Segunda, 13 Setembro 2021 13:47

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Marluce Souza e Silva
Doutora em Política Social

 
          Desde a eleição do atual presidente do Brasil que o cenário político vem nos impondo, incessante e insistentemente, algumas figuras da mais alta “excelência”. Tudo leva a crer que existe (não sei onde!) uma fábrica de notáveis e de “gente do BEM” que eu pensei não existir neste planeta. Mas existem.

          Com o capitão do Exército na Presidência do Brasil, fomos premiados no Ministério da Educação com a indicação e posse de Ricardo Vélez Rodríguez, que chega se apresentando como filósofo, ensaísta, teólogo e professor colombiano naturalizado brasileiro e como professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, responsável pela formação de oficiais de alta patente. Mas, logo revela sua polidez ao declarar que "o brasileiro viajando é um canibal. Rouba coisa dos hotéis, rouba o assento salva-vidas do avião, [...] e carrega tudo”. Isso é um pouco do que marca sua saída do governo. Nenhuma contribuição deixou para a política de educação.

          Na sequência, surge das “trevas” o então Abraham Bragança de Vasconcellos Weintraub, com a chancela de economista e docente da Universidade Federal de São Paulo, que logo após sua posse, já anuncia um "corte" de 30% em recursos destinados às despesas discricionárias de algumas universidades federais, que segundo ele eram "universidades que estavam fazendo balbúrdia”. Essa figura logo adensa às suas qualidades o adjetivo de "ministro da educação sem educação, grosso, horrendo, nojento”. O Colunista Demétrio Magnoli passa a dizer que ele é "um seguidor inculto de Olavo de Carvalho” e o Presidente da Câmara (à época), Rodrigo Maia, o classificou como um "desqualificado”.

         Em maio de 2019, as redes sociais passam a exibir o histórico escolar de Weintraub no curso de economia na USP, e as imagens revelaram reprovação em nove matérias em apenas três semestres; notas ZERO tinham de montão e frequência baixíssima. (Aff)

         Não demorou muito para que Weintraub mostrasse a que veio. Seu diagnóstico sobre o ensino superior tinha a sua cara. E, na primeira oportunidade apresentou um relatório (com rigor científico zero) onde afirmava: “há universidades federais com plantações extensivas de maconha e com laboratórios de química que estão desenvolvendo drogas sintéticas de metanfetaminas”. Tais afirmações fizeram com que a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados o convocasse para dar explicar. Ele foi e protagonizou um espetáculo circense. Todas as provas apresentadas foram desqualificadas. E ele também.

         Em 18 de junho de 2020, Weintraub anunciou sua saída do ministério. UFA! E o Presidente anunciou então o nome de Carlos Alberto Decoteli, também economista e doutor. Mas, imediatamente, a turma que gosta de conferir as informações (acho que faço parte desta turma) passa a revelar uma série de inconsistências no currículo do novo anunciado e, ao contrário do que ele dizia, a FGV veio a público esclarecer que o economista nunca havia sido professor em nenhuma das escolas da Fundação, nem tampouco conduzido pesquisas financiadas pela FGV.

         A coisa piora... E, logo após a sua nomeação, Decotelli passa a ser acusado de ter plagiado pelo menos 10% da sua dissertação de mestrado, concluída em 2008, a “partir de um relatório da Comissão de Valores Mobiliários publicado em fevereiro do mesmo ano, onde 4.200 palavras foram copiadas desse relatório para a dissertação”. Concomitante, ganha os noticiários as informações da Plataforma Lattes onde o ministro havia registrado que, em 2009, ele havia cursado um doutorado em Administração na Universidade Nacional de Rosário, na Argentina, e que havia defendido uma tese intitulada “Gestão de Riscos na Modelagem dos Preços da Soja”. A informação foi imediatamente desmentida pelo reitor da instituição. A história se agravou quando a mesma “turma de intrometidos da rede social” foi conferir o curso de pós-doutorado do novo Ministro da Educação na Universidade de Wuppertal, na Alemanha e verificou, mais uma vez, a falsidade do registro. Wuppertal desmentiu a informação em nota enviada ao jornal O GLOBO, explicitando que Decotelli havia conduzido pesquisas na universidade durante três meses, em 2016, mas não concluíra qualquer programa de pós-doutoramento nem obtivera qualquer título naquela instituição.

         O Presidente Bolsonaro (cansado de tanto sofrer!!!!!) recuou na indicação de Decotelli e deu posse ao Pastor Milton Ribeiro no Ministério da Educação que, segundo registros do MEC, foi convidado por ser um Presbítero de Santos (PRST); pastor da Igreja Presbiteriana Jardim de Oração e porque ele possui graduação em Teologia, cursado no Seminário Presbiteriano do Sul; graduação em Direito pela Instituição Toledo de Ensino; especialização em Direito Imobiliário pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas; especialização em Gestão Universitária pelo Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras; especialização em Teologia do Velho Testamento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; especialização em Velho Testamento pelo Centro Teológico (de cursos pastorais/confessionais); mestrado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie  e doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo. Extenso e santificado o seu currículo!!!!

         Milton Ribeiro foi empossado em 16 de julho de 2020, e a história dele (passada e presente) passou a ganhar destaque na mídia, com ênfase no fato de que, em 2018, ele havia afirmado que o “existencialismo estava sendo ensinado nas universidades, e que isso estava incentivando os alunos a terem relações sexuais desconsiderando o parceiro”, ou seja, com qualquer um.

         A turma da “bisbilhotação” continuou em campo e descobriu que o “SANTO” Ribeiro durante uma pregação intitulada "A Vara da Disciplina", proferida em uma igreja presbiteriana, também havia defendido o castigo físico para a educação das crianças, alegando que "essa ideia que muitos têm de que a criança é inocente é relativa", que um bom resultado "não vai ser obtido por meios justos e métodos suaves" e que as crianças "devem sentir dor". Só faltava isso!

         Infelizmente este vídeo foi deletado por Ribeiro, que apagou a gravação em seu canal no You Tube e passou a negar o fato.

         E agora, no mês de agosto de 2021, o senhor Ministro, em entrevista concedida à TV Brasil, declarou que o “acesso às universidades deveria, na verdade, ser para poucos [...] e que algumas crianças com deficiência devem estudar em salas de aulas separadas do restante dos estudantes, pois elas só atrapalham”.

         Isto foi a gota d`água para que eu largasse coisas importantes e viesse escrever este texto.

      Mas esperem aí... não terminei. Lembram-se da indicação da Profa. Claudia Mansani para a presidência da Capes? Então...ela é a coordenadora científica da instituição em que Ribeiro e o ministro da AGU, André Mendonça, se formaram. O seu Curriculum Lattes também é uma peça curiosa. Ela registra que é mestre em Direito das relações sociais pela PUC-SP com doutorado em Direito Constitucional pelo Instituto Toledo de Ensino (ITE) e seu projeto de pesquisa intitulado “Reflexões sobre a horizontalização dos direitos fundamentais” foi registrado em 2014 e não foi concluído até hoje. Será que esta é uma boa indicação para a Capes?

        E pior, no item “Outras Produções técnicas”, é possível encontrar o registro da participação da Profa. Mansani em incontáveis reuniões e como organizadora em outras tantas reuniões administrativas com seu corpo docente. Vocês também registram reuniões no Lattes?

         É canseira!!!! Mas eu precisava desabafar e saber se vocês também estão percebendo a excelência de nossos ministros. Estão?
Quinta, 02 Setembro 2021 13:12
 
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Por Roberto de Barros Freire*
 
 
 
Foi noticiado que a escola Notre Dame puniu uma professora por ela ter manifestado sua opinião política. Punição realizada a pedido de pais de alunos, que se pudessem empregariam uma punição ainda superior aos três dias de suspensão que a infeliz da professora recebeu. Se dependesse deles, é bem capaz que colocariam a professora não na rua, mas na prisão.
 
Vejo nesse evento um absurdo completo. Em primeiro lugar, vivemos numa democracia onde as pessoas têm o direito de ter suas opiniões, mesmo que distintas da opinião dos pais dos alunos ou da direção da escola. Em segundo lugar, também por vivermos numa democracia, não basta ter o direito de ter uma opinião, é também intrínseco que se tem o direito de manifestá-la, pois, de que adiantaria ter uma opinião se não se pode manifestá-la? Em terceiro lugar, um professor tem não apenas o direito, mas o dever de manifestar sua opinião, para que seus estudantes percebam a multiplicidade de posições que a sociedade possui, inclusive quando são distintas dos pais dos alunos. A função da escola não é referendar a opinião dos pais, mas dar acesso a multiplicidades de posições do mundo, para que os estudantes tenham condições de criar sua própria opinião. É preciso fazê-los transcender as idiossincrasias familiares. Aliás, é função da escola fazer com que os estudantes abandonem os preconceitos domésticos. Se a escola repetir só o que os pais acreditam, os estudantes não precisariam de escola, seria mais econômico e prudente que ficassem em casa. O ensino tem a função de socializar as crianças, para que tomem contato com a multiplicidade social, cultural, religiosa e política.
 
Achar que o professor deve ser “neutro” é não apenas equivocado, mas uma posição tendenciosa e ideológica, atrasada, que defende o status quo, antes do que uma visão crítica. Não falar nada diante das calamidades que acontecem na sociedade é consentir com o que acontece, pois quem cala, consente. Se um professor se cala diante das injustiças sociais, ambientais, econômica, cultural e política ele está contribuindo para a continuidade das injustiças, não possibilitando que os estudantes absorvam outras visões, outros pontos de vistas, para que possa um dia ter os próprios. É preciso apresentar o contraditório para que se perceba que há outras formas de pensar e encarar os problemas. Uma escola que fornece apenas um ponto de vista, não forma, deforma seus estudantes, criando crianças tendenciosas e com visões limitadas e unilaterais.
 
Pelo que a reportagem mostrava a professora falou sobre questão ambiental, inflação e urna eletrônica. Não fez política partidária, falou para os alunos o que está acontecendo. Ela mentiu??? Então temos que formar alunos alienados? Ora, não existe neutralidade. Não suportar liberdade de expressão é que é problemático, isso é fascismo. E a justiça deveria se posicionar contra esses atos autoritários dos pais dos alunos e da direção da escola contrários a autonomia dos professores. Um professor não pode ser punido por manifestar sua opinião, ainda que não seja a opinião dos pais ou da direção da escola.
 
