Sexta, 29 Abril 2022 16:27

Servidores denunciam perseguição à professora do IFMT Destaque

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Entidades sindicais de Mato Grosso estão em campanha solidária em favor da professora de Filosofia, Maria Oseia Bier, lotada no Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT), campus Alta Floresta. A servidora tem sofrido uma série de perseguições administrativas no local de trabalho desde 2016, basicamente por três motivos: participar de ato público contra a Emenda Constitucional 95 (PEC 241/16), pedir aos colegas que não a interrompessem enquanto falava em reunião, e publicar uma crônica em rede social pessoal referindo-se criticamente à eleição para a administração do campus no qual trabalha.

 

A Secretaria Regional Pantanal do Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (ANDES-SN), a Seção Sindical do ANDES na Universidade Federal de Mato Grosso (Adufmat-Ssind), além do sindicato que representa os trabalhadores do IFMT, Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe), se manifestaram a respeito.  

 

É absurdo, mas um dado de realidade, que além dos direitos coletivos, os direitos individuais também estão sendo cerceados no Brasil e em Mato Grosso. A livre manifestação de ideias e opiniões, teoricamente assegurada pelo Artigo 5º da Constituição Federal de 1988, mais especificamente nos incisos IV e IX (que tratam da livre manifestação do pensamento e liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação), novamente está sendo desrespeitada.

 

Não bastasse o bizarro caso de destruição de outdoors críticos à Bolsonaro em Sinop, em maio de 2021 - além do fato, tão bizarro quanto, de as agências de publicidade locais censurarem publicações de fundo crítico ao Governo Federal -, agora a violência também tem ocorrido em âmbito institucional.

 

O professor de Comunicação da Universidade Federal de Mato (UFMT), Paulo da Rocha Dias, comentou o caso a pedido da Adufmat-Ssind., e afirmou que, embora seja muito difícil estabelecer os limites da liberdade de expressão, há parâmetros constitucionais para isso, e que não existe democracia sem oposição.

 

“Para que um reitor seja legitimado, é preciso que haja opositores. Um governo que não tem oposição, é ditatorial. Exceto quando ultrapassa os limites constitucionais, como incentivar assassinato, fechar instituições, restituir o AI5, coisa do tipo. É legítimo fazer uma campanha contra um reitor dentro dos parâmetros da liberdade de expressão. Não é justo retaliar com processos, perseguições, isso é de uma imaturidade fora do comum. É atitude de quem se sente inseguro no posto que assume e toma iniciativas muito ditatoriais, truculentas, draconianas em cima das pessoas. Todo poder tende a essa degeneração, então é preciso ter muito cuidado para respeitar as opiniões e, na medida que for necessário, rebater essas opiniões. Há uma responsabilidade em cima disso, até que ponto eu posso ir, até que ponto o outro responde e os modos de resposta. Acima desses conflitos deveria estar a capacidade de diálogo, a capacidade de comunicar, de resolver as coisas na mesa diplomática. Se fosse para eliminar tanto a capacidade de diálogo quanto os direitos, fechariam os sindicatos, as associações de professores, para não falarem nada, ficarem calados. Por que, qual é a função de uma associação de docentes? Fazer críticas permanentes à instituição, não com o desejo de botar fogo na instituição, mas de melhorar a instituição”, pontuou.

 

O professor lembrou de outro caso que ocorreu recentemente numa escola de Cuiabá. “Nós estamos dentro de uma ditadura e muitos setores das universidades, setores livres, intelectuais, pessoas que tinham que ter uma postura mais crítica, fecham com essa ditadura. Nossa história recente, em Mato Grosso, está cheia disso. A professora de história do colégio das freiras aqui em Cuiabá fez um tipo de crítica ao governo e o colégio foi sobrevoado por um helicóptero da Polícia Militar, espalhando terror à instituição, aos alunos, aos professores. Esse tipo de coisa só acontece em ditaduras truculentas. É uma tristeza ver setores das universidades públicas, que sempre se levantaram contra a ditadura militar, agora abaixando, respaldando e agindo dentro desses parâmetros”, finalizou.     

