os meus meninos hoje: escola, família, literatura. Eu acho que é o caminho que salva, que resgata”.

Diante desse depoimento, como professor de Literatura, disciplina arrancada da Base Nacional Curricular Comum, para ser diluída nas aulas de Língua Portuguesa, só me restou marejar os olhos e sentir um nó na garganta, pois – assim como Marcos Lopes – não tenho dúvidas de que a escola, enfatizando a literatura, é remédio essencial para todos os nossos males sociais. Contudo, no Brasil, a Literatura já é disciplina morta, como mortos são tantos brasileiros, ainda que vivos.

Em tempo: na mesma colação de grau acima referenciada, houve uma colega que em seu discurso fez importante apologia da literatura para a edificação de nossas vidas. De minha parte, penso que uma dose de literatura por dia – de manhã, à tarde ou à noite – já nos elevaria como seres humanos.

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