Temo que a ditadura está se implantando nessas atitudes miúdas, perseguindo a autonomia dos professores, proibindo as pessoas de se manifestarem, ameaçando a liberdade de cátedra. Houve épocas em que se respeitava os professores, hoje não se acredita na ciência, nem nas autoridades pedagógicas, segue-se apenas as ideologias mais tacanhas e medíocres. Qualquer um sem formação coloca em xeque as opiniões dos professores. Quando não se confia mais nos professores é porque se elencou a ignorância como o grande condutor dos homens. Não é à toa que há todo esse negacionismo da ciência em solo nacional e as pessoas acreditando nas fake news de WhatsApp.
 
No Brasil, pessoas sem cultura e conhecimento querem submeter professores e cientistas às suas ideologias pequenas e atrasadas. É um desserviço à nação. Não é à toa que temos péssimas escolhas na nossa representação política. E muitos desses se dizem favoráveis à liberdade: a liberdade de punir, não de se manifestar.


*Roberto de Barros Freire
Professores do Departamento de Filosofia/ UFMT
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Segunda, 30 Agosto 2021 15:05

 

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Terça, 24 Agosto 2021 13:11

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. em Jornalismo/USP. Prof. de Literatura/UFMT
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            Como é do conhecimento público, o atual governo federal – como outros já fizeram–pretende empreender mais mudanças na Administração Federal, por meio de sua Reforma Administrativa, que poderá, de vez, devastar o serviço público. A oposição a esse desmonte é absolutamente necessária.
           No bojo desse debate, muitas ações públicas estão surgindo como forma de conscientização da sociedade contra os malefícios da proposta governamental. Uma dessas ações ocorreu na Câmara Municipal de Sinop-MT, no último dia 13, sob impressionante tensão e desfecho ainda imprevisível por conta de considerações sobre o processo histórico da exploração portuguesa no Brasil, bem como sobre a ocupação no norte de Mato Grosso. As reflexões foram expostas pela vereadora do PT/Sinop, Graciele Marques dos Santos, e pela professora Lélica Elis Lacerda da UFMT/Cuiabá.
    Sobre o episódio em pauta, a matéria “Violência do agro volta a atormentar em Sinop”, publicada no site do Sindicato dos Docentes da UFMT (a ADUFMAT)(https://mail.yahoo.com/d/folders/1/messages/42880), em 17/08, nos ajuda a compreender a dimensão de tudo o que foi dito, bem como da imediata e agressiva reação de setores conservadores da sociedade de Sinop, que, aliás, recentemente, censurou“...outdoors críticos ao governo Bolsonaro ”e empreendeu uma“...perseguição deliberada à delegada que debateu a violência contra as mulheres, em abril desse ano...”
           Na essência, a professora Lélica afirmou “que a história da colonização de Sinop, assim como a brasileira, no geral, não é o jardim florido que gostam de reafirmar. A riqueza capitalista, que inclui o agronegócio, foi forjada na violência e na exploração dos povos originários e escravizados, majoritariamente por homens brancos, e é ainda hoje produtora de violência, morte e desigualdades no campo e na cidade...”
           Considerações fortes em cima de uma realidade indiscutivelmente cruel, mas sem ineditismo, pois, como resgata a matéria acima mencionada,“...José de Souza Martins, Ariovaldo Umbelino de Oliveira, Octávio Ianni são algumas das referências sobre o tema. Na própria UFMT, o professor Wanderlei Pignati... produz vasto conteúdo com dados, relatos e informações diversas que vão ao encontro das considerações da professora Lélica”.
           Além dos estudiosos já citados, para contribuir com o debate, dentre outros tantos que também poderiam ser aqui referidos, acrescento algumas reflexões do professor Alfredo Bosi, da USP, falecido há poucos meses de covid-19. De suas considerações, destaco o capítulo “Reflexo ampliado e contradição no processo colonizador”, inserido no livro Dialética da Colonização (Companhia das Letras).
           Já no início do capítulo, Bosi, falando da colonização/exploração do Brasil, há pouco mais de 500 anos, trata da “cobiça dos invasores” das “novas terras”, enfatizando o “ímpeto predatório e mercantil, a busca da acumulação de riqueza rápida e grávida de consequências para o sistema de trocas internacional”.
         Para consolidar seus estudos sobre o processo exploratório português em terras brasileiras, o autor recorre ao discurso de autoridade, o que é desejável no fazer acadêmico, trazendo à luz importantes reflexões de Karl Marx (sim, ele mesmo!!!), inseridas em O Capital:
           “(...) Onde predomina o capital comercial, implanta por toda parte um sistema de saque, e seu desenvolvimento, que é o mesmo nos povos comerciais da Antiguidade e nos tempos modernos, se acha diretamente relacionado com os despojos da violência, com a pirataria marítima, o roubo dos escravos e a submissão; assim sucedeu em Catargo e em Roma, e mais tarde entre os venezianos, os portugueses, os holandeses...”
           Logo após a essa citação, Bosi afirma que “...a expansão moderna do capital comercial, assanhada com a oportunidade de ganhar novos espaços, brutaliza e faz retroceder a formas cruentas o cotidiano vivido pelos dominados...”
           O catedrático autor diz ainda que o processo colonizador português, em especial, “conheceu a barbarização ecológica e populacional acompanhando as marchas colonizadoras entre nós, tanto na zona canavieira quanto no sertão bandeirante; daí as queimadas, a morte ou a preação dos nativos”.
            Na atualização de sua análise, numa “fotográfica” síntese, Bosi registra que, hoje, o processo exploratório continua, pois “...o gado expulsa o posseiro; a soja, o sitiante; a cana, o morador”.
          E para desgosto dos que odeiam a verdade histórica sendo explicitada, o estudioso da USP diz mais: que, no Brasil, “o projeto expansionista dos anos 70 e 80 (do séc. XX, foi e continua sendo uma reatualização em nada menos cruenta do que foram as incursões militares e econômicas dos tempos coloniais”.
          Para quem não se localizou no tempo, vale lembrar que o referido “projeto expansionista dos anos 70 e 80” é exatamente parte umbilical do “Milagre Econômico”, empreendido pelo último regime militar no Brasil (anos 70/80, mas iniciado em 1964), que tinha outro lema nacionalista embutido no processo: “integrar para não entregar”; e assim se fez o Nortão de Mato Grosso!
           De minha parte, relato que, no início dos anos 90, em uma das cidades daquela região, localizada acima de Sinop, rumando ao Estado do Pará, perguntei aos alunos (todos já professores, embora a maioria fosse leiga) de um curso que ministrei à época, por que eu não via nenhum indígena circulando naquele espaço urbano, se em Barra do Garças, onde eu havia morado há pouco, isso era rotineiro.
           A resposta foi um silêncio sepulcral.
          Pagando o preço por ser, naquele momento, um professor muito jovem, sem compreender aquele silêncio, depois de muita insistência minha, um dos participantes do curso ousou responder, mas já adiantando sobre os riscos que passaria a correr a partir de sua resposta, que, na verdade, veio em forma de pergunta:
           – Professor, perguntou-me, o senhor conhece um produto altamente tóxico utilizado para acabar com fungos nos antigos laranjais do Estado de São Paulo?
           Por conta de meu desconhecimento completo sobre a difícil lida do campo, respondi que não.
         Ele continuou sua explicação, iniciando pela citação do nome do produto. Infelizmente, não me recordo mais daquele nome, mas a sua pergunta foi uma dolorosa resposta à minha inquietação. Aquele agrotóxico, consoante sua informação, lançado por aviões, foi utilizado em larga escala para ajudar no processo de abertura de clarões daquela mata de um verdejante escuro. Nem o temido Curupira saía vivo daquela “chuva” indesejada.
           Incômodo?
           Sim; e esse é apenas um dentre tantos existentes em nossa história.
        Portanto, a professora Lélica Elis Lacerda, a quem externo solidariedade acadêmica em seu discurso, não cometeu nenhum tipo de crime; ao contrário, apenas tratou, academicamente, de um processo com base na realidade, na verdade dos fatos. Pena que realidade e verdade, em tempos pós-modernos, sustentados por grande parte da própria academia, passaram a ser questionadas e vistas apenas como narrativas, geralmente, criadas ao gosto do criador.

 

Quarta, 18 Agosto 2021 15:21

 

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Saudamos a iniciativa de debate a partir de Audiência Pública, na Câmara Municipal de SINOP-MT, sobre a PEC 32/2020, explicitando seus malefícios para a garantia de direitos, de cidadania e de políticas sociais universalizantes! A atividade foi realizada em 13 de agosto de 2021, proposta e mediada pela Vereadora Profª Graciele. Nesse mesmo sentido, repudiamos veementemente os ataques desferidos contra a vereadora e a professora do nosso departamento, Lélica Elis Lacerda, nas redes sociais, em programas de televisão local e presencialmente na Câmara de Vereadores de SINOP-MT, em Sessão do dia 16 de agosto.

Destacamos: 1) O papel da audiência pública como forma de diálogo e de ampliação do debate público sobre questões que atingem toda a sociedade; 2) A importância de liberdade acadêmica, teórica e política da nossa professora e que deve ser prezada e defendida por todos nós, um ataque a esse princípio é um ataque a toda a Universidade e ao debate democrático na sociedade; tal intervenção cumpre ainda o papel social da universidade de contribuir com o conhecimento produzido por esta nos debates e temas públicos; 3) O Direito de assistentes sociais de apoiar e/ou participar dos movimentos sociais e organizações populares vinculados à luta pela consolidação e ampliação da democracia e dos direitos de cidadania; 4) A importância de fazer um debate profundo e crítico sobre o nosso processo de formação social e as expressões de exploração e opressões que lhe foram e são característicos.

Por tais razões e pela longa e rica experiência que este departamento e suas professoras possuem em ensino, pesquisa, extensão e atuação política, posicionando-se de forma crítica frente aos dilemas da profissão, da universidade e da sociedade mato grossense e brasileira, reforçamos nossa solidariedade e apoio à profª Graciele; à profª Lélica e a todos os envolvidos na importante audiência pública realizada em SINOP.

