A violência na formação político-econômica do Brasil é um histórico difícil de superar. Escravizar pessoas, expulsar indígenas de suas terras, matar por poder e dinheiro, tudo o que parece parte de um passado distante da nossa história, vez ou outra, ressurge como uma onda de ressaca.
Entre o final da semana passada e o início desta, aconteceu mais uma vez. De novo, em Sinop (479,4 km ao norte de Cuiabá). Não bastasse a recente censura aos outdoors críticos ao Governo Bolsonaro (leia mais aqui), e a perseguição deliberada à delegada que debateu violência contra as mulheres em abril desse ano (saiba mais aqui), a sede do gabinete do ódio no município do centro norte mato-grossense voltou a agir na última sexta-feira, 13/08. Talvez o mais grave seja que o local, tanto do primeiro ataque quanto dos seguintes, tenha sido um órgão público que deveria zelar pelo decoro e pela democracia: a Câmara Municipal de Sinop.
O suposto problema dos bolsonaristas - negacionistas, por padrão - foi ouvir da professora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Lélica Elis Lacerda, que a história da colonização de Sinop - assim como a brasileira, no geral – não é o jardim florido que gostam de reafirmar. A riqueza capitalista, que inclui o Agronegócio foi forjada na violência e na exploração dos povos originários e escravizados – majoritariamente por homens brancos -, e é ainda hoje produtora de violência, morte e desigualdades no campo e na cidade. Nenhuma novidade.
Não são poucas as produções científicas que demonstram isso. José de Souza Martins, Ariovaldo Umbelino de Oliveira, Octávio Ianni, são algumas referências internacionais sobre o assunto. A própria UFMT, inclusive, tem o professor Wanderlei Pignati como uma grande referência internacional, e núcleos de estudos inteiros, em diversas áreas, produzindo vasto conteúdo com dados, relatos e informações diversas que comprovam os fatos citados pela docente durante o debate na Câmara de Sinop (assista aqui a íntegra da contribuição da professora Lélica Elis Lacerda ao debate a partir do minuto 50 do vídeo).
No entanto, descontextualizando a intervenção da docente e desviando o foco da audiência pública sobre a Reforma Administrativa (PEC 32), que o Congresso Nacional pretende aprovar ainda esse mês, vereadores conservadores e seus apoiadores iniciaram uma série de ataques não só à figura feminina da docente, à democracia e à ciência – como já é de costume -, mas também à estabilidade da servidora pública, não por acaso uma das críticas fundamentais à Reforma Administrativa, que estava sendo debatida na ocasião.
Além das manifestações desrespeitosas e, muitas vezes, indecorosas de parlamentares e figuras políticas locais – algumas, inclusive, com histórico nada decoroso no que diz respeito ao patrimônio público – entidades, como o Sindicato Rural de Sinop, que se reivindica representante de empresários e trabalhadores do mesmo setor, emitiu uma nota afirmando que Lacerda “não se ateve ao assunto e se utilizou da palavra para discorrer ofensas morais, regionais e desmerecimento dos pioneiros e produtores rurais e população de Sinop”, que sua intervenção foi “imoral, discriminatória, fomentando a separação de classes e raças”, e que, por isso, a Câmara deveria adotar “medidas enérgicas e eficientes” contra a professora, além de obrigar uma retratação por parte da vereadora e também professora Graciele Santos – proponente do debate e vítima constante do grupo, por ser mulher e eleita pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
Num áudio disseminado pelas mídias sociais, sem identificação, um homem defende que as pessoas se mobilizem “democraticamente”, em Sinop, pela exoneração de Lacerda e cassação do mandato da vereadora Graciele. O crime cometido, além de calúnia e difamação, incluiria racismo inverso. Como não existe racismo inverso e todas as demais afirmações feitas no debate são científicas, a Assessoria Jurídica da Adufmat-Ssind assegura que o ocorrido não deve passar de mais um show de pirotecnia, desses que o Governo Federal e seus aliados gostam de promover.
O que fica, no entanto, é a prova da necessidade de barrar a Reforma Administrativa, como conclui a professora Lélica Lacerda. “A cadeira que eu ocupo na universidade não é do Agro. Eu falo aquilo que a ciência quer dizer, e não o que o Agro quer dizer”, afirma a docente.
Entidades e pessoas solidárias estão construindo uma nota de apoio às professoras Lélica Lacerda e Graciele Santos (disponível abaixo). Interessados em assinar devem entrar em contato com a Adufmat-Ssind em Sinop, por meio do telefone (65) 99686-8668.
NOTA DE REPÚDIO
Começa a haver um tempo de diálogo e racionalidade para além do pensamento único. Há esperança em meio a Ignorância. Ignorância daqueles que ignoram sem querer saber. Insensatos. A sabedoria é amiga do pensamento crítico. Por que ignorá-lo?
