A reitora da UFMT, Maria Lúcia Cavalli Neder, acredita que a discussão sobre o financiamento de pesquisas pela iniciativa privada numa perspectiva crítica é “ideológica” e está ultrapassada. Pouco mais de um mês após a sanção do Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação pela presidente Dilma Rousseff, Cavalli afirmou que considera uma questão de ignorância problematizar a autonomia do pesquisador a partir dessa abertura para novos modelos de parcerias.
Com essas palavras, “ultrapassada” e “ignorância”, Maria Lúcia fez as únicas ponderações sobre o que representa o Marco, durante exposição realizada no auditório da Faculdade de Arquitetura, Engenharia e Tecnologia da UFMT na última terça-feira, 01/03.
Não por acaso, a exposição, de nome Fórum sobre o Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, foi feita naquele auditório. Afinal, as humanas têm certa dificuldade em encaixar-se nesse espaço em que a principal preocupação é oferecer “produtos” à sociedade, por meio de parcerias com o setor produtivo, a fim de proporcionar “avanços sociais e econômicos”, como afirmaram os expositores. Esse é um dos primeiros pontos que a Associação dos Docentes da UFMT (Adufmat-Ssind), ao contrário da reitora, acha importante problematizar.
“O mercado está muito mais interessado em inovação tecnológica, oferta de produtos, patentes, que são atividades mais comuns nas áreas de exatas, tecnologia, biológicas... as humanas têm outras preocupações, outros objetos, outro tempo de reflexão e produção. Então, um dos temores é de que as áreas de humanas sejam totalmente prejudicadas em suas pesquisas, devido a esses novos tipos de investimento”, alerta o presidente da Adufmat-Ssind, Reginaldo Araújo.
Ligado a isso, a precarização da educação pública e a defasagem do salário docente são outros dois pontos a questionar. “Na tentativa de complementar renda, porque os nossos salários estão muito defasados, os colegas podem perder a perspectiva de autonomia intelectual e pesquisar apenas aquilo que é de interesse do mercado, aquilo que os grupos financeiros estejam dispostos a investir, e que não trazem, necessariamente, benefícios sociais”, pontua o presidente.
Diante da retirada estratégica de recursos da educação, que dificultam cada vez mais a realização de pesquisas, a possibilidade de o governo sentir-se cada vez mais desobrigado a custear essa atividade acadêmica é outra importante preocupação. Nesse ponto, não haveria mais autonomia intelectual alguma do pesquisador, em especial dos cursos de humanas. A universidade estaria completamente refém de grupos econômicos que detém recursos para financiar pesquisas. No cenário atual, essa não parece uma realidade tão distante.
A elaboração, aprovação e sanção do Projeto de Lei Complementar 77/2015, de autoria do deputado Bruno Araújo (PSDB-PE), que resultou na Lei 13.243/2016 (o Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação), é produto de uma luta de seis anos, segundo a reitora da UFMT, que também a atual presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), uma das 60 entidades envolvidas nesse processo.
Paradoxalmente, a sanção do Marco representa liberdade, na compreensão dos seus defensores. Nas palavras da presidente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior (Confies), Suzana Montenegro, os pesquisadores de universidades públicas não precisarão mais “se esconder, agir na clandestinidade” ao realizar suas parcerias com a iniciativa privada.
Aprovado o Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Informação, a preocupação de seus idealistas agora é, além de derrubar os nove vetos da presidente Dilma Rousseff, regulamentar os tramites internos das universidades para que não entrem em conflito com a legislação, tornando-a inexequível. “É preciso ter muito cuidado e atenção nessa etapa. A regulamentação pode ser ótima, e pode ser péssima. Não podemos descansar. Temos que acompanhar tudo para que isso realmente facilite o diálogo com a Lei”, explicou a procuradora do Confies, Rebeca Pernambuco.
Dentre as alterações que o Marco traz, estão a dispensa de licitação na aquisição de bens e serviços diretamente relacionados à pesquisa, alteração de carga horária de trabalho docente e a dinamização dos tramites processuais que envolvem a relação universidade, fundações de apoio e empresas.
Durante a exposição, o veto presidencial mais criticado foi o que reverteu a isenção de impostos sobre materiais adquiridos no exterior. “É uma pena, porque as fundações de apoio, muitas vezes, foram canais que possibilitaram a compra de equipamentos no exterior para algumas entidades, que nos procuravam devido as facilidades para aquisição, mas agora isso não é mais possível”, lamentou o mediador da mesa, diretor geral da Fundação Uniselva, professor Cristiano Maciel.
Clique aqui para ler a Lei 13.243/2016
Na galeria de imagens abaixo, estão disponíveis fotos dos slides utilizados pela representante do Confies para apresentar suas considerações sobre o Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Luana Soutos
Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind