Sexta, 17 Abril 2020 14:29

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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Neste tempo de (quase) isolamento social, muitos têm profetizado que sairemos melhores – como seres humanos – após a experiência COVID-19. Será?  

Diante de tantas manifestações positivas sobre o porvir, confesso que, de início, quase que nelas acreditei. Essa minha quase crença se deu pelo fato de eu desejar muito ver a espécie humana, de fato, mais humana.

Um outro fator que me influenciou na quase crença desse futuro refinamento da humanidade foi a arte, sempre sublime. Nunca como antes compartilhamos tanta arte. Nunca como antes trocamos tantos poemas e músicas, todos importantes para o enfrentamento da quase solidão das horas... Talvez, a “live” de Bocelli, cantando na vazia Catedral de Milão, tenha sido o ápice disso tudo.

E as aulas de danças que nos enviam!? Tudo isso junto vai nos dando a sensação de pertencimento – mesmo sem saber exatamente a que – poucas vezes experimentada.

E as experiências de solidariedade?! De receitas culinárias a exercícios físicos e relaxamentos mentais, há um pouco de tudo. Insiro nesses espaços as campanhas para ajudar a matar a fome de tantos que, mesmo em condições “normais” de vida, já não têm como se alimentar no cotidiano feroz de diferentes sociedades.

No mesmo clima de positividade sobre o porvir estão as manifestações de agradecimentos a profissionais indispensáveis, com destaque aos da área da saúde. A eles, aplausos e emocionantes homenagens são vistos mundo afora. Tudo muito lindo e verdadeiro! Tudo muito humano! Enfim, um mundo novo desejado...

Mas, pergunto: desejado por quem?

Por quem já é minimamente humano; por quem já enxerga o outro como um ser que merece respeito; por quem já tem a vida humana acima de tudo; por quem já tem o privilégio de conseguir apreciar boas manifestações artísticas; por quem já é solidário desde sempre; por quem sempre quis ver a humanidade, de fato, mais humana.

Todavia, nem só desse tipo – tipo o trigo no meio do joio – foi “criada” a humanidade; aliás, eu diria que a “criação” da humanidade é bem mais cheia de estranhamentos do que poderíamos supor; portanto, na contramão desses tipos realmente humanos estão o que sempre estiveram, quais sejam: os que não enxergam o outro, a não ser que o outro lhe seja cópia fiel; os que nunca puseram a vida humana, principalmente a dos outros, acima de tudo; os que nunca conseguiram apreciar boas manifestações artísticas e, tampouco, ser solidários, a não ser com seus interesses; os que, por meio de seus espelhos embaçados, acreditam que a humanidade atingiu o apogeu, estando acima de todos, quiçá, só abaixo de um deus, em que pensam e juram acreditar, talvez porque nunca o enxergarão por aqui.

Como exemplos desses tipos, cito as lideranças políticas que, hoje, desrespeitando o conhecimento científico, atuam para desmontar as recomendações de cuidados sociais que visam a preservar vidas.

Cinicamente falando em nome da salvação de economias, tais “mitos” políticos incentivam uma legião de cegos e odiosos seguidores, mesmo alguns escolarizados, como aquele empresário, e tesoureiro do PSL de um munícipio mato-grossense, que atrai para a janela de seu carro um morador de rua, oferecendo-lhe dinheiro e, ao invés disto, quando o rapaz se aproxima, lhe dá um covarde murro no rosto. Desumanidade.

Por tudo isso, que pode infectar bem mais do que o próprio novo corona-vírus, infelizmente, digo que as relações humanas e as desumanas continuarão, basicamente, como dantes nas terras dos abomináveis e boçais mitos.

 

Sexta, 17 Abril 2020 14:06

 

Crises são também momentos de agudização das contradições que atormentam a vida social sob o capitalismo. A pandemia do novo coronavírus – ao que sabemos até aqui – nasceu na China, país superpopuloso que, diante do temor de expansão da doença em proporções gigantescas e descontroladas, tomou rigorosas medidas de isolamento social. Tais medidas envolveram a interrupção total das atividades num dos maiores centros industriais do país, Hubei, com mais de 60 milhões de habitantes, e de sua capital Wuhan. Essa decisão, em pleno período de tensões crescentes com os Estados Unidos, com seguidas provocações de Trump, impactou o mundo por um viés inesperado: a defesa da vida antes do lucro.

Os governos dos países centrais – com raras e honrosas exceções – consideraram inadmissível tal disjuntiva - defender a vida em vez do lucro - e tentaram por todos os meios evitar interrupções ou reduções no processo de extração de mais-valor. Isso ocorreu na França, na Itália, na Inglaterra e nos Estados Unidos e agora está acontecendo no Brasil. Até que a violência da pandemia expusesse a fragilidade dos sistemas de saúde, desfinanciados, sem os insumos necessários para realizar testes nas populações, sem equipamentos de proteção individual (EPI), com escassez de leitos, de respiradores e de equipes de saúde treinadas. Em meio à catástrofe sanitária, voltaram atrás tardiamente, e promoveram maior isolamento físico, mas todos, sem exceção, despreocupam-se com os trabalhadores de inúmeros setores – e não apenas os essenciais - que prosseguem em atividade sob ameaça de demissão. E, durante todo esse tempo, as populações gritam dos balcões e janelas em defesa da vida contra o lucro.

Para falar sobre a crise que o capital enfrenta de forma evidenciada durante a pandemia da Covid-19, conversamos com Vírginia Fontes, historiadora e doutora em Filosofia pela Université de Paris X, Nanterre (1992). Atualmente a docente integra o NIEP-MARX (Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas sobre Marx e o marxismo) e integra diversos conselhos editoriais no país e no exterior.

 

ANDES-SN: Professora, qual a relação entre a crise do capital e a forma como a pandemia da Covid-19 está se desenvolvendo e atingindo o mundo todo?

VF: Gostaria de separar dois movimentos: um, o da crise regular do capital, mais uma vez por superprodução, isto é, por excesso de extração de mais valor e de lucratividade do próprio capital. Há enormes massas de capital que encontram dificuldades para se valorizar na proporção faraônica que pretendem. Essas crises são recorrentes e vêm sendo a cada dia mais devastadoras para as populações e os trabalhadores, e resultam desgraçadamente da própria expansão do capitalismo. Entre 2008 e 2009 nos Estados Unidos, em 2012 na Europa, e ao longo desse período em muitos países (como no Brasil), os governos doaram bilhões para os capitalistas, mas sacrificaram pesadamente suas classes trabalhadoras. Salvaram os capitais para que eles avançassem com ainda maior ferocidade sobre os trabalhadores no mundo inteiro, extraindo mais-valor de maneira brutal pela generalização da uberização, continuando a expropriar direitos, apoderando-se dos fundos públicos.

Antes de falar da crise sanitária, é preciso lembrar que já estávamos ingressando numa nova crise capitalista, de novo por superprodução de capitais, pois o enorme volume de capitais, sob forma de títulos ou de dinheiro, que precisam se valorizar, já estavam implodindo a vida social. Longe da falaciosa versão de que “vínhamos crescendo e o vírus pode atrapalhar”, apresentada por Trump e por Bolsonaro, a crise já estava em curso, e era anunciada pelos próprios economistas burgueses. Ora, se o capital promove crises quase permanentes, uma verdadeira “crise do capital” ocorre quando as massas irrompem na história e bloqueiam sua capacidade de recompor-se. Revolucionam a existência. Dão um basta a essa forma de economia e a esse modo de ser bárbaro e truculento.

 

ANDES-SN: Nos últimos anos a extrema direita se consolidou no Brasil e no mundo. Como o avanço desse movimento se conecta a expansão desordenada do capital?

VF: No mundo contemporâneo, diversos arranjos protofascistas vinham se constituindo, inclusive no pólo central do capitalismo contemporâneo, os Estados Unidos. Desde a eleição de Ronald Reagan, cresceram as manifestações de uma extrema direita (alt-right) supremacista branca e racista, antifeminista, anti-trabalhadores, encarceradora e colonizadora. Esse endurecimento chega a seu ponto máximo com a eleição de Donald Trump, uma caricatura supremacista, de um nacionalismo exibicionista e belicoso e, finalmente, com a eleição do protofascista Jair Bolsonaro, no Brasil. Não obstante as demonstrações de truculência de ambos, a economia dos dois países estava dando sinais de dificuldades. No caso do Brasil, a crise iniciada em 2015 jamais foi superada, apesar de seus promotores – grande burguesia, seus acólitos políticos, pastores venais, militares e paramilitares, juízes a soldo -  usarem de enorme violência, retirando direitos de maneira brutal e lançando na precarização quase a metade dos trabalhadores, totalmente desprotegidos. Não podemos esquecer da brutalidade policial francesa contra os coletes amarelos, da truculência da polícia chilena cegando manifestantes populares que enfrentaram o medo e foram às ruas contra a permanência da política econômica ditatorial, da criminosa atitude policial e miliciana contra o governo de Evo Morales…

Essas são as condições antes da pandemia. A própria expansão do capital em sua desordenada e devastadora relação com a natureza vem agudizando permanentemente a possibilidade de pandemias, e já há uma enorme quantidade de estudos a esse respeito – confinamento de animais, tratados com doses massivas de medicamentos; alteração do uso do solo e do ambiente por monoculturas gigantescas, massivamente impregnadas de agrotóxicos etc. Todos os dias as mídias proprietárias relembram das últimas grandes epidemias – Ebola, SARS, MERS, H1N1 etc, mas “esquecem” de dizer que foram gestadas pelo próprio capitalismo. Ainda a destacar, o avanço das expropriações de direitos sociais incidiu diretamente na saúde, privatizando parcelas expressivas das políticas universais, precarizando trabalhadores, transferindo boa parte da saúde pública para mãos empresariais ávidas de lucro, além da destinação crescente de recursos públicos para o setor privado.  Esta é portanto uma pandemia totalmente acoplada à crise da vida social provocada pela expansão do capital e do capitalismo, sem falar da profunda internacionalização das relações sociais de produção.

