Quinta, 25 Junho 2020 19:05

Perseguindo servidores, Prefeitura de Cuiabá aprofunda o caos durante a pandemia Destaque

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Para o prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro, a vida dos cuiabanos anda tranquila. A iminência da morte e do desemprego não parecem ser suficientes para sensibilizar o político, da mesma forma que não sensibiliza o setor empresarial que buzina reivindicando a reabertura do comércio. Não bastasse o pânico provocado pela pandemia de uma doença altamente letal e ainda desconhecida, tanto a população quanto os profissionais da Saúde Pública – expostos ao contato direto com a Covid-19 - têm agora uma outra preocupação: perseguições políticas.

  

Nessa quarta-feira, 24/06, a frente do antigo Hospital Pronto Socorro Municipal de Cuiabá (HPSMC) - agora Hospital de Referência contra a Covid-19 - voltou a ser ponto de protesto. Desde o início da pandemia, os profissionais da enfermagem, categoria que melhor conhece as condições de atendimento da população cuiabana, denuncia a falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s), medicação, insumos, leitos, que já costumam faltar em Cuiabá até mesmo em situações de normalidade – há diversas denúncias nesse sentido anteriores à pandemia. No entanto, a partir da provocação que o Sindicato dos Profissionais da Enfermagem do Estado de Mato Grosso (Sinpen/MT) fez ao Ministério Público (leia aqui), que motivou nova pressão para fechamento do comércio, surgiram as perseguições. 

Na semana passada, após o apelo do Sinpen/MT às autoridades, uma “denúncia” resultou na abertura de armários de servidores da unidade de saúde, e a presença de EPI’s guardados nos armários individuais - mesmo sendo no local de trabalho – está sendo utilizada como justificativa pela Prefeitura para a exoneração de 12 servidores.    

Considerando a postura da Prefeitura de Cuiabá injusta, colegas de trabalho dos acusados se reuniram em frente ao HPSMC no dia seguinte à vistoria, 20/06, para protestar. Também sofreram retaliações. Servidores efetivos foram transferidos compulsoriamente, e os trabalhadores contratados foram exonerados – uma delas, chamada Edinei Dias, com o diagnóstico de Covid-19. Após a exoneração ela gravou um vídeo com mensagem direta ao prefeito Emanuel Pinheiro. “Eu quero dizer ao prefeito Emanuel Pinheiro que eu não sou política, mas que as duas vezes que você se candidatou o meu voto foi seu. Eu nunca te procurei, nunca falei nada que você foi meu candidato, mas eu tenho uma palavra para você nessa tarde. Eu sei que o meu contrato ia vencer, mas eu quero dizer que isso não se faz com os funcionários que estão dando a vida pelos pacientes internados. Porque é pelos pacientes. Nós não tivemos aumento salarial, estamos com o salário básico, colocando a nossa vida e de todos os nossos familiares em risco”, disse a enfermeira, que havia concedido uma entrevista durante o ato em frente ao HPSMC, contando que foi infectada pela Covid-19 durante o trabalho.    

“Hoje segunda feira [22/06] nos deparamos com a segunda parte do plano maquiavélico de gestores da Secretaria de Saúde de Cuiabá/MT. O RH ligou para alguns servidores que estiveram no ato de sábado (20/06/2020) para dar resposta às injustas acusações de ‘roubo’ de equipamento de proteção individual feitas por gestores do Hospital de Referência ao Covid-19 de Cuiabá. Ainda não temos certeza do teor das ligações, porém não podemos esperar flores de uma gestão que tem atitudes desumanas”, escreveu um servidor que prefere não se identificar a um grupo de colegas. “Preocupados com a qualidade da assistência aos nossos pacientes, pedimos somente condições melhores de trabalho, mas o que recebemos em troca? Mais coação, assédio moral e agora possíveis retaliações dentro do pacote de maldades dos gestores da Secretaria de Saúde de Cuiabá”, acrescentou. 

