Sexta, 19 Fevereiro 2021 13:35

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Por Roberto de Barros Freire*

 

Nossas instituições democráticas estão em constante ataque desde a eleição de Bolsonaro. O próprio presidente é quem mais realiza tais atos e atentados, ou estimula seus seguidores a confrontarem tanto o poder judiciário, como o poder legislativo. O objetivo é colocá-los cada vez mais em descrédito, e irem paulatinamente minando sua autoridade e prestígio.

O caso mais recente é do deputado Daniel Silveira que não apenas afrontou o STF, mas ofendeu seus ministros e estimulou que se cometesse agressões aos seus membros. O vídeo em que se manifestava já foi retirado de circulação, pois era um desserviço que fazia ao país mantê-lo ativo. Poucas coisas que vi na vida foram tão baixas, chulas, vergonhosas e canalhas. Dá vergonha de termos um deputado assim. Como foi possível colocar uma excrescência dessa num lugar tão alto? O deputado é um despreparado para qualquer cargo público, já havia sido preso inúmeras vezes enquanto foi policial, nem sei como não foi reprovado pela “Ficha Limpa”, enfim, não tem um currículo, mas um prontuário, uma ficha corrida de ilegalidades, imoralidades e crimes. É uma ameaça à sociedade civil e ao cidadão comum. Falta não apenas educação para ocupar o cargo de deputado, falta civilidade para estar solto entre os cidadãos.

A decretação de sua prisão era o mínimo que o STF tinha que fazer diante de tantas barbaridades cometidas por tal pessoa. Não é o fato de ter imunidade parlamentar que lhe dá o direito de dizer e defender barbaridades, ou fazer ameaças, ou zombarias. Imunidade não é impunidade, o direito a liberdade vem com responsabilidade, e não está isento de ter que prestar contas das bobagens ou desaforos que realiza. O direito de ter opinião não permite que se faça ameaças ou ofensas, nem permite que esteja ausente de toda e qualquer civilidade; para se falar em público é preciso respeitar inclusive os ouvintes, coisa que esse deputado não fez, nem pensa em fazer, e seu procedimento foi uma ofensa não apenas a instituição STF, mas ao país, visto que somos nós que referendamos sua existência e ele não deixa de representar a nossa sociedade.

Espero que o congresso tenha um mínimo de dignidade ao invés de seguir como sempre com o seu corporativismo, protegendo os deputados criminosos de arcarem com os seus crimes. O caso da Fordelis é emblemático, até o momento não foi julgado, nem analisado pelo conselho de ética. Aliás, levar o caso para o conselho de ética como querem alguns deputados é postergar qualquer decisão a respeito. O presidente do conselho de ética já disse que deve analisar o caso em 60 dias (sic!). Ora, um caso sério desse, que inclusive ao defender a volta do AI-5 quer inclusive fechar o congresso, ou seja, ataca a própria instituição que lhe sustenta, não pode ser decidido daqui alguns dias, é algo que precisa de solução imediata, e as provas contra ele são claras quanto a sua atitude criminosa, e indefensável. Quando há evidências cristalinas, provas materiais, nenhuma defesa pode ser alegada senão assumindo o crime para tentar mostrar arrependimento e ter a culpa amainada, mas não sem antes ser cassado, pois é evidente que essa pessoa não tem preparo, educação ou civilidade para frequentar tal casa de debate. Ele não quer dialogar, quer impor suas loucuras aos outros, e se depender dele, tiranizava o país.

Ou o congresso mantém a prisão do mesmo e encaminha sua cassação, ou aumentará ainda mais o seu desprestígio, fazendo com que a população até aprove as propostas do seu fechamento, dando razão ao insensato deputado. É preciso resguardar nossas instituições democráticas e o Daniel Silveira é uma ameaça ao congresso; sua posição pública e notória é de ameaça as instituições republicanas e propagando um golpe de Estado (o AI-5), instando inclusive as forças armadas a promoverem tal intento. O congresso precisa entender qual é a verdadeira ameaça que está sobre sua cabeça e a preservação desse deputado no seu seio é colocar todos os congressistas como bandidos, assemelhados ao bandido que estarão protegendo. O parlamento não corre perigo quando o STF decreta a prisão de um deputado, quando em flagrante criminalidade, mas quando se omite de punir os maus que o frequentam, isso é que retira sua autoridade, o seu prestígio e, principalmente, o respeito.
 

*Roberto de Barros Freire
Professor do Departamento de Filosofia/UFMT
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Quinta, 18 Fevereiro 2021 16:17
 
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                José Domingues de Godoi Filho*
 
               “No século XV, a igreja e as monarquias europeias
 estabeleceram os fundamentos jurídicos e morais para a
colonização e extermínio de povos não-europeus na
América através de cartas, patentes ou bulas papais.
Quinhentos anos depois de Colombo uma versão secular
 desse projeto de colonização tem continuidade através
de patentes e direitos de propriedade intelectual.”
Vandana Shiva (1)
 
Em agosto de 1971, depois de vários conflitos internacionais e da explicitação da guerra energética mundial, o padrão ouro, para o dólar, foi extinto. Ficou evidenciado que, como critério de riqueza, se impunha a necessidade da apropriação dos recursos naturais e energéticos, o domínio do conhecimento científico-tecnológico por sua importância no processo produtivo e a imposição de controles sobre as manufaturas e demais criações humanas.
A Conferência das Nações Unidas para o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, em junho de 1972, reforçou a importância dessas variáveis, ao tratar das questões ambientais e da saúde, a partir do seu tema central – “Os limites do crescimento”, que iniciou a busca por equilíbrio entre desenvolvimento econômico e degradação ambiental.
Ao mesmo tempo, tornou vital, para a acumulação capitalista, garantir, com mão-de-ferro, em tempos ditos de paz, o que conhecemos como patente. Um tipo de contrato que concede ao seu detentor o direito de ser dono, com exclusividade, de um produto durante um espaço de tempo determinado.
Os países hegemônicos, que investem grandes recursos financeiros em educação, ciência e tecnologia, utilizam-se das patentes para manterem seu poder, especialmente, quando envolve produtos agronômicos e farmacêuticos.
Nesse cenário, após a Guerra das Malvinas, foi convocada a Rodada Uruguai do GATT (sigla em inglês para Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio), em 1986, em Punta del Leste, tendo como um dos pontos de pauta a lei da propriedade intelectual, com ênfase nos produtos agronômicos e farmacêuticos.
A reunião foi concluída em abril de 1994, no Catar, com a criação da OMC – Organização Mundial do Comércio, a partir de 01/01/1995 e, entre outras, a exigência de que os países membros aprovassem, com base na Declaração de Doha, a lei da propriedade intelectual e com ela as patentes.
O Parlamento Europeu e a Índia repudiaram as normas sobre patentes indicadas pela OMC; a Argentina exigiu um mínimo de oito anos para ter a sua lei de patentes; os EUA só aceitaram patentes para seus próprios cidadãos e todos os demais países desenvolvidos, se comprometeram estabelecer patentes farmacêuticas e agronômicas só depois que consolidassem suas próprias indústrias nacionais.
O Brasil que teria pelo menos cinco anos para discutir, formular e negociar sua lei de propriedade intelectual, a aprovou, sob pressão das multinacionais e dos Estados Unidos, um texto, comprado junto à WIPO (Organização Mundial da Propriedade Intelectual), que uma vez traduzido, se tornou a lei brasileira de propriedade intelectual. Após idas e vindas, negociatas, chantagens emocionais e mentiras patrocinadas pelo governo FHC, por setores da imprensa, da intelectualidade e pesquisadores, em maio-96, quatro anos antes do prazo mínimo estipulado pela OMC, foi aprovada a Lei nº 9279, conhecida como lei da propriedade intelectual. Consolidava-se assim, o avanço do descompromisso e a inviabilização da pesquisa científico-tecnológica pelo governo FHC.
Chegamos em 2020, com a pandemia e, no Brasil, com um governo negacionista e disposto a destruir o que resta das instituições estatais que tratam com saúde, educação, ciência, tecnologia. Uma encruzilhada.
 
Ciência e humanismo maltratados pelos interesses econômicos.
 
A espécie humana não está só sobre a Terra, há milhões de outras, embora o seu poder de conhecimento a torne quase invencível. O conhecimento acumulado, contudo, no sistema capitalista, não está disponível para todos os indivíduos como a pandemia evidenciou.
A covid-19 não apareceu por acaso, mas sim como resultado de um capitalismo devastador que alterou o equilíbrio ambiental, forçando muitas das demais espécies migrarem e se aproximarem dos humanos, aumentando as chances de contaminação por vírus e bactérias.
O obstáculo é que muitos indivíduos não conseguem, ou não querem, estabelecer uma ligação entre o vírus e o capitalismo. Basta verificar como a mídia vem tratando o tema; apenas são ouvidos os profissionais especializados da saúde, não há discussão sobre como o capitalismo gera pandemias.
O covid-19 não evidência apenas as fragilidades e limitações humanas, mas também os descaminhos do sistema capitalista. Imaginem, diante de previsíveis e possíveis eventos climáticos extremos, o que nos aguarda com a vigência de um capitalismo financeiro e globalizado interessado nas possibilidades de rentabilidade das aplicações e das patentes?
Numa crise como a atual, não pode haver espaço para o negacionismo científico, mas sim para o conhecimento. Contudo, pode o conhecimento ser comercializado e privatizado? E, o ser humano transformado em provedor e usuário?
Se o conhecimento se tornar mercadoria, deixará de ser um valor de uso, se transformando num valor de troca. A atual corrida de grupos de pesquisadores, laboratórios e empresas farmacêuticas pela comercialização da vacina não só comprovam essa barbárie, como abrem espaço para a falta de legitimidade da ciência; já que o sistema tenta passar como saber o que é de interesse econômico e garanta lucros financeiros. Como confiar num conhecimento dirigido por esse tipo de interesse?
 
Suspender as patentes temporariamente.
 