O capital precisa se opor à disjuntiva verdadeira, à exigência que se generalizou, e que prega que a vida está acima do lucro. Por isso, cria a falsa disjuntiva da defesa da saúde contra a “economia”. Essa é a expressão mais direta da luta de classes em tempos de pandemia.

ANDES-SN: Essa pode ser uma oportunidade para escancarar a falência do modelo neoliberal e do Estado mínimo para o social?

VF: Mais uma vez, como fizeram em 2008 e em 2012, os governos capitalistas despejam trilhões de dólares para os proprietários de capital, numa negação óbvia e repetida (posto fazerem isso regularmente fora dos olhares do público) da pregação dogmática que repetiram todos os dias, do ‘ajuste fiscal’ e do controle da dívida pública. A hipocrisia agora dispensa véus.  Não destinam tais recursos para os trabalhadores e nem para as políticas de cunho social. A discussão sobre o Estado é complexa e longa, e vou tentar abreviar.

A expansão do que denominei capital-imperialismo envolveu uma interconexão desigual entre burguesias diversas na propriedade do capital, altamente internacionalizada. Mas envolveu também, como precocemente assinalou Antonio Gramsci, alterações nas formas de organização da dominação capitalista, pelo crescente papel de lutas pelo convencimento, levadas a efeito tanto pelas organizações dos trabalhadores, como do empresariado, através de partidos, sindicatos, jornais (mídia em geral), igrejas, associações diversas (sem fins lucrativos) etc. Para Gramsci, Estado e sociedade civil (e seus aparelhos de hegemonia), como em Marx, constituem uma unidade. A cultura e a sociabilidade se converteram em terreno ainda mais acirrado de antagonismo social. Essas formas organizativas, não obrigatórias, intensificaram disputas no próprio interior dos Estados capitalistas, para onde dirigem suas reivindicações. Mas também é do Estado que emanam, sob a forma de uma ‘universalidade truncada’, as modalidades de convencimento construídas desde a sociedade civil, que podem assumir uma dimensão mais popular quando avançam as lutas dos trabalhadores (ampliação de direitos, reconhecimento de reivindicações históricas populares) ou, ao contrário, assumir uma dimensão manipulatória e regressiva.

 

ANDES-SN: Como a dominação de classe se organizou para enfrentar a sistematização de luta da classe trabalhadora?

VF: A dominação de classes se organizou diretamente para enfrentar as formas organizativas dos trabalhadores. Ele entrelaça os interesses patronais e empresariais numa rede que vai além do estreito limite das próprias empresas e que se apresenta como apartidário, assumindo feições nacionais e, na grande maioria dos casos, apoiadas e integrando associações congêneres internacionais. Assumem diferentes formatos, desde a defesa de interesses patronais setoriais (gerais, como bancos, comércio, serviços; ou específicos, como a indústria farmacêutica ou de máquinas), passando por agrupamentos de grandes blocos de interesses (como por exemplo a ABAG, no caso brasileiro que reúne desde a rede Globo até bancos, grandes empresas proprietárias de terras e empresas brasileiras e estrangeiras de insumos e agrotóxicos; ou o Fórum de Davos, no cenário internacional). Mas além disso, constituíram também outras duas formas, uma intelectual e outra ‘social’. Na primeira, a tentativa de bloquear o conhecimento crítico produzido de maneira universal, através de entidades de ensino e educação com base unicamente empresarial, visível nos Master Business of Administration (MBAs), passando por think tanks que se arvoram a ‘fala autorizada’; e na segunda, a difusão de um suposto capitalismo filantrópico, voltado diretamente para os setores populares. Todos visam impedir conquistas efetivamente universais e para tanto contam com grandes escritórios de advocacia, que formulam, incessantemente, legislações privatizantes, que atuam para contornar a lei e as exigências constitucionais. Sua atuação conjunta foi agressiva, mas sob uma novilíngua que os apresentava como arautos de uma atuação para os pobres que visava… mantê-los pobres e silentes. Não por acaso, essa era também a política conduzida pelo Banco Mundial.

Essa estratégia assegurou um crescimento de burguesias periféricas, mas mantendo-as estreitamente atadas ao capital-imperialismo tanto pelos elos de co-participação em diversas formas de propriedade (pelos investimentos externos e pela exportação de capitais de burguesias secundárias) quanto pela permanente instigação originada dos aparelhos de hegemonia de alto vôo internacional.

 A meu juízo, somente é possível compreender o que muitos denominam como ‘neoliberalismo’ se analisamos a intensa atuação dessas classes dominantes nos cenários nacional e internacional por meio dos organismos semi-públicos voltados para a reprodução do capital (BM, FMI, OMC, dentre outros) e pela ampliação dessa malha de aparelhos de hegemonia que, ao passo em que coordenavam as ações empresariais, agiam para desbaratar e desorganizar internacionalmente as classes trabalhadoras. O empresariado duplicou sua rede de relações no interior dos Estados, além de lançar teias expressivas para os setores populares, ao mesmo tempo em que capturava os recursos públicos sociais para geri-los privadamente. Nesse processo, partidos originados das classes trabalhadoras foram engolidos, transformados em ‘esquerdas para o capital’, convencidos da filantropia empresarial através de gordas retribuições.

Não há espaço para apresentar como essa forma de organização de classes foi devastadora para os setores populares. No entanto, as massas trabalhadoras não vivem de convencimento, mas de vida concreta e, nela, as condições pioravam. Agora, sem direitos e sem sequer contratos de trabalho. E o que é pior, com suas organizações, criadas com tanto sacrifício, oferecendo-se a serviço do capital.

 

ANDES-SN: Para a senhora, as contradições do capital-imperialismo estão expostas e, em parte resultam do seu próprio sucesso, que fragilizou as instituições representativas burguesas?

VF: De maneira similar às crises resultantes da excessiva extração de mais-valor e do excesso de lucro, com sua acumulação especulativa, a malha empresarial ao devastar as conquistas sociais promove crises políticas recorrentes, o que resultou em gigantescas manifestações populares que crescem desde o início do Século XXI – as ‘primaveras’ árabes, as revoltas na França ou no Chile, dentre outras.

As contradições têm ainda outro viés: burguesias subalternas criadas sob o guarda-chuva imperial dos Estados Unidos pretendiam ingressar no clube dos dominantes, sem alterar as regras do jogo, o que foi expresso pelo BRICS, composto por países subalternos cujas classes dominantes começavam a se expandir seguindo o modelo construído e imposto pelos preponderantes. Não pretendiam alterar as regras do jogo, queriam participar mais plenamente.  No entanto, apenas essa perspectiva abriu tensões insuportáveis para os grupos dominantes, especialmente para os Estados Unidos, abrindo-se novas fricções inter-imperialistas, direcionadas contra a China.

A ampliação do Estado que Gramsci analisou, e que alguns supuseram ser capaz de avançar na direção de um aumento da participação popular em condições democráticas, revelou-se uma verdadeira coagulação da democracia em quase todos os quadrantes do planeta. A manutenção do capitalismo vem exigindo doses múltiplas de violência, ao lado da potencialização de formas de convencimento direcionadas para os processos eleitorais que são, na verdade, verdadeiras milícias virtuais protofascistas.

