Quinta, 02 Fevereiro 2017 13:24

FORÇA DO POPULISMO ACADÊMICO - Roberto Boaventura

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT

 

No início do ano passado, durante um evento do Sindicato Docentes das Universidades Brasileiras (ANDES-SN), juntei-me a mais de duas centenas de docentes do país inteiro ao assinar o “Manifesto contra o assédio moral e a censura à pesquisa na FACED/UFC” (Faculdade de Educação/Universidade Federal do Ceará).

 

Há pouco, o coletivo de assinantes do manifesto recebeu uma carta de agradecimento, escrita por Bernadete Beserra, ou seja, a professora assediada e censurada.

 

Já no primeiro parágrafo de sua carta, alívio e alento a todos que ousam estabelecer a crítica no meio acadêmico. Diz a professora:

 

“...O reitor da UFC arquivou processo aberto contra mim para apurar suposta violação de conduta ética... A Comissão de Sindicância entendeu que ‘o assunto merece apuração, não no sentido disciplinar, mas acadêmico, para discussão na Faculdade de Educação dos possíveis problemas e deficiências elencados na referida pesquisa”.

 

Mais adiante, Bernadete, após falar da importância do manifesto nacional, nos comunica:

 

O mesmo projeto motivador do pedido da sindicância foi agraciado com ‘Menção Honrosa no Prêmio Professor Rubens Murillo Marques, da Fundação Carlos Chagas’, cujo principal objetivo é valorizar experiências pedagógicas inovadoras na área de formação de professores”.

 

Afinal, por que a mesma reflexão acadêmica pode provocar reações tão díspares, como a abertura de uma sindicância e uma “menção honrosa”?

 

Porque toca em uma das mais graves feridas, presente não apenas em Pedagogia, expondo-a cientificamente.

 

O elemento motivador de tudo isso foi o artigo acadêmico intitulado “Entre o populismo docente e o dom da fala discente: problemas do ensino básico que sobrevivem à formação superior em Pedagogia”.

 

As reflexões contidas no pertinente título foram assinadas pela professora já mencionada e pelas estudantes Leiry Kelly de Oliveira e Carolina Santos.

 

A essência de suas indagações pode ser lida já no resumo do artigo:

 

Muitos são atraídos para o ensino superior em função da promessa de ascensão cultural e social. Mas que garantias há de que o capital científico-cultural que se espera de uma formação superior seja efetivamente transmitido na universidade”?

 

Na sequência, as autoras, partindo da correta premissa de que esse capital não tem sido transmitido aos acadêmicos de Pedagogia – e eu incluo quase todos os demais cursos, principalmente os de licenciaturas –, discutem os porquês dessa limitação.

 

Dentre os elementos que impedem esse processo, as autoras concluem que o “populismo docente” (fenômeno estudado por Pierre Bourdieu) é o grande responsável pela tragédia geral que atinge nossos universitários.

 

O populismo docente “faz o aluno crer que a cultura que ele traz consigo, herança familiar e escolar, já é suficiente para as demandas do mercado que o espera”.

 

Diante dessa ilusão, a acomodação acadêmica é visível. Até mesmo a expressão linguística de nossos universitários não tem mais se diferenciado da de outro cidadão que nunca teve a oportunidade de estar no meio universitário.

 

A essa observação minha, muitos dirão: elitista. Essa imputação também já é forma de assediar quem não transita na lógica do populismo docente.

 

Enfim, ser um professor do ensino superior que queira dignificar esse espaço social, com o mínimo de zelo e rigor acadêmicos, já é desafio hercúleo.

 

Essa trágica realidade precisa ser mudada.

 

Meus cumprimentos à professora do Ceará, bem como às suas acadêmicas. Todas muito corajosas.

 

Abaixo o populismo no meio acadêmico.  

 

Ler 3260 vezes Última modificação em Quinta, 02 Fevereiro 2017 13:28