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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
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Por Aldi Nestor de Souza*
Há quem diga que a parte mais importante de um congresso, seja qual for o congresso, é a que se dá nos bastidores: as conversas de café, os intervalos,os encontros casuais. Essa é a parte viva dos eventos, o motor de ideias novas, o formulador de novas pautas, o combustível da transformação. Não sei se isso é verdade. De todo modo, começo o repasse, que dividirei em três partes, do 41º Congresso do Andes –SN, que aconteceu em Rio Branco, no Acre, de 6 a 10 de fevereiro de 2023, justamente pelo relato de uma conversa de bastidor.
Um papo com um velho amigo, antigo professor, que me deu aula na graduação, lá em Mossoró-RN e que estava no 41º Congresso, durou todo o congresso. E ainda dura. Foi uma alegria sem tamanho encontra-lo. À base de muito café e de várias e longas conversas, atualizamos um pouco os assuntos da terra do sal e que expulsou Lampião, da capital do agronegócio e da fila do osso, da conjuntura nacional. Em meio a isso, ele, que aprendeu álgebra na USP e capotaria no bairro Auto São Manuel em Mossoró, perguntou se eu poderia ler e opinar sobre um artigo que acabara de escrever. Disse que sim.
Álgebras de Colombeuau é o abrigo geral onde vive a especificidade de sua pesquisa. Colombeau é francês, vive no Brasil e trabalha na USP há alguns anos. Os reflexos de suas álgebras podem ser notados em diversas regiões do Brasil. De Mossoró, passando por Campina Grande, São Paulo, Interior de Minas, Norte, Nordeste, Centro Oeste, Sul e Sudeste, enfim, todas as regiões do Brasil estão impregnadas por elas.
Mas foi ali, no calor da terra de Chico Mendes, numa terra marcada pelas mais abissais contradições, numa terra em que quase 80 por cento das pessoas votaram em Bolsonaro, que tive meu primeiro, inesquecível e irreparável contato com elas.
Em entrevista concedida à UNICAMP, em 2016, Jean-François Claude Colombeau disse, não conseguindo esconder um certo orgulho e felicidade, (ver os minutos 19:40 a 21:40 da entrevista a seguir) https://www.facebook.com/watch/?v=1807003736284419, que suas álgebras, particularmente no que se refere a Multiplicação de Distribuições, foram usadas no início dos anos de 1980, pelo exército francês, para melhorar a qualidade de seus blindados. Disse ainda, na mesma entrevista, que um novo tipo de tiro havia sido desenvolvido naquele período e que tinha a potência de ultrapassar qualquer blindado com até 50 cm de espessura. Esse tipo de tiro, sentenciou,“tinha o poder de fazer com que todos os blindados do exército soviético fossem jogados na lata do lixo”. Colombeau ainda acrescentou que sua teoria seria utilizada pela marinha francesa, especificamente para a melhoria dos submarinos.
A sensação foi a de um turbilhão à queima roupa. O ANDES se divorciando da CSP Conlutas, instrumento de luta que ajudou a construir, e as álgebras de Colombeau, que muito provavelmente influenciaram no destino da guerra fria, lado a lado, disputando cada minuto de minha atenção e capacidade de compreensão e reflexão.
O estudo do meu colega, como acontece com toda pesquisa em matemática pura, é sorrateiramente atemporal, sem sujeito, sem lugar, sem sociedade, sem crise, sem guerra, sem tiro. É uma álgebra com qualquer outra. Uma estrutura matemática com cara de neutra.
Como diz Alfred SohnRethel no seu Trabalho Intelectual e Trabalho Espiritual, no capítulo A Matemática Como Limite entre Cabeça e Mão,
“ pela matematização a ciência do novo tempo comparte sua qualificação com o conceito de valor da economia das mercadorias, a cujos interesses ela serve direta e indiretamente. Como sua igualdade de origem com o capital e seu modo de produção está completamente obscurecida para os detentores da ciência, estes se regozijam pela independência imaginária da motivação de seu pesquisar em sua era clássica com base na universalidade de sua forma conceitual e sua distância ideal do capital.”
Diversas questões se levantaram desse episódio. Por exemplo, Quão profunda foi a valorização do valor que essas álgebras proporcionaram aos aliados da França na guerra fria? Terá sido esse um golpe de misericórdia no conflito? Como um capoteiro, um homem que recuperava sofás velhos na periferia de Mossoró, tem acesso e contribui com o aprimoramento dessas álgebras? Os descendentes de Colombeau, espalhados de Norte a Sul do Brasil tem ideia da bomba que carregam nas mãos? É a matemática a rainha da alienação?
O 41º congresso do ANDES aprovou ajuda financeira para o povo Yanomami, que há décadas sofre com o avanço da mineração e do desmatamento em seu território. As notícias mais recentes sobre esse povo sãos as de morte por fome sendo transmitidas ao vivo, em rede nacional. Um horror. Além da doação, o 41º Congresso fez também um caloroso debate sobre o tema. As álgebras de Colombeau, por óbvio?, não participaram do debate. Mas acho que deveriam fazê-lo. Porque, afinal de contas, os temas são inseparáveis. De nada adianta doar uma quantia em dinheiro para um povo indígena que perece de fome e dar de bandeja uma pesquisa de ponta, publicada em inglês e numa revista internacional, para fortalecer ainda mais o capital dos impérios que nos sufocam.
Disse a meu colega que o que acontece com a ciência em geral e a matemática em particular, para gente como nós, habitantes da periferia do mundo, é algo digno de muito cuidado. A quem servimos? Qual a finalidade de nossas pesquisas? O que pesquisamos ajuda a entender nossa posição nesse mundo? Nunca é demais lembrar que o Brasil, como bem disse Darcy Ribeiro, é um moinho de moer gente.
*Aldi Nestor de Souza é professor do Departamento de Matemática da UFMT-CUIABÁ e membro do GTPFS-ADUFMAT; e-mail: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo..