Benedito Pedro Dorileo
É princípio ínsito da Literatura não existir pensamento puro; será este sempre servo da emoção. Na comédia ou na sátira em que constantemente a interposição do pensamento é manifesta, a emoção é o impulso condutor; ainda que nestes gêneros a emoção seja restrita, nem por isso é menos real. O labor intelectual básico de aplaudida peça ou apreciável romance não flue da razão pura.
No espaço reduzido deste texto, podemos observar que a Estilística trabalha com a metáfora a fim de intensificar o gesto emotivo. Busquemos em Shakespeare, neste 2016 celebrativo dos 400 anos da sua partida, em o surpreendente Tempestade III:
“ Não temas, a ilha está cheia de rumores,
Sons e árias suaves que deleitam e não magoam:
Às vezes, milhares de instrumentos estridentes
Zumbem-me aos ouvidos; em outros momentos, vozes
Que, se desperto de um longo sono,
Fazem-me adormecer novamente, e, então, no sonho,
Parece-me que as nuvens se abrem e mostram tantos tesouros
Prestes a jorrar sobre mim, que ao despertar
Choro para sonhar outra vez”.
– Pode-se perceber o magistral sucesso dos esplêndidos recursos emotivos do dramaturgo e poeta de todos os tempos.
Não primariamente no som, mas na sugestão emocional da palavra reside as imagens associativas que evoca. O som pode sensibilizar pela musicalidade, ainda que dependente da construção do estilo para comunicar o pensamento. Se nos emocionamos com uma notícia de morte – a professora Janete Jacob, estuante de alegria de viver em sala de aula como educadora exemplar, faleceu no dia 1º de maio – o impacto é avassalador pela perda. Avança e agride o senso comum, dada a finitude dos seres humanos – o valor absoluto.
Importante é que o criador literário tenha vasto depósito de percepções de qualidade. Ou necessário que a sua capacidade de experiência sensorial tenha alto estoque, aqui residindo a capacidade de discernir o universal no particular e tornar o ato um símbolo definidor da sua marca distintiva.
Os críticos maiores acentuam o esquecimento de Shakespeare, agora redescoberto. É grande e inesgotável sua idiossincrasia. Estudá-lo sugere não a impossível imitação, todavia aumentar a capacidade de discriminar o mundo sensorial – consciente do seu elevado gênio literário. Sentir a sua peculiaridade estilística – a estrutura de nervos e tecidos vivos a fortalecer a nossa capacidade sensorial. O caminho é sentir a naturalidade do calor do sol. O consolo é que haja em nós fragmento embrionário de alguma capacidade – e, se a possuímos, ela pode expandir em limites diversificados, impregnando prazer sensitivo ou estético.
Benedito Pedro Dorileo é advogado
e foi reitor da UFMT