****
Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
****
Prof. Dra. Alair Silveira
Depto. Sociologia e Ciência Política/SOCIP;
PPGPS/SES do ICHS/UFMT
O rebento do dia 24 de julho (que foi parido no dia 17 de junho/2020) foi concebido em meados de 2018, quando a então Reitora, Profa. Dra. Myriam Serra, desrespeitou o Regimento do Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE). E, apesar do recurso de duas conselheiras exigindo a anulação daquela Reunião, a Relatora do processo (a então conselheira Rosaline Lunardi) recomendou a rejeição ao Recurso, sendo acompanhada pela maioria dos conselheiros, que fizeram “vista grossa” ao ocorrido.
Com o precedente, o mesmo procedimento foi repetido em uma reunião do Conselho Universitário (CONSUNI), firmando-se como uma prática disponível toda a vez que o conteúdo das propostas e/ou os procedimentos regimentais desagradassem àqueles que presidiam as reuniões dos conselhos superiores. E, assim, “rasgando” regimentos, atropelando ritos regimentais e cassando o direito à manifestação daqueles que se opõem a essas práticas, chegamos ao ápice das arbitrariedades às instâncias colegiadas e aos conselheiros representantes, sob a batuta do conselheiro “nomeado” pelo Reitor-Candidato para dirigir a reunião dos Conselhos no dia 17/06/2020: Professor Dr. Luiz Alberto Esteves Scaloppe. Ironicamente, da Faculdade de Direito.
Qual a legalidade de um processo originado sobre o desrespeito às regras do jogo? Qual legitimidade têm aqueles que, de costas para as regras democráticas, participam de um processo construído sobre a arbitrariedade de alguns?
Deste processo indigno da história da UFMT, três chapas disputaram a consulta no dia 24 de julho. Duas delas encabeçadas por docentes que em 2019, mais uma vez de costas para a Universidade em que laboram, uniram-se ao então Ministro da Educação, Abraham Weintraub (de triste lembrança) para, em detrimento da defesa da UFMT, combinar os meios para dirigi-la à revelia da legitimidade da comunidade acadêmica. Um desses candidatos não somente criou um abaixo-assinado, solicitando a intervenção na UFMT, mas entrou com ação judicial para denunciar irregularidades na consulta, do qual ele mesmo participava como candidato! A terceira chapa, por sua vez, reuniu o atual reitor, cuja prática por protagonismo ou conivência está descrita nos parágrafos acima, devidamente acompanhado daquela que, em 2018, recomendou a rejeição ao recurso que reclamava o respeito às regras do jogo.
Vê-se, assim, porque a reunião do dia 17 de junho/2020 pariu um processo que foi gerado há muito tempo atrás. Aqueles pré-candidatos comprometidos com a lisura procedimental e com a tradição democrática da UFMT recusaram-se a participar do pleito, engajando-se na sua denúncia. Aqueles que, ao contrário, não tiveram nenhum pudor em articular com Weintraub e contemporizar com os atropelos não-democráticos, alegremente, construíram suas campanhas, beneficiando-se dos recursos deploráveis que a geraram.
Durante uma campanha virtual, marcada pela conveniência das regras e das perguntas assépticas, os candidatos puderam fazer afirmações sem contestações nem constrangimentos. De fomento às parcerias com a iniciativa privada ao empreendedorismo, da falsa neutralidade entre ideários políticos à cantinela moral da “education”, a campanha passou longe do compromisso com a Universidade Pública, gratuita, de qualidade, democrática, laica e socialmente referenciada. E, menos ainda, com a autonomia universitária e com a altivez que se espera de dirigentes efetivamente à altura da Universidade Pública, pela qual tantos antes de nós lutaram para construir e consolidar!
De costas para o direito legítimo de voto paritário entre as três categorias da comunidade acadêmica, assim como para o voto presencial e os debates que conformam a história democrática da UFMT, essas chapas antecipavam o protagonismo crítico da maioria dos estudantes, que lhes recusaria apoio, abstendo-se de participar. Dos 18.440 estudantes, nada menos que 81,76% se abstiveram. Amparada em uma Lei cujos fundamentos remetem ao período da ditadura militar, a categoria docente (de 2.398 professores) desfruta de sobrerrepresentação (70%) em relação aos estudantes (15%) e aos técnicos (15%).
Assim, em uma consulta marcada pelo espectro da intervenção (abertamente pedida por um dos candidatos tempos atrás!), muitos dos eleitores empreitaram-se na areia movediça do voto útil, na crença vã de que o resultado das urnas será garantia de nomeação pelo Presidente da República, cujas credenciais não são necessariamente democráticas!
Eleito com 2.082 votos de um colégio eleitoral conformado por 22.173 eleitores (estudantes, professores e técnicos), o atual Reitor, Evandro Silva, e a vice Rosalina Lunardi, ainda tem pela frente a consagração no Conselho Superior e a efetiva nomeação pelo Presidente Jair Bolsonaro.
E, em que pese a felicidade com que seus cabos eleitorais alardeiam a vitória por 66,98% dos votos válidos, há alguns registros a fazer: 1) não há mérito em uma vitória marcada por um processo feito ao preço de rasgar regimentos e interromper a tradição democrática da Universidade; 2) não há mérito em ser ungido reitor pela sobreposição de uma categoria sobre outras; 3) não há mérito em uma vitória construída sobre o atropelo da autonomia universitária; 4) não há mérito em participar de uma página da história da UFMT, marcada pela vergonha; e, por fim, 5) não há mérito em dirigir uma universidade com o apoio de menos de 10% da comunidade acadêmica.