Cuiabá-MT, 17 de agosto de 2021

Colegiado de Departamento de Serviço Social da UFMT

Quarta, 14 Julho 2021 11:29

 

 

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JUACY DA SILVA*
 

“Se dou pão aos pobres, todos me chamam de santo. Se mostro por que os pobres não têm pão, me chamam de comunista e subversivo”, costumava dizer Dom Helder Câmara, idealizador e um dos fundadores da CNBB.

A preocupação com as questões ambientais, tanto no Brasil quanto no mundo inteiro, tem estado presente ao longo da caminhada da Igreja Católica e também de diversas outras religiões, principalmente nas últimas décadas, quando a degradação ambiental e as mudanças climáticas tem aumentado de forma vertiginosa, afetando negativamente  todas as formas de vida existentes no Planeta, incluindo a vida humana,

O aquecimento global, a poluição do ar, das águas, inclusive dos oceanos; do solo incluindo erosões, desertificação, o desmatamento e as queimadas, estão presentes no noticiário praticamente todos os dias no Brasil e ao redor do mundo.

No caso do Brasil esta degradação está se tornando permanente e está afetando todos os biomas/ecossistemas, mas de uma forma mais devastadora e alarmante o Pantanal, considerado um santuário ecológico e patrimônio da humanidade; a Amazônia, também considerada o pulmão do mundo e responsável pela maior reserva de ÁGUA DOCE do planeta e o Cerrado, berço de todas as nascentes que formam as bacias do Amazonas, do Paraná/Paraguai e do São Francisco.

Estamos vivendo, já há alguns anos, uma verdadeira crise hídrica, com alteração do regime das chuvas, reduzindo drasticamente o volume de água nos reservatórios que tanto abastecem a população com este precioso líquido quanto afetando de forma drástica a produção de energia elétrica, impondo um pesado ônus, em termos de custos da tarifa  para todo o Sistema produtivo e para a população em geral, prejudicando o dia-a-dia do país e também pressionando o custo de vida e as taxas de inflação.

Lamentavelmente, mesmo ante os alertas que tem sido feito há décadas pelos cientistas e estudiosos do clima quanto a este desastre anunciado, nossos governantes, ao invés de investirem de forma massiva e estimularem a produção e uso de outras fontes de energias limpas e renováveis, nas quais o Brasil é privilegiado, como a energia eólica e a energia solar, decisões equivocadas, continuam pecando pela falta de visão de futuro e de planejamento estratégico em todos os níveis de governança.

Isto vem impondo à população o medo quanto à falta de energia, do racionamento e o uso de energia de fontes sujas, poluidoras e de custos mais elevados, como o uso das usinas termelétricas, que utilizam combustíveis fósseis ou ainda a construção de pequenas ou grandes usinas hidrelétricas, que, apesar de serem consideradas limpas, impõem um elevado custo ambiental, com alagamento de enormes áreas, deslocamentos populacionais, enfim, também degradação dos ecossistemas.

Em plena crise ambiental, com queimadas que destruíram quase dois milhões de ha do Pantanal, em Mato Grosso diversas PCHs, (pequenas centrais hidrelétricas) estão em processo de serem construídas no Rio Cuiabá e diversas outros que formam o Pantanal, decretando, sem duvida, a morte deste santuário ecológico.

Outro problema ambiental sério e grave tem sido os níveis de contaminação dos cursos d’água e dos solos pelo uso exagerado e abusivo de agrotóxicos, que tem colocado em risco a saúde pública e a vida humana e que apesar dos alertas quanto a tais riscos, pouco progresso tem sido feito nesta área, pelo contrário, o Brasil a cada ano tem permitido o registro e uso de mais agrotóxicos, indo na contramão da sustentabilidade, da agroecologia e de práticas que embasam a economia verde.

De forma semelhante, a questão ambiental urbana também vem se agravando ano após ano, seja pela forma desordenada e caótica da expansão territorial das cidades, sem infraestrutura, “empurrando” as grandes massas excluídas, milhões de famílias pobres para viverem em áreas insalubres, em encostas de morros, sem qualquer infraestrutura urbana, convivendo em meio a esgoto a céu aberto, com lixo e todas as formas de detritos que provocam doenças e sofrimento para imensas camadas populacionais.

A situação do saneamento no Brasil é simplesmente vergonhosa, principalmente se considerarmos que o nosso país é a oitava, nona ou décima maior economia do Planeta. Apesar disso, mais de 35 milhões de pessoas não tem água potável e mais de 104 milhões de brasileiros e brasileiras, inclusive crianças não tem coleta de esgoto e número muito maior que não tem acesso a esgoto tratado, cujo volume de bilhões de litros de esgoto “in natura” são despejados em córregos, rios, lagos e oceanos, aumentando significativamente os níveis de insalubridade e de miserabilidade em que vivem a grande maioria da população urbana brasileira.

Outro problema complexo e muito sério é a falta de moradia, de um teto digno para abrigar-se. Nada menos do que 220 mil pessoas vivem em situação de rua; que além da fata de teto, não dispõe de condições alimentares, de higiene e proteção contra a violência. Essa massa humana representa os párias da sociedade brasileira.

Além desta calamidade da população de rua que tem crescido assustadoramente nos últimos cinco anos e em maior intensidade com o advento da pandemia do coronavírus, segundo o IBGE 45,2milhões de pessoas, incluindo crianças, adolescentes e idosos/idosas vivem em “habitações” extremamente precárias, são essas pessoas que sofrem os impactos dos desastres naturais e dos despejos, já que muitas vezes ocupam irregularmente as áreas em que construíram seus barracos ou casebres.

Do contingente de pessoas que vivem nessas condições, em torno de 31,3 milhões 69,2% são pessoas de cor Negra, parda, enfim, afrodescendentes e apenas 30,8% de cor branca, indicando que esta é ainda uma herança da escravidão e exclusão que por séculos perduraram em nosso país.

Como mencionado anteriormente, a Igreja Católica tem estado presente ao longo de nossa história, desde os tempos do descobrimento, no Império e durante todo o período republicano, ora estando mais próxima dos poderosos, das elites do poder, ora mais ao lado dos pobres e excluídos, como tem acontecido nas últimas décadas.

Diversos tem sido os desafios enfrentados pela Igreja em sua caminhada no Brasil, cabendo enfatizar que nas últimas décadas, principalmente desde o surgimento/fundação da CNBB em.14 de outubro de 1952, sob a inspiração de Dom Hélder Câmara, seu papel tem sido destacado na defesa do meio ambiente/ecologia integral, dos direitos humanos em geral, principalmente do direitos de grupos populacionais vulneráveis como os povos indígenas, os trabalhadores urbanos e rurais, os quilombolas, os ribeirinhos, os agricultores familiares, moradores de ruas, pessoas privadas de liberdade, migrantes, mulher marginalizada, além de outros grupos demográficos que constantemente sofrem violência, abusos e diversas outras formas de desrespeito à dignidade humana.

A Igreja busca alcançar, socorrer e apoiar as pessoas em sua integralidade, ou seja, cuida ou se preocupe tanto com os aspectos espirituais, transcendentais quanto dos aspectos temporais, materiais, enfim, procura ir ao encontro de todos e todas, principalmente quem está nas diversas periferias, materiais ou existenciais.

Em decorrência, desde o Concílio Vaticano II, a Igreja tem mestrado uma face mais humana, social e solidária, em consonância com sua “opção preferencial, mas não excludente, pelos pobres”, opção esta sempre enfatizada e reenfatizada, como na atualidade pelo magistério do Papa Francisco.

No Brasil, a Igreja realiza e concretiza esta opção pelos pobres e excluídos através das ações das Pastorais, dos movimentos e diversas organismos que integram esta gama de atividades.

Podemos mencionar as Pastorais: afro-brasileira; da AIDS, dos brasileiros no exterior, carcerária, de comunicação (PASCOM), da criança, da família, da juventude, do menor, da mobilidade humana, dos migrantes, da mulher Negra, dos nômades, operária, dos pescadores, da pessoa idosa, do povo de rua, rodoviária, da saúde, da sobriedade, do turismo, vocacional, do dízimo, pastoral da Terra e, um pouco mais recentes cabe destaque `as pastorais do meio ambiente e por último da Ecologia Integral.

Além das ações das pastorais cabe destacar o trabalho voltando a essas camadas populacionais realizado há décadas pela Caritas Brasileira, pelas Campanhas da Fraternidade, pelo CIMI, pela Comissão brasileira de Justiça e Paz, pelos Vicentinos; enfim, a Igreja está presente não apenas no Brasil inteiro em termos de territorialidade, desde os grandes centros urbanos até os confins da Amazônia e também, junto às periferias urbanas, rurais, nas florestas e também nas periferias existenciais.

É fundamental ter em mente que as pastorais, os movimentos e organizações através das quais a Igreja atua na sociedade, não são entidades com finalidade politicas, comerciais ou ideológicas, mas sim, escudadas na doutrina da Igreja Católica, principalmente nas Escrituras Sagradas (Bíblia Sagrada), nos Evangelhos, na Doutrina Social da Igreja, nas Encíclicas Papais, da teologia cristã/católica, nos princípios do ecumenismo e nas exortações apostólicas (emanadas pelos Papas a cada pontificado).

Por isso é que costuma-se dizer e destacar que “pastoral não é apenas mais uma ONG”; mas sim, conforme a CNBB, “A ação pastoral da Igreja no Brasil ou simplesmente pastoral é a ação da Igreja Católica no mundo ou o conjunto de atividades pelas quais a Igreja realiza a sua missão de continuar a ação de Jesus Cristo junto a diferentes grupos e realidades”.

Por isso, podemos dizer, sem sombra de dúvida que a organização e o desenvolvimento de uma Pastoral e com a Pastoral da Ecologia Integral não poderia ser diferente, com certeza é um trabalho árduo, lento, de convencimento, passa pela motivação, conversão ecológica, pelo despertar das pessoas e das consciências e do coração, pela formação de equipes regionais, arquidiocesanas/diocesanas, paroquiais e inclusive nas comunidades.

