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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
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Por Aldi Nestor de Souza*
Eu costumo desafiar os meus alunos pedindo a eles que me deem um exemplo de um posto de trabalho para o qual se exige, do trabalhador, que este saiba matemática. Ou seja, um posto de trabalho que tenha como pré requisito e como parte integrante do ofício, o saber e o manuseio com os conteúdos de matemática. Claro que tenho a precaução de avisar-lhes que não valem os exemplos do pequeníssimo e óbvio grupo de postos de trabalhos que inclui professores de matemática, de física, etc., pesquisadores nessas áreas e afins. Também explico que me refiro a matemática básica, aquela sistematizada e ensinada nos ensinos fundamental e médio nas escolas.
O desafio acima certa e facilmente se estende a outras áreas do conhecimento e uma forma de comprovar isso são os corriqueiros questionamentos, por parte de estudantes, de todas as áreas, que costumam perguntar “ onde vou usar isso na minha vida ou no trabalho, professor?” ou que afirmam, ao chegar no mercado de trabalho, que grande parte do que aprenderam na escola e/ou na faculdade não é usado na empresa.
Qualquer adolescente, ao sair do ensino médio, já se deparou com parte substancial do que a humanidade produziu, em termos de conhecimento, ao longo de milênios. Sai com noções de ciências, matemática, geografia, química, física, etc., Enfim, sai com uma bagagem intelectual que, 100 anos atrás, só cabia à “meia dúzia” de gente. No Brasil, por exemplo, 100 anos atrás, quase 70 por cento da população não sabia ler nem escrever. Há ainda milhões de estudantes que ingressam nas faculdades, fazem cursos superiores, até mestrado, doutorado e especializam-se, portanto, ainda mais, em certas áreas.
Concomitante a esse avanço na área da educação, com a universalização da escola básica, corre em sentido contrário a qualificação referente e exigida pelos postos de trabalho. Sim, com o avanço da tecnologia e da automação, os postos de trabalho tendem a ser cada vez mais simples e a exigir cada vez menos habilidade e conhecimento dos trabalhadores. Um trabalhador, por exemplo, do qual, no passado, se exigia que soubesse as quatro operações básicas da matemática, não se exige mais e tal conhecimento, para fins do trabalho, é confiado às máquinas. O trabalhador, nesse caso, apenas aperta botões.
Os trabalhadores hoje em dia podem mudar, sem grandes dificuldades de adaptação e aprendizagem, de um posto de trabalho para outro totalmente distinto, tanto dentro da mesma empresa, quanto em empresas diferentes. Um vendedor vira supervisor, vira gerente, que vira recepcionista de hotel, que vira frentista de posto de gasolina, que vira auxiliar de escritório, que vira atendente de telemarketing, que vira programador de computação, que vira motorista por aplicativo, que vira auxiliar de serviços gerais, que vira representante comercial, que vira garçon, que vira dono de uma barraquinha de cachorro de quente. Na indústria de ponta, por exemplo, é abundante o número de postos de trabalho que consistem simplesmente de apertar um botão.
Para encarar essa escalada de simplicidade dos postos de trabalho, as empresas costumam se defender e disfarçar esse descalabro atacando ideologicamente os trabalhadores e dizendo que, com o avanço da tecnologia e as mudanças no mercado de trabalho, o que se exige hoje em dia dos trabalhadores é que eles sejam “flexíveis”, “versáteis”, que tenham disposição para “inovar e experimentar o novo”, que “aceitem desafios”, que “vistam a camisa da empresa,” que “não sejam acomodados” e que queiram “aprender constantemente e pro resto da vida”
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A avalanche de trabalhadores bem formados para um mercado de trabalho que não exige qualificação correspondente é tão visível que não para de ser notícia nas páginas dos jornais. Matéria do Portal G1, na internet, de 06 de dezembro de 2019, apontou que “ o Brasil tem 18,3 milhões de pessoas que terminaram a faculdade para 14,5 milhões de ocupações com exigência de curso de Ensino Superior”. Só aí são quase quatro milhões de pessoas bem formadas que são sujeitas a aceitar postos de trabalho que não exigem a qualificação correspondente.