 

 

Histórico

 

Em 2016, o primeiro Processo Administrativo Disciplinar contra a professora teve como justificativa “incitação à violência”. O motivo foi a participação no ato Público Contra a Reforma da Previdência, e a “prova” foi uma foto da participação no ato, realizado em Brasília, e publicada na rede social particular da docente.

 

Cerca de uma semana antes, Bier havia publicado, também em suas redes sociais pessoais, uma crônica, na qual avaliava o processo eleitoral para direção do campus de Alta Floresta de forma lúdica, fazendo referências do tipo “num reino longínquo, encravado no meio de uma densa e alta floresta, escura e fechada como eram as florestas nos tempos medievais, vivia um rei muito culto, bondoso, generoso e humílimo.”  

 

Neste primeiro processo, colegas de vários campi fizeram uma nota de repúdio que foi apresentada nas assembleias da categoria. 

 

Após repercussão pública e manifestações de solidariedade dos colegas de trabalho de diversos campi do IFMT à colega Maria Oseia, foi realizada uma reunião de conciliação, mediada pelo reitor à época, na qual houve uma retratação de ambas as partes, registrada em ata e assinada pelos presentes, reconhecendo que a abertura do processo foi equivocada e solicitando seu arquivamento.

 

Novo processo em 2021

 

Mas as perseguições não pararam. Já em 2021, no dia 12/02, a servidora participou de um reunião para debater questões pedagógicas, na qual foi interrompida durante sua fala e pediu aos colegas mais respeito, sendo chamada - por esse motivo - de mal educada; no mesmo dia, o coordenador de curso solicitou ao diretor de Ensino que realizasse uma investigação sobre  a conduta dos participantes da reunião; em 17/02, o Gabinete de Alta Floresta enviou e-mail diretamente à Ouvidoria do IFMT, solicitando orientações sobre como encaminhar o processo; no   dia seguinte a Ouvidoria responde, informando que fará análise da documentação; o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) é aberto logo em seguida, em 19/02.

 

Após algumas outras movimentações processuais, contatos com a Corregedoria e mobilização política e pedidos de providências das seções do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (SINASEFE), no 25/05, o corregedor sugere a anulação do PAD e instauração da SINVE (Sindicância de Investigação) para apurar a conduta dos envolvidos na reunião e a denúncia da servidora, de que sofreu assédio moral; no entanto, no dia seguinte, o reitor do IFMT acata parcialmente as sugestões da Corregedoria, anulando o PAD, mas instaurando uma Investigação Preliminar Sumária (IPS) cujo objetivo é investigar eventual falta disciplinar praticada por servidor ou empregado público federal; no dia 02/04 a professora escreve um e-mail à Ouvidoria, que a orienta a encaminhar uma denúncia ao Portal Fala.Br; em 05/04, a denúncia é feita, conforme indicado; no dia 20/01/2022, a servidora solicita acesso aos autos à Corregedoria; sem respostas, reitera o pedido em 22/01/2022, mas só recebe os autos e despacho instaurado no IPS um mês depois, em 23/02/2022.

 

O Sinasefe fez outra nota de repúdio, dessa vez, assinada por várias entidades e movimentos sociais, e a própria professora fez uma denúncia. No dia 08/03 mulheres protocolaram um documento reivindicando ações e demarcando solidariedade. No entanto, nenhum dos demais envolvidos na reunião está sendo investigado.

 

O advogado Breno Loiola de Carvalho, que assumiu o caso pelo Sinasefe, afirma que a professora é vítima de uma irresponsabilidade penal. “Não sou criminalista, mas na minha concepção, a responsabilidade penal decorre da instauração infundada de PAD para apurar condutas que não se caracterizam como infrações disciplinares, enquadrando-se os acusadores no crime de denunciação caluniosa, desde que demonstrado o desvio de finalidade na instauração do PAD, bem como a flagrante condição de inocente da acusada”.