Neste sentido, a Pastoral da Ecologia Integral deve estar inserida e integrada na vida da Igreja, articulada com as demais pastorais, movimentos e organizações, somando com os esforços que cada paroquia desenvolve, incluindo esta nova dimensão que  compreende, conforme a “LAUDATO SI”, a ecologia ambiental, econômica e social; a ecologia cultural e a ecologia da vida do cotidiano, voltada para o bem comum e para os cuidados com todas as formas de criação, enfim, com a Casa Comum, dentro do princípio de que tudo, na realidade que nos cerca, esta interligado, como tanto enfatiza o Sumo Pontífice.

As vezes, mesmo tendo presente que a Encíclica Laudato Si, tenha sido publicada há seis anos, em 24 de Maio de 2015, a organização da Pastoral da Ecologia Integral  ainda enfrenta algumas resistências, até mesmo dentro da Igreja ou tem dificuldade de conseguir uma maior adesão tendo em vista a enorme gama de atividades já em curso com outras pastorais, movimentos e organismos que sobrecarregam as pessoas, principalmente as que já estão engajadas.

Aqui cabe a menção bíblica de que “a messe e grande, mas os trabalhadores são poucos”, urge, pois, a necessidade de formação de mais agentes de pastorais para realizar o trabalho que se espera da Igreja em momentos decisivos como o que estamos vivendo no Brasil em relação à grave crise ambiental/ecológica.

Com toda a certeza, apesar de já se terem transcorridos 6 anos desde que a LAUDATO SI foi publicada, o seu conteúdo ainda é muito pouco conhecido, difundido, discutido e refletido na grande maioria das Arquidioceses, Dioceses, paróquias e comunidades por este imenso Brasil, inclusive na Amazônia, no Pantanal e no Cerrado; três biomas que representam a maior parte do território brasileiro e que estão sofrendo de forma devastadora a destruição da biodiversidade  com o desmatamento, as queimadas, a monocultura, o uso abusivo de agrotóxico e a degradação desses ecossistemas.

Da mesma forma, também a Doutrina Social da Igreja, as diversas Encíclicas, as Cartas e as Exortações apostólicas continuam como algo bem distante do dia-a-dia da vida da Igreja e dos cristãos. Este conjunto, incluindo o estudo da Bíblia, formam o corpo da Doutrina Católica que serve ou deveria servir de base, como uma bússola, para todas as ações da Igreja, seja no Brasil ou em outros países. Quem navega sem uma bússola corre o risco de perder-se no caminho e jamais chegar ao destino planejado.

Todavia, nem por isso devemos desanimar, precisamos preparar o terreno, preparar a equipe que vai plantar as sementes, regar, cuidar com zelo e carinho este trabalho que também faz parte da messe e onde a presença da Igreja é importante, fundamental e não pode estar ausente.

Afinal, como deseja e nos exorta o Papa Francisco, precisamos de uma Igreja em saída, missionária, apostólica, misericordiosa, profética, pobre e voltada, preferencialmente para os pobres e aqueles que estão nas periferias existenciais e da sociedade; cabendo destacar que principalmente quando se trata da degradação ambiental, da destruição do meio ambiente, ai, também, podemos identificar a presença dessas periferias existenciais e onde a Igreja não pode estar ausente.

A degradação ambiental representa a destruição da biodiversidade, da vida e atenta contra a Casa Comum, contra a obra do Criador, por isso, as Pastorais da Ecologia Integral são tão importantes tanto nas Paroquias, comunidades e outras estruturas da Igreja quanto na atualidade em nosso país, principalmente na Região Centro Oeste, no Pantanal e na Amazônia, regiões onde o meio ambiente está gemendo e clamando  por socorro.

Estar ausente neste momento e nesses lugares, Diante do tamanho do desafios, representa omissão de socorro e conivência com a destruição e a degradação desta parte do Planeta, da Mãe Terra.

Em boa hora, mesmo em meio a esta pandemia que assola nosso país, tem sido possível a realização de eventos como cursos, encontros e rodas de conversa, virtuais, sobre a LAUDATO SI, sobre as Pastorais da Ecologia Integral, eventos sobre a ECONOMIA DE FRANCISCO E CLARA, discussões e ações da REPAM, encontros virtuais sobre a 6a. Semana Social Brasileira e também as ações preparativas para a Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe, além de cursos de formações de agentes da Pastoral da Ecologia Integral.

Olhando para a caminhada histórica da Igreja Católica no Brasil e na América Latina e no Caribe, podemos concluir que muitas coisas já foram feitas, muitas ações estão sendo realizadas e, por certo, muito mais poderemos realizar no futuro, que começa hoje, agora.

Esta é, sem duvida, a missão da Igreja e também nossa missão como cristãos comprometidos com a situação em que vivem e o destino das pessoas, das obras da criação e com o futuro de nosso planeta!

Concluindo, tenhamos em mente a exortação de Jesus, quando disse “Se eles (os profetas) se calarem, até as pedras falarão”, Evangelho de Lucas, 19:40.

*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy

Quinta, 08 Julho 2021 16:19

 

 

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José Domingues de Godoi Filho*

"Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor

do nosso jardim.
E não dizemos nada [...]
Até que um dia,
o mais frágil deles[...]
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada."(1)

 


 

O atual Ministro da Defesa, general da reserva (cargo civil, que, de preferência, não deveria ser ocupado por militar, ainda que da reserva), e seus comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica, repetindo a atitude do então comandante do Exército, em 04 de abril de 2018, general Villas Boas, que ameaçou o país com uma intervenção militar na hipótese de que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidisse favoravelmente a um recurso do ex-presidente Lula, voltaram a ameaçar o país.

O motivo para a ameaça (ou ensaio do golpe que parece em andamento) foi uma declaração do presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, senador Omar Aziz (PSD-AM), sobre irregularidades nas negociações de compra de vacinas, que afirmou que “membros do lado podre das Forças Armadas estão envolvidos com falcatrua dentro do governo”. Acrescentou, ainda: - “Olha, eu vou dizer uma coisa: os bons das Forças Armadas devem estar muito envergonhados com algumas pessoas que hoje estão na mídia, porque fazia muito tempo, fazia muitos anos que o Brasil não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do governo”.

Consideraram, esses senhores, potenciais golpistas, em nota distribuída pelo Ministério da Defesa que “essa narrativa, afastada dos fatos, atinge as Forças Armadas de forma vil e leviana, tratando-se de uma acusação grave, infundada e, sobretudo, irresponsável”.

E, concluíram a nota ameaçando com a grave e preocupante afirmação de que - “As Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às Instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro”. O que farão? Repetirão 1964, como tem ensaiado o seu chefe? Será que foi isso que aprenderam nas academias militares?

Para qualquer leitor com um mínimo de discernimento e criticidade, está claro que as declarações do senador não se referem pejorativamente às Forças Armadas, mas sim a uma parte dos mais de cerca de seis mil militares, ativos ou da reserva, que ocupam cargos civis e militarizam o atual governo; particularmente, o Ministério da Saúde, cujo cargo principal era ocupado por um general da ativa e onde se deram os fatos que sustentaram os  argumentos que justificaram a instalação da CPI da Covid-19.

Os fatos estão se acumulando. Por exemplo, no dia 01 de julho, dois dias antes das manifestações que ocorreram em dezenas de cidades brasileiras contra o governo Bolsonaro, com o país enfrentando uma pandemia que já matou mais de 500 mil brasileiros, o diretor da CIA (agência de inteligência dos Estados Unidos, na sigla em inglês), William J. Burns, acompanhado do embaixador dos EUA, Todd Chapman, cumpriu agenda oficial em Brasília e participou de jantar com os ministros General Ramos (Casa Civil) e General Augusto Heleno (Segurança Institucional). É bom não esquecermos o papel que a CIA teve no golpe militar de 1964 e, em 2016, no que depôs a presidenta Dilma Roussef.

No momento, certamente, a CIA deve estar incomodada com o retorno, no cenário eleitoral de 2022, do ex-presidente Lula. São fatos que não podem ser deixados de lado tendo em vista os interesses “imperiais” dos EUA na América do Sul e no Brasil.

Ao mesmo tempo, o atual presidente insiste em repetir que “pode não entregar o poderem 2022”, especialmente, se não retrocedermos pelo menos 30 anos, ressuscitando o voto de papel. Nessa hipótese, tem afirmado, reiteradamente, “que não aceitará o resultado, caso perca as eleições em 2022”, possivelmente, contando com a anestesia política da sociedade, com a cumplicidade da classe política e apoio no aparelhamento das instituições.
 
O exemplo do Chile e da Bolívia é a resposta que precisa ser dada com a continuidade dos protestos das ruas, em defesa da democracia e contra os entreguistas e genocidas que invadiram a Esplanada dos Ministérios, antes que “não possamos dizer nada”.
 
A despeito das polêmicas que ainda envolvem, especialmente no Brasil, a discussão sobre as relações civil-militar, como sugerido por Huntington (2), a “democracia só tem a ganhar com o afastamento dos militares da política. Homens armados não devem ter a mesma participação que homens desarmados na vida política da Nação”.
 
A criação do Ministério da Defesa, chefiado por um civil, o que não é o caso brasileiro no momento, auxiliou garantir a subordinação das forças armadas e seu respeito ao previsto constitucionalmente.
 
Num Estado democrático de direito, o argumento democrático supera o tecnocrático, isto é, os especialistas podem propor alternativas, mas a decisão será sempre política. O direito de errar, mesmo em questão de segurança nacional, é da autoridade civil. No limite, a separação das instâncias decisórias é uma decisão política, portanto, civil.
 
O controle civil dos militares, como lembrado por vários estudiosos do tema, representa parte de como manter um governo forte o suficiente para resistir todas as pressões sociais, sem tiranizar e violentar a população que protege. A questão não é nova e, no Brasil, depois da ditadura civil-militar, já passou da hora de enfrentarmos a discussão sobre como superar as dificuldades, para manter meios de repressão efetivos, confiáveis, financeiramente viáveis e que saibam respeitar os direitos humanos.
 
Os métodos utilizados pela ditadura civil-militar de 1964 e a herança de posturas autoritárias, como as demonstradas pelo atual Ministro da Defesa e seus Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica devem ser repudiadas energicamente pela sociedade.
 
Uma das principais tarefas urgentes que a sociedade brasileira, ainda tem que cumprir, é resolver as relações entre militares e a militância política, para a consolidação, de fato, de um Estado democrático de direito. Caso contrário, “arrancarão a voz de nossas gargantas e não poderemos dizer nada”.