Se por um lado, desde o início da pandemia as previsões mais otimistas fossem na direção de que uma geração de uma vacina confiável levaria pelo menos 18 meses; por outro, a ação conjunta da OMS – Organização Mundial da Saúde, dos governos, da comunidade científica, e da iniciativa privada possibilitou que, em menos de um ano, se chegasse a várias vacinas.
Com quantidades ainda limitadas, como distribuí-las para à população mundial? Qual seria o critério dessa distribuição? O que deveria ser privilegiado internacionalmente? Por que não suspender as patentes e facilitar a produção?
O critério escolhido foi o pior possível: primeiro os negócios, depois o humanismo e a caridade.
Os países ricos adquiriram a maioria das vacinas, via contratos obscuros. Segundo dados da Duke University (2), os EUA, com 16% da população, reservaram 60% do fornecimento de vacinas, exibindo a brutal desigualdade que o capitalismo impôs ao compartilhamento de recursos importantes para o mundo. Além de não haver vacinas com registro definitivo, também não há vacinas suficientes para todos e os altos preços torna inviável a sua aquisição pelos países mais pobres.
Os contratos obscuros estão levando ao seu não cumprimento e se tornado objeto da ganância pela indústria farmacêutica, senão vejamos: a Pfizer reduziu unilateralmente as entregas para a Itália; Israel, frente a negativa ao pedido de vacinas, aumentou o valor que pagaria e as conseguiu; o Brasil com seus descaminhos e negacionismo governamentais, pagou ao Instituto Serum (Índia), mais do que o dobro do valor pago pela União Europeia pela vacina desenvolvida pela Astrazeneca, cerca de US$ 5,25/dose,  contra US$ 2,16/dose.
Frente a atual emergência de saúde e a ameaça à vida de milhões de pessoas, a Índia, com o apoio da África do Sul, em outubro-2020, apresentou à OMC uma proposta para a suspensão e o licenciamento compulsório (quebra de patente) da produção de vacinas, medicamentos, testes contra a covid-19 e insumos relacionadas à pandemia, para serem produzidos em grande quantidade e disponibilizados a todos os países de forma justa e igualitária entre as populações – e não apenas para aqueles que podem pagar. A entidade Médicos Sem Fronteira, prêmio Nobel da Paz, em 1999, se posicionou em apoio afirmando que - "Uma pandemia global não é hora de continuar fazendo negócios como de costume. Não há lugar para patentes ou lucro de negócios, pois o mundo enfrenta a ameaça do COVID-19".
Com o apoio de 99 países dos 164 que integram a OMC, a proposta foi rejeitada por não ter atingido o mínimo de 123 países. Se posicionaram contra os EUA, Canadá, Austrália, Reino Unido e países da União Europeia. O Brasil (governo Bolsonaro), apesar de ser um exemplo na quebra de patentes para medicamentos genéricos, se alinhou ao ex-presidente Trump rejeitando a proposta. Um grave erro para a saúde global, visto que, como já está ocorrendo, o vírus pode continuar se desenvolvendo e ganhar escala mundial mediante novas mutações, que escaparão da proteção das atuais vacinas. Nos países onde as vacinas demorarem para chegar os efeitos serão mais graves, correndo o risco de se tornar endêmica em várias regiões do mudo.
A pandemia expôs inequivocamente as fissuras profundas existentes há tempos no sistema capitalista, agravadas pela necessidade de volumes de financiamentos públicos sem precedentes, como demonstrado pelas manifestações dos Médicos Sem Fronteira.
O momento exige dos governos coragem e compromisso humanitário suspendendo o direito de patentes; algo previsto pela OMC, na Declaração de Doha, ao reconhecer o poder dos Estados de aplicar limitações aos direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio, bem como o direito de “determinar o que constitui uma emergência nacional ou outras circunstâncias de extrema urgência” para justificar tal aplicação.
O Brasil, bem como todos os países periféricos, precisam se posicionar e reivindicar, nos foros internacionais,  suas necessidades e prioridades e adotarem medidas emergências tais como: - priorizar os orçamentos de saúde pública e não a especulação financeira; garantir vacinação universal e gratuita para toda a população; se posicionar, nos foros internacionais, contra qualquer discriminação que dificulte o acesso seguro e eficaz às vacinas e diagnósticos por parte de qualquer país; exigir da indústria farmacêutica transparência pública dos custos, benefícios e preços da produção de vacinas; apoiar e suspender o direito de patentes como já foi feito tempos atrás; promover sem demora políticas públicas de ciência e tecnologia para a produção local de equipamentos, insumos, medicamentos e vacinas, inclusive tendo como perspectiva a complementação das necessidades regionais.
Está cada vez mais evidente que, como defendido pelos Médicos Sem Fronteiras, a suspensão temporária das patentes, pelo menos até que seja atingida a imunidade mundial permitiria o aumento da produção, contribuindo para um maior equilíbrio na distribuição dos medicamentos e vacinas.
Finalmente, é importante ressaltar, até pela destruição que vem sendo imposta às universidades públicas, a posição da Reitora da UNIFESP, Soraya Smaili, após o trabalho realizado em parceria com a Universidade de Oxford (vacina da Astrazeneca), em defesa da quebra das patentes das vacinas contra a covid-19, como forma de garantir a soberania e autonomia do Brasil, viabilizando a produção por instituições públicas como o Instituto Butantã e a Fiocruz, e sem a dependência de fornecedores estrangeiros.
 
*José Domingues de Godoi Filho – UFMT/Faculdade de Geociências 

(1) Shiva, Vandana – Biopirataria: a pilhagem da natureza e do conhecimento. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. 

(2) Ensuring Everyone in the World Gets a COVID Vaccine – Disponível em: https://globalhealth.duke.edu/news/ensuring-everyone-world-gets-covid-vaccine - Acesso em 01/02/2021. 

 
Quarta, 17 Fevereiro 2021 16:07
 
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Publicamos, a pedido do professor José Domingues de Godoi Filho, o texto intitulado O PROJETO DE ESCOLAS-CÍVICO-MILITARES É UM ENGODO E TRAZ FALSAS EXPECTATIVAS PARA A POPULAÇÃO, de Maria Jaqueline de Grammont. 

 

Maria Jaqueline de Grammont *

 

O título de uma reportagem do “The Intercet Brasil” poderia ser a frase que caracteriza melhor o projeto de escolas cívico-militar. Segundo esse título “O Brasil não combate a pobreza, nosso país combate o pobre”. E é nessa premissa que se sustenta esse projeto, que não visa melhorar a educação pública e suas condições, seu único objetivo e ação prática é colocar um militar à frente das instituições de ensino que atendem as classes populares. Esse militar, sem formação específica na área pedagógica, vai usar sua expertise militar para conter a população mais pobre e qualquer indignação ou revolta que possa vir dela diante da retirada cada vez mais acirra e cruel de seus direitos e condições de vida digna.

Esse projeto vende a ilusão de que as escolas públicas das periferias terão o mesmo investimento e a mesma qualidade das escolas militares. Mas isso não é verdade e nem se pretende ser. As diferenças entre as escolas militares e as escolas cívico-militares são enormes, abissais. As escolas militares são mantidas pelo Ministério da Defesa, com estrutura e recursos semelhantes aos de universidades federais. Nem os IFETs, Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, que tiveram um grande investimento na última década receberam recursos com os das escolas militares. Para se ter uma ideia, o custo aluno anual é de R$ 19 mil nas escolas militares, R$ 16 mil nos IFETs e R$ 6 mil nas escolas regulares (dados de 2019). É importante observar também que, mesmo assim, são os IFETs que tem obtido melhor desempenho no ENEM, considerando o período anterior a pandemia.

Outra ilusão é a de que as escolas cívico-militares terão mais recursos financeiros. Outra falácia. O projeto prevê que recursos do Ministério da Educação sejam realocados no Ministério da defesa para pagamento dos militares. Essa é uma forma de burlar a constituição e utilizar os recursos constitucionalmente destinados à educação pública para outros fins que não os que realmente importam para uma educação de qualidade. Para uma educação de qualidade esses recursos deveriam ser destinados, no mínimo, aos incentivos para a atuação e formação pedagógico profissional dos professores, como concursos públicos, salários dignos, planos de carreira, além de investimentos em infraestrutura e equipamentos adequados.

O que temos na rede pública é exatamente o contrário. Temos professores concursados suplicando uma vaga de designados a cada início de ano, porque nem a garantia constitucional do concurso público está sendo garantida pelo Estado.  Um militar na escola não vai melhorar essas condições, pelo contrário. A única mudança prevista é que as escolas regulares terão um militar sem formação pedagógica, ganhando mais do que qualquer profissional da escola, pagos pelo MEC, a frente de suas decisões político pedagógicas.

É preciso compreender que a padronização e a disciplina que são características da cultura militar para formar soldados que saibam receber ordens sem questionamento são incompatíveis com o pluralismo de ideias e a valorização das diferenças que devem caracterizar a escola na formação de alunos com competência, autônomos e críticos.

Possivelmente, por isso, que esse projeto não está colocado para as escolas privadas.

A escola cívico-militar parte de uma concepção que criminaliza a infância e a adolescência das classes populares e não as vê como vítimas de um sistema de desigualdade cruel e violento, muitas vezes promovido pelo próprio Estado, que não provê os direitos básicos necessários a uma vida digna, dos quais as famílias desses estudantes são historicamente privadas (Arroyo).

A escola cívico-militar traz falsas expectativas para a família e a comunidade e é, sem dúvida, um grande retrocesso em relação à constituição cidadã de 1988. Temos que analisar e repudiar essa interferência militar na educação. O que queremos é que todas as escolas tenham os mesmos investimentos que têm as escolas militares, mas para isso precisamos rever os projetos e emendas constitucionais que têm tirado os recursos da educação. Tira-se de um lado o orçamento constitucional e seguro, para prometer migalhas, travestidas de emendas parlamentares, do outro. Essa é a prática dos políticos que votam pela retirada de recursos da educação e, ao mesmo tempo, defendem e apoiam a implantação das escolas cívico-militares.  As duas ações são faces da mesma moeda de um país que combate os pobres e não a pobreza.


* Pedagoga, mestre e doutora em Educação

www.noticiasgerais.net/o-projeto-de-escolas-civico-militares-e-um-engodo-e-traz-falsas-expectativas-para-a-populacao/

 

Quarta, 10 Fevereiro 2021 14:50

 

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O falecimento do professor da Faculdade de Medicina da UFMT, Zanizor Rodrigues da Silva, na madrugada de hoje, dia 10 de fevereiro, deixa a UFMT  e a cidade de  Cuiabá, em meio a pandemia da COVID 19, ainda mais   triste.