Na mesma direção e talvez como reflexo da notícia acima, pesquisa divulgada pelo Portal R7, em 23/12/2021, apontou que 51% dos motoristas por aplicativo da empresa Uber tem curso superior. Como diz Mariano Enguita, no livro A Face Oculta da Escola: “Jovens que saem da escola com uma formação cada vez mais elevada veem-se obrigados a ocupar empregos escassamente desafiantes, se não simplesmente embrutecedores.”
Curiosamente, e apesar de todos esses dados, há um poderoso discurso ideológico forçando as pessoas a pensarem exatamente o contrário. Isto é, de que falta mão de obra qualificada, que a escola e as universidades devem fazer reformas e se adequarem ao mercado de trabalho, que faltam profissionais capacitados para certas áreas. Ou seja, é o conhecido e velho modus operandi de culpar os trabalhadores, de pressioná-los e fazê-los reféns das empresas.
E é um grande equívoco a escola querer regredir e se adaptar, sem nenhuma discussão ou questionamento, ao mercado de trabalho. Sim porque com a constatação de que os postos de trabalho, e não os trabalhadores, é que são desqualificados, é um erro brutal querer condenar os trabalhadores, do ponto de vista da formação, ao nível dos postos de trabalho existentes. Além disso, para trabalhos embrutecedores, que pouca capacidade cognitiva exigem, por que a escola, que avançou, deve regredir? Não é um sinal de derrota da escola, como foi notícia nos jornais, ensinar a fazer brigadeiro como sendo um “ Projeto de Vida” e de “ Empreendedorismo” para os estudantes? Não é um risco para os trabalhadores ver as escolas tirarem parte substancial do conteúdo básico universal e colocar, no lugar deles, penduricalhos para atender a sanha inconsequente do mercado de trabalho?
É importante esclarecer que não existem reclamações atestando que os trabalhadores não conseguem ou têm dificuldades de executar as tarefas para as quais foram contratados. Não há notícias sobre isso. Por outro lado, chovem notícias de reclamações, por parte dos trabalhadores, que sofrem diariamente com assédio no ambiente de trabalho, pressão adoecedora para se cumprir metas, salários baixíssimos, ausência de direitos trabalhistas, jornadas de trabalho sem fim. Enfim, um diagnóstico que se tem do mercado de trabalho é que ele é um ambiente hostil, composto de trabalhos simples, que não exigem qualificação.
Não seria o caso, aliás, não está passando da hora, para o bem da humanidade, de se discutir o modo de produção e distribuição de riqueza no qual estamos metidos? Discutir, por exemplo, qual o futuro que a classe trabalhadora espera para si diante de trabalhos cada vez mais estúpidos, embrutecedores e ambientes de trabalho hostis e adoecedores? Não seria o momento de a escola e a universidade cumprirem a tarefa de questionar em vez de simplesmente resignar-se e adaptar-se?
O desafio do início desse texto, que apresento a meus alunos, é a entrada que sempre uso para, nas aulas de matemática, discutir a sociedade e, fundamentalmente, discutir o trabalho. Eles costumam coçar a cabeça, buscar desesperadamente um exemplo e nunca acham. Afirmo, então, que muito mais difícil do que aprender as contas de matemática, que aliás qualquer computador é capaz de fazer, é entender os desdobramentos do desafio apresentado, o que ele esconde e como matemática e seus conteúdos são fundamentais para entender essa sociedade e suas as contradições.
*Aldi Nestor de Souza
Professor do Departamento de Matemática da UFMT, campus Cuiabá
Membro do GTPFS-Grupo de Trabalho em Política e Formação Sindical da ADUFMAT Ssind
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