O Estado continua a ser o refúgio do capital. Nas atuais condições de múltiplas crises – econômica, política, social, sanitária – as falas do governo brasileiro através de Paulo Guedes são esclarecedoras: justificam se afastar de sua política padrão de ajuste fiscal para derramar bilhões de reais para o grande capital, seja para jogar o dinheiro pela janela ao tentar manter o valor do real; seja para que enormes massas de dinheiro público coagulem, ficando empoçadas nos bancos que avidamente as controlam; seja para facilitar a vida dos mega e grandes empresários, acenando também para os médios e, até mesmo, alguns pequenos capitalistas. Implodem mais uma vez seus dogmas, mas com a intenção explícita de retomá-los adiante e prometem mais retirada de direitos, maior rebaixamento das condições salariais e da vida dos trabalhadores. Longas reuniões feitas pelo ministro por meios digitais com os empresários mostram a subordinação dos governantes às classes dominantes e sua ojeriza às populações que eles próprios contribuem para fragilizar e tornar vulnerável. Enquanto os recursos bilionários já chegaram a muitos bancos e empresários, estão longe de ter algum encaminhamento consistente para os setores populares.

Algo tão brutal somente pode ser garantido pelo crescimento da violência, real e simbólica. Ao mesmo tempo, os trabalhadores sabem que estão abandonados, exigem saúde e recursos para cuidar da vida durante a pandemia. Ao contrário de assegurar a vida, o governo Bolsonaro joga para aumentar ainda mais o grau de exploração das grandes massas trabalhadoras. Para isso, vem contando com o apoio de suas clássicas milícias, assim como das Forças Armadas, que parecem dispostas a sair de seu papel de militares, para se converterem em policiais contra o próprio povo.

 

ANDES-SN: O governo brasileiro, assim como outros países, está injetando dinheiro para salvar empresas e bancos. Qual o impacto dessa medida? É possível dizer que há um oportunismo nessa ação, uma vez que a crise antecede a pandemia?

VF: Não só oportunismo, mas desfaçatez absoluta. Aliás, essa desfaçatez começa com a deferência do super-ministro da economia, Paulo Guedes, frente às entidades associativas empresariais e frente ao setores que lhe são caros, como o dos investidores, exemplificados pela XP Investimentos. Essa empresa lançou recentemente ações na Bolsa de Nova Yorque e acaba de ser denunciada nos Estados Unidos por comportamento não regular.  Longas ‘lives’ (transmissões diretas abertas pela internet) permitem assistir ao ministro cercado de seus amigos empresários, a quem presta contas pessoalmente. Nenhum encontro público ou privado com sindicatos e associações de trabalhadores, com movimentos sociais ou suas organizações. Um absoluto desprezo pelas grandes maiorias, para as quais destinou – segundo sua fala na live da XP – 88 bilhões, enquanto liberou 400 ou 500 bilhões para o empresariado e, segundo ele, alguns bilhões para a saúde pública.

A exigência e o clamor popular eram pela liberação urgente e imediata de recursos para assegurar a permanência dos empregos, a não redução salarial e a garantia da sobrevivência dos trabalhadores informais sob condições de pandemia. Era e ainda é a reivindicação da vida antes do lucro. A opção deste governo foi a de distribuir a rodo recursos para o empresariado, e de embarreirar com firulas burocráticas a urgente distribuição de verba pública para o setores sociais mais vulneráveis. Frente às reivindicações crescentes, inclusive de setores médios, para que o governo Bolsonaro libere “já” os recursos para os setores populares, ele retruca com o lucro contra a vida. Exige o retorno ao trabalho, custe o que custar aos trabalhadores. Estes deverão trabalhar sem equipamentos de proteção, levando e trazendo a contaminação pelas cidades afora, adoecendo e lotando os hospitais desequipados depois de décadas de subfinanciamento do Sistema Único de Saúde, de privatização da saúde e de precarização das relações de trabalho também no âmbito dos trabalhadores da saúde.

 Este é um governo que promove a catástrofe. Joga com o que há de pior – ele próprio ameaça com a fome e o abandono para que os trabalhadores e trabalhadoras enfrentem o medo da doença e da morte e se joguem na produção do lucro para o empresariado, engordado com os recursos públicos e ávido para retirar ainda mais direitos e salários de seus empregados.   

ANDES-SN: Qual Estado precisamos para enfrentar esse momento de crise?

VF: De maneira imediata, precisamos de um Estado capaz de recompor plenamente o sistema de saúde, de destinar recursos públicos para a saúde pública, universal e gratuita, garantidora da equidade e igualdade sociais. O SUS precisa ser, finalmente, implantado, o que jamais ocorreu plenamente. Para tanto, é necessário recompor e reconverter a estrutura produtiva, que deve dirigir-se para a produção dos bens urgentes para a saúde pública e, na sequência, para assegurar a qualidade de vida da população. Para que isso ocorra, é também urgente a destinação única de recursos públicos para a educação pública, que vem sendo sangrada em grande escala não apenas pelas empresas de vendas de pacotes educativos, mas por aparelhos privados de hegemonia empresariais que capturam as verbas públicas, formulam os programas educacionais em todos os níveis (municipal, estadual e federal) e procuram transformar a própria noção de público, para rebaixá-lo a uma gestão privada.

É urgente acabar com a Emenda Constitucional 95, a emenda da morte, e reverter todos os recursos para os direitos sociais. É preciso suspender o pagamento da dívida criminosa e especulativa, anulando tal dívida. Jamais soubemos no que foram aplicados tais recursos. Com isso, destinar os recursos para garantir saneamento básico – e chega a ser vergonhoso mais uma vez exigir saneamento básico, algo que reivindicamos há um século! Garantir água corrente e energia elétrica a todos os rincões do país.

Isso nos leva a enfrentar e reconverter a estrutura produtiva atual, pois está voltada para a devastação da natureza e da vida, nos campos e nas cidades. Vale lembrar os crimes cometidos pela mineração, a monocultura transgênica e encharcada de agrotóxicos, o genocídio que vem sendo cometido contra os indígenas, os quilombolas e os camponeses que resistem a essa barbárie. Vale não esquecer dos trabalhadores uberizados nas grandes capitais, dos entregadores de bicicleta, dos trabalhadores de telemarketing, das vendedoras e trabalhadoras sem reconhecimento ou direitos. É preciso uma nova forma de sociometabolismo, reconstruindo uma relação entre seres sociais e natureza capaz de assegurar os bens necessários à vida sem a exaustão do planeta, de suas águas, vegetação e fauna. E sem a exaustão dos trabalhadores. Um Estado que assegure o controle dos processos produtivos aos que efetivamente produzem, sabedores que os laços que unem os trabalhadores na atualidade não se limitam mais ao espaço fabril, e conectam todos aqueles que vivem do seu próprio trabalho. É preciso tornar públicas todas as águas, desfazendo as iniciativas privatizantes levadas a efeito pelo Estado-para-o-capital. Precisamos de um Estado diretamente controlado pelas grandes massas.

Começaríamos então a poder pensar numa verdadeira democracia, onde a liberdade é a possibilidade de ir além da vida destinada ao trabalho e à necessidade. No mundo do capital, só são livres os poderosos e os seus herdeiros bilionários. A grande massa da população está escravizada pela necessidade mais imperiosa, que a impele a vender sua força de trabalho mesmo se arriscando à morte. A liberdade começa exatamente ali onde a necessidade se reduz. As contradições geradas pelas múltiplas crises que estamos atravessando são poderosas. A resposta do grande empresariado brasileiro tem sido avançar nos recursos públicos e distribuir menos que migalhas. Mas, embora tenham eleito um protofascista e embora as milícias reais e virtuais sigam agindo, a vida real é mais poderosa e as contradições agora ficarão expostas, visíveis e dolorosas.

A vida acima do lucro diz o que precisa ser dito.

 

*As opiniões contidas nesta entrevista são de inteira responsabilidade dos entrevistados e não necessariamente correspondem ao posicionamento político deste Sindicato

 

Fonte: ANDES-SN

Sexta, 17 Abril 2020 12:56

 

A diretoria do ANDES-SN encaminhou às seções sindicais a minuta de Ação Civil Pública com pedido de tutela de urgência, elaborada pela Assessoria Jurídica Nacional da entidade (AJN), que questiona a aplicação, pelas instituições de ensino, da Instrução Normativa nº 28.  A orientação é que os jurídicos das seções sindicais ajuízem a ACP nas sessões locais da Justiça Federal.

A IN 28 foi publicada pelo Ministério da Economia em 25 de março de 2020. Entre outras medidas, orienta a suspensão do pagamento de auxílio-transporte, de adicional noturno e dos adicionais ocupacionais aos servidores e empregados públicos que executam suas atividades remotamente ou que estejam afastados de suas atividades presenciais. Na avaliação da AJN do ANDES-SN, a medida viola os direitos funcionais das e dos docentes.


A diretoria do Sindicato Nacional orienta também, que, antes do ajuizamento da ação, as seções sindicais façam o protocolo de requerimento administrativo com o mesmo pedido nas respectivas instituições de ensino. “Entendemos que não é necessário aguardar a resposta da instituição de ensino ao pedido administrativo antes do ajuizamento da ação”, explica a diretoria na circular 121/2020.
A circular informa ainda que “o ANDES-SN, a FASUBRA e o SINASEFE, conjuntamente, protocolaram pedido administrativo, junto ao MEC, ANDIFES e CONIF, questionando a aplicação da referida IN nº 28”.