“Zanizor”, assim gostava de ser chamado.

Dono de uma simplicidade incomum. Mais incomum ainda, era sua forma solidária de dar apoio a todos que o procuravam.

Um médico  da medicina social. Algo raro nos dias atuais...

A  solidariedade falava muito alto dentro da alma deste médico psiquiatra.

Zanizor sabia acolher. Ouvir. Indicava caminhos, tendo ou não, seus pacientes,  condições de pagar a consulta.

Assim iniciou sua vida profissional em Cuiabá, e assim continuou até os últimos dias de sua vida.

Sua atuação por décadas, inclusive como diretor, no Hospital Adauto Botelho, atualmente Centro Integrado de Apoio Psicossocial (CIAPS) e Psiquiatria Forense, foi exemplar e é digna de ser melhor conhecida.

Em tempos onde poucos profissionais atuavam na área da psiquiatria  em Cuiabá e estado, sua presença foi marcante. Trazia consigo um arcabouço teórico e prático adquirido na Universidade Federal Fluminense, onde se formara na década de 1970.

Ao inserir-se no mercado de trabalho em Cuiabá, notou essa carência de profissionais na área da psiquiatria e a existência de um contingente de desvalidos e excluídos que necessitavam de atendimento.

E ao trabalhar como diretor do Hospital Adauto Botelho, um dos únicos da cidade de Cuiabá e do estado de Mato Grosso, sabia dos imensos desafios que iria encontrar, como a falta de investimento do poder público  para a aquisição de   instrumentos de trabalhos e contratação de pessoal.

Talvez esta sua  experiência o tenha levado a buscar  explicações sobre as dimensões da alma humana, ao  realizar o curso de graduação em Filosofia, durante a década de  2000.

Soube conciliar dignamente sua atividade no referido hospital com aquelas outras atividades exigidas como professor que foi  da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), até se aposentar há poucos  anos.

Importante registrar que o professor Zanizor Rodrigues da Silva, ainda na década de 1980, fez parte da 5ª diretoria da ADUFMAT, como primeiro secretário da Gestão FLORESCER.

Como integrante da gestão FLORESCER (03/06/1985 a 05/12/1986), acompanhou  de perto  os grandes temas da época, quando a  ADUFMAT passava, dentre outras questões, a acompanhar  o movimento nacional da ANDES na discussão e formulação de propostas para a Assembléia Nacional Constituinte.

E inclusive, a greve de 1985, deflagrada na  ADUFMAT, que contribuiu decisivamente para provocar,  no âmbito da Andes (ainda associação), a  discussão salarial das UFES.

Lembramos aqui os nomes dos  componentes da Diretoria FLORESCER:

Presidente: Alcides Teixeira da Silva  (Eng. Elétrica)

Vice-presidente: Cornélio Silvano Vilarinho Neto (Geografia)

1º Secretário: Zanizor Rodrigues da Silva (Medicina)

Tesoureiro Geral: Koiti Anzai (Ed. Física)

1º Tesoureiro: Dalci Maurício Miranda de Oliveira (Biologia/Zoologia)

Diretora de Imprensa e Divulgação: Ana Maria Rodrigues (História)

Diretora de Assuntos Sócio culturais: Maria Inês Pagliarini Cox ( Letras).

 
Zanizor, partiu.

Fica seu imenso legado em pról da prática da solidariedade humana e da defesa  permanente  da educação pública em nosso país.

 
Maria Adenir Peraro
Professora de História da UFMT, aposentada.
Membro do GTSSA, ADUFMAT.
Cuiabá, 10 de fevereiro de 2021                                
 
Terça, 02 Fevereiro 2021 15:42

 


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Vanessa C Furtado
Profa. Dpto de Psicologia - UFMT
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Hoje, 02 de fevereiro de 2021, recebi a notícia que o Dr Emílio Fleur Filho faleceu. A notícia chegou via mensagem de celular, no grupo da família. Alguns lamentaram sua partida, outros só manifestaram pêsames, mas eu…. Eu nem sei o que senti, apenas pensei “Morreu hoje o meu torturador!”. 
Morreu hoje o homem que, olhando para os olhos dos meus pais desesperados, perdidos e sem chão diante da desgraça que se acometera em suas vidas, disse: “Disso eu entendo bem, e como ela já tratei mais de cem!”. Lembro como se fosse hoje, o tom sério e formal em sua voz, nas frases que se seguiram a essa. Seu semblante de seriedade e atenção a cada palavras que meus pais diziam. Ele fez questionamentos sobre meu comportamento, as coisas que eu falava e escrevia, em alguns momentos balançava a cabeça como quem reprova o comportamento, mas confirma sua hipótese. Em algum momento ele, em tom de sarcasmo e indignação, questiona (de forma retórica): “Como pode uma menina falar em corrupção no Brasil? O que vocês andam deixando ela assistir?”.
Pois é, como podia eu, uma meninA, falar de política e em corrupção no Brasil de 1992, sob o governo de Fernando Collor de Mello (mal sabíamos que meses depois de anões do orçamento e PC Farias, o presidente desceria a rampa do planalto). Fica aí a pergunta: "Como uma criança pôde perceber o que nem um adulto, um doutor, poderia notar?" Coisa de louco, né?
Esse foi nosso primeiro de muitos encontros, mas ainda nesse dia, depois de mais de meia dúzia de respostas atônitas dos meus pais, ele rabiscando no bloco de papel na sua mesa,, carimba a papelada toda e, ao assinar, afirma: o que ela tem é esquizofrenia! Minha mãe, com todo conhecimento que tinha na época sobre esse negócio, pergunta: “Doutor, isso quer dizer que ela é doida?”..Ele riu e cordialmente disse que não se poderia mais falar assim, pois com o avançar da medicina esse nome tinha ficado no passado e que na “literatura” o certo era esquizofrenia.
Essa palavra ficou vibrando na minha cabeça, até hoje não sei se foi pelo zumbido da letra “z” ou se pelo estrondo da porta sendo aberta por homens vestidos de branco e me segurando para me dar uma injeção que eu nem tava me opondo a tomar.
Depois disso, só lembro do zumbido da letra “z” na minha cabeça, quando acordei não estava em casa, não era minha cama e o cheiro de urina ardia meu nariz, desejei parar de respirar naquele minuto. Quantas outras coisas eu teria evitado se tivesse levado a cabo esse meu desejo....
A volta pra casa foi estranha, eu não sabia o que sentir, aliás, nem sei se eu sentia alguma coisa, mas os olhos arregalados de minha mãe e os suspiros do meu pai enquanto ele passava as mãos nas costas dela, já era um prenúncio do que viria. Apesar dos olhares e do exagero nos cuidados e na forma de falar comigo, eu até achei bom! Eu me senti cuidada, parecia que naquele momento todo mundo, enfim, prestava atenção em mim. Eu sorri. 
Achei que esse era o momento certo e desandei a falar, contei tudo, absolutamente tu-do que aconteceu naqueles dias que fiquei naquele lugar (nem sei precisar quantos). Falei da urina na roupa, no chão e nos colchões; contei dos toques dos enfermeiros e médicos no meu corpo; falei da sensação de que o mundo girava e que as paredes pareciam moles quando eu me apoiava e disse, com toda a certeza do mundo, que eu devia estar com problemas de vista pois tudo, do nada, ficava turvo, escuro e eu não conseguia mais nem ler as letras na página de um livro. Justo eu, que sempre amei ler livros e lia os jornais porque minha avó dizia que eu deveria ser jornalista. 
Eles ouviram tudo atentamente, em alguns momentos se entreolhavam, respiravam fundo, mas voltavam a me enxergar. No dia seguinte, estava eu sentada diante do Dr Emílio, ele explicava aos meus pais que uma jovem, com o corpo como o meu, não devia andar por aí com roupas que chamassem atenção, pois não se podia prever nem controlar o que poderia despertar nos homens. De resto, ele avaliava que eu continuava com delírio. Deslizei no “lírio” de suas palavras e não ouvi mais nada. Até hoje não posso com o cheiro dessa flor, eca! Minha mãe caiu em lágrimas!
Depois, quando passei a estudar sobre isso, quando descobri que era possível ser tratada sem ser presa, sem medicamentos e que eu seria capaz de estudar, quem sabe até ter uma profissão, ter filhas e… tudo isso que todo mundo faz, sabe? Eu achei que tudo isso era possível sem continuar sendo tratada como “louca”. Mas, a gente percebe o peso da loucura quando até quem é próximo a você diz que o que você está dizendo não pode ser dito na academia ou que não serve pra ensinar gente que quer ser doutor. 
Quando li a notícia da morte do meu torturador, lembrei daqueles olhos verdes claros com a parte branca mais vermelha que branca e daquele cheiro que parecia éter ou algum desses produtos químicos que médico usa. Ele me olhando fixamente, com as mãos na minha cabeça e dizendo “Fique calma! Podem ligar” e aquele zzzzzzzzzz
Acho que foi o zumbido que me amorteceu os sentimentos, sei lá, foram tantos comprimidos também. Só sei que, 26 anos depois, não senti nada quando li sobre sua morte. Eu achei que sentiria alívio ou satisfação. Mas, ele morreu em casa, dormiu e não acordou, estava meio gripado e, mesmo com a pandemia, achou que era só mais uma gripe. 
Pensando bem, agora eu acho que senti foi inveja, afinal, ele nunca mais vai ter que lidar com todas aquelas memórias de sofrimento que ele causou… Será que algum dia ele lidou? Sei não, acho que esse negócio de culpa cristã é só para gente mesmo, não para doutor. Se tem até gente da ciência que diz que o que ele fazia era correto! Tem pesquisa na universidade, tem livros, tem gente na internet e Ministro de Estado que dizem que o que ele fazia “era o que se tinha de mais avançado em medicina pra tratar esses casos” e que essas práticas ainda são mais eficientes. Ou era isso ou a paciente ficava na mão de crendices que achavam que podia ser espírito, igual esses que aparecem em novelas e filmes, sabe? 
Até medalha, dia desses, ele ganhou! É…. acho que nem inveja eu posso sentir da morte dele, porque o que morreu mesmo foi o sujeito, o indivíduo que praticou todas essas torturas em nome de uma ética, respaldado por uma ciência e por toda uma lógica que ainda tá aí, bem presente em nosso dia-a-dia O que morreu foi o indivíduo que praticava sua profissão de doutor com aquilo que "há de mais Moderno na sua área", como ele bem aprendeu nos congressos que frequentou em hotéis de luxo e até fora do país. 
Hoje morreu meu torturador, mas as marcas no meu corpo, as imagens na minha cabeça, os olhares de estranhamento e medo direcionados a mim, isso ele não levou pra sua cova,! Toda a deslegitimação do meu falar e do meu fazer de mulher louca permanecem presentes nas minhas cicatrizes que sagram à dúvida sobre tudo aquilo que denuncio.  