As instituições e organizações da Sociedade Civil signatárias desta nota, repudiam os recentes ataques dirigidos à Vereadora de Sinop, Professora Graciele Marques dos Santos (PT) e a Professora Dra. Lélica Elis Pereira de Lacerda, professora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
Apoiamos o pensamento crítico, a autenticidade e a criatividade dessas mulheres. São de coragem e com estatura intelectual e política. Manifestamos apoio ao mandato da Vereadora Professora Graciele Marques dos Santos (PT) e à Professora Dra. Lélica Elis Pereira de Lacerda, professora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), que foram atacadas nas redes sociais por grupos de pessoas com pouca afeição à democracia e ao contraditório. Tentam impor uma única forma de convivência social, cujas regras são por elas mesmas interpretadas, retroagindo às normas de condutas medievais.
A Professora Graciele Marques dos Santos e a Professora Lélica Elis Pereira de Lacerda, são mulheres com nome e sobrenome, com história, postura e ternura. Solidárias e guerreiras. Defendem as lutas da classe que vive do trabalho e o fazem por princípio da livre manifestação do pensamento, consagrado na Constituição de 1988. Não podem calar essas vozes autênticas carregadas de conteúdo.
Mas, o que provocou este coletivo para produzir uma Nota de Repúdio? Por que escrevê-la a partir de um território tão promissor e ainda tão pobre?
Escrevê-la é necessário para demarcar o conteúdo da Audiência Pública - PEC 32/2020, Reforma Administrativa, proposta e conduzida pelo mandato Vereadora Professora Graciele Marques dos Santos (PT), realizada no dia 13 de agosto de 2020, na Câmara Municipal de Sinop-MT.
Dentre os participantes da audiência, que incluiu parlamentares, representantes de sindicatos, organizações, universidades, coletivos e de movimentos populares, a Professora Dra. Lélica Elis Pereira de Lacerda foi convidada para esta audiência. A sua fala apontou o que incomoda a sociedade patriarcal local. É bom que se diga com ênfase: todas as vezes que parte desse segmento é confrontado diante da sua incapacidade de autocrítica sobre si e sobre o mundo ao seu redor, age com violência, desrespeito e ameaças.
São incapazes de ler a realidade social, diante da própria incapacidade de propor soluções para as graves crises da atualidade. Como consequência cíclica de tal prática, são provocadoras da crise econômica, da crise política, da crise ética, da crise estética, da crise ambiental e da crise sanitária. Incomodados, eles não dialogam, preferem insurgir trazendo à tona o pior da sua primitividade.
Apontar caminhos e discutir alternativas é papel de uma Audiência Pública, devidamente convocada e com temática aprovada pela Câmara Municipal de Sinop. Discutir a PEC 32/2020 e os desmontes sobre o Estado e as Políticas Públicas é imprescindível.
Repudiamos a forma violenta e pouco democrática de manifestação grupos sociais, inábeis de ler a realidade social. A fala da Professora Dra. Lélica Elis Pereira de Lacerda os deixou nus na sua estupidez. Com resgate histórico e com fundamentos da antropologia social, a professora traçou um panorama sobre a presença do homem no Brasil e sua relação com a natureza. Não há nada ofensivo poder explicar e compreender como essas relações contribuem para melhorar as condições da vida em sociedade.
Quem sabe um bom estudo realizado pelos representantes desses grupos sociais, sobre história social, as contribuições do serviço social e a ontologia do ser social, ajude na direção dos seus mandatos e os tornem sensíveis e solidários.
A democracia que propomos é maior do que a ignorância.