Confira aqui a minuta a Ação Civil Pública


Confira aqui a IN 28

 

Fonte: ANDES-SN

Quinta, 16 Abril 2020 11:50

 

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Wescley Pinheiro

Professor do Departamento de Serviço Social - UFMT

Doutorando em Política Social - UnB

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  Com as incertezas e impossibilidades impostas pela pandemia da Covid-19, da necessidade de isolamento social e de todas as questões da política que potencializam o sofrimento, o debate sobre saúde mental  tem aparecido como algo essencial. 

       Essa discussão, no entanto, não pode se limitar em formulações simplistas quando boa parte da população brasileira não tem condições materiais de desenvolvê-las. Sem tergiversar: o seu yoga, as lives musicais, os filmes no streaming, a manutenção de uma rotina, a alimentação saudável, a terapia por skype e os exercícios mentais para ser positivo... tudo isso é importante, mas saúde mental é outra coisa.

Afinal, há morte lá fora. Aqui dentro de nós, angústia. Em casas apertadas e espíritos suprimidos assistimos a falta de assistência encurralando quem precisa sobreviver. Vamos intercalando entre o ímpeto dos escapes e a vontade de acompanhar tudo-ao-mesmo-tempo-agora, esperando os piores noticiários, numa luta constante para subviver. 

“Quase democrático” em seu contágio, mas muito seletivo na forma e meios de tratamentos, o Corona Vírus é um adversário invisível que joga em nossa cara todos os outros tão mais antigos e concretos. A doença que causa prejuízo econômico pode ser também a cura para as tarefas do “quase democrático” liberalismo. Se viver é meritocrático chegou a hora de aprofundar a necropolítica e com ela, além de não morrer, é muito difícil não enlouquecer.

    É tempo de golpes. De horizonte rebaixado, de profunda confusão. De um governo apostando no caos como combustível para a barbárie, de viver o desespero. Parece não haver alternativas fora do sofrimento quando não estamos presos somente em nossas casas, mas sim nunca sociedade que sequer permite o isolamento social para sobrevivermos numa pandemia. 

Compreender o tamanho do problema é fundamental. Nesse sentido, sofrer por isso também é saudável. No entanto, se a percepção desse fenômeno supera as condições individuais e subjetivas, o cuidado com a saúde mental toma contornos mais potentes, afinal, se manter são ou, ao menos, desenvolver formas de se fortalecer emocionalmente é, cada dia mais, uma questão política, afinal, será preciso não sucimbir, será necessário está bem, tanto por nossa dimensão individual, quanto para resistir ao genocídio em curso.

Além disso, quando transcendemosl, percebemos que autocuidado não é auto-ajuda, muito menos que saúde mental se limita ao seu próprio bem estar e, portanto, esse debate precisa superar as questões clínicas ou circunscritas nas escolhas cotidianas. É preciso sim pensar as estratégias subjetivas diante do isolamento, mas temos que anotar algo ainda mais grave: assim como toda a saúde pública, a política de saúde mental vem sofrendo ataques históricos e chega no quadro da pandemia profundamente debilitada. 

Não é pouca coisa ou um tema secundário. É preciso pensar no autocuidado, mas é fundante ir além. É imperativo pensar que saúde mental é mais que uma opção, um conjunto de alternativas, fórmulas, dicas ou tratamentos que o sujeito pode  ou não escolher. Saúde mental é um direito, mais ainda, enquanto política, a saúde mental é um dever coletivo. 

Nessa direção, o binômio desresponsabilização do Estado e privatização/refilantropização da saúde sustenta uma contínua contrarreforma na saúde mental ampliando desafios. Esta dualidade aparece nos retrocessos legais, no desmonte da política de saúde, na privatização do SUS, nos cortes de verbas e precarização dos espaços e condições de trabalho.

Pensar a saúde mental enquanto uma política social é elementar para superar caracterizações voluntaristas ou fatalistas diante da totalidade histórica. Perceber as disputas diante das mediações entre cotidiano, política e economia e o processo de produção e reprodução da vida são pontos cruciais para a reflexão diante da constituição da política de saúde, as particularidades brasileiras, as conquistas firmadas desde as lutas dos anos 1980 e os atuais retrocessos.

A construção de relações subjetivas numa sociedade repleta de cisões é elemento chave para a compreensão do adoecimento mental e daquilo que esta mesma sociedade compreende sobre que é saúde e suas formas de tratamento. As diversas expressões da questão social atravessam os sujeitos, demarcam seus limites e possibilidades, apresentam alternativas a partir de sua classe, cor, etnia, gênero, orientação sexual, origem e geração. Mais que questões somente físico-químicas, elementos genéticos e fisiológicos o aprofundamento de relações coisificadas e de uma lógica desumanizada mergulha a formação subjetiva nas intempéries do seu tempo histórico.

Esses elementos estabelecem condições peculiares para a saúde mental da classe trabalhadora, com o aumento da pauperização e da degradação cotidiana dos espaços de vida e trabalho, ampliando as condições de adoecimento. O crescimento de uma lógica conservadora e moralista patologiza sujeitos, culturas e grupos, além de fortalecer a lógica manicomial e de tratamento centrado na medicalização e na repressão.

No campo ideológico temos o avanço das novas roupagens conservadoras explicitando velhas práticas, fortalecendo valores comprometidos com a manutenção de estereótipos e exercendo parte da função punitiva historicamente construída como substrato cultural imputado à loucura. Essa lógica tanto individualiza os elementos fundamentais da saúde mental e, portanto, de sua política, estruturando intervenções com esse caráter, fortalece o conteúdo reacionário e todo o ranço manicomial e, por fim, aprofunda o abismo de classe para o direito ao tratamento.

Aos pobres o manicômio, a internação compulsória, os fármacos, a suposta caridade das comunidades terapêuticas ou simplesmente o nada. Para as camadas médias, a clínica particular, os consultórios fetichizados, tabelados por diferentes preços, com seus profissionais e diferentes abordagens. Para essa parcela também temos os fármacos, tabelados pela moda do momento, aliados às terapias alternativas, palestras, livros de auto-ajuda, além dos coach´s, “os treinadores da vida”. Aos ricos, tudo, absolutamente tudo, inclusive a espetacularização da saúde e da doença.

Remediada para dormir e para acordar, a sociedade naturaliza as substâncias lícitas, vendidas nas farmácias, tolera outras tantas, vendidas nos supermercados, convive com a ilicitude de drogas sintéticas próximas das elites, enquanto aprofunda a ideologia de “guerra às drogas” com a lógica proibicionista, bélica e de aprisionamento em relação às camadas populares e se centrando em substâncias específicas.

O autocuidado no capitalismo é um privilégio, seja em tempos de pandemia ou não. O encarceramento penal imputado ao povo negro, historicamente escravizado e também aprisionado nos manicômios, junto de mulheres e outras parcelas oprimidas e marginalizadas se revitaliza no tradicional metamorfoseado. O moralismo e o bom mocismo, seja fundamentalista religioso, seja da segurança pública ou ainda das terapias alternativas, vai esfarelando a política pública estruturada em rede, com controle social da população, buscando alternativas reais para tratamento e enfrentamento por vias estruturadas em resultados efetivos e humanizados.

As perdas são incontáveis. Da Emenda Constitucional 55, que congela o financiamento das políticas sociais por vinte anos, da contrarreforma trabalhista de 2016 ou, ainda, nas publicações específicas da saúde mental como as GM Nº 3.588 de 21 de dezembro de 2017 do Ministério da Saúde, a Portaria nº 679 de 20 de março de 2018 do Conselho Nacional de Álcool e Drogas (CONAD), a Portaria GM nº 2434 do Ministério da Saúde e, por último, da Nota Técnica Nº 11/2019 intitulada “Nova Saúde Mental”, publicada pela Coordenação-Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, do Ministério da Saúde temos um conjunto de ações que impactam diretamente na pressão, enxugamento e deteriorização da saúde mental. 

Essas ações atingem seus profissionais e os usuários, impactando as condições de trabalho, mas também aprofundando uma lógica que volta a ter o hospital psiquiátrico como referência da política de saúde mental. O processo contínuo de regressividade vai se naturalizando dentro do cotidiano profissional e, por vezes, consolidando o minimalismo como única possibilidade de atuação.

O desprezo do governo brasileiro não é apenas com a vida dos idosos e outras parcelas do grupo de risco de mortalidade sob a pandemia do corona vírus. A forma de tratamento no campo da saúde mental atravessa a história de modo a invisibilizar sujeitos sobrantes na lógica da economia. Nesse genocídio quem restará?

Em tempos de isolamento precisamos pensar na clausura de quem já sofria intensamente, estando diagnosticado ou não com psicopatologias. Em tempos de ampliação do sofrimento precisamos pensar qual estrutura temos para realizar acompanhamento psicológico das profissionais da rede de saúde, dos familiares dos enfermos, de todos nós.