*Essa crônica é uma obra de ficção, qualquer comparação com questões da realidade não é mera coincidência, pois o sofrimento pisquíco permanece sendo tratado com o aprisionamento manicomial e medicalização. A tortura ainda vive. Os nomes usados também são fictícios.

Terça, 02 Fevereiro 2021 09:58

 


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para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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JUACY DA SILVA*


A pandemia causada pelo coronavírus que, em seu inicio aqui no Brasil foi considerada uma “gripezinha” pelo Presidente Bolsonaro, até 31 de Janeiro de 2021 já infectou 102.853.080 milhões de pessoas e já causou a morte de 2.225.433 vítimas ao redor do mundo, continua presente e, em diversas países, inclusive no Brasil está quase fora do controle, a considerar tanto os novos casos e novas mortes a cada 24 horas quanto à falta de leitos de UTIs e até de oxigênio, provocando a morte de pacientes por asfixia, o que não deixa de ser uma verdadeira aberração e um crime hediondo, provocado pela incúria de gestores do sistema publico de saúde por não terem capacidade de prever os recursos para a gestão plena de hospitais, como aconteceu em Manaus e outras cidades do Estado do Amazonas e pode acontecer também em outros estados e cidades.
Apesar de que o número de pessoas infectadas tenha uma certa preponderância no que tange `as pessoas com 60 anos e mais, não se pode descartar o risco de infecção e até mesmo de mortes entre grupos populacionais em faixas etárias abaixo de 50 anos e acima de 20 anos.

Todavia, quando a variável são as mortes, em todos os países, praticamente sem exceção, mais de 70% ou em alguns casos chegando a mais de 80% dos óbitos ocorrerem entre grupos de idosos, principalmente acima de 70 anos. Além de idosos ou inclusive entre esses, o que tem sido observado também é a presença de outras comorbidades, principalmente doenças cardio e cerebrovasculares, diabetes, doenças respiratórias e renais que contribuem para o agravamento da situação de pacientes nessas condições e faixas etárias.

Mesmo que diversas vacinas já tenham sido aprovadas para uso emergencial ou algumas em caráter definitivo em alguns países e várias outras estão em processo de testes, o que se nota é que ainda não existem vacinas disponíveis em quantidade suficiente para a imunização sequer de todos os grupos de risco em todos os países, incluindo, profissionais de saúde que estão atuando direta ou indiretamente no que se chama de “linha de frente”, onde, inclusive, tem sido constatada, em números alarmantes, tanto a infecção quanto óbitos nesta categoria, provocando não apenas temor, medo de quem continua trabalhando arduamente enfrentando condições precárias de trabalho, como falta de máscaras adequadas, produtos de higiene e limpeza, medicamentos, respiradores, leitos de enfermaria e de UTIs , oxigênio ou até mesmo instalações adequadas, gerando um verdadeiro caos ou pandemônio em meio a esta terrível pandemia.

O cenário, em alguns locais, em diversas países, inclusive no Brasil é como uma Guerra, uma frente de batalha, doentes amontoados nos corredores, gente gemendo, familiares desesperados por noticias de seus entes queridos nas portas de unidades de saúde, de hospitais ou de necrotérios, ambulâncias retidas por falta de vagas com doentes em macas, jornadas extenuantes e falta de quadros profissionais.
Enquanto isso governantes posam para tirarem fotos junto aos primeiros vacinados, quando existem diversas perguntas que esses governantes, verdadeiros enganadores, demagogos não conseguem responder como continua acontecendo no Brasil.  Onde foram parar milhões ou bilhões  de reais de recursos financeiros, equipamentos e produtos super faturados? O que foi feito com esses criminosos de colarinho branco que roubam recursos escassos da saúde pública? Por que não tiram fotos em frente a pilhas de caixões que nem os familiares podem abrir para se despedirem?

Três países disputam os primeiros lugares neste campeonato macabro em número de casos: Estados Unidos, que durante mais de um ano de pandemia tinha como presidente um negacionista que debochava da pandemia e do coronavírus (Trump) registrou até 31 de janeiro de 2021 nada menos do que 26,2 milhões de casos (25,5% dos casos no mundo, apesar  de os EUA terem apenas 4,3% da população mundial); em segundo em número de casos desponta a Índia com 10,7 milhões de casos ou 13,4% do total mundial, em que pese que aquele país conte com 1,38 bilhões de habitantes o que representa 17,7% da população mundial.
E na terceira posição, bem distante do quarto lugar, vem o Brasil com 9.2 milhões de casos ou 8,9% dos casos quando nossa população corresponde apenas 2,7% do total mundial. O quarto lugar é ocupado pelo Reino Unido, com 3,8 milhões de casos ou 41,4% dos casos registrados no Brasil, em que pese que aquele país represente apenas 32% da população brasileira.

Quanto ao Reino Unido cabe destacar que no inicio da pandemia o primeiro ministro Boris Johnson tinha uma postura totalmente negacionista e sempre que podia minimizava o tamanho e a gravidade do problema e acabou pagando o preço de seu negacionismo, tanto pessoalmente quando contraiu o coronavírus e teve que ser internado quanto na situação em que estive o país na primeira onda e o sufoco em que se encontra atualmente no auge da segunda onda e das novas variantes do vírus.

Quanto ao número de mortes, o total mundial até este último dia de janeiro de 2021 atingiu 2,22 milhões de vítimas. Os EUA ocupam também o topo quanto ao número de mortes 440,9 mil, número maior do que as mortes de soldados americanos na primeira e na segunda Guerras mundiais; na Guerra da Coréia e na Guerra do Vietnã.

Enquanto a COVID 19 já matou 440,9 mil pessoas nos EUA em pouco mais do que um ano, todas as guerras mencionadas duraram entre 4 a 10 anos. Segundo fontes do Governo Biden, a expectativa é de que até final deste ano de 2021, mesmo com o incremento da vacinação, o coronavírus deverá provocar mais de 630 mil mortes, número também maior do que a mais cruel Guerra em que os EUA se envolveram que foi a Guerra civil, durante 4 anos de abril de 1.861 ate abril de 1865, quando 620 mil vidas foram estupidamente ceifadas em uma Guerra fratricida.

No caso do Brasil, apesar de ser o terceiro país em número de casos, há quase um ano ocupa o triste segundo lugar em número de mortes, tendo sido registrados até o último dia de janeiro de 2021 nada menos do que 223,94 mil mortes. Tanto o número de casos quanto de óbitos provocados pelo coronavírus há mais de um mês tem sido acima de 50 mil casos e mais de 1,200 mortes diárias, chegando em alguns dias a mais de 1.500 mil óbitos diários, o que não deixa de ser preocupante, alarmante ou até mesmo desesperador como acontece há mais de um mês em Manaus e outras cidades.

Isto pode servir de base para que seja elaborado um cenário,  mesmo com o inicio muito lento e tímido da vacinação, que dentro de três meses teremos mais de 12 milhões de casos e mais de 310 mil mortes, o que é uma situação muito triste, número maior do que a soma de todas as mortes por assassinatos, acidentes automobilísticos, suicídios, acidentes de trabalho e domésticos.

O pior em toda esta situação é que ainda temos muitas autoridades de forma direta ou indireta boicotando a campanha de vacinação, parece que torcendo para que mais gente seja infectada e venha a morrer e também boa parte da população que, mesmo diante de tanto sofrimento, morte, falta de recursos médicos e hospitalares e noticias da imprensa demonstrando a gravidade da situação, parece  que ignoram a  velocidade de como o coronavírus se espalha e a letalidade do mesmo, principalmente para os grupos de risco, principalmente as pessoas idosas e com comorbidades.

O próprio Presidente da República, há poucos meses declarou explicitamente que o Brasil ou melhor, seu governo, não iria comprar a vacina chinesa (da Coronavac em parceria com o Butantan), chegando, inclusive, a desautorizar o seu próprio Ministro da Saúde, General Pazuello, obrigando-o a voltar atrás e cancelar uma promessa de compra de 46 milhões de doses da vacina junto ao Instituto Butantan , depois de dizer abertamente a todos os governadores que iria comprar, tendo que cancelar o compromisso.

Todavia, de forma contraditória, coube ao Governo Federal firmar contrato de exclusividade para a compra de 100 milhões de doses da vacina do Butantan, como se diz, usando sinais trocados. O que o governo fala um dia, pela boca do Presidente, acaba mudando de posição na primeira oportunidade, isto gera dúvidas e falta de orientação para outros níveis de governo e da população.

Durante vários dias e semanas o Governo Federal tentou desacreditar a eficácia da vacina do Butantan, chegando o presidente a dizer que se alguém tomar a vacina e sendo homem vai ficar falando fino ou alguém pode virar jacaré, ou que a vacina não pode ser obrigatória, lançando dúvidas na cabeça do povo, mesmo assim, pesquisas de opinião pública continuam indicando que mais de 70% ou até 80% em alguns estados e grupos demográficos que essas pessoas desejam e irão tomar a vacina, tão logo a mesma esteja disponível.