 

  1. No caminho com Maiakovski, poema de Eduardo Alves da Costa.
  2. Huntington, S.P. O soldado e o Estado – Teoria e política entre civis e militares. Rio de Janeiro :Biblioteca do Exército,1996.

 

*José Domingues de Godoi Filho – UFMT/Faculdade de Geociências
 
 

Quinta, 08 Julho 2021 16:17

 

 

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JUACY DA SILVA*
 

O mundo todo, particularmente a América Latina, com destaque para o Brasil, a Argentina, o Peru e a Colômbia, vivem momentos desafiadores ante ao sofrimento e tantas mortes causadas pelo coronavírus de um lado e de outro, a degradação ambiental e a exclusão social, econômica e política de grandes massas e a violência generalizada nessas sociedades.
 
Enquanto a pandemia representa uma dimensão conjuntural, passageira, por piores que sejam as suas consequências no curto, médio ou longo prazo, a América Latina experimenta problemas e desafios estruturais, centenários, alguns que tiveram inicio desde os tempos do descobrimento, passando pelo período colonial e chegando até os dias de hoje, como a escravidão, a semiescravidão, principalmente dos afrodescendentes em todo o continente, o extermínio dos povos indígenas, a pobreza, a concentração de renda, terra, riquezas que deixaram marcas profundas na história de seus povos, principalmente dos povos primitivos que habitavam este continente, cujos massacres e desumanidade escapam a toda e qualquer compreensão humana.
 
Apesar ou a despeito de todo o progresso material, científico, tecnológico e cultural ocorrido ao longo de mais de cinco séculos, ainda permanecem diversas formas deploráveis de exploração do povo, principalmente da classe trabalhadora, das camadas pobres e excluídas, fruto da escravidão, das injustiças, de violência sistêmica e institucionalizada, da ganância humana que não encontra limites seja em termos ambientais ou de acumulação de capital, concentração de renda, riqueza, propriedades e  oportunidades, gerando fome, miséria, preconceito de toda ordem, enfim, sociedades que favorecem também a concentração do poder nas mãos de uma minoria, que é passado de pais para filhos e outros familiares, formando verdadeiras castas, a chamada elite do poder, processo este que tem se perpetuado ao longo de séculos, impedindo uma justa distribuição dos frutos do desenvolvimento, que possa beneficiar todas as camadas e classes sociais.
 
O fosso entre esta minoria privilegiada ou os “donos do poder” e a grande, a imensa maioria da população empobrecida, que não tem teto/moradia digna, não tem trabalho com salários justos, não tem terra para produzir, (os tres “Ts” a que se refere o Papa Francisco) em muitos países da América Latina e do Caribe continua imenso e não tem indicações de uma redução dessas disparidades a curto ou médio prazos.
 
A América Latina e o Caribe tem os piores Índices de Gini do mundo (que medem a concentração de renda,), ombreando-se com os países mais pobres da África, da Ásia, enfim, do planeta. De forma semelhante a estrutura fundiária rural indicam uma elevada concentração na posse da terra, onde a presença de latifúndios e hodiernamente as grandes propriedades voltadas para a monocultura e agronegócio, também demonstram a presença desse fosso, quase impossível de ser superado.
 
É neste contexto que será realizada  na Cidade do México, entre os dias 21 e 28 de novembro deste ano de 2021 a Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe, cujo Lema será: “Somos todos discípulos missionários em saída”.
 
Como consta dos documentos de orientação deste Conclave da Igreja neste continente Latino Americano e do Caribe, “a Assembleia Eclesial será uma experiência de escuta, de diálogo e de encontro, à luz da Palavra de Deus, do Documento de Aparecida e do Magistério do Papa Francisco, para contemplar a realidade dos nossos povos, para aprofundar os desafios do continente no contexto da pandemia da Covid-19, para reacender o nosso compromisso pastoral e para procurar novos caminhos para que todos possamos ter vida em abundância”.

Quando se fala do Magistério do Papa Francisco, devemos ter em mente todas as suas Encíclicas e Exortações apostólicas, principalmente a LAUDATO SI, a Fratelli Tutti e as Exortações Apostólicas  MINHA QUERIDA AMAZÔNIA, a GAUDETE ET EXSULTATE e a AMORIS LAETITIA, dentre outros, pois um dos grandes males, pecados e desafios que estamos vivendo na América Latina e no Caribe na atualidade é um processo acelerado de degradação ambiental, de destruição dos ecossistemas/biomas, de extermínio de culturas e de povos indígenas e os tradicionais ocupantes desta região e do empobrecimento e exclusão acelerada de grandes massas humanas, além de uma população também extremamente empobrecida e vivendo em condições de vida indignas, beirando a miserabilidade, enquanto uma minoria se apropria tanto dos recursos da natureza quanto dos bens produzidos pela sociedade como um todo.

Como consta da pagina/site da Assembleia Eclesial, é fundamental que tenhamos em mente sempre que “TODOS laicos, hombres y mujeres, religiosas, religiosos, diáconos, sacerdotes, obispos y cardenales, hemos sido llamados desde la V Conferencia General de Aparecida a ser DISCÍPULOS MISIONEROS alentados por el Papa Francisco a ser una Iglesia en SALIDA para encontrar la vida plena en nuestro Señor Jesucristo”.

Esta Igreja em saída deve ser pobre, voltada para os pobres, samaritana, misericordiosa, verdadeiramente fraterna e também profética, capaz de denunciar as injustiças e as precárias condições de vida que fustigam e matam milhões de pessoas a cada ano, negando a tanta gente direitos fundamentais como terra, teto, trabalho, água, saneamento básico,  salário digno, participação social e, o mais sagrado de todos os direitos que é a vida.

Para Alexis Parra, “uma Igreja profética tem que anunciar as boas novas do Evangelho, mas também denunciar as estruturas que geram e dão forma a todos os tipos de pecado”, inclusive os pecados sociais e pecados ecológicos/ambientais.

Em minha modesta opinião, uma Igreja profética não pode compactuar com os que exploram o povo, não pode ser conivente nem omitir-se diante das injustiças, com o desrespeito aos direitos humanos, `as violações e abusos contra as pessoas e grupos humanos vulneráveis, não pode fechar os olhos ao trabalho escravo, semiescravo , aos crimes ambientais, ao racismo, ao domínio do crime organizado e das milicias que escravizam populações inteiras, não pode calar-se diante da violência contra a criança, adolescentes, idosos, as mulheres, pessoas deficientes, ao feminicídio.

Uma Igreja profética precisa levantar sua voz, como fizeram os Profetas, contra as estruturas sociais, econômicas e politicas que geram desigualdades, injustiças, pobreza, miséria , fome e mortes.

Uma Igreja profética precisa defender decisivamente todas as formas de vida e não apenas os nascituros, defender a biodiversidade, o uso parcimonioso dos recursos naturais, com vistas `as futuras gerações, única forma de atingirmos a “sociedade do bem viver” e a “Casa Comum”.

Neste processo rumo à esta Assembleia Eclesial que deverá representar um novo marco na caminhada da Igreja Católica na América Latina e no Caribe, é fundamental que possamos ler e reler os materiais orientativos, com destaque para 1) “Documento para o caminho, em direção à Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe e, 2) “ Rumo à primeira Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe: guia metodológico simplificado para animadores de comunidades e grupos”.

É fundamental também, tanto a leitura e releitura desses documentos, quanto seguir as orientações e reflexões contidas nos mesmos, para que o processo de diálogo, principalmente quanto `a escuta seja em sintonia com os objetivos da Assembleia Eclesial, como tem sido enfatizado, o processo de escuta e de participação presencial ou virtual não se trata de um curso ou seminários, mas sim de resgatar as vivências concretas que cada um dos grupos humanos da América Latina e do Caribe vivem e experimentam no dia a dia, incluindo a luta pela terra, pelo trabalho, por um teto, por justiça, por justiça social, pelo respeito aos direitos humanos, direitos dos povos indígenas, respeito às diversidades culturais, de gênero, étnicas, religiosas e tantas outras dimensões da pluralidade que representam a realidade que nos cerca.

Além dos documentos e orientações metodológicas que contribuem para a preparação e realização desta Assembleia Eclesial, de dimensão continental, creio eu, que é também fundamental o resgate de alguns aspectos da caminhada da Igreja no Continente Latino Americano, incluindo as dimensões teológicas, politicas, econômicas, sociais, históricas e culturais, enfim, dentro do contexto da Ecologia Integral, como tem enfatizado o Papa Francisco, principalmente na Encíclica Laudato Si.

Neste contexto ,além do que já tem sido orientado pela CNBB, creio que duas outras leituras complementares podem também ajudar um pouco no processo de escuta, seguindo o método “VER, JULGAR E AGIR”, ampliado para VER, DISCERNIR, AGIR E CELEBRAR. Essas leituras são: 1) A publicação da Editora Paulus “Ecologia: cuidar da vida e da integridade da criação”, uma coletânea de reflexões do Curso de Verão Ano XX, 2006/2007 e; 2) A publicação “O êxito das teologias da libertação e as teologias americanas contemporâneas”, na forma de Ebook, autoria de José Oscar Beozzo, como parte dos “Cadernos de Teologia publica” (Jesuítas), publicação Ano XII; Volume 12, ano 2015, do Instituto Humanitas, da Unisinos e vários outros materiais que estão sendo produzidos pelas Coordenações Nacionais em preparação para a referida Assembleia Eclesial.

No caso do Brasil, é importante que a gente leia, releia e dialogue coletivamente sobre a realidade que nos cerca, neste processo de escuta, seguindo, claro, essas  orientações metodológicas e de conteúdo emanadas da CNBB, que visam facilitar tanto a caminhada Rumo à Assembleia Eclesial Latino-Americana e do Caribe quanto `a participação, presencial para alguns e virtual para milhões de católicos e cristãos em geral que vivem nesta vasta, complexa e promissora região, bem como, participarmos da construção de uma nova realidade, superando todos os males e pecados, que marcam a América Latina e o Caribe, incluindo os “pecados ecológicos”, que tanto afligem e tem destruído os diversas grupos populacionais e os territórios onde os mesmos vivem, dentro dos princípios de defesa de todas as formas de vida e que essas formas representem “vida em abundância” e a construção da “sociedade do bem viver” e os cuidados com “a Casa Comum”.