Em tempos de barbárie precisamos pensar em que direção estão indo os equipamentos e políticas da saúde mental. Sob a desculpa do cuidado, com essa população e com toda a sociedade, para milhares de pessoas, a covid-19 será a porta de entrada para suas internações compulsórias, para o extermínio das pessoas que vivem em situação de rua, para o aprisionamento em comunidades terapêuticas. O aperto no peito que todos sentimos no isolamento social é apenas uma das características de como o Estado Brasileiro trata as pessoas em sofrimento mental intenso.

E não para por aí. Para milhões de pessoas a terapia é algo distante, desconhecido, impossível. Para quase todos nós da classe que vive do próprio trabalho, qualidade de vida é um fetiche, um não-lugar. Manter-se são é resistência, talvez sorte. 

Quando a crise do capital degrada a condição de vida das pessoas, o Estado busca tomar as rédeas para administrar a possibilidade das taxas de lucro, a moral aparece como instrumento mistificador da realidade, engabelando possíveis resistências frente às questões essenciais e dirigindo olhares para a superfície. 

Por isso, as relações subjetivas, os espaços cotidianos de trabalho, a família, os lugares coletivos onde buscamos fortalecer o espírito, as relações de amizade, entre outros afetos surgem com toda a violência possível, materializando em nossas vidas aquilo que se projeta, se propaga e se consolida na lógica do protofascismo contemporâneo.

Nesse tempo histórico, o autocuidado individual passa por reinventar coletivos com sentido. Na exacerbação da forma mais grave da sociabilidade capitalista a reprodução do protofascismo e o aprofundamento do sofrimento mental exigirá de nós respostas contundentes. Entre as estratégias e as táticas, entre sofrimentos, desapontamentos e desafetos, entre a necessária resistência e a vida cotidiana haverão ainda mais desafios. O exercício de diálogo, de enxergar as pessoas, de construir relações para visibilizar nossa humanidade nos outros será também rebeldia em tempos de cólera.

O desafio, mais que terapêutico, é o de compreender essa angústia individual dentro de um conjunto de contradições desenvolvidas coletivamente. Nesse difícil momento de isolamento social a dificuldade também passa por perceber que essa frustração impenitente pelo aprisionamento de nossos planos e suspensão de nosso cotidiano precisa se conectar à consciência de algo mais amplo que nunca tem se efetivado, a nossa emancipação enquanto humanidade. 

É fundamental se indignar, se desesperar, não. É fundamental que essa raiva persistente se transforme em ódio de classe. Falo aqui de sentimento, não de ressentimento, não de uma raiva requentada, mas de potencializar nossas experiências para destruir o que nos faz sofrer e, assim, construirmos o novo. 

Se é salutar não se deixar corroer por pensamentos e atitudes destrutivas, é tão urgente não deixar amortecer a necessidade de reação, a potencialidade de nossa insatisfação para nos fazer forte diante das tarefas que virão. Que cada lágrima impossível de não ser derramada não vire romantismo, mas  fermente a força coletiva. Que cada sorriso no meio do caos não seja escapismo vazio, mas exercício de rebeldia e esperança.

A partir do momento em que evidenciamos os limites e as possibilidades, que descortinando  os fundamentos de nossos sofrimentos para além da lógica em-si-mesmada, podemos exercitar individualmente meios para sobreviver à desumanização presente. E podemos mais. Podemos encontrar humanidade, esperança na prática e não nas esquivas, experienciar, ainda que isolados fisicamente, a construção do novo pela luta coletiva.

É muito saudável ter perspectiva e é possível tê-la! Quando sairmos de nossas cercas, se juntarmos os nossos medos e as nossas coragens e direcionarmos para o que nos estrutura. Não há tempo para se enganar. Nesse momento histórico há um inapelável chamado para enxergar a dureza das coisas, mas podemos fazer sem perder toda a ternura.

Quarta, 15 Abril 2020 17:23

 

Em sessão virtual, a Câmara dos Deputados aprovou na noite desta terça-feira (14) a Medida Provisória 905 do governo Bolsonaro que cria a “Carteira de Trabalho Verde e Amarela”. A MP, aprovada por 322 votos a favor e 153 contrários, flexibiliza ainda mais a legislação trabalhista no país, impondo mais reduções de direitos e condições precárias aos trabalhadores.

 

O texto seguirá agora para o Senado como PLV 04/2020 (Projeto de Lei de Conversão) onde terá de ser votado até o próximo dia 20 para não perder a validade. Se aprovado, irá à sanção presidencial.

 

A MP 905 é a Reforma Trabalhista de Bolsonaro, ainda mais dura e nefasta que a aprovada por Temer. Isso porque a “Carteira Verde e Amarela” é uma nova modalidade de contrato de trabalho, que cria uma segunda categoria de trabalhadores muito mais precarizados e com menos direitos.

 

Leia também:  Centrais Sindicais repudiam aprovação da MP 905 e denunciam retirada de direitos e desemprego

 

O texto garante a redução de vários encargos para as empresas que contratarem jovens de 18 a 29 anos no primeiro emprego e trabalhadores com mais de 55 anos de idade. A proposta inicial previa que as empresas poderiam contratar até 20% de seus trabalhadores nessa modalidade, mas ontem os deputados ampliaram esse percentual para 25%.

 

As empresas que contratarem por essa modalidade ficarão isentas de pagar a contribuição patronal ao INSS (20%), ao Sistema S (de 0,2% a 2%), entre outras. A “economia” para os empresários será de cerca de 70% dos encargos trabalhistas.

 

Já para os trabalhadores, a Carteira Verde e Amarela será sinônimo de menos direitos. Neste tipo de contrato, o salário a ser pago aos trabalhadores só poderá ser de até 1,5 salário mínimo (R$ 1.567,50).

 

São revogados mais 42 artigos da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e graves ataques, como a redução da multa rescisória sobre o saldo do FGTS de 40% para 20%, a possibilidade da diluição do 13°, do 1/3 das férias e da multa do FGTS nos salários mensalmente, o não pagamento das horas extras e sua substituição por banco de horas desde que a compensação ocorra dentro do prazo de seis meses, afrouxamento das regras de fiscalização sobre as empresas, entre outros (veja mais ao final do texto).

 

Apesar de recuar na taxação obrigatória dos trabalhadores desempregados, que na proposta inicial de Bolsonaro previa um desconto entre 7,5% e 9% para o INSS, o texto manteve a taxação, tornando-a facultativa num valor fixo de 7,5%.

 

MP vai agravar precarização e desemprego

 

Bolsonaro, Paulo Guedes, Mourão, Rodrigo Maia e os 322 deputados picaretas que aprovaram a MP 905 têm a cara de pau de usar novamente o falso discurso de que a medida irá gerar empregos, como Temer fez ao aprovar a Reforma Trabalhista, em 2017.

 

“Uma mentira deslavada. Pesquisas comprovam a Reforma Trabalhista de Temer aumentou o desemprego, a informalidade e o trabalho precário. Inclusive, é esse exército de trabalhadores informais que hoje sofrem com os efeitos da pandemia e estão sem sua fonte de renda tendo de se aglomerar em filas para receber R$ 600”, denuncia o integrante da Secretaria Executiva da CSP-Conlutas Luiz Carlos Prates, o Mancha.

 

“Ao permitir que até 25% dos funcionários de uma empresa sejam contratados dessa forma, o que vai acontecer é a troca por aqueles que tinham salários mais altos. Além disso, os empresários estão demitindo agora em meio à pandemia e quando eventualmente recontratarem será pela carteira verde amarela. Ou seja, quem for demitido não volta mais ao mercado de trabalho com a carteira azul pela CLT. Ou seja, o resultado será mais desemprego e aumento da precarização”, avaliou.

 

“Bolsonaro e os empresários estão aproveitando da pandemia para avançar na flexibilização dos direitos e neste grave momento os trabalhadores já estão sendo alvo de demissões em massa e da chantagem das empresas. Se depender do governo e deste Congresso de picaretas, os ataques continuarão. Por isso, os trabalhadores precisam se organizar para defender suas vidas, empregos e direitos. E, acima de tudo, a luta pelo Fora Bolsonaro e Mourão é uma das principais tarefas neste sentido”, afirmou.