Apesar de que o Presidente Bolsonaro há alguns dias tenha falado abertamente que o Brasil é o sexto país em termos de imunização/vacinação, isto não é verdade, tanto em número de doses aplicadas quanto do percentual de pessoas vacinadas em relação à população total do país, comparativamente com outros países, neste final de janeiro, bem depois da declaração do Presidente, ocupamos um dos últimos lugares, o 43a. posição, com pouco mais de 2,05 milhões de pessoas vacinadas, ou seja, apenas 1% da população total ou 1,27% da população com 18 anos ou mais ou então apenas 2,6% do total de pessoas que são classificadas como grupos de risco (idosos acima de 60 anos, pessoal da área de saúde e pessoas com as diversas comorbidades), que atingem 80 milhões de pessoas, o que demandaria pelo menos 160 milhões de doses de vacina, algo muito longe de ocorrer nos próximos meses.

O Brasil só começou a vacinação, mesmo que de forma lenta e sem previsão exata da disponibilidade de vacina para todos os integrantes de grupos de risco, após mais de 46 países terem dado inicio a imunização, o que não deixa de ser um fiasco para um país que tanto se orgulho de seu potencial e projeção econômica no cenário mundial (em termos de PIB o Brasil foi em 2019 a nona economia).

Apesar da propaganda dos diversas níveis de governo e também por parte da maioria dos veículos de comunicação incentivando a população a se vacinar, o fato concreto é que o  Brasil é dependente tecnologicamente nesta e em diversas outras áreas importantes e estratégicas (por jamais ter tido um plano de longo prazo e não ter investido o suficiente em  educação, ciência e tecnologia) de outros países para a importação dos insumos necessários `a produção de vacinas, inclusive em relação `a covid-19, seja no Instituto Butantan ou na FIOCRUZ e existe uma certa escassez  a nível mundial tanto de vacinas quanto desses insumos e outros produtos e também considerando a desorganização, falta de uma coordenação nacional mais efetiva por parte do Governo Federal e também a uma verdadeira Guerra politica, eleitoral e ideológica entre o governo federal e alguns governos estaduais, principalmente o Governador de São Paulo, possível adversário de Bolsonaro em 2022, dificilmente a população brasileira, nem mesmo todas as pessoas dos grupos de risco, conseguirão se imunizar até meados deste ano. Vivemos um verdadeiro pandemônio em meio a uma das piores pandemias de que se tem notícia na história do pais.

Tendo em vista a velocidade da transmissão do coronavírus, o surgimento de novas cepas, variantes ou enfim, mutações que estão sendo observadas, constatadas, estudadas e também ao caos em que se encontra a saúde pública brasileira, que já era enorme e tornou-se pior com o advento da pandemia, com tendência de piorar nos próximos meses, mais o descaso da maioria da população quanto `as medidas e recomendações das autoridades sanitárias quanto à biossegurança, a situação da pandemia do coronavírus no Brasil pode, com alta probabilidade de ocorrer, atingir patamares incontroláveis como o que está acontecendo nos EUA e em alguns países europeus e de outras regiões, fruto da combinação desses fatores, aliados ao negacionismo tanto por parte do Governo Federal quanto de diversas outros entes e níveis governamentais e boa parte do setor empresarial, ávido por seus lucros.

Aqui cabe uma ressalva importante, uma coisa são as aglomerações com a finalidade de “curtir”, de se divertir em praias, festas privadas, clandestinas, comemorações em família; outra coisa bem diferente, mas que acarreta as mesmas consequências é a necessidade da grande massa de trabalhadores, seja dos setores essenciais ou de outros não essenciais, mas que continuam trabalhando “normalmente”, tendo que se locomover em sistemas de transportes urbanos sucateados, amontoados em trens, ônibus, metros sem possibilidade de qualquer distanciamento social, aumentando sobremaneira a possibilidade de novos contágios e transmissão do vírus, já que o Brasil continua sendo um dos países que menos testes para covid-19, por milhão de habitantes, realiza no mundo.

Além disso, fica difícil manter isolamento social ou promover higienização pessoal para milhões de famílias pobres, miseráveis que vivem em favelas, casas de cômodos, palafitas ou outras formas precárias e sub-humanas de “habitação”, com cinco ou seis pessoas em um ou dois cômodos, em vielas estreitas, casas que não tem ventilação, sem esgotamento sanitário e, as vezes, até sem água potável. Isto também contribui para a proliferação da pandemia e o aumento de casos da covid-19 e das mortes, conforme dados estatísticos tem demonstrado que esses grupos populacionais são os que mais demandam atendimento no Sistema único de Saúde (SUS), onde o sucateamento e precariedade são gritantes.

Enquanto a população pobre, miserável, sem emprego, sem renda sequer para comprar comida, vive este drama, os nossos governantes, marajás da República, quando contraem o coronavírus, rapidamente se deslocam para São Paulo `a procura de atendimento em hospitais de primeira linha, cujas diárias nesses hospitais correspondem a mais de 15 ou 20 meses de “auxílio emergencial’ de R$600,00 , que em determinado momento foi considerado muito alto e cortado pelo Governo Bolsonaro pela metade, tendo se encerrado no final do ano.

Outro aspecto importante que contribui para o agravamento da situação da pandemia do coronavírus no Brasil é a falta de empenho direto do Presidente da República e de seu ministro da saúde em planejar, articular, coordenar e liderar todas as ações relacionados com o enfrentamento à pandemia, como acontece com mandatários de outros países, cujo melhor exemplo pode ser mencionado o empenho do recém empossado Presidente dos EUA, Joe Baiden, que deu um novo rumo no combate da covid 19 naquele país.

Este fato, ou seja, falta de protagonismo do Governo Federal e o próprio Presidente Bolsonaro, contribui para que governadores e prefeitos, principalmente  das capitais e grandes cidades ocupem esses espaços e o resultado é um Sistema totalmente caótico, com desperdício de recursos, corrupção e um “bate cabeças”, todos, sem exceção tentando usar o combate `a pandemia como plataforma para ganhos políticos, eleitorais e partidários, como aconteceu nas eleições recentes para as prefeituras e, certamente, deverá ocorrer a partir de agora em função das eleições gerais de 2022.

Este é o lado triste de toda esta história, o uso politico, ideológico e eleitoral do sofrimento do povo, principalmente dos pobres, excluídos. E aí também podemos incluir o debate e embate relacionados com o auxílio emergencial, que, em determinados  momentos, as necessidades imediatas da população que mais sofre com a pandemia, inclusive que tem aumentado  os níveis e índices de pobreza, de miséria e de fome, sendo colocado em um lugar secundário em nome do equilíbrio das contas públicas e do teto dos gastos.

Para esses políticos, gestores e governantes a fome, a miséria, o desemprego e o sofrimento humano de milhões de brasileiros pouco contam tanto em relação aos seus projetos pessoais ou de grupos quanto na manutenção de seus privilégios. O povo é visto apenas enquanto eleitores que lhes darão acesso e manutenção do poder e das benesses que daí advém.
Este é o retrato da realidade em relação ao avanço do coronavírus no Brasil, bem distante tanto da propaganda oficial quanto do descaso por parte da população, lamentavelmente! Estamos nos aproximando de uma situação em que a melhor solução pode ser a do “salve-se quem puder”.

Diversos analistas tem concluído que a derrota de Trump para Biden, deveu-se, fundamentalmente, à forma negligente e negacionista (a mesma seguida por Bolsonaro) como o mesmo tratou/administrou a pandemia do coronavírus nos EUA e que acabou fugindo totalmente do controle do governo e da população. Este foi o preço pago por seu negacionismo.

Há quem diga que isto também poderá acontecer em breve no Brasil, se bem que até 2022, espera-se  que a covid-19 seja algo do passado, mas suas consequências humanas, econômicas, sociais e politicas permanecerão por vários anos, podendo afetar politicamente a realidade e ter reflexos profundos nas eleições gerais de 2022 e nos anos seguintes. Quem viver verá!

JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, articulista/colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy

Segunda, 01 Fevereiro 2021 09:13


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Texto enviado pelo Prof. Roberto de Barros Freire.
 
Sempre que o presidente é questionado em seus atos governamentais, ele, para disfarçar suas incongruências, ofende seus interlocutores, em particular a imprensa. Ele esconde seus desacertos fazendo algo mais escandaloso do que o escândalo do seu feito que está sendo indagado. Pego em flagrante aberração em aquisições do seu governo, como a informação sobre compras de alimentos —chiclete, pizza, picolé, bombom, batatas em pacote, vinho e principalmente leite condensado, que deve ser vasculhada, até porque as explicações do governo são confusas, ao invés de explicar o feito, agride aos repórteres. Se é para fornecer leite aos soldados que não tem como refrigerar o leite em natura, como afirma o governo, não seria mais apropriado leite em pó ao invés de leite condensado?