 

Carvalho disse, ainda, que ficou surpreso ao analisar o conteúdo do processo, das acusações e as provas que embasavam a abertura do PAD, porque tudo demonstrava que a acusada era, na verdade, a vítima, que além de ter sido ofendida publicamente na frente dos demais colegas, foi cerceada por diversas vezes ao longo da reunião, sem conseguir construir e terminar o raciocínio de sua linha argumentativa.

 

“Após sucessivas interrupções, apesar de ter elevado o seu tom de voz contra os colegas, a professora Oseia, em nenhum momento, lhes ofendeu, tão somente requisitou respeito ao seu tempo de fala, bem como às suas considerações sobre a pauta da reunião. Deste modo, considerando que na minha concepção não houve qualquer falta disciplinar cometida pela professora, ingressamos no PAD e pedimos a sua imediata anulação e arquivamento, por ausência de justa-causa e infração disciplinar a ser sancionada”, concluiu. 

 

Novamente, após a repercussão negativa do caso, a Reitoria acolheu a sugestão do corregedor do IFMT e, mais uma vez, anulou o processo administrativo iniciado em desfavor da professora. Porém, determinou a instauração de uma Investigação Preliminar Sumária (IPS) para apurar a conduta dos “envolvidos”, termo genérico que, de acordo com Carvalho, incluiu a possibilidade de novas investigações à docente.

 

“A IPS é uma espécie de procedimento prévio a instauração do PAD, em que a autoridade coatora tem a função de colher elementos de prova para embasar uma acusação. Como não houve especificação de quem seriam os envolvidos e quais fatos seriam apurados, existe a possibilidade de que a professora seja investigada pelos mesmos fatos do PAD. Essa IPS foi instaurada recentemente e a comissão responsável está promovendo a tomada de depoimento de diversos servidores presentes na reunião em que a docente foi ofendida e desrespeitada no exercício do seu direito de fala”, explicou o advogado.

 

Outros elementos

 

Além dos processos, a morosidade na análise da solicitação de direitos como progressão funcional, perícia médica para pedido de remoção e averbação de tempo de serviço, feitos pela professora Bier, são indícios de assédio. Foram 22 meses para concluir o pedido de progressão, oito meses para a liberação do pedido de perícia médica e o pedido de averbação está parado na Reitoria desde o dia 08/06/21.

 

Segundo a Lei 9784/99 (Art. 49), que regulamenta, em geral, os processos administrativos em âmbito federal, o prazo para conclusão de processos desta natureza é de 30 dias, contados do término da instrução: concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada.

 

“O grande problema é que não há prazo específico para a conclusão da fase de instrução, com a administração tendo liberdade para concluir esta etapa do processo. Ter liberdade, contudo, não significa que a administração tenha prazo ilimitado, pois, em contrapartida, a constituição federal prevê que os processos administrativos e judiciais devem ser concluídos em tempo razoável e célere, como determina o inciso LXXVIII do Artigo 5º da Constituição Federal, - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, avaliou Carvalho. 

 

Para o advogado, deve haver um equilíbrio entre a liberdade da administração e a garantia fundamental do cidadão em ter seus processos concluídos em tempo razoável - considerando as complexidades da matéria – e os processos de progressão e averbação de tempo de serviço, em que a fase de instrução depende necessariamente da juntada de documentos, não deveriam demorar mais do que dois meses para serem concluídos.

 

“Os processos de remoção por motivo de saúde, por outro lado, são um pouco mais complexos, pois dependem de perícia por junta médica oficial, além de avaliação social, porém, considerando a estrutura de servidores do IFMT, estes procedimentos não podem ser considerados como obstáculo para a conclusão do processo, que não deveria perdurar mais de 90 dias em condições normais”, observou.