 

Confira os principais ataques da MP 905:

 

  • Poderá ser contratados com um salário de até 1,5 salário mínimo (R$ 1.567,50) jovens de 18 a 29 anos no primeiro emprego e trabalhadores com mais de 55 anos fora do mercado de trabalho há 12 meses. Regras valem inclusive para os trabalhadores rurais

 

  • Isenção de impostos previdenciários e trabalhistas para empresas de cerca de 70% sobre os encargos da folha de pagamento

 

  • Redução da multa do FGTS dos trabalhadores de 40% para 20%

 

  • Os valores do 13°, 1/3 de férias e multa do FGTS poderão ser pagos mensalmente de forma parcelada junto ao salário

 

  • Cobrança facultativa para os desempregados de 7,5% sobre o seguro-desemprego ao INSS

 

  • As empresas podem deixar de pagar 50% de hora extra e aplicar banco de horas, desde que a compensação ocorra em seis meses

 

  • O trabalho aos sábados, domingos e feriados foram liberados para atividades de teleatendimento, telemarketing, serviço de atendimento ao consumidor; ouvidoria; áreas de tecnologia, segurança e administração patrimonial; atividades bancárias de caráter excepcional ou eventual e em feiras, exposições ou shopping centers e terminais de ônibus, trem e metrô

 

  • Aumento da jornada de trabalho dos bancários de 6h para 8h

 

  • Alteração do entendimento sobre acidente de trabalho (na ida e volta de casa ao trabalho). Só haverá reconhecimento se houver dolo ou culpa e ocorrer em veículo fornecido pelo empregador

 

  • A MP remete ao regulamento do INSS a definição de situações em que o pagamento do auxílio-acidente ocorrerá em razão de sequelas que impliquem a redução da capacidade de trabalho. Somente se essas condições persistirem é que o trabalhador receberá o auxílio até sua transformação em aposentadoria por invalidez ou até o óbito. A lista de sequelas será atualizada a cada três anos pelo Ministério da Economia

 

  • Afrouxamento da fiscalização em questões de saúde e segurança do trabalho e aplicação de penalidades

 

  • Acordos e convenções de trabalho prevalecerão sobre a legislação ordinária, sobre súmulas e jurisprudências do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e de tribunais regionais do trabalho, exceto se contrariarem a Constituição federal

 

Fonte: CSP-Conlutas (com informações Agência Câmara e Diap)

 

Quarta, 15 Abril 2020 17:21

 

Enquanto a pandemia do coronavírus avança no país, várias medidas provisórias, projetos de lei e propostas de emenda constitucional estão em tramitação no Congresso Nacional. Mas, ao invés de propor medidas que garantam estabilidade no emprego e a renda neste difícil período, os textos representam graves ataques aos trabalhadores.

 

Enviadas pelo governo Bolsonaro e o ministro da Economia Paulo Guedes, ou de autoria de deputados ou senadores, são MPs, PLs e PECs que propõem redução de salários e direitos, mais precarização do mercado de trabalho, ou então, desvio de dinheiro público para o setor financeiro.

 

Fique por dentro de alguns dos principais ataques e como está a tramitação das medidas.

 

MP 905: objetivo é votar estar semana

Um dos mais graves ataques e prestes a ter votação na Câmara é a MP 905. Desde a semana passada, o presidente da Casa Rodrigo Maia (DEM) tenta colocar em votação e aprovar esta MP, que cria a chamada Carteira Verde e Amarela. Maia e Bolsonaro têm pressa, pois o texto precisa ser aprovado até o dia 20 para não perder validade.

 

A MP é um brutal ataque, pois significa uma reforma trabalhista ainda mais profunda que a realizada pelo governo de Michel Temer. Com o falso argumento de gerar empregos para jovens e trabalhadores acima de 55 anos de idade, a MP na prática, cria uma categoria de trabalhadores precarizados, com menores salários e menos direitos.

 

O texto prevê a redução do FGTS (de 8% para 2%), da multa rescisória (de 40% para 20%), cobrança de desempregados (sobre o seguro-desemprego), limitação de salário até 1,5 salário mínimo por mês, entre vários outros ataques (saiba mais aqui).

 

Ao invés de “gerar empregos”, esta MP será uma forma das empresas demitirem trabalhadores contratados pela CLT, para colocar no lugar, mão de obra mais barata. Ou seja, vai resultar em desemprego e mais trabalhadores precarizados.

 

Veja outras medidas e projetos:

 

MP 927 – A primeira MP editada por Bolsonaro para regular as relações de trabalho no país durante a vigência do estado de calamidade pública, tem diversos ataques aos direitos dos trabalhadores: permite a redução de salários, utilização do banco de horas, cria novas regras para as férias, a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho, afastamento do sindicato das negociações sobre os termos do acordo individual, entre outros. O senador Irajá (PSD-TO) foi indicado como relator e os planos do governo é que seja votada ainda nessa semana nas duas casas do Congresso nacional.

 

MP 936– Institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispõe sobre medidas trabalhistas complementares à MP 927. É ainda mais cruel, permitindo diversos ataques aos direitos dos trabalhadores que poderão ter redução significativa de seus salários, através de medidas para reduzir a jornada de trabalho e até mesmo a suspensão dos contratos de trabalho, mediante pagamento de indenização do Governo. Contudo, a medida não impede demissões e possibilita apenas estabilidade provisória durante o contrato. A MP teve o prazo para emendas encerrado no dia 3/4 e agora vai ter um relatório elaborado por um congressista (que ainda será indicado), que apresentará relatório diretamente no plenário para votação.

 

PL 985/20 – projeto que suspende por até três meses o pagamento da contribuição previdenciária patronal e também proíbe a aplicação de multa pela falta de entrega de declarações e documentos fiscais. Espera votação no Senado antes de ir à sanção presidencial.

 

PEC 10/2020 – Conhecida como a “PEC do Orçamento de guerra”, institui o regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações. Essa PEC, uma exigência de Paulo Guedes para fazer o pagamento do auxílio-emergencial de R$ 600, na prática, é uma armadilha que visa legalizar práticas financeiras do Banco Central para garantir repasse de verbas públicas aos bancos. Permite, por exemplo, que o BC compre títulos podres do mercado financeiro, sem qualquer contrapartida por parte dos bancos e das empresas de crédito. Aprovada na semana passada na Câmara, esta semana está na pauta no Senado e pode ser votada na quarta-feira (15/04).

 

Saiba mais: Orçamento de Guerra: uma PEC para favorecer os bancos

 

Os trabalhadores não podem pagar pela crise!

Diante da grave crise social que se aprofunda no país, para os bancos governo e Congresso deram R$ 1,2 trilhão, para os trabalhadores querem impor a redução de salários, direitos e mais reformas trabalhistas, usando a pandemia como justificativa para jogar a crise sobre os trabalhadores.

 

Por tudo isso, a CSP-Conlutas defende que os trabalhadores brasileiros têm duas tarefas: enfrentar os efeitos da pandemia e cobrar dos governos medidas de proteção as nossas vidas e empregos e fortalecer a nossa organização e luta para botar para fora Bolsonaro e Mourão, antes que eles destruam todos nossos direitos e o país.

 

 Fonte: CSP-Conlutas

Quarta, 15 Abril 2020 17:02

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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 José Domingues de Godoi Filho¹

 

O volume de dados e informações sobre um inimigo invisível, disponibilizados diariamente, torna imprescindível não esquecermos das incertezas e indeterminações do saber científico. Só assim será possível melhor utilizá-los e, entendermos a importância dos cuidados e precauções indicadas pela Organização Mundial da Saúde, médicos, pesquisadores e, no caso brasileiro, também pelo resultado da “balbúrdia” realizada nas universidades públicas.

A utilização, sem criticidade, de modelagem matemática, que é uma importante metodologia de trabalho, porém com limitações e premissas, pode gerar, não raramente, interpretações e conclusões equivocadas, que, muitas vezes, refletem ou levam a imposições de interesses pouco defensáveis.

É uma das dificuldades, por exemplo, que tem se enfrentado na análise das avaliações ambientais. Para ilustrar, recentemente, em Mato Grosso, a EDF – Électricité de France, associada à um tipo de cérebro de aluguel, impuseram, com base em modelagem matemática, que distorcia a realidade pra “caber” em seu modelo e interesses que pagavam a conta, o fechamento da Usina Hidrelétrica Sinop, sem que o lago fosse limpo, contrariando a legislação. Desconsideraram o parecer contrário, que indicava o óbvio. Resultado, quinze dias após o fechamento das comportas e, desde então, já se acumularam, em mais de um evento, algumas toneladas de peixes mortos no rio Teles Pires. A endeusada modelagem matemática e seus infográficos e outros malabarismos computacionais empolgaram os medonhos tomadores de decisão. E foi por aí afora.

A situação atual, que estamos vivendo, demonstra, com clareza ímpar, os limites dessa metodologia, especialmente, quando envolve a vida de todos os animais, incluindo os humanos. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, o modelo de apropriação dos recursos naturais, adotado pelo animal humano, primou por construir um aparato bélico capaz de destruir a vida e até mesmo partes do planeta várias vezes. Um modelo que se radicalizou a partir da Guerra dos Seis Dias (1967, entre árabes e israelenses); e, se impôs como pensamento único a partir dos governos Reagan-Thatcher. Para além das imposições socioeconômicas, o Governo Ronald Reagan, em 1983, elaborou o programa militar SDI (Strategic Defense Initiative), também conhecido como Star Wars, que incluía satélites antimísseis equipados com laser e muita modelagem.