O fato é que, contrariado com uma publicação, o boca-imunda do Planalto despejou seu vocabulário de espelunca contra a imprensa, mais uma vez. Aos gritos, o presidente sem decoro do cargo da presidência da República mandou o jornalismo brasileiro para a “pqp” e que os jornalistas enfiassem latas de leite condensado "no rabo". Ao utilizar tal vocabulário ele nos autoriza a usarmos o mesmo linguajar para se referir a ele. E mais ainda, ele tem que ser censurado para nossas crianças e jovens. Ele serve como um exemplo negativo do que não se deve fazer; não é um modelo para os jovens e crianças, mas uma vergonha para todos. Os estrangeiros estranham como permitimos um governante tão escroto. Aliás, como as autoridades legislativas e judiciárias, o ministério público, não tomam uma atitude contra gesto tão obsceno e indigno praticado pelo presidente? Por que deveríamos tratá-lo com dignidade se ele não trata os demais assim, ofendendo a todos, em particular nossa inteligência e bom gosto?
E o pior é ver uma plateia submissa, um rebanho de brutos e ignorantes aplaudirem tal gesto nefasto, todos achando que Bolsonaro é o máximo, um “macho”, ou ousado, que enfrenta a imprensa, o que na verdade é um gesto de insegurança e fuga, se escondendo atrás dos insultos e dos guardas costas, de uma plateia amiga, num encontro de lambe botas, onde só o seu rebanho pode ter acesso a fala. Se esconde de um debate civilizado porque não tem respostas razoáveis aos seus gestos e deliberações, todas elas fruto de rompantes de um ignorante, um bruto, um estúpido, um idiota, aqueles que os gregos denominavam incapazes de perceberem a situação política e social e deliberarem segundo seu fígado, não com a razão.
Bolsonaro, aliás, esconde seu rabo de suas obrigações, fugindo de seus deveres, não assumindo suas responsabilidades, como ficou mais do que visível no caso recente do Amazonas, na sua incapacidade de suprir com as necessidades mínimas para salvaguardar as vidas. Mas há exemplos desde o início do seu governo (desgoverno), que já promoveram uma enxurrada de pedidos de impeachment no congresso, que alienado, os deixam engavetados.
Um presidente que não sabe se portar como tal, não apenas não sabe o que fazer para governar, se associando ao que há de pior entre as pessoas que comungam de suas idiossincrasias, não sabe nem ao menos ser educado, que deve ouvir as críticas, as indagações e responder, não apenas aos seus capachos e seguidores, esse gado humano sem crítica e capaz das piores barbáries, todos adeptos de golpismos. Um presidente precisa ouvir a todos e não apenas a sua rede de seguidores. Precisa ser magnânimo, não se deixar abater por palavras e gestos dos demais, e principalmente deve cuidar do seu linguajar, pois todos podem ouvir. Boa parte do que Bolsonaro expressa é proibido para menores.
Enfim, um covarde que se esconde atrás de berros e ofensas para não dar explicações de suas deliberações, que foge das perguntas da imprensa, que tem o seu rabo preso, cercado de capachos em todas as instâncias que pode atuar para impor seus seguidores. E ao que parece terá mais o legislativo sobre seu comando, assim como fez com o ministério público e a polícia federal. Bolsonaro quer se resguardar de suas atitudes equivocadas e prejudiciais ao Brasil. Não temos um presidente da república, mas uma criança ensandecida, que não quer dar satisfação a ninguém e se utiliza dos bens públicos para seus interesses privados e de sua família.
Temos muito a nos envergonhar e a história deixará um registro medonho dessa época em que fomos governados por um bárbaro golpista, que se puder mandará prender a imprensa e derrubará as instituições democráticas que tem aparelhado para sua defesa. O futuro nos verá como um retrocesso histórico que demorará muito tempo para recuperar tudo que está sendo destruído por um brutamonte ignorante e sem educação. Seremos lembrados por nossa falta de educação por deixarmos uma pessoa tão imprópria conduzir esse país, alguém inapto para tão alto cargo, que exige no mínimo alguma educação elementar, e não a rudeza e a ignorância que esbanja nosso presidente com orgulho.
 
Roberto de Barros Freire

Professor do Departamento de Filosofia/UFMT
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Sábado, 30 Janeiro 2021 16:44

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O PT COMO ZERO À ESQUERDA

Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. em Jornalismo/USP. Prof. de Literatura/UFMT

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Antes da chegada ao poder federal da atual perigosa aberração governista, vivenciamos a produzida e – até “inocente” – dicotomia entre os “mortadelas” e os “coxinhas”.

Ao primeiro grupo, adequavam-se os simpatizantes do PT, bem como os que se aproximavam do pensamento – ainda que apenas teoricamente – mais à esquerda. Ao segundo, os assumidamente neoliberais, como os correligionários do PSDB.

À margem daquela (falsa) dicotomia, sob uma ameaça (É bom JÁ IR se acostumando”) e um conjunto de discursos rasos e moralizantes, capitaneado pelo enunciado vazio “Deus acima de tudo”, logo, por natureza, cínico, corria livre, leve e solta uma perigosa alternativa política, que não foi levada a sério por quase ninguém, principalmente, de ambos os grupos identificados acima.

Por conta desse descrédito, e sedentos pelo poder, fosse a que custo fosse, os líderes partidários “antagônicos” de antes continuavam mandatários, cada qual em seu reduto. Um deles, inclusive, apitava alto de dentro de uma cela. Para sustentar seus interesses, cada qual alimentava de ódio e rancor suas ignaras turbas. Assim, não tiveram (ou não quiseram ter) a perspicácia de antever que estavam prestes a ajudar na confirmação da “incompetência da América católica/ Que sempre precisará de ridículos tiranos...”, conforme já havia cantado a bola Caetano Veloso em “Podres Poderes”; aliás, se fosse hoje, talvez Caetano permutasse o termo “católica” pelo mais abrangente “cristã”. Genial como é, daria conta de resolver as duas sílabas métricas faltantes.

Deu no que deu. A perigosa aberração das aberrações chegou ao poder, alavancada, ao final, pela insistência petista em antagonizar um pleito previamente perdido. Se o PT quisesse, a turma governista, tão próxima de milicianos cariocas, teria “morrido afogada” na própria praia da Barra. Marina ou Ciro ajudaria o país a atravessar este momento, até encontrar algo melhor no futuro.

Agora, as lideranças de mortadelas e de coxinhas, além de outras que orbitavam próximas de ambas, deveriam promover todos os esforços – estratégicos e táticos – para alguma aproximação. Contra o verdadeiro inimigo comum, só a união, ainda que fosse pontual e momentânea. Elementar.

Mas as lideranças petistas são mesmo tão opostas assim a determinados interesses do bolsonarismo?

Antes de tratar dessa indagação, é preciso reforçar que seria elementar a união de todos contra o bolsonarismo. Todavia, não seria tão elementar assim para quem cultiva um antagonismo vazio e hipócrita entre seus seguidores.  

Para tratar desse vazio e dessa hipocrisia, tomo aquele ato – obviamente, político, para marcar a chegada da vacina contra a Covid-19 – que o atual governador de SP – candidato a presidente em 22 – realizou no dia em que seu Estado completou 467 anos. Para as comemorações, foram convidados todos os ex-presidentes pós-golpe/64.

Oportunista aquele ato?

Com certeza. Mas um oportunismo, digamos, oportuno; repleto de sentido. Imersos no degradante quadro social, político, econômico e ético, nenhum ex-presidente deveria ter se ausentado. Querendo ou não, aquele encontro – à lá posse de Biden – era algo que deveria transcender as miseráveis fronteiras de nossos partidos, quase todos iguais em suas abomináveis práticas internas.

Pois, além de Collor, Lula e Dilma recusaram o convite. Ao se ausentarem, ambos se omitiram no difícil processo de suplantação nacional do atual e degradado estágio político. As justificativas “politicamente corretas” de ambos parecem ser hipócritas, pois também são oportunistas. Dilma chegou a dizer que não queria “furar a fila da vacina”.

A essa sua justificativa, lembrou Ricardo Kertzman em Isto é de 22/01:

...Lá pelos idos de agosto de 2016, Dilma teve a aposentadoria de mais de R$ 5 mil (apenas a do INSS) deferida em tempo recorde: 24 horas! Em Brasília, onde seu pedido foi apresentado, o tempo médio de espera, apenas para ser atendido numa agência, é de incríveis 115 dias”.

Com tais justificativas, os dois petistas fizeram sua fiel e escudeira militância morder a língua, pois adoram apontar o dedo no nariz de quem anulou o voto em 2018, ao invés de apostar em Haddad para a continuidade do poderio e desmandos petistas.

Lula e Dilma – não comparecendo ao ato – ficaram mais em cima do muro (tipo anular o voto) do que os próprios velhacos tucanos. Mas não ficaram sem motivos; tampouco porque, de fato, fossem “politicamente corretos”. Lavaram as mãos porque têm interesses em sorrateiras ações bolsonaristas no que tange ao desmonte de operações contra a corrupção no país, que não é problema menor.

Quem duvidar, verifique os meandros das votações internas do PT para deliberar sobre os apoios que darão aos candidatos às presidências da Câmara e do Senado, que ocorrerão no início de fevereiro. Isso sem contar as traições, que virão.

Depois disso, podemos continuar a conversa.