Vejamos algumas dessas orientações e aspectos destacados: “Nesse intuito, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, realizou nesta sexta-feira, 7 de maio, uma apresentação virtual onde diferentes pessoas foram explicando o que ela representa e os passos a serem dados, especialmente neste primeiro momento, em que está acontecendo o processo de escuta, que vai se prolongar até o mês de julho”.

 “Mediados pela irmã Valéria Leal, assessora da Comissão Episcopal Pastoral para a Juventude, diferentes convidados foram explicando aquilo que o padre Joãozinho, que foi animando o encontro com suas músicas, definia como “um chamado do Papa Francisco a fazer um caminho sinodal, a colocar a sinodalidade ao serviço do Reino”.

“Estamos diante de uma oportunidade para “escutar as alegrias e dores, e olhar para o futuro, planejar o futuro e depois viver esse futuro”, segundo Dom Joel Portella Amado. Tendo como princípio que “a Igreja é comunhão, comunhão de dons, comunhão de carismas”, o secretário geral da CNBB, afirmou que “essa comunhão se traduz em diversas formas, ela se traduz em escuta e diálogo para o discernimento”. O bispo auxiliar do Rio de Janeiro, insistiu em que “é preciso discernir, é preciso ouvir o espírito, juntemo-nos, conversemos, rezemos”. Ele lembrou que as conferências na América Latina, têm sido realizadas pelos bispos, mas agora estamos ante “uma assembleia com todas as forças evangelizadoras, a partir, por tanto, da beleza que é o Batismo”.

“Não podemos esquecer que temos “um Papa que é sinodal, o Papa Francisco é sinônimo de povo”, segundo o padre Joãozinho, colocando como exemplo a Evangelii Gaudium. Nesse sentido, a Assembleia Eclesial pode ser definida como lugar de convocação do Povo de Deus, lembrando a Assembleia de Siquem, no Antigo Testamento, o a eklesia do Novo Testamento”.

“Também lembrava as palavras do Papa na convocação da Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe, onde dizia que nada de elite, nada de ideologia. Ainda mais, o religioso do Sagrado Coração de Jesus, destacava a importância da Assembleia como “espaço de diálogo num mundo em conflito”.

“Lembrando o lema da Assembleia, “Somos todos Discípulos Missionários em saída”, Padre Patricky Samuel Batista, destacou que os convocados são todo o Povo de Deus, lembrando a ligação dessa proposta com a eclesiologia do Concilio Vaticano II. O secretário executivo de campanhas da CNBB enfatizou a importância da oração e da preparação espiritual no processo da Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe”.

“O que faz a diferença é o participante”, afirmou Dom Joel Portella Amado, que insistiu que “na Assembleia Eclesial há todas as forças vivas”. O secretário geral da CNBB, destacou “essa capacidade de escuta mutua em torno de questões comuns”, tudo isso num mundo muito plural, muito diversificado, que coloca “o risco de que cada um olhe apenas a sua parcela, olhe a partir do seu jeito de compreender o mundo, e não estabeleça pontes, diálogo”, para que se possa construir comunhão. O bispo considerou que “o primeiro grande fruto da Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe, é o testemunho de que não precisamos cair em polarizações, em rejeições, a quem tem um estado de vida ou pensa diferente de nós”. Junto com isso, outro fruto é que também os não batizados serão escutados, “é um processo de coração aberto”.

“A Assembleia tem uma profunda relação com a Conferência de Aparecida, celebrada em 2007, onde dom José Luiz Majella Delgado, arcebispo de Pouso Alegre – MG, foi secretário executivo local. Ele relatou os bastidores da última Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e Caribenho, um trabalho de muitas forças e uma experiência de comunhão com o povo, insistindo em que os bispos delegados se sentiram no meio do povo e isso apareceu na reflexão e no documento final”.

Segundo o arcebispo, “o Documento de Aparecida está sendo atualizado pelo Papa Francisco”. Ele pensa que o documento “ficou um tempo adormecido”, muito restrito a um grupo pensador da Igreja. “O Papa Francisco fez com o que o documento de Aparecida saísse da América Latina e entrasse na Igreja do mundo inteiro”, insistiu o arcebispo de Pouso Alegre. Ele vê a Assembleia Eclesial como “mais uma chave que estava no cofre do Papa Francisco”, como “uma nova primavera para nossa Igreja na América Latina e aí o Documento de Aparecida vai se firmar ainda mais”.

“Após a reflexão, Sônia Gomes de Oliveira, fez um chamado a uma ampla participação de todo o Povo de Deus do Brasil no processo de escuta da Assembleia, a “animarmos, empolgarmos”. A presidente do Conselho Nacional do Laicato do Brasil espera que “seja uma verdadeira celebração de nossa identidade eclesial a serviço da vida”.

“Dom Geremias Steinmetz destacou a chave sinodal, o trabalho feito em colegialidade, a conversão integral, a voz profética com visão integradora, uma verdadeira rede em redes, e outros elementos presentes no Documento de Aparecida. O membro da equipe animadora do CELAM no Brasil, frisou que se faz necessário responder a quais são os novos desafios da Igreja na América Latina e no Caribe à luz de Aparecida, dos sinais dos tempos e do Magistério do Papa Francisco”.

“O arcebispo de Londrina – PR lembrou que a Assembleia Eclesial do CELAM já está acontecendo desde junho do ano passado, com diferentes trabalhos, “e agora vem esse tempo de escuta”, que tem por objetivo “conseguir ouvir o maior número de grupos, de pessoas”, para que a resposta dada seja uma resposta grudada à realidade. Dom Geremias citou os diferentes documentos que podem ser acessados no site da Assembleia, explicando como participar, em grupo e individualmente. Trata-se de que “o clamor do nosso povo possa ser ouvido, possa ser escutado”, segundo Vinicius de Matos Raposo. Para isso, ele apresentou o site em português que tem sido criado para facilitar o trabalho no Brasil, mostrando os passos a serem dados e o funcionamento do mesmo.”
 
Ao longo desses últimos dois meses diversos encontros virtuais/LIVES e presenciais tem ocorrido, tanto nos Regionais da CNBB, quanto em Arquidioceses, dioceses e paroquias, buscando aprofundar, através de um dialogo permanente, o processo de escuta de forma participativa, tão importante para a bom êxito da Assembleia Eclesial.
 
Como podemos perceber, esta caminhada pode ser e, com certeza será longa  e irá continuar mesmo depois da Assembleia Eclesial, enfrentando todos os desafios que estão postos tanto dentro da Igreja quanto diante da Igreja e dos cristãos da América Latina e do Caribe e, seguramente, poderá contribuir para que a Igreja Católica tenha uma nova face, um novo agir , uma nova forma de evangelizar e possa ser realmente “sal da terra e luz do mundo” neste vasto continente, buscando formas de vida mais harmônicas com a natureza e em consonância com os preceitos dos Evangelhos, com a fraternidade, com a Doutrina Social da Igreja, com as exortações e reflexões do Papa Francisco e com os desafios do cotidiano.
 
Esta será a nova Igreja pós pandemia, que deverá enfrentar novos desafios e novas formas de caminhar. Nesta nova caminhada vamos encontrar muitas pessoas, milhões com certeza, bem ao nosso lado, em nossas paróquias e comunidades, caídas, assaltadas, violentadas, excluídas e abandonadas e diante dessa nova realidade, pós COVID 19, precisamos ser, mais do que nunca, também, como Igreja e como Cristãos, “bons samaritanos”.
 
*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado da UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy
 

Segunda, 05 Julho 2021 12:37

 

 

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Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Juacy da Silva*
 

O Brasil há décadas vem enfrentando diversas e sérias crises, incluindo crise politica, econômica, social, ambiental/ecológica e cultural, as quais tem se agravado tanto pela presença da pandemia do coronavírus quanto pela visão conservadora e retrógrada dos atuais governantes, tanto no plano federal quanto em diversas estados e municípios.


Por exemplo, mesmo em meio a esta terrível pandemia, a escalada da degradação ambiental, com destaque para o desmatamento e queimadas, principalmente na Amazônia, novamente no Pantanal e no Cerrado e outros biomas, incluindo também a gravidade  relacionada com a grilagem e invasões das terras indígenas e terras públicas tem se acelerado de forma impressionante nos últimos anos.


No que concerne `a questão indígena, diversos organismos e estudiosos nacionais e internacionais tem denunciado que um GENOCÍDIO está em curso em nosso país e tudo indica que pode se transformar em uma tragédia humana de proporções catastróficas no Brasil, afetando a vida, a cultura e as formas de subsistência e sobrevivência dos povos indígenas, principalmente na Amazônia Legal, crime este já denunciado no Tribunal Internacional de Haia e outros organismos internacionais. Pior é que esta tragédia humanitária acontece ante a omissão e conivência de autoridades e organismos públicos a quem caberia defender os interesses dos povos indígenas.


Todas essas atrocidades podem ser simplesmente legalizadas nos termos de projeto de Lei (PL- 490) que tramita no Congresso Nacional, bem como ação que está sob análise do Supremo Tribunal Federal, o chamada Marco Temporal, cuja votação foi interrompida e postergada para ser retomada somente no mês de Agosto próximo.


Tanto o PL 490 quanto o “Marco Temporal”, significam um esbulho contra os territórios indígenas e a possibilidade de  legalizar a grilagem das terras indígenas, a degradação ambiental através do garimpo e da mineração, pouco importa se essas atividades sejam legais ou ilegais, da mesma forma como vem ocorrendo a exploração madeireira, inclusive exportações ilegais.


Os abusos e desrespeito aos direitos dos povos indígenas foram recentemente , em 22 de março de 2021, denunciados ao Alto Comissariado dos Direitos Humanos, da ONU, pela APIB, conforme termos que aqui transcrevemos “Madame Bachelet, Meu nome é Luiz Eloy, sou indígena do povo Terena. Sou advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. Estou aqui para falar sobre a situação dos povos indígenas do Brasil neste contexto de pandemia Covid-19. Vivemos um momento muito sério em nosso país. O atual governo brasileiro implementou uma política indigenista extremamente prejudicial aos povos indígenas. Nossas comunidades estão sendo invadidas por madeireiros e garimpeiros. O vírus está matando nossos idosos. Na semana passada, perdemos o último indígena Juma. Essas são culturas e línguas que nunca iremos recuperar. Aqui no Brasil, temos informações de 114 grupos indígenas isolados e de recente contato que estão em perigo. O governo brasileiro e seus agentes devem ser responsabilizados. Estamos diante de uma política de extermínio indígena no Brasil. Portanto, pedimos sua ajuda para deter o genocídio indígena no Brasil. Obrigado Luiz Eloy Advogado da APIB”.