Nos anos 2000, o programa foi reativado pelo Governo Bush com a denominação de “Escudos antimísseis”, para criar um escudo espacial de defesa do território americano. Com isso, os falcões americanos buscavam o monopólio do poder espacial, desrespeitando até mesmo o frágil equilíbrio nuclear do período da Guerra Fria. Reações e decisões aconteceram por parte de vários países como a Rússia, China, Índia, Paquistão, dentre outros. O animal humano conseguiu, com os armamentos construídos, se tornar a única espécie com capacidade de autodestruição. Novamente muita modelagem.

Paralelamente, no mesmo período, os “lost profhets”, uma verdadeira tropa de ocupação, formados na Universidade de Chicago e assemelhadas, invadiram o mundo com a imposição de um pensamento único e muita modelagem matemática, para justificar e atender os interesses do capital. Transformaram a espécie humana num agente geológico com alta capacidade de destruição. Construíram o cassino global e chegamos, com Trump, ao nacionalismo do America First e seu negacionismo climático e científico.

Com toda essa força, armamentos, pós-mentiras, dominação econômica, desigualdade social e muita modelagem matemática, o sistema e o modelo adotado estão colocados de quatro e o animal humano perplexo frente a um inimigo invisível. Tomara que os animais humanos aprendam e partam para a construção de uma sociedade diferente, utilizando os seus saberes, inclusive o científico e suas modelagens, a favor de um mundo mais igualitário e humanista.

A conjuntura atual obrigou, ainda que com atraso, o questionamento dos dados, modelagens, infográficos e outros malabarismos gráficos. Oxalá os questionamentos não sejam de má fé, muito menos para utilizar a mesma lógica do Leopardo – “mudar para continuar do mesmo jeito”. Ao contrário, a curva do vírus poderá enganar.

¹ Professor da UFMT/Faculdade de Geociências – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.
 

Quarta, 15 Abril 2020 15:22

 

O que o coronavírus nos obriga a enxergar? Quais são as melhores ações para superá-lo? Como serão as sociedades depois dele? Essas e outras questões serão abordadas pela Adufmat-Ssind em sua primeira entrevista online ao vivo (live) durante a quarentena. A transmissão será na próxima sexta-feira, 17/04, às 19h30, na página do facebook do sindicato, com a participação da economista Lucinéia Soares da Silva, doutora em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR).

 

Com base na sua pesquisa de doutorado, a convidada contribuirá com as reflexões acerca de como as sociedades neoliberais estão lidando com a pandemia, a importância dos serviços públicos nesse contexto, e o que poderá ou não mudar depois desse importante período histórico.  

 

“O enfrentamento de qualquer catástrofe só é possível se houver uma boa repartição dos serviços públicos, melhor distribuição de renda, investimentos na educação. Sabemos que a humanidade está - ou estava, não sabemos - caminhando para o sentido oposto, com políticos conservadores, quase extremistas, e políticas de redução do Estado e de direitos na maioria dos países”, comenta Silva, observando que a pandemia dá uma guinada nessa lógica.

 

No Brasil, exemplifica, o governo viabiliza, pela primeira vez - e a contragosto -, um auxilio emergencial quase de caráter universal, seguindo outros países do mundo. Há agora ações para a ampliação de unidades hospitalares e aquisição de equipamentos que não vão ficar sobrando, pois eram necessários, mas não chegavam. Também há espaço para a discussão sobre procedimentos básicos de limpeza, a necessidade de saneamento básico e acesso à água, temas vitais, mas ignorados por governos e pela imprensa convencional.

 

“A minha pesquisa demonstra que há um ‘uma janela’ para que políticas se tornem prioridade. A Lei 7.958/2003 representou essa janela, com eleição do Blairo Maggi, e hoje podemos dizer que a janela para que várias políticas estejam se tornando prioridade é a COVID-19. As políticas públicas se tornam prioridade a partir da coesão de forças, da participação de organismos internacionais e nacionais. Nós temos que aprender e mobilizar a sociedade para que essas janelas apareçam mais”, afirma a pesquisadora.

 

Em sua tese, intitulada “Mato Grosso: celeiro do mundo - um estudo sobre as relações de poder e as implicações nas políticas públicas”, Silva tenta compreender como as relações de poder se materializaram nas políticas públicas, a partir da formação ideológica que denomina o estado de Mato Grosso como “Celeiro do Mundo”, abordando especialmente a Lei 7.958/2003, que “define o Plano de Desenvolvimento de Mato Grosso, cria Fundos e dá outras providências”.

 

Entre os fatos mais relevantes identificados na pesquisa, a convidada destaca: “o setor econômico é prioridade em todos os governos, e as políticas públicas implementadas para atender ao setor estão presentes em todos os documentos analisados”.

 

A referida lei é um exemplo porque versa sobre as renúncias fiscais para atender o setor econômico. “A generalidade da lei lhe deu o caráter universal, impossibilitando seu questionamento, já que, em tese, todos seriam beneficiados. Mas, na prática, a população ficou fora desses benefícios. A fragilidade das instituições dificultou o processo de monitoramento e avaliação, o que possibilitou que a lei fosse amplamente utilizada para corrupção e sonegação, causando prejuízos em dobro para o financiamento das políticas do Sistema Único de Saúde (SUS) e da Educação, o que pode explicar, em parte, o cenário de indicadores tanto do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) quanto os da Saúde”, acrescenta.

 

De acordo com Silva, entre 2003 e 2018, a partir dos incentivos fiscais concedidos ao setor econômico por meio da lei, o SUS perdeu aproximadamente R$ 1,7 bilhão, e a Educação, por ter um percentual maior de repasse, deixou de receber cerca de R$ 3, 5 bilhões. Os valores podem ser ainda maiores, pois a própria CPI da Renúncia Fiscal e Sonegação identificou que, ao fazerem a opção por não arrecadar o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), os municípios deixaram de receber a quota-parte que lhes cabia.

 

“Se observarmos o artigo primeiro da Lei 7.958/03, fica estabelecido que o Plano de Desenvolvimento de Mato Grosso enfatiza, entre seus objetivos, a geração de emprego e renda, além da redução das desigualdades sociais e regionais. Ao analisarmos o IDH proposto pelo governo Blairo Maggi para ser utilizado no monitoramento e avaliação do próprio Plano, identificamos que nem mesmo dentro da própria região a Lei conseguiu reduzir desigualdades. O Censo de 2010 também demonstra que MT é um território com um IDH ainda como um desafio para a população. Esse perfil é consequência de vários governos que priorizaram as atividades econômicas, e isso não resultou numa alteração significativa na dimensão renda. Noventa e três municípios de Mato Grosso estão entre as classificações “baixo” e “médio” no desempenho dessa dimensão”, destaca Silva.

 

A pesquisadora conclui, portanto, que a Lei 7.958/03 contribuiu para a concentração da riqueza em determinadas regiões e segmentos econômicos. “A ideia de um Estado para todos, movido pela razão, promovendo a cidadania para toda sociedade precisa ser rompida, porque mesmo que economia e política estejam sempre em processo de tensão, o Estado capitalista é resultado e ao mesmo tempo reprodutor da ruptura-integração do político e econômico. Portanto, mesmo Mato Grosso tenha passado por diversos governos, a política e a economia estabeleceram o caminho, as prioridades e as políticas públicas executadas. Ao Estado, coube o papel de ponto central entre a dominação e a exploração pelo capital”, acrescenta.

 

No entanto, as janelas que possibilitam alterações significativas no modelo social existem. Acompanhe a live da Adufmat-Ssind nessa sexta-feira, às 19h30, e entenda melhor como a sociedade pode agir, organizada e em conjunto, para romper com essa lógica.

 

 

Luana Soutos

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind

Quarta, 15 Abril 2020 12:51

 

Entre os tantos desafios que a pandemia do novo coronavírus impõe, cuidar da saúde mental e emocional pode ser um dos mais delicados. Isso porque esse é um processo que depende de uma série de ferramentas, conhecimento e flexibilidade que nem todas as pessoas dispõem. 

É importante, inicialmente, reconhecer que estamos vivendo algo absolutamente novo na história da humanidade. A observação é do professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Maelison Silva Neves. 

O docente, que é pesquisador do Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador do Instituto de Saúde Coletiva e doutorando em saúde coletiva pelo mesmo Instituto, ressalta que o ineditismo não está na pandemia em si, mas no contexto sócio-histórico em que ocorre.

No caso do Brasil, a situação ainda é agravada pelo comportamento negacionista do presidente da República, pelo estado avançado de desmonte do SUS e dos demais serviços públicos, pelo alto índice de desemprego e total desproteção dos trabalhadores assalariados.