Sexta, 22 Janeiro 2021 11:43


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Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. em Jornalismo/USP. Prof. de Literatura/UFMT
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       Alô, alô, Papai do Céu! “Aqui quem fala é da Terra/ Pra variar, estamos em (pé de) guerra..../ O ser humano tá na maior fissura porque/ Tá cada vez mais down no high society!”
        Por que está assim? 
        Porque depois das explorações mais convencionais de nossa antiga e velhaca “high society”, àquelas, recentemente, foram incorporadas outras artimanhas exploratórias: “mensalão”, “petrolão” e “lava-jato”. Agora são as “rachadinhas”. Os emergentes à “high society” também não têm tido muito pudor. 
        Na lata, Papai do Céu, a “high society” tem sido muito podre; tão podre que seu filho Caetano, o nosso “mano Caetano”, há algumas décadas, em “Podre Poderes”, indagou o seguinte:
        “Será que nunca faremos senão confirmar/ A incompetência da América católica/ Que sempre precisará de ridículos tiranos?...
        Desculpe, Papai do Céu, mas essa letra é genial, não é?
        Ahn?
        O “low society”?
        Oras! Como sempre, comendo o pão que o diabo amassou e, agora, pra piorar, cuspiu em cima. Cusparada, viu? Pra ser bem direto, “A coisa tá ficando russa...”
        Pois é. Diante desse quadro dantesco, insisto no papo, Papai do Céu, mesmo não sendo inédito, pois, lá pelos idos dos anos 80, do século passado, a Rita Lee e o Roberto de Carvalho – de início, pela voz de Elis Regina – já disseram tudo isso, mas a um “Marciano”; provavelmente, eles foram metafóricos. Por isso, você não tinha mesmo obrigação de entender tudo aquilo. Mas assossegue seu espírito. As criaturas da Terra também têm dificuldades de entender as metáforas. Também não sei o porquê foram inventar metáforas, posto serem “poucos os escolhidos” que conseguem atingir a dimensão desse patamar dos discursos humanos.
        Para ser bem direto, há situações que dizer algo “na lata” tem mais efeito dentre nós. Apostar nas metáforas pode ser investimento a fundo perdido, Papai do Céu. Sempre que posso, evito isso. É tão desconfortável ver um semelhante não entender as metáforas!
        Ah, sim! Quando aquelas vozes acima deram aquele telefonema aos “marcianos”, vale lembrar que, vários lugares na Terra eram dirigidos por diabólicos ditadores de “diferentes marcas”. Por falar neles, acho que essas criaturas sempre lançaram mão do “livre arbítrio” para obter o direito de nos infernizar. Confere?
        Seja como for, vinda daqui dos rincões da América do Sul, vou te lembrar, dentre tantas, de outra dessas vozes que, no desespero, embalde, apelaram para os céus. Falo do nosso Castro, o Alves, claro! Do Brasil!
        Aquele nosso poeta, na segunda metade do século 19, escreveu o poema “O Navio Negreiro (Tragédia no Mar)”. Ali, ele “fotografa” cenas das desumanas condições dos africanos arrancados, à força, de suas terras. A crueldade era tamanha que muitos dos negros eram separados de suas famílias e maltratados ao extremo, já nos navios negreiros, que os traziam para ser propriedades de senhores brancos. Eles ainda trabalhavam sob as ordens dos feitores. Sabia disso?
         Sei que você sabia. Aliás, nem posso duvidar de sua onisciência, onipresença e onipotência. Só não entendo o porquê de seu silêncio, de sua inércia. Papai do Céu não gosta de poesia? Não as lê?
        Pelo sim, pelo não, vou transcrever a primeira estrofe de sua quinta parte, que se repete ao final dessa mesma parte; essa artimanha poética funciona como se fosse um eco dentro do texto. Ei-la:
        “Senhor Deus dos desgraçados!/ Dizei-me vós, Senhor Deus!/ Se é loucura... se é verdade/ Tanto horror perante os céus?!/ Ó mar, por que não apagas/ Co'a esponja de tuas vagas/ De teu manto este borrão?.../ Astros! Noites! Tempestades!/ Rolai das imensidades!/ Varrei os mares, tufão!”
        Não contente, Castro ainda te perguntou em “Vozes d’África”:
        “Deus! Ó Deus! onde estás que não respondes?/ Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes/ Embuçado nos céus?/ Que embalde desde então corre o infinito.../ Onde estás, Senhor Deus?...”
        Mas por que estou me lembrando dessas coisas agora?
        Porque uma cria sua – dessas das mais ignorantes e arrogantes que adoram ditar ordens a seu povo, e tudo fazendo em seu nome, Papai do Céu – disse que só largaria a cadeira presidencial, obtida, aqui, em 2018, pelo gosto do “Papai do Céu”.
        ηὕρηκα/εὕρηκα! Heurekeca!
        Foi a partir disso que me lembrei de te lembrar dessas “chatices” acima. E não te conto mais porque os leitores daqui já não gostam mais de ler textos com mais de duas linhas no whatsapp; por isso, estou me contendo.
      Também me contenho, é verdade, pela raiva que simples questões, como essas, causam em algumas de suas raivosas criaturas, semelhantes àquela referida há pouco. Mas como também tenho o direito de usar do livre arbítrio, resolvi ter esse papo hoje.
        Pra terminar, peço que não me confundas com fofoqueiro, por favor, e, pelo amor dos deuses, Papai do Céu, nem te ofendas comigo.

Quarta, 20 Janeiro 2021 08:29

 


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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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JUACY DA SILVA 

Nesta quarta feira, 20 de Janeiro de 2021, finalmente, tomarão posse o 46º presidente eleito Joe Biden e sua Vice Kamala Harris, pondo fim a um período tumultuado da vida politica e das relações sociais nos EUA, liderado pelo controvertido Donald Trump, um ou Talvez o maior expoente da direita e extrema direita tanto nos EUA quanto ao redor do mundo.

Quando de sua vitória nas primárias do Partido Democrata e homologação de sua candidatura a Presidente, Biden construiu uma Plataforma, unindo praticamente as diversas propostas de outros candidatos e candidatas, de todos os matizes filosóficos e ideológicos do Partido Democrata, possibilitando, assim que seu Partido, apesar de uma acirrada disputa  interna, durante meses em que ocorreram as “primárias”, continuasse unido com um único propósito, derrotar Trump que buscava a reeleição e recolocar um presidente democrata na Casa Branca, o que acabou acontecendo.

O seu slogan tanto nas primárias quanto após ser escolhido candidato do Partido Democrata bem representa as ideias, valores e propósitos que o levaram a obter a maior vitória tanto em termos de votos populares, mais de 81,2 milhões de sufrágios, quanto no Colégio Eleitoral, 306 votos, bem mais do que o mínimo necessário para homologar sua vitória rumo a Casa Branca, que são 270 sufrágios naquele colegiado.

O seu slogan trazia uma mensagem de fé, de esperança e confiança em relação ao future, ao estabelecer, de forma simples, o que a maioria da população norte americana desejava e deseja: Reconstruir melhor o país e contribuir para um mundo melhor, em inglês “Build back better”.

A ideia é reconstruir um país, não apenas em suas estruturas físicas e econômicas, mas principalmente em suas relações políticas, sociais, humanas e institucionais. Todos sabemos que, historicamente, os EUA,  desde a Guerra Civil  que durou de 12 Abril de 1861 até 09 de Abril de 1865, tendo deixado um saldo de 620 mil mortos (algumas estimativas de estudos mais recentes indicam que as mortes podem ser bem superiores, entre 850 mil e 1,2 milhão de pessoas que perderam a vida em uma das guerras mais fratricidas que o mundo já assistiu) e em torno de 476 mil ou mais feridos. Estima-se que entre mortos, feridos e prisioneiros a Guerra civil americana afetou diretamente próximo a 1,8 milhões de pessoas.

Considerando que a população dos EUA em 1.860 era de apenas 31,4 milhões de habitantes aquela Guerra afetou diretamente 5,7% da população daquele país. Apenas para efeito comparativo, em 2020 a população dos EUA era de 331 milhões de habitantes, uma Guerra como a que ocorreu entre 11 estados do Sul que pretendiam separar-se da União e constituir em um país independente, baseado no racismo estrutural e na escravidão, isto significa que uma Guerra com aquela afetaria hoje nada menos do que 18,9 milhões de pessoas, número superior do que a soma de todas as perdas americanas em todas as guerras em que participou ao longo de mais de um século e meio desde então.

Com certeza, boa parte dos conflitos internos, do racismo estrutural, da violência institucional, social e politica e da pobreza que ainda persistem nos EUA até os dias de hoje, em que os últimos acontecimentos que culminaram com a invasão do Congresso americano há poucos dias, por extremistas de direita e de extrema direita, instigados por um discurso falso e de ódio de Trump, insistindo que venceu as eleições, quando o Congresso estava iniciando a sessão conjunta para conferir os votos do Colégio Eleitoral e proclamar, como ato final, a vitória de Joe Biden e Kamala Harris como os próximos presidente e vice-presidente dos EUA, tem sua origem, não apenas no radicalismo politico e ideológico de Trump e de seus seguidores de direita e extrema direita, mas com certeza no divisionismo e violência antes, durante e muitos anos após o término da Guerra civil, há mais de um século e meio, incluindo o assassinato de A. Lincoln em pleno exercício da Presidência.

Parece uma ironia da história, quando da Guerra civil os 11 Estados do Sul eram “comandados”, governados pelo Partido Democrata e os Estados do Norte, a União pelos republicanos, cujo expoente máximo era exatamente A. Lincoln.

Basta um exemplo de como a divisão do Congresso persiste ao longo de séculos. Em 08/06/1868, três anos após o assassinato de A. Lincoln, o Senado dos EUA aprovou a emenda 14 `a Constituição Federal, com 33 votos a favor e 11 contra, sendo que todos os senadores democratas voltaram contra e todos os republicanos voltaram a favor daquela emenda, que impedia que Estados pudessem legislar estabelecendo medidas que atentassem contra a vida, a liberdade e os direitos civis dos americanos natos ou naturalizados residindo em qualquer estado americano.

É interessante notar como o racismo estrutural permeia a politica americana. O democrata, vice presidente da rebelião sulista (confederados) Alexander A. Stepens, da Georgia, em 1861,  assim declarava: “ Nosso governo (dos confederados, democratas) baseia-se na grande verdade de que o negro não é igual ao homem branco (social, cultural, institucional e politicamente) ou seja,  para os escravocratas de então e os racistas da atualidade, o negro, afrodescendente não pode ter os mesmos direitos, como aconteceu e ainda acontece, mesmo após mais de século e meio da abolição da escravidão. Talvez ai esteja uma das origens do racismo estrutural que ainda hoje está presente nos EUA.

O período da reconstrução do país de 1863 até 1877, dizimado pela Guerra Civil,  foi um dos períodos mais significativos da história americana, assemelhando-se muito com o que aconteceu durante final dos anos 50 e a década de 60, quando das grandes marchas, lideradas por Martin Luther King contra o racismo e pelas liberdades e direitos dos afrodescendentes, novamente acessas no decorrer do governo Trump e que contribuíram diretamente para a eleição de Biden/Harris, esta a primeira mulher de origem Indiana e negra a ocupar o segundo posto mais importante da politica americana, dando, como alguns analistas assim pensam, continuidade das politicas sociais e de resgate dos direitos humanos implementadas pelo Governo Obama, o primeiro negro eleito presidente dos EUA.

Entre 1863 e 1884, por seis mandatos consecutivos, o Partido Republicano dominou a politica dos EUA e ocupou ininterruptamente a Casa Branca, solidificando-se como um partido mais aberto `as mudanças, enquanto os democratas continuavam arraigados ao conservadorismo oriundo do período escravagista e dominavam os estados do sul.

Nas últimas décadas o Partido Republicano tem hegemonia em praticamente todos os estados do Sul e do meio Oeste, enquanto os Democratas são maioria em diversas estados do leste, noroeste e oeste dos EUA. Olhando o mapa dos EUA em cores, o vermelho representa os republicanos e azul os democratas, pode-se perceber facilmente esta divisão.

Atualmente,  o Partido Republicano é o porta-voz do conservadorismo social, econômico, politico e ideológico nos EUA, dando guarida a grupos mais radicais `a direita e extrema direita, os quais defendem a posse e porte irrestrito de armas, o estado mínimo, o liberalismo econômico e fiscal, pautas de costumes conservadoras; enquanto os democratas advogam uma pauta mais liberal, tanto em relação aos costumes, passando pela economia e quanto ao papel do Estado enquanto instância para reduzir as desigualdades econômicas e sociais, a defesa do meio ambiente, a proteção dos trabalhadores, saúde publica e universal.
As ações do Governo Biden/Harris tem duas vertentes, em termos de politica: externa e interna, em ambas serão ações bem diferentes, radicalmente diferentes do período Trump.