Sinop, 16 de agosto de 2021
Signatários assinantes:
1) AAMOBEP – Associação dos Amigos e Amigas do Centro de Formação e Pesquisa Olga Benário Prestes
2) ADUFDOURADOS - Associação dos Docentes da Universidade Federal da Grande Dourados
3) ADUFMAT/Seção Sindical - Associação dos Docentes da Universidade Federal de Mato Grosso
4) ADUFMAT – Universidade Federal de Rondonópolis / UFR
5) ADUNEMAT – Associação dos Docentes da UNEMAT
6) Adriana Edna Ferreira Duarte – Sistema Socioeducativo de Cuiabá/MT
7) AGGEMT - Associação de Gestores Governamentais do Estado de Mato Grosso
8) ANDES-SN – Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior
9) Auditoria Cidadã da Dívida – Núcleo Mato Grosso
10) Autonomia e Luta – Tendência Sindical
11) Bloco das Mulheres: Tambores de Maria Taquara
12) Carlos Alberto de Almeida - Presidente do SINDSEP-MT
13) Club de Mães do Bairro Jardim Renascer
14) Coletivo Colíder Para Elas
15) Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro – CFCAM-MT
16) Coletivo de Mulheres Camponesas e Urbanas de MT - COMUCAMT
17) Coletivo de Mulheres do Lemarx – Grupo de Estudos de Angela Davis
18) Coletivo Negro Universitário – UFMT Campus Cuiabá
19) Dep. Est. Lúdio Cabral
20) Dep. Est. Valdir Barranco
21) Dep. Fed. Valtenir Pereira
22) Dep. Fed. Rosa Neide
23) Deva Neves - Vice-presidente do Partido dos Trabalhadores de Sinop
24) Diretório Central dos Estudantes – DCE/UFMT Cuiabá
25) Domingos Sávio - Presidente da Associação dos Docentes da UNEMAT (ADUNEMAT)
26) Fernanda dos Santos da Costa – CRAS – Sorocaba/SP
27) Frente Popular Pela Vida: Em Defesa do Serviço Público e de Solidariedade no Contexto de Enfrentamento a Pandemia do COVID-19
28) Fórum de Mulheres Negras de Mato Grosso
29) Gerdine Ferreira de Oliveira Sanson - Diretora Geral Adjunta da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Mato Grosso (ADUFMAT)
30) Henrique Lopes – Diretor-Presidente do CUT - MT
31) Hugo Vinicius Barcelos Massotti – Presidente do DCE Unemat -Sinop
32) Intersindical - MT
33) Jelder Pompeo de Cerqueira – Coordenador Sinasefe MT, Técnico em assuntos Educacionais no IFMT
34) Jennifer Josiane Nesnik Jeronymo – Secretaria de Estado de Assistência Social e Cidadania
35) José Domingues de Godói Filho – UFMT/FAGEO
36) Josi Crispim – Conselheira Municipal de Política Cultural – Cuiabá-MT
37) Juliana Garcia de Brito de Lima e Silva – CRAS - Sorocaba/SP
38) Lisanil Patrocínio Pereira – Professora da Unemat e líder de pesquisa LEAL (Laboratório de Estudos e pesquisas da Diversidade da Amazônia Legal)
39) Lívia Papile Galhardi – CRESS 62208/SP
40) Maria Luiza Troian – Vice-Presidente SINPROTEC
41) Maria Oseia Bier – Coordenadora do SINASEFE, Professora de Filosofia do IFMT
42) Mateus de Souza Santos – Técnico Legislativo da Assembléia Legislativa de Mato Grosso
43) Milton Mauad – Membro do SINPROTEC
44) Movimento Correnteza
45) Movimento de Mulheres Olga Benário
46) Movimento Popular Nós do Renascer
47) Mulheres Pela Vida
48) Mulheres Resistem
49) Núcleo de Estudos Ambientais, Saúde e Trabalho (NEAST/ISC) Campus de Cuiabá
50) Priscila Ferrari – psicóloga do IFMT – Coordenadora de Administração e Finanças do SINASEFE – MT
51) Prof. Dra. Irenilda Angela dos Santos
52) Prof. José Jaconias da Silva – Departamento de Administração da UFMT Campus de Cuiabá
53) Prof. Paulo Alberto – UNEMAT Campus Sinop
54) Raquel de Brito Sousa - Primeira Vice-Presidente Regional Pantanal ANDES-SN
55) Roberto Alves de Arruda - Membro do Conselho Municipal de Educação - Professor da UNEMAT
56) Rusga Libertária
57) Setorial Ecossocialista do PSOL- MT
58) SINASEFE/ MT - Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica – Seção Sindical Mato Grosso
59) SINASEFE/MS – Sindicato dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissionais e Tecnológica em Mato Grosso do Sul
60) Sindicato dos Servidores do Departamento Estadual de Trânsito do Estado de Mato Grosso – Sinetran/MT
61) Sindicato dos Técnicos da Educação Superior da UNEMAT - SINTESMAT
62) SINTECT/MT - Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Correios, Telégrafos e Serviços Postais
63) Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público de Mato Grosso – SINTEP/MT
64) Thiélide Veronica da Silva Pavanelli Troian - Presidente da Subseção da Associação dos Docentes da UNEMAT (ADUNEMAT)
65) União Estadual dos Estudantes do Estado de Mato Grosso – UEE/MT
66) União da Juventude Comunista
67) União da Juventude Rebelião
68) União da Juventude Socialista UJS/MT
69) União Nacional dos Estudantes Bianca Bezerra Vice-Presidente Regional MT/MS
70) Unidade Classista – MT
71) Unidade Popular pelo Socialismo
72) Valdeir Pereira - Presidente do SINTEP-MT
73) Vanessa Fernandes da Silva - Presidente do SINTESMAT
74) Vereadora Edna Sampaio
75) Yasmim Nascimento Tonelli – Residência Multiprofissional PRIMSCAV – Cuiabá/MT
Luana Soutos
Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind