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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
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Roberto Boaventura da Silva Sá
Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP
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Enquanto o eu-lírico de Drummond – imerso na atmosfera da II Guerra, bem como nos desmandos da ditadura de Vargas – via “uma pedra no meio do caminho”, hoje, podemos ver não uma pedra, mas uma gigantesca sombra cruzando e escurecendo nossos caminhos.
Mesmo sem saudosismos de nosso passado político, no qual incluo os governos petistas, o fato é que o atual governo federal, pelo menos aos que não abrem mão da democracia, é qualquer coisa pra lá de assustadora. E os exemplos disso são muitos.
Pois bem. Como se passar por bom cristão nunca sai de moda, biblicamente falando, afirmo: tais exemplos nascem da mesma forma e na mesma proporção que o joio no meio do trigo. Assim, pontuarei alguns dos incômodos que me inquietaram mais do que deviam.
Começo pela edição da Medida Provisória (MP) 914, de 24/12/2019: véspera de Natal, que é o ponto máximo do calendário cristão. No plano do escárnio, seria o presente de Natal às universidades? Seria o que de melhor podia o rei mago brasileiro ofertar à nossa educação superior?
Centralmente, o conteúdo da MP é destruir a democracia nas federais. Ela dispõe sobre as eleições às suas reitorias, aprofundando o que já era disposto legalmente sobre a lista tríplice, criada por FHC e, lamentavelmente, mantida pelos governos subsequentes.
Com a lista tríplice, sempre ficou mais fácil aos governos de plantão indicarem seus aliados dentro das federais, quando fosse necessário. Todavia, essa prática tão explícita não era comum. Havia certa “elegância” nos processos de cooptação. O primeiro nome da lista era invariavelmente respeitado.
Com a MP 914, Bolsonaro só respeitará o primeiro da lista se esse for de seu campo ideológico: reacionário. Mais: a MP retira as eleições a diretores de faculdades e institutos, que serão indicados pelos reitores. É o círculo antidemocrático que se fecha. É o fim da democracia interna; logo, essa MP não pode virar lei.
Mas as federais são apenas parte de uma sociedade em que a democracia encontra-se em estágio doentio, ou sob estado sombrio. Para dimensionar isso, relembro que, no mês passado, Bolsonaro, ao ser questionado sobre a obra na biblioteca do Palácio do Planalto para abrigar uma sala de trabalho para a primeira-dama, reagiu mais uma vez com críticas à imprensa; ele fez o gesto grosseiro de “banana” aos repórteres.
Nesse mesmo sentido, há poucos dias, Bolsonaro escalou um humorista para dar bananas à imprensa. Com o circo que produziu, o presidente tentava evitar perguntas sobre o menor avanço do PIB em três anos. Dessa forma, escondendo-se em um humorista, novamente agride a imprensa; assim, menospreza a democracia.
Mas grosseria pouca é bobagem a esse senhor, sem etiqueta alguma, transformado em presidente; por isso, algo pior viria contra a imprensa. E veio no episódio com Patrícia Campos Mello, da Folha de SP.
Absurdamente, o presidente disse, sem rubor, que aquela jornalista não queria dar um furo, mas “o furo”, numa alusão de cunho sexual. Estarrecedor.
“Nunca antes na história deste país”, um presidente desceu tanto. Ao tocar o subterrâneo, Bolsonaro, além de ofender mais uma vez a imprensa, cospe na democracia. Metaforicamente, esbofeteia todas as mulheres; e tudo isso envolto ao emblemático 08 de março, bem como ao 14, quando se completarão dois anos do assassinato de Mariele Franco. Detalhe: ambas as datas são absolutamente caras a um dos países que mais agridem e matam as mulheres no mundo.
Estamos no lodo. Continuaremos nele?