“O clima geral é de confusão e incerteza, além de pavor para quem sabe aonde estamos indo”, afirma Neves. Para ele, “quem não estiver se sentindo ansioso, preocupado, com medo, está num estado psicológico que requer cuidado”. 

O docente pontua que respostas emocionais são esperadas, dada à gravidade do momento, somente sendo preocupantes se envolverem uma interrupção da capacidade do sujeito de acionar mecanismos individuais e coletivos para avaliação realista dos problemas e seu enfrentamento visando à proteção individual e coletiva. 

“Em poucas palavras, é normal sentir medo, tristeza, ansiedade e até olharmos para o futuro com ares de incerteza, mas esses afetos deverão servir para nos instrumentalizar no acionamento dos recursos que temos na busca da solução”, complementa.

Por outro lado, acrescenta Maelison, podem surgir quadros de adoecimento psicológico ou agravamento dos pré-existentes.  O docente cita dois exemplos. O primeiro é a ansiedade, que geralmente surge diante de respostas do organismo às situações de ameaça, sendo acompanhadas de aceleração dos batimentos cardíacos, suor nas mãos, sensação de dor ou aperto no peito e sensação de falta de ar episódica, respiração curta e pesada, entre outros sintomas. 

“Vale destacar a probabilidade de uma pessoa confundir a sensação de falta de ar e respiração pesada com sintomas da Covid-19, e isso é bastante complexo. Por isso, a primeira atitude deve ser buscar orientação médica, jamais se autodiagnosticar, para que o profissional de saúde faça uma avaliação adequada”, ressalta.

Outra é a depressão. Uma exposição crônica a estressores, mesmo que causem pouco incômodo, o impedimento do contato social e trocas afetivas com pessoas que gostamos, a exposição às situações incontroláveis, sem que possamos acionar mecanismos de controle parcial ou atenuantes do desconforto, acompanhados da incerteza, pessimismo em relação ao futuro, alimentados pelo bombardeio de informações negativas e preocupantes, podem nos levar a um estado de desamparo e rebaixamento de humor característico da depressão. 

“Reitero que tais estados psicológicos são determinados socialmente, apesar de sua expressão nos indivíduos levar muitos a pensar que seja uma problemática individual e subjetiva. O caso da Covid-19 mostra essas conexões de eventos macro e microssociais produtores de adoecimento psicológico de forma mais dramática, mas seguem a legalidade da determinação social do sofrimento e adoecimento psicológico na sociabilidade capitalista. Assim, repito, a calma e despreocupação puras não são esperados para esses tempos”, afirma.

Como atividades terapêuticas, Maelison sugere o resgate de coisas que, eventualmente, deixamos de lado por conta da luta árdua pela sobrevivência no piloto-automático, como ler poesia, literatura, escrever verso e/ou prosa, desenhar, pintar, assistir filmes com a família, ou mesmo tirar uma cesta após o almoço, entre outros. 

“Sei que a situação não é de normalidade e é difícil concentrar-se na satisfação com essas tarefas diante da inquietude. Porém, é fundamental que você se permita pequenas alegrias, pequenos gozos, conectar-se com coisas que, para você, são prazerosas. Mesmo com a justificada angústia, temos o direito de sentir alguma alegria. Nossa luta é para que isso seja regra, não exceção e seja conscientizado e acessível a toda a humanidade: por uma vida que esteja em função de sua potencialidade e não da acumulação capitalista. Temos o direito à distração, e é isso que nos ajudará nos momentos em que precisaremos estar atentos e fortes”, reforça.

Saúde mental da categoria docente
No caso específico das e dos docentes, Neves ressalta que há tensões particulares. A pressão para retorno das aulas via EAD, sem levar em conta o debate sobre os limites e possibilidades dessa modalidade, desrespeitando os próprios profissionais que nela atuam pode provocar angústias, assim como a incerteza quanto ao futuro na carreira.

Por diversas vezes, tanto representantes do Executivo Federal quanto do Legislativo mencionaram a intenção de cortes salariais dos servidores públicos. Além disso, há o debate contraditório de valorização e “demonização” das categorias que atuam nos serviços públicos, tidos ora como salvadores ora como “parasitas”.

“Tais contradições, além de nos jogarem na incerteza em relação ao futuro, levando muitos inclusive a repensarem seus sonhos de carreira, atingem, em cheio, um aspecto caro à saúde mental de qualquer trabalhador: o reconhecimento”, aponta.

O docente alerta que essas situações podem levar à frustração e perda de prazer em atividades que antes eram realizadoras, e também empurrar muitos a uma busca desenfreada pelo produtivismo.

“Falando em produtivismo, esse momento de isolamento social pode ser uma ocasião de reflexão sobre o significado e o sentido de nossas atividades. Além das determinações sociais que impõem o produtivismo, temos um processo psicossocial que pode ser agravante: a luta desesperada para manter a rotina, via teletrabalho, em busca de uma normalidade que não mais existe - e que nem é desejável, se paramos para pensar. É enganoso achar que, pelo fato de estarmos em casa, teremos mais tempo e poderemos ser mais produtivos, escrever mais artigos e nos dedicar totalmente à pesquisa, à produção científica e até mesmo dar aulas em ambientes virtuais”, alerta.

O professor da UFMT destaca que, de modo geral, é possível que a manutenção de atividades docentes em casa - sejam orientação, leitura, preparação de aulas, escrita acadêmica, planejamento de pesquisa, entre outras -, possam ser até mesmo um elemento protetor da saúde mental, dada a necessidade de manter uma rotina mínima para orientar o cotidiano.

Todavia, ressalta que essas mesmas atividades podem ser prejudiciais à saúde mental se feitas com intuito de produzir uma normalidade não mais existente, um mecanismo de negação da grave situação em que vivemos. Para Maelison, não se pode ignorar o próprio estado psicológico, muito menos as condições das pessoas de quem se pedirá cooperação via online, sejam orientandos ou colegas de trabalho.

“Pode ser que, depois de uma reflexão, se avalie que há condições de trabalhar em casa, dando orientações e aulas online. Porém, essas atividades não são solitárias e exigem, mais do que nunca, o respeito às condições materiais e psicológicas dos estudantes, pesquisadores e colegas de se engajarem conjuntamente. A pressão por produtividade acadêmica perde o sentido quando a própria Capes suspendeu seus prazos por 60 dias. Isso deve nos levar a refletir sobre o ritmo de vida, de trabalho e a necessidade de equilíbrio entre o tempo dedicado a si, à família, aos amigos e ao trabalho, sobretudo porque o contexto da pandemia exigirá mais atenção às relações afetivas e ao cuidado de si, demandando repensar o trabalho nos limites em que ele possa ser favorável à realização pessoal nossa e de nossos companheiros - o trabalho acadêmico é essencialmente relacional e coletivo, mesmo na solidão da escrita”, comenta.

O docente lembra ainda que o mesmo se aplica à militância política, e que o cuidado, de si e do outro, não é incompatível com a luta social. Para Neves, são polos dialéticos que formam uma totalidade complexa, que se reestrutura a depender da conjuntura. “Os tempos que vivemos são de exceção, exigem coragem, engajamento, entrega, cuidado, compaixão, conexão com valores de solidariedade de classe que dependem também do autocuidado, pois se adoecermos faremos falta às companheiras e aos companheiros”, conclui.

 

Fonte: ANDES-SN

Terça, 14 Abril 2020 20:36

 

Circular nº 125/2020

Brasília (DF), 14 de abril de 2020

 

Às seções sindicais, secretarias regionais e à(o)s diretora(e)s do ANDES-SN

 

Companheira(o)s,

 

Convocamos Reunião Conjunta dos Setores das IEES/IMES e das IFES, no dia 17 de abril, virtualmente, conforme o que segue:

Atividade: Reunião Conjunta dos Setores das IEES/IMES e IFES;

Data: 17 de abril de 2020 (sexta-feira);

Horária: 9h às 19h, com intervalo para almoço e lanche.

 

Pauta:

 

  1. Informes Nacionais
  2. Conjuntura
  3. Ações políticas e de solidariedade no período de pandemia

 

 

Orientações gerais para a organização da reunião:

 

- As seções sindicais que desejarem passar informes deverão fazê-lo por escrito, até o dia 16 de abril, quinta-feira, às 15h, via e-mail da secretaria do ANDES-SN (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.);

 

 

- Às 17h do dia 16 de abril, quinta-feira, todos os informes serão disponibilizados para conhecimento das seções sindicais;

 

- As seções sindicais devem informar o e-mail (apenas um por seção sindical), do seu (sua) representante até dia 16 de abril, quinta- feira, às 15h, para o e-mail O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.;

 

- A reunião será realizada pela plataforma online do ANDES-SN. Todos os e-mails inscritos pelas seções sindicais receberão um link para acessar a plataforma.

 

 

Sem mais para o momento, renovamos nossas cordiais saudações sindicais e universitárias.

 

Prof.ª Eblin Farage

Secretária-Geral