Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT
Continuando reflexões anteriores, mas por conta da limitação de espaço, neste artigo, falarei basicamente da origem do populismo acadêmico. Paradoxalmente, o nascimento desse populismo é nobre. Ele surgiu na década dos anos 70 e incorporou-se a outras formas de enfrentamento ideológico às ditaduras militares na América Latina.
Portanto, foi em clima de sombrio cotidiano que algumas vozes de resistência política, do meio educacional, tanto do Brasil como de outros países da América Latina, começaram a ser ouvidas.
Em geral, vindas do exílio, essas vozes – tendo como pano de fundo a dicotomia social “burguesia versus proletariado” – começaram a expor teorias que visavam à superação do estágio visto como conservador/repressor de nossa educação formal. Dessas vozes, destaco o brasileiro Paulo Freire e a argentina Maria Tereza Nidelcoff.
Antes de outras considerações, reconheço uma identificação verdadeira/honesta desses dois educadores com a classe proletária. Ambos estiveram sempre imbuídos das melhores das intenções.
Mas, afinal, na essência, o que esses educadores expunham?
Freire condenava a “pedagogia opressora”; propunha a “pedagogia libertadora”. Pela primeira, dizia se tratar da educação tipo “bancária”: aquela pela qual “o educador é o sujeito”, que transforma os educandos em meras “vasilhas” a serem enchidas. “Quanto mais vai se enchendo os recipientes, com seus “depósitos”, tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem docilmente encher, tanto melhores educandos serão”, sentenciava ironicamente Freire.
Pela “libertadora”, partindo da assertiva de que “ninguém educa ninguém; ninguém educa a si mesmo”, e de que “os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”, Freire propunha a ruptura “com os esquemas verticais característicos da ‘educação bancária”; falava da necessidade de se “superar a contradição entre o educador e os educandos”. Muito próximo de reflexões de Bakhtin, superação possível apenas dentro do diálogo social.
De sua parte, Nidelcoff complementava as ideias freireanas. Comprova-se isso já pelo título de seu livro Uma escola para o povo. Quem não se lembra de seu questionamento central em que se opunham o “mestre-policial” e o “mestre-povo”?
Dessa oposição, a educadora argentina tratava da “polêmica existente entre uma atitude ‘policialesca e castradora’ de ensino ou uma (atitude) criativa de ‘engajamento’ na cultura do educando”. Sempre se dirigindo-se àqueles que atuavam nas periferias, ela questionava os métodos/posturas pedagógicas então vigentes de ensino.
Assim, não sem causar incômodos, costumo dizer que esse “casal de educadores” deu à luz ao populismo acadêmico. De lá para cá, nossa educação formal desce, sem freios, uma ladeira. Dissertações e teses populistas continuam a pavimentar e respaldar o abismo intelectual no país.
Hoje, perplexos, vemos a educação formal sendo ofertada de qualquer jeito às camadas populares. Perdidos, procuramos ver onde estaria a educação que se pretendia libertadora.
De concreto, nada que possa libertar alguém pode ser visto. Nosso povo, mais massificado do que nunca, vive no reinado da suprema ignorância, já bem perto das prisões da barbárie. Nunca um aluno proletário esteve tão condenado socialmente como agora.
Pior: nem mesmo a consciência de classe esse populismo acadêmico tem obtido êxito. No máximo, ideologicamente, a consciência pretendida não ultrapassa os limites do pertencimento a grupos sociais. Grupos que alhures estão sufocando a própria noção/luta de classe. Logo, a derrota completa.