 

Para a colega do IFMT, Priscila Ferrari, essa demora depende de quem tem interesse na resposta. “O prazo para responder esses processos depende muito, as comissões sempre prorrogam, mas o processo contra ela, quando abriram, foi imediato. Bastou uma denúncia na Corregedoria e já abriram um PAD. Mas quando ela faz a denúncia, já tem um ano e meio, nada foi feito. Parece que não tem uma lógica de tempo, depende muito de quem denuncia”, afirmou.   

 

Os denunciantes relatam, ainda, que o número de Processos Disciplinares Administrativos (PADs) instaurando contra servidores do IFMT estava alto, chegou a 85 em 2019 (mais do que o dobro de 2018), mas nas vésperas da eleição para a Reitoria em 2020, voltaram a cair. Em 2022, o grupo político ligado à Reitoria também disputou (e levou) o sindicato da categoria. 

 

A professora Maria Oseia Bier afirmou que não compactua com práticas que, em sua opinião, contribuem com o desmonte dos serviços públicos e, por isso, não se calará. “Vivemos um período de grande retrocesso na efetivação dos direitos. Não é necessário que sejamos excelentes observadoras para nos darmos conta de que, inclusive formalmente, há risco de que os direitos sociais, mas também aqueles tão caros ao Estado Liberal, possam desaparecer; ou seja, junto com a saúde, a educação e a segurança pública, os direitos civis e políticos, as liberdades individuais, a livre manifestação do pensamento se encontram sob forte ameaças”, afirmou.

 

Como o professor Paulo da Rocha, Bier lamentou que as práticas estejam ocorrendo dentro de instituições de ensino. “O espanto maior diante desse fato - e em pleno século XXI – é que as instituições públicas de ensino, dentre elas o IFMT, contribuam com a destruição do Estado Democrático adotando práticas autoritárias enquanto nosso dever é fortalecer a democracia. O pluralismo político assegurado pela Constituição Federal é negado na prática das gestões. O caráter antissindical também fica evidente tanto nas várias intervenções de gestores nas assembleias sindicais, intimidando servidores, negando seu direito por lutar por condições dignas de existência, quanto na vergonhosa tentativa de filiação de 20 gestores, em fevereiro, para participar da eleição do sindicato. Apesar de todo o sofrimento originado dessa perseguição política e assédio do qual sou vítima desde 2016, recuso-me a silenciar sobre esses processos e trago-os a vista de todos. Não renuncio aos meus direitos e não compactuo com a destruição do Estado Democrático de Direito - ainda que, quem o pratique, em suas falas, o defendam. As práticas estão registradas e à disposição daqueles que desejam, honestamente, conhecer a realidade do IFMT”.

 

A professora Raquel de Brito, vice-presidente da Regional Pantanal do ANDES-SN, reafirmou a solidariedade do sindicato nacional à servidora e disse que os atos que provocaram o PAD são frutos do machismo estrutural.  

 

“Importante demonstrar solidariedade à professora Oseia, uma lutadora em defesa da educação, dos direitos sociais no nosso estado de MT, e quem vem sendo, sim, perseguida politicamente por sua postura crítica em defesa da educação, do IFMT, da democracia interna da instituição, contra as retiradas de direitos. Quando uma mulher tem sua fala interrompida em reunião administrativa e reivindica que sua intervenção seja garantida, ser acusada de agressividade, de falta de urbanidade, é parte do machismo estrutural de nossas instituições. O que a professora Odeia sofreu foi machismo, e pedir que sua fala seja garantida é o mínimo que a gente faz em situações como essas. Nós temos o compromisso de manifestar a nossa solidariedade, como já fizemos no ato realizado na Reitoria do IFMT no dia oito de março. Seguiremos juntos em defesa da educação”, concluiu.  

 

Clique aqui para ver o jornal elaborado pelo Sinasefe denunciando as perseguições à professora Maria Oseia Bier.  

 

 

 

   

 

 

 

 

Ler 1596 vezes Última modificação em Sexta, 29 Abril 2022 17:04