De forma semelhante o CIMI – Conselho Indigenista Missionário, na mesma ocasião, em documento relata como a politica do Governo Federal, através da FUNAI, ao invés de representar ações na defesa dos direitos e dos territórios dos povos indígenas, vai exatamente na contramão e contribui para desrespeitar tais direitos.


Vejamos um trecho de matéria divulgada recentemente pelo CIMI “Funai tenta passar a boiada. Além de não adotar medidas para barrar o avanço do vírus junto aos territórios, a Fundação Nacional do Índio (Funai) tem implementado Resoluções e Instruções Normativas que afrontam o Estado Democrático de Direito, avalia o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). A exemplo da Instrução Normativa 09, de abril de 2020, que concede a certificação de imóveis rurais em terras indígenas não homologadas, as resoluções 04, de 22 de Janeiro de 2021 que estabelece novos critérios para a “heteroidentificação” de indígenas no Brasil, e a 01/2021, que autoriza a “parceria” entre indígenas e não indígenas para a exploração econômica dos territórios.”
 
Desde antes de ser eleito presidente da República, Bolsonaro e a quase totalidade de seus apoiadores, principalmente empresários e Congressistas que fazem parte da “Bancada Ruralista”, não tem medido esforços para criticar as demarcações de terras indígenas, adotando um discursos equivocado dizendo que o Brasil tem muita terra para poucos índios e que a demarcação de terras indígenas impedem ou dificultam o progresso, principalmente em relação às rodovias federais e estaduais que “cortam” esses territórios.


Diante de tantas omissões e conivências de organismos públicos com todas as práticas delituosas e a violência que campeia solta contra o meio ambiente e os povos indígenas e quilombolas, centenas de lideranças indígenas de todas as partes do Brasil, de vários desses povos e de diversos movimentos sociais estão acampadas em Brasília há mais de um mês, para protestar contra todas essas agressões, abusos, negligências e violência contra seus direitos, denunciando todas as atrocidades que vem sendo cometidas, como assassinatos, queima de aldeias, uma verdadeira afronta aos seus direitos constitucionais e que constam de tratados internacionais que o Brasil é signatário e que devem garantir os DIREITOS HUMANOS DOS POVOS INDÍGENAS e outros grupos populacionais que vivem em situação de vulnerabilidade social, cultural, humana, econômica, como os quilombolas e outros mais.


A Assembleia Geral da ONU em sua 107a. Sessão Plenária, ocorrida em 13/09/2007 aprovou a Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Os oito primeiros artigos balizam a importância deste reconhecimento universal e por isso vale a pena conhece-los.


 Artigo 1 Os indígenas têm direito, a título coletivo ou individual, ao pleno desfrute de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais reconhecidos pela Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos3 e o direito internacional dos direitos humanos.  Artigo 2 Os povos e pessoas indígenas são livres e iguais a todos os demais povos e indivíduos e têm o direito de não serem submetidos a nenhuma forma de discriminação no exercício de seus direitos, que esteja fundada, em particular, em sua origem ou identidade indígena. Artigo 3 Os povos indígenas têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito determinam livremente sua condição política e buscam livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural. Artigo 4 Os povos indígenas, no exercício do seu direito à autodeterminação, têm direito à autonomia ou ao autogoverno nas questões relacionadas a seus assuntos internos e locais, assim como a disporem dos meios para financiar suas funções autônomas. Artigo 5 Os povos indígenas têm o direito de conservar e reforçar suas próprias instituições políticas, jurídicas, econômicas, sociais e culturais, mantendo ao mesmo tempo seu direito de participar plenamente, caso o desejem, da vida política, econômica, social e cultural do Estado. Artigo 6 Todo indígena tem direito a uma nacionalidade. Artigo 7 1. Os indígenas têm direito à vida, à integridade física e mental, à liberdade e à segurança pessoal. 2. Os povos indígenas têm o direito coletivo de viver em liberdade, paz e segurança, como povos distintos, e não serão submetidos a qualquer ato de genocídio ou a qualquer outro ato de violência, incluída a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo. Artigo 8 1. Os povos e pessoas indígenas têm direito a não sofrer assimilação forçada ou a destruição de sua cultura. 2. Os Estados estabelecerão mecanismos eficazes para a prevenção e a reparação de: a) Todo ato que tenha por objetivo ou consequência privar os povos e as pessoas indígenas de sua integridade como povos distintos, ou de seus valores culturais ou de sua identidade étnica; b) Todo ato que tenha por objetivo ou consequência subtrair-lhes suas terras, territórios ou recursos. c) Toda forma de transferência forçada de população que tenha por objetivo ou consequência a violação ou a diminuição de qualquer dos seus direitos. d) Toda forma de assimilação ou integração forçadas. e) Toda forma de propaganda que tenha por finalidade promover ou incitar a discriminação racial ou étnica dirigida contra eles. submetidos a qualquer ato de genocídio ou a qualquer outro ato de violência, incluída a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.

Cabe ressaltar que o desrespeito aos direitos dos povos indígenas e tantas formas de abuso e violência contra os mesmos e que estão sendo denunciados há várias décadas e que se agravaram ultimamente, vem ocorrendo ao arrepio e contrariamente aos preceitos legais e constitucionais que garantem a proteção e a integridade dos territórios indígenas e quilombolas, ocupados secularmente e garantidos pela Constituição de 1988, mas que, pela omissão dos poderes constituídos, acabam se transformando em “letra morta” ou como se diz “para inglês ver” e também estão em desrespeito ao contido na

Declaração da ONU sobre os Direitos dos povos indígenas, anteriormente mencionada, da qual o Brasil é um dos signatários.

Não bastasse o negacionismo relacionado `a COVID-19, que já dizimou até o dia  03/07/2021 nada menos do que 533.587 vítimas, além de ter afetando 18,75 milhões de brasileiros, uma vergonha para nosso pais, que está a caminho de se transformar em um Pária no contexto internacional, ainda temos que conviver com a gravidade do desemprego, subemprego, da fome, da miséria, da exclusão social e da corrupção que continuam entranhadas nas instituições públicas e nas empresas privadas, além da escalada do crime organizado e das milicias que transformam enormes contingentes populacionais vitimas do domínio e atrocidades de um poder paralelo, ante a omissão do Estado Brasileiro.

Cabe ressaltar que desde o descobrimento do Brasil até os dias de hoje o que a história tem registrado e presenciado é um processo de extermínio continuado das populações indígenas, um verdadeiro genocídio silencioso e também um processo de pauperização, quando seus territórios acabam “cercados” por exploração agropecuária, mineração, garimpo, construção de barragens, com deslocamentos e reassentamentos forçados e migração com destino `as periferias urbanas, onde esses remanescentes indígenas se tornam indigentes, mão de obra escrava ou semiescrava, mendicância e a prostituição feminina, inclusive prostituição infanto-juvenil.


A partir dos anos sessenta e setenta do século passado, com o avanço das fronteiras agrícolas rumo ao Centro-Oeste e a Amazônia Legal e a abertura de diversas rodovias estaduais e federais, a violência e o processo de extermínio dos povos indígenas ganham um novo capítulo, principalmente com a formação de grandes latifúndios e a grilagem de terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas em diversas regiões e parte dos territórios na totalidade desses estados que integram a Amazônia Legal.

Diversas matérias e reportagens especiais sobre as questões indígenas, incluindo assassinatos de suas lideranças e os índices elevados de suicídio, principalmente entre crianças e jovens, a degradação e crimes ambientais, poluição urbana, violência no campo, principalmente violência contra tribos indígenas, quilombolas e agricultores familiares, tem sido estampadas em diversos veículos de comunicação no Brasil e em diversos outros países, contribuindo para que a imagem de nosso país esteja se deteriorando a olhos vistos.

Para melhor ilustrar a gravidade desta situação, transcrevo, a seguir algumas. matérias veiculados pelo Jornal El País., em 03/07/2021 e datas anteriores.


“Mais uma vez, é a resistência indígena a primeira a romper o embotamento no qual se mergulha o país. Mobilizados em Brasília e em outros 10 estados, os povos originários lutam contra o PL 490, que decreta o fim das demarcações”.

“Indígenas se mobilizam nacionalmente contra PL 490 e o marco temporal. ‘Não é só pelo indígena, nossa luta é por todos’, diz cacique”.

“Engajando a juventude (MPA): Juventude camponesa se soma a luta indígena para demarcação de terras indígenas”.

“Apib: Juventude indígena protesta no MMA e povos indígenas iniciam vigília no STF, em Brasília e ultrapassando fronteiras para denunciar o genocídio perpetrado pelo governo de Jair Bolsonaro”.

“Ação contra Bolsonaro avança em Haia, e indígenas vão denunciá-lo por genocídio e por ecocídio”.


No Brasil existem aproximadamente 114 grupos indígenas que desconhecem o jogo político em Brasília, mas podem vir a ser totalmente afetados pelas decisões tomadas naquele tabuleiro. Gil Alessi conta como estes povos  isolados na Amazônia Legal, que, por decisão própria, não possuem qualquer contato com a sociedade — podem ser extintos caso o PL 490/2007 seja aprovado. (CIMI).


O projeto, que autoriza as possibilidades de contato com as aldeias dos rincões amazônicos, abre as portas para o “genocídio” indígena. Em tramitação na Câmara dos Deputados, o PL é a representação "  criado ao longo das últimas décadas para garantir a igualdade formal e material dos povos indígenas no Brasil”, escrevem Laura Trajber Waisbich e Ilona Szabó, do Instituto Igarapé.


Finalizando, vale a pena ler e refletir sobre a avaliação do CIMI quanto aos riscos que a aprovação do PL 490 pelo Congresso Nacional e se o mesmo vier a ser sancionado pelo Presidente da República representa para o presente e o futuro dos povos indígenas no Brasil.