O presidente do Sinpen/MT, Dejamir Soares, chegou a citar o afastamento de 20 funcionários após a manifestação do dia 20/06 em frente ao antigo HPSMC. Ou seja, além dos trabalhadores da saúde afastados porque fazem parte de grupos de risco – 1.504 no total, sendo que 600 atuam na linha de frente -, e dos trabalhadores que estão sendo afastados diariamente porque são infectados, a população terá de sofrer ainda com o agravamento da falta de profissionais afastados por retaliação ao exercício do direito – ou mesmo do dever - de denunciar o caos ao qual a Saúde Pública de Cuiabá está submetida. O prefeito não quer que digam publicamente que é preciso decretar o fechamento total das atividades da cidade, porque a Saúde Pública da capital não tem condições de atender quem dela precisar. 

“Infelizmente, em pleno ápice da pandemia, precisamos também nos defender do vírus incubado na gestão da saúde de Cuiabá”, conclui o mesmo servidor na mensagem compartilhada com colegas. 

Uma das servidoras que recebeu as ligações as quais o colega se refere acima relatou: “eu estava com Covid-19 e voltei a trabalhar no dia 14. Dia 19 teve aquele negócio [abertura dos armários dos servidores], e dia 20 era meu plantão, eu trabalhei normal. Mas eu fiz um vídeo sobre a situação e enviei para o Felipe Wellaton, que é o vereador opositor. Ele postou esse vídeo na mídia dele e hoje [22/06] simplesmente me ligaram dizendo que eu estou à disposição da UPA Morada do Ouro, sem explicação nenhuma. E ainda tiveram a cara de pau de me dar um documento retroativo, do dia 19, sabendo que não era meu plantão e eu não tinha nada a ver com as UTI’s que eles viram os armários. Eu sou da UTI pediátrica”, afirma. 

Enquanto o secretário de Saúde do estado, Gilberto Figueiredo, repete diariamente que Mato Grosso chegou ao caos, e não há mais “UTI’s, remédios, respiradores e equipes” para quem precisar de tratamento, Emanuel Pinheiro e seus secretários perseguem servidores que denunciam o descaso de agora e de sempre e exigem melhorias. 

O enfermeiro Wylly Murtinho chegou a encaminhar um áudio para a Imprensa pedindo ajuda. “Boa tarde pessoal da Imprensa. Estou gravando essa mensagem porque estou muito indignado com o que está acontecendo comigo. Eu sou enfermeiro, me chamo Wylly, trabalho há 13 anos no HPSMC, tudo o que eu sei eu aprendi ali, tenho uma história ali dentro. Nunca tive problema nenhum com nenhuma gestão, mas essa gestão atual, do Emanuel Pinheiro, junto aos dois capatazes que ele tem dentro do Pronto Socorro – o senhor Milton e o Douglas – está fazendo uma barbárie com os colegas, profissionais da Enfermagem. Estão colocando à disposição, mandando gente embora, pai de família, gente boa, trabalhadora. Estão acabando com a vida de muita gente. Eu estou indignado. Sou concursado, mas eu me preocupo com os meus colegas. Eu estou ali para trabalhar, dou o meu sangue, dei a minha vida naquele lugar para ser maltratado, escorraçado, porque eu fiz denúncia grave. Está faltando EPI, não tem condições de trabalho. A gente está sofrendo, a gente se vira para dar o melhor para o paciente e eles fazem uma palhaçada dessas, colocar a gente à disposição, exonerar funcionário bom, isso não está certo, gente. A gente precisa da ajuda da Imprensa para divulgar isso”, relatou.    

O secretário municipal de saúde, Luiz Antônio Possas, comentou os protestos dizendo: “não estamos no momento de politicagem, o momento agora é de salvar vidas”. O caos na Saúde Pública, no entanto, é fruto de decisões políticas de gestões que se preocuparam mais em agradar o setor privado do que em oferecer à população o atendimento decente e de qualidade que ela merece. 

Luana Soutos

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind

Ler 1772 vezes Última modificação em Segunda, 29 Junho 2020 17:18