Em relação à politica externa, enquanto Trump buscou fortalecer os EUA no isolacionismo e uma crítica exacerbada aos organismos internacionais e aos pactos e acordos globais ou regionais que foram implementados nos 8 anos de governo Obama; Biden/Harris e o partido democrata já sinalizaram que os EUA buscarão fortalecer os organismos internacionais, ampliando a participação direta dos EUA nessas organizações; e apoiarão pactos e alianças regionais como o retorno dos EUA ao Acordo de Paris, que deverá ser uma das primeiras decisões do novo governo, a retorno das discussões quanto ao Bloco Transatlântico, entre os EUA, Canadá e a União Europeia, como estratégia de fortalecimento de um mercado comum e uma forma de frear o expansionismo da China.

Neste particular, em relação à China, o Governo Biden terá menos retórica nacionalista, que de prático poucos ganhos trouxe aos EUA, mas sim uma visão e prática mais pragmáticas, com ganhos mútuos e, ao mesmo tempo, os EUA fortalecerão pactos regionais e acordos bilaterais com países asiáticos, como forma de reduzir a dependência daqueles países em relação `a China e também, o fortalecimento politico, estratégico, econômico e militar na região.

O governo Biden/Harris implementará politicas bilaterais importantes com potências regionais e ou emergentes, tanto na Ásia quanto na África e Oriente médio, principalmente com a Índia, Indonésia, Coréia do Sul, Japão e Rússia.

Os grandes desafios estratégicos continuarão sendo o controle de armas de destruição em massa, a questão da nuclearização da Coréia do Norte, do Irã e também dos misseis balísticos intercontinentais, de longo e médio alcance.

A questão dos oceanos, a livre navegação e segurança das rotas marítimas também fazem parte tanto de uma estratégia de contenção da China e de outras possíveis potências militares quanto de fortalecimento do comércio internacional e de projeção de poder por parte dos EUA.

No aspecto de apoio e fortalecimento dos acordos internacionais cabe destaque `a OTAN, que durante o mandato de Trump foi duramente criticada, mas que para Biden reveste-se de uma forma de conter o expansionismo e intervencionismo Russo na Europa e Eurásia.

No que concerne ao programa espacial durante o Governo Biden estão previstas medidas e ações que possibilitem aos EUA a retomada da hegemonia espacial e para tanto é importante o fortalecimento e a modernização da NASA e de outros organismos estratégicos militares e espaciais.

A politica interna representa, talvez, o maior e mais imediato desafio para o governo Biden/Harris, a começar por uma postura mais proativa e efetiva por parte do Governo Federal, em articulação com os governos estaduais e os governos locais para o combate mais eficaz e decisivo à pandemia do coronavírus.

A meta imediata, já anunciada por  Biden é de vacinar CEM MILHÕES de pessoas nos primeiros CEM DIAS DE GOVERNO, além de outras medidas emergenciais de apoio aos trabalhadores, aos desempregados, aos pequenos e médios empreendedores/empresários, aos governos locais e diversas categorias de trabalhadores. Para isso há poucos dias Biden anunciou um pacote de US$1,9 trilhão de dólares, sendo mais de US$400 bilhões de dólares para o enfrentamento da COVID-19, com repercussão direta na economia do país.

Além deste pacote emergencial, Biden comprometeu-se a, tão logo tomar posse encaminhará ao Congresso, que a partir de sua posse terá maioria democrata nas duas casas, já que o Partido Democrata conquistou as duas vagas que estavam em disputa, em segundo turno, no Estado da Geórgia, ficando o Senado com 50 senadores para cada partido e como a presidência do Senado nos EUA é exercida por quem é vice-presidente do País e, neste caso, o mesmo será presidido pela atual senadora e vice-presidente Eleita (do Partido Democrata) Kamala Harris.

O plano a ser encaminhado por Biden ao Congresso teve suas linhas gerais e principais aspectos aprovados pela convenção do partido democrata e abordará questões fundamentais , fiel à sua plataforma de campanha “Reconstruir melhor”.

Entre esses aspectos estão:  um novo acordo voltado ao meio ambiente (Green New Deal), como a retirada e maior taxação sobre combustíveis fósseis; incentivos `as fontes de energia limpa, como solar, eólica e outras; combate `as mudanças climáticas, incluindo tanto medidas internas quanto apoio a medidas internacionais que visem combater as mudanças climáticas e reduzir a poluição do ar, dos solos e das águas, incluindo a poluição dos oceanos e o desmatamento das florestas tropicais ao redor do mundo.

A grande aposta do Governo Biden será na Economia Verde, possibilitando a geração de mais de 20 milhões de empregos e investimentos de mais de US$17 trilhões de dólares.

Outra proposta e frente de ação será no combate à violência interna e no racismo estrutural, incluindo a reforma das forças policiais como mecanismo de redução da violência policial, principalmente contra a população afrodescendente e imigrantes, estopim das varias manifestações de rua nos últimos anos nos EUA.

Correlata a esta politica, faz parte também das propostas de Biden/Harris, a definição de uma politica imigratória mais racional e humana, como forma de evitar tantas injustiças e arbitrariedades ocorridas ultimamente.
Diferente de Trump que tentou, de todas as formas, acabar com o OBAMA CARE, Biden propõe a ampliação da atuação na área da saúde que possa ser acessível a todos, de forma universal.

As áreas de educação, da ciência e da tecnologia devem ganhar destaques no Governo Biden como forma de melhorar a qualidade da educação americana, principalmente em relação a diversas países, cujo desempenho tem sido bem superior aos EUA.

Essas três áreas representam a possibilidade também de melhorar a qualidade da mão-de-obra americana e aumento em produtividade para a economia e avançar em setores estratégicos como o militar, o espacial, da biotecnologia, da inteligência artificial, da robótica e, principalmente em relação à internet 5 G e as novas fronteiras do conhecimento.

Quando se fala em reconstrução, logo vem à mente das pessoas, a reconstrução física e, neste aspecto, o plano de governo de Biden/Harris terá um amplo impacto na recuperação de obras de infraestrutura federal e de apoio aos Estado nesta mesma área, incluindo infraestrutura urbana.

Cabe destaque em termos econômicos a proposta de Biden para elevar o salário mínimo federal dos atuais US$7,25 dólares por hora para US$15,00 dólares por hora, cabendo um esclarecimento de que o atual salário mínimo federal está congelado desde 2009, ou seja, ao longo desses últimos 12 anos houve uma grande perda do poder aquisitivo dos trabalhadores que ganham apenas o salário mínimo e isto tem empurrado milhões de trabalhadores para abaixo da linha de pobreza estabelecida pelo próprio governo federal.

Enquanto os republicanos e grupos conservadores criticam tal proposta, Biden justifica a mesma dizendo que isto vai reduzir um pouco a concentração de renda, as injustiças e iniquidade social e, ao mesmo tempo, vai colocar mais dinheiro diretamente nas mãos de milhões de famílias que irão aquecer o mercado interno e estimular a economia.

Outra área importante, também inserida no contexto da saúde coletiva é a prevenção, tratamento e recuperação de dependentes químicos, além de um combate mais efetivo ao narcotráfico e crime organizado, principalmente nas grandes e médias cidades.

Enfim, Joe Biden e Kamala Harris tomam posse em meio ao um país extremamente dividido, com ameaças internas e também externas, mas com uma grande esperança tanto de pacificação internamente no país, quanto ao fortalecimento de laços de cooperação, de negociação como mecanismos de resolução pacífica dos conflitos, onde o papel dos organismos internacionais, como a ONU e seu Conselho de Segurança, a OEA e suas congêneres em outras regiões do planeta devem desempenhar papel fundamental.

Esta é mais uma diferença entre os governos de Trump, que satanizou os organismos internacionais e pautou a atuação internacional dos EUA pelo isolacionismo e um nacionalismo obsoleto e o governo Biden, mais pautado pelo dialogo, fruto de sua experiência de 36 anos como senador, 12 dos quais como presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado americano e também seus 08 anos como vice presidente do Governo Obama, onde e quando desempenhou importantes papeis de negociador internacional representando os EUA.

Mesmo com tanto entusiasmo, a fé e a esperança em dias melhores para os EUA de Biden. Harris, do Partido Democrata e de mais de 80 milhões de eleitores, cabe ressaltar que também politicamente os EUA estão muito divididos neste momento. No Senado são 50 senadores para cada partido; na Câmara Federal os democratas tem 224 deputados e os republicanos 221; quanto aos governadores, 27 são republicanos e 23 democratas; dos senadores estaduais os republicanos tem 1088 e os democratas 884 e dos deputados estaduais os democratas tem 2638 e os republicanos 2773. Isto demonstra que a disputa e luta politica tanto para a Câmara Federal cujas eleições ocorrem a cada dois anos e também as disputas para governadores , senadores estaduais e deputados estaduais vai ser uma verdadeira Guerra, de um lado os democratas tentando ampliar a maioria no senado e de outro os republicanos tentando retomar o controle da politica estadual em diversas estados como forma de retomarem a Casa Branca nas próximas eleições presidenciais, com Trump ou com alguém que possa derrotar os democratas.

Como estratégia de ampliar a representatividade de diversas grupos que o apoiaram e foram decisivos para a eleição o Governo Biden/Harris é o que mais mulheres, negros, Negras, descendentes de imigrantes estarão em altos postos, no comando de cargos estratégicos neste governo que se inicia.

Por isso, mesmo em meio ao maior esquema de segurança jamais visto, que foi criado para garantir a posse de um presidente dos EUA, esta quarta feira pode representar o fim de uma era, mas não do trumpismo e o início de um novo momento de esperança, fé e confiança no futuro dos EUA, com impactos tanto no contexto interno quanto internacional, incluindo o fato de que diversas governos e movimentos de direita e de extrema direita, como de Bolsonaro no Brasil e em outros países, sentir-se-ão como órfãos a partir de agora!

Em um outro momento pretendo realizar uma reflexão/análise sobre o Governo Biden/Harris e suas relações com a América Latina, com destaque para as relações entre EUA e Brasil, já que o alinhamento automático, quase subserviência do Governo Bolsonaro a Trump não terá mais lugar.


JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy