Benedito Pedro Dorileo*
A hora do recreio escolar sempre foi para todos nós momento de descontração, da merenda e de soltar os pulmões. As alacridades infantil ou juvenil transmitem alegria, celebração repetida do dom da vida: gritos, cantos constroem um mundo lúdico e de confiança, desanuviam o espírito – em hora certa para após ganhar o silêncio disciplinar.
A beleza ordeira, a diplomacia, a elegância de conduta, nestes tempos ferozes, vêm sendo desprezadas. Essa gente não alcançou o tempo da disciplina Civilidade, ensinada na escola, como continuidade do costume familiar. A estridência instalou sua supremacia: adultos livremente usam os altos decibéis da voz para garantir audiência e espaço, por vezes deselegantemente, como a madame que desanda o vozeirão e gargalhada em salão seleto, com libações antecipando a chegada dos noivos.
Certo é que elevar o tom da voz passou a ser questão de sobrevivência social. Quanta estupidez do nosso tempo. A ditadura do barulho ocupou todos os espaços físicos, abertos ou fechados, como salas de trabalho desprovidas de paredes equipadas com som ambiente. Em casa, a agressão vem da rua, através dos mais variados ruídos: a grossura do motociclista da máquina gigante, qual usina de estrondos, que sacode o peito e balança as cordas do coração, o motorista da buzinada, da abusada sirene; ou os festeiros dos sons musicais nos veículos. Há um exército de produtores do barulho na cidade retraída sem defesa. As autoridades responsáveis escondem-se.
Acrescente-se a ausência do controle das aeronaves, que encurtam o caminho, sobrevoando em voo rasante. A civilização hodierna está com os ouvidos embrutecidos em sua maioria, com histórico advindo do século XVIII, início da revolução industrial quando metais se atritavam, para chegar aos dias atuais com impiedosa poluição sonora. É raro o sussurro, a audiência de música vai-se tornando impossível. Buscando exemplo, os japoneses amam e respeitam o silêncio, protegendo a saúde; os latinos extravagantes soltam a voz sem o menor comedimento. Informa a Universidade de Cleveland dos Estados Unidos que fatores biológicos, de personalidade e culturais influenciam no volume de como o corpo se estrutura, ou seja, o volume da voz depende da potência dos órgãos da fala e sujeitos a processos patológicos; e ainda a conduta do indivíduo.
Grave é a vida em sociedade com o volume disparado em comunidades barulhentas a prejudicar a convivência em grupo. Imaginar que cada indivíduo possa fazer o que quiser, no lugar e hora que eleger, sem freio ou controle, chega-se ao porto da desordem social. O ato público prepondera e torna passivo ou quase nulo o culto da intimidade, em uma sociedade de espetáculos. Esta reflexão é robustecida pela massificação da telefonia celular aliada à internet e as redes sociais – constituem o espanto deste século XXI. Mostram as estatísticas que, em 2013, o Brasil atingiu a marca de 270 milhões de linhas móveis. Alastra-se o surto da conveniência pessoal, do individualismo, pela facilidade da conquista do poder de comunicação. Sucedem-se um ou outro seminário, iniciam-se investigações em busca de dados em áreas diversificadas do conhecimento, a começar pela psicologia. Somente a revolução das ciências do comportamento humano pode apontar solução para a doença social em estado crítico. Pregam-se aos ventos regras de comportamento, pois, em qualquer ambiente aberto ou fechado, o telefone móvel vibra e os gritos acontecem – o ‘modus vivendi’ está inteiramente incivilizado.
Pensar que na antiguidade os gregos expulsavam os ferreiros para lugar distante da urbe, ou a atual Suíça que regulamenta horário até para o serviço de podar grama. Nas ruas do nosso País, sucedendo o alarde do futebol, assumem os pregoeiros dos sindicatos ou dos políticos, com fortalezas sonoras. O cidadão paga impostos e não recebe o retorno da paz social.
Os calendários anuais são generosos, temos dias de protestos e um Dia da Voz. Da diligente Sociedade Brasileira da Voz, aguarda-se a conscientização da voz humana. Que instâncias da saúde, setores de pesquisas universitárias alertem para patologias surgidas com o ribombar constante da poluição sonora. Dirigentes públicos são obrigados às ações fiscalizadoras e corretivas.
*Benedito Pedro Dorileo é advogado e Procurador de Justiça aposentado. Foi reitor da UFMT