Benedito Pedro Dorileo
Observando a etimologia da palavra sinestesia procedente do grego, temos a informação de ato de perceber uma coisa ao mesmo tempo que outra, a percepção simultânea para combinar sensações diferentes numa só expressão.
Afirmam os estudiosos que a sinestesia desempenha fino papel na literatura, como se tem notícia no século XVIII com Filinto Elísio estudando a cor dos vocábulos, chegando a suscitar a loura alegria e a pálida morte. Da palavra para a arte plástica, o poder da imaginação pode colocar no cinzel o valor sinestésico. Auguste Rodin, o escultor, afirma estar a beleza em toda parte, salientando que não é ela que falta aos nossos olhos, mas os nossos olhos que deixam de percebê-la. E proclama o corpo humano como a força máxima do caráter na natureza a retratar o belo: “em um momento assemelha-se a uma flor, a flexão do torso imita a haste, o sorriso dos seios, a cabeça e o brilho da cabeleira respondem pelo desenvolvimento da corola”. Ainda possível a silhueta do dorso que se afina na cintura e alarga-se nas ancas figura um vaso, a ânfora que repousa em seus flancos a vida do futuro. Victor Hugo arrebenta a onda da sensualidade assim concebendo: “o que adoramos no corpo humano é, ainda mais do que a sua forma tão bela, a chama interior que parece iluminá-lo por transparência”.
Imagine tudo isto no prodígio da sala de aula, a pequena e grande assembleia do conhecimento, banca de troca de ideias em que professor e aluno se realizam em plenitude. Certo dia abordando a Estilística, uma aluna surpreendera com o grito de aleluia, fazendo-me colocar no bolso o plano de aula – a ideia superou. Foi o bastante para o formidável interesse de todos: da ressurreição ao arrebatamento, do ascendimento do espírito a uma braçada de flores sensoriais do encanto. E choveram ofertas sinestésicas de conquista, ventura, céu aberto, mística, beatitude, deleite, êxtase, luz, animação, paraíso, glória. Quantos verbos: alegrar-se, usufruir, regalar-se, banhar-se em água lustral. Um sonho pode encerrar fato sinestésico: viver em uma nação encantada, onde as pessoas se irmanam indistintamente sem divisão de classe social, jamais dividindo nós e eles, com troca do alimento sem nenhum fruto proibido.
Revejo um plano de aula em ficha amarelada e encontro outra graça de confronto do prazer com a dor. Dos prazeres sensuais, materiais e dos sentidos: da sensualidade à luxúria, da voluptuosidade aos acúleos da carne, do ardor fogoso ao leito de rosas, do estalar os lábios ardentes ao beijo do amor seráfico. E a dor nas aflições que nos mordem, como a amargura e a tortura, a miséria e a agonia. O traspasso do padecimento das vítimas dos enlouquecidos do poder: do holocausto hitleriano à morte soviética massificada nas geleiras siberianas. Execrável tudo por completo em campos opostos – incompatível de imitação. A volta à calma em minhas aulas de Educação Física transportada para a sala, respirando fundo lentamente, findamos não com o dilacerar, todavia com a dor sublime dos mártires que nos legaram liberdade; e então, relaxamo-nos entre o tórrido e o gélido, conquistando o lugar comum. Era a mística em festa sinestésica da sala de aula que jamais a máquina consumirá.
Benedito Pedro Dorileo é advogado e foi
Reitor da UFMT