“A proposta altera o Estatuto do Índio (Lei 6.001/1973) e atualiza o texto da PEC 215, uma das maiores ameaças aos direitos indígenas que já tramitou no Congresso. O projeto permite a supressão de direitos dos indígenas garantidos na Constituição, entre eles, a posse permanente de suas terras e o direito exclusivo sobre seus recursos naturais. O projeto de lei permite a implantação de hidrelétricas, mineração, estradas e arrendamentos, entre outros, eliminando a consulta livre prévia e informada às comunidades afetadas. A proposta permite retirar o “usufruto exclusivo” dos indígenas de qualquer área “cuja ocupação atenda a relevante interesse público da União”. Vai viabilizar ainda a legalização automática de centenas de garimpos nas Tis (terras indígenas), hoje responsáveis pela disseminação da Covid-19, a contaminação por mercúrio, a destruição de nascentes e rios inteiros e o desmatamento.”


Estamos vivendo tempos sombrios no Brasil, ao invés das conquistas  aprovadas pela Assembleia Nacional Constituinte e que foram incorporadas na Constituição (cidadã) de 1988 serem implementadas ao longo dessas mais de três décadas, o que temos visto é a supressão de diversas dessas conquistas através de Emendas Constitucionais (atualmente já mais de uma centena) que desfiguram completamente a vontade da Constituinte, por Legislaturas, cujos deputados e senadores não foram eleitos para revisarem a Constituição de 1988, mas que o fazem através desses subterfúgios, atendendo aos interesses de grupos econômicos, nacionais e internacionais, e forças ponderosas que atuam indiretamente através de representantes eleitos no Legislativo ou no Executivo.


Estamos diante de um dos mais graves desafios que se tem notícia quanto ao extermínio de povos indígenas em nosso país. Um absurdo inominável. Alguma coisa precisa ser feita com urgência a fim de impedir e acabar com este genocídio silencioso.



*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de diversas veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy

Segunda, 28 Junho 2021 10:56

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Profa. Vanessa C Furtado
Depto de Psicologia da UFMT
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Quando Guy Debord escreveu "A Sociedade do Espetáculo" (1967), imagino eu que ele não tinha em mente, o que são hoje, as redes sociais, aqueles eram tempos da televisão onde um pequeno e seleto grupo de humanos e humanas tinham a chance de mostrar a sua imagem para milhares de pessoas. Contudo, Debord, analisando o fenômeno do espetáculo desde sua aparência até sua essência e apreendendo sua dinâmica, escreveu o seu livro, que eu vou chamar de "profético". Porque, olhando com os olhos de hoje, onde estamos cada vez mais imersas na internet, ao passo que vamos tentando fazer de nossas vidas individuais um espetáculo consumível por tantas pessoas quanto a internet for capaz de alcançar, ou melhor engajar; também vamos ficando cada vez mais sedentas de conteúdos que possam ser espetacularizados e, portanto, consumíveis.


Assim, Debord já no início de sua obra afirma: "O espetáculo, compreendido na sua totalidade, é ao mesmo tempo o resultado e o projeto do modo de produção existente. (...) Ele é a afirmação omnipresente da escolha já feita na produção, e o seu corolário o consumo" (p. 09).


Para este autor, todas as formas de espetáculo servem à lógica do consumo, inclusive a informação. E esta, se antes chegava em horários específicos, pela televisão, escritas em jornais impressos diários ou semanais, hoje ela está ao alcance de nossas mãos 24 horas por dia sendo repetida e atualizada. E o mesmo tema toma conta das pautas de diversos sites, com chamadas ("chapéus" como se diz na gíria jornalística) cada vez mais criativas e que aguçam nossa curiosidade para nos fazer, então, clicar. Se a TV se vende e nos vende, chamando a gente de audiência, a internet disputa nossos cliques ou likes, e aí vale toda a criatividade de quem escreve para chamar seu público ao clique/consumo.


Ao fim e a cabo é mais uma das expressões da alienação, que coisifica seres humanos e nos reduz ao produto a ser vendido, como explica Mészáros:
"A alienação caracteriza-se, portanto, pela extensão universal de ‘vendabilidade’, a transformação de tudo em mercadoria, pela conversão dos seres humanos em ‘coisas’, para que eles possam aparecer como mercadorias no mercado." (Mészáros, 2006, p.39 )


Este é o movimento que estamos assistindo há duas semanas com a chamada "Caçada de Lázaro", classificado pela polícia e a mídia como um todo como "serial killer". O termo em inglês não é por acaso, pois justamente nos remete aos espetáculos fílmicos hollywoodianos que nos acostumamos a consumir, onde uma pessoa passa a cometer crimes em série, em geral com doses de suspense sobre a identidade do criminoso e terminam com ação contundente da elite da polícia. E, claro, não se pode esquecer que nas histórias da telona, o tal serial killer é sempre uma pessoa com algum diagnóstico psicopatológico e, por esta razão, dono de uma mente misteriosa a ser investigada, despido de sentimentos de empatia para com o outro, insensível à morte de suas vítimas, cruel, por um lado, mas absolutamente inteligente e genial, por outro.


Os roteiros fictícios, sempre vão costurando uma narrativa que nos faz sempre questionar *Como pode um ser humano ser cruel assim?". E explicam tal comportamento sempre de forma metafísica e, desta forma, associam à cultos satânicos, a possessão demoníaca, que, infelizmente, não raras as vezes, são colocados quase que em pé de igualdade a um diagnóstico psicopatológico ou é o próprio diagnóstico que é tomado como justificativa dos comportamentos considerados bizarros, estranhos. E, não por acaso, todos esses elementos de narrativa, podem ser notados também nas diversas matérias que cobrem a chamada "caçada à Lázaro". 


Como matéria de jornal, no entanto, lida com a realidade, o que não faltam são vozes de "especialistas" em "personalidade criminosa" para explicar o comportamento de alguém que consideram ser "psicopata”. Alguém que estes "especialistas" sequer viu alguma vez na vida, sequer conversaram com ele e sequer avaliaram seu comportamento frente a frente, mas ainda assim, são uníssonos em dizer que seu comportamento é "incorrigível". Traçam seu "perfil psicológico" e, como místicos que apontam características de personalidade a cada signo; os tais especialistas da área Psi, sob o signo então do diagnóstico escolhido no catálogo disponível de doenças, distribuem características de personalidade ao sujeito, de quem só ouviram falar pelas manchetes de jornal. É a irracionalidade da racionalidade burguesa. 


Como diz Debord, todo esse espetáculo: "É o coração da irrealidade da sociedade real."


Todavia, do lado real dessa história, que não foi imaginada, que não está sendo atuada com falas decoradas e marcações de cena, mas vem sendo roteirizada pela mídia tal qual uma série policial, estão as pessoas reais que sofrem com toda essa tragédia, das vítimas de Lázaro às vítimas dessa narrativa preconceituosa, racista e desumanizadora. 


Ao longo da última semana, veio a público denúncias de abuso de poder cometido pelos policiais que atuam na "caçada", líderes religiosos dos terreiros de religiões de matriz afro que ficam próximos onde o suspeito possa estar escondido, denunciam práticas de agressão física, verbal e desrespeito com seus símbolos sagrados. Locais que foram fotografados e tidos como sendo onde Lázaro supostamente praticava rituais. Colando, então, a imagem dele com rituais chamados pela mídia de satânicos, quando na verdade representam rituais de adoração e manifestação da fé dos povos de terreiro e sequer tinham qualquer ligação com o suspeito.


A este fato, somam-se os depoimentos de pessoas que moram na região e que denunciam que suas casas estão sendo invadidas, portas arrombadas, métodos violentos de interrogação, com agressões físicas e verbais, a fim de encontrarem quaisquer pistas que possam levar a captura do suspeito. Coisas que a gente achava que eram práticas apenas da polícia de determinados estados quando invadem favelas. A constante exposição das vítimas, da família do rapaz, de seu histórico de vida tem composto o espetáculo midiático dessa trágica história que, de informação para a população nada tem de útil, pois só tem servido para propagar racismo religioso, preconceito e medo. 


Medo direcionado a determinadas pessoas que possam expressar características semelhantes às que estão sendo atribuídas ao homem suspeito, escondido na mata: homem, pobre, negro e supostamente com alguma psicopatologia. Essas são características que, de forma generalizada, na dinâmica de produção e reprodução cotidiana, acabam sendo associadas às pessoas em sofrimento psíquico. E nesse discurso, explicitamente desumanizador, a desumanização do sofrimento psíquico, seja nos discursos de periculosidade seja nos da genialidade da "loucura'', contribui para ideologia dominante justificar sua necropolítica. Que para Mbembe (2018) é mais do que matar as pessoas, mas é expor elas a condições que as deixe mais vulnerável à morte. 


A expressão da soma de todos esses elementos da narrativa midiática sobre o caso Lázaro: no dia 17 de junho (sexta-feira), um jovem maranhense (23 anos), em sofrimento psíquico e que fazia acompanhamento psiquiátrico desde criança, teria publicado mensagens de "apoio a Lázaro", policiais civis, então, invadiram sua casa e, na frente de seu avô, atiraram e o mataram.


Mistificar, glamourizar ou patologizar são verbos comuns no teatro das sombras que criam narrativas rasteiras em tragédias tão mais graças e complexas.O que aparenta ser objetivo, científico e circunscrito ao processo descritivo de um único sujeito serve como combustível para opressões históricas, atalhos retóricos. A espetacularização da violência e a reprodução do reducionismo sobre a loucura são munições que caminham juntas no show da barbárie que banaliza a vida, a morte e o que supõem ser ciência e justiça.  
 
*Texto enviado ao espaço aberto em 25 de junho 2021 Originalmente publicado em Mad In Brasil, em 23 de junho de 2021: https://madinbrasil.org/2021/06/a-fuga-de-lazaro-e-a-loucura-como-espetaculo/

Referências:
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Lisboa: Edições Antipáticas, 2005.
MBEMBE, Achille. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política de morte. Rio de Janeiro: n-1 edições, 2018.
MÉSZÁROS, István. A teoria da alienação em Marx. São Paulo: Boitempo, 2006.