Terça, 19 Janeiro 2016 14:18

Entrevista com Valério Vieira - “Não vamos permitir que o crime ambiental e social em Mariana caia no esquecimento”

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Após dois meses da tragédia no distrito de Bento Rodrigues/Mariana, o maior crime ambiental da história do Brasil, ainda não houve nenhuma punição aos responsáveis. Até a ONU qualificou como “inaceitável” a resposta das empresas e governos frente aos impactos até o momento. Milhares de famílias seguem afetadas pela contaminação dos rios, pela falta de abastecimento de água e pelo desemprego.  

Confira a Entrevista com Valério Vieira, presidente do sindicato METABASE Inconfidentes/MG.  

CSP: Por que é importante denunciar que a ruptura da barragem no dia 5 de novembro, que matou 13 trabalhadores da mineração e outros seis moradores do distrito de Bento Rodrigues (MG), colocou em colapso o Rio Doce, atingiu comunidades ribeirinhas, indígenas e quilombolas não foi um acidente?   

Valério: A denúncia tem que ser constante. Em primeiro lugar porque as empresas envolvidas, Samarco, Vale e BHP, desde o primeiro momento tentaram descaracterizar suas responsabilidades e até mesmo dizer que a tragédia foi “inevitável e natural”, mesmo com todas denúncias e investigações apontando claramente que a ruptura da barragem foi por pura ganância ao aumentar a produção. O aumento de rejeitos nos últimos anos foi por opção estratégica destas empresas em abarrotar o mercado de minério para ganhar uma maior fatia do mercado. Não levaram em consideração nenhum aspecto de segurança, pois já sabiam que aquela estrutura apresentava vários sinais de fragilidade e defeito. Ou seja, foi um risco consciente levando em consideração somente o resultado de seus lucros. Por isso não podemos deixar barato essa irresponsabilidade com vidas e com o meio ambiente.    

 CSP: Quem são os verdadeiros responsáveis? Por quê?   

Valério: Existem dois culpados nesta tragédia anunciada, em primeiro lugar a Samarco, Vale e BHP por se comportar como são, verdadeiros abutres que só se interessam pelos seus lucros, o resto é pura hipocrisia. O outro culpado é o governo Dilma em conjunto com o governo do estado e prefeitura, além deste congresso de picaretas formado pelo PT, PSDB, PMDB e outros partidos que votam e aplicam uma legislação clara em apoio aos grandes empresários, sem nenhuma regulamentação séria para proteger os trabalhadores e a população atingida por estes mega-projetos. Além disso, fizeram questão de sucatear os poucos órgãos de fiscalização, como as DRT´s, DNPM e MPT com a intenção clara de deixar nas mãos das empresas o que deveria ser função do estado. Não é à toa que a fiscalização já estava sob controle dessas mesmas empresas e que elas emitem os principais relatórios. Colocam para a raposa a responsabilidade de cuidar do galinheiro.   

CSP: Sobre a assistência às vítimas, o que Samarco/Vale/BHP fizeram efetivamente para amenizar os danos que sofreram os moradores da região?   

Valério: Tomaram medidas paliativas de pouco efeito real. Por exemplo, um salário mínimo como indenização para famílias atingidas. Agora anunciaram que alugaram casas para os moradores de Bento Rodrigues, além do pagamento de 20 mil reais para as famílias que perderam tudo e 100 mil para aquelas que perderam parentes. Disseram  que vão construir um novo Bento em outro local. Tudo isso, além dos aluguéis, são promessas que só serão cumpridas se houver pressão e mobilização. Nós achamos que mesmo se isso for cumprido, nada pode cobrir os danos causados aos trabalhadores e as comunidades atingidas.   

CSP: Dia 08 de janeiro, o Ibama notificou a possibilidade de que a lama com rejeitos tenha atingido até a região de Trancoso e Porto Seguro, próximo ao arquipélago de Abrolhos no sul da Bahia. É possível mensurar a dimensão ambiental da tragédia?   

Valério: Não. As proporções são assustadoras e para recuperar vai demorar décadas. Infelizmente, se depender das empresas e governos nunca vamos saber o tamanho do prejuízo ambiental.   

CSP: Agora mesmo, tanto a Assembleia Legislativa de Minas quanto a Câmara dos Deputados estão dando celeridade na aprovação de novas leis ambientais e um novo Código Mineral. Qual a posição dos movimentos sociais a respeito?   

Valério: Afirmamos que este código só serve ao capital. Em primeiro lugar, a maioria dessa comissão de deputados que examinam este código foram financiados pelas mineradoras na última eleição. Querem ampliar a produção, que é hoje no país de quase 500 milhões de toneladas/ano de minério de ferro. Pretendem subir para os próximos sete anos, após a aprovação do texto, para mais de 1 bilhão de toneladas. Se hoje temos este tipo de problema como a tragédia de Mariana, imaginem dobrando a produção. Além disso, torna prioridade a exploração mineral sobre as terras indígenas, quilombolas, patrimônios históricos e até sobre a água. Vai ser uma guinada para o futuro de uma terra de ninguém. Se acham que já chegamos ao pior, ainda vamos piorar ainda mais se deixarmos tocar as coisas como estão tocando. Quem tem autoridade para criar uma nova legislação que atenda à vida, a distribuição de riqueza e ao meio ambiente são os trabalhadores e suas organizações.   

CSP: Aproximadamente 1.200 funcionários da Samarco retornaram aos postos de trabalho dia 11 de janeiro. A empresa sinaliza ataques como lay-off de 3 meses a partir do dia 25 de janeiro e em abril, quando acabar o acordo, a empresa poderá voltar a demitir. Como barrar esses ataques e organizar os trabalhadores?    

Valério: É preciso esclarecer que o sindicato que tem representação nesta mina é o Metabase de Mariana. O nosso sindicato, o Metabase Inconfidentes, representa as minas da Vale aqui na região que também foram afetadas pela mesma tragédia, colocando em risco os empregos dos trabalhadores da Samarco e também de todo complexo Mariana. Além disso, já nos colocamos à disposição deste sindicato. Estamos articulando com outros movimentos sociais uma grande resistência e luta contra estes ataques, pois é assim que acreditamos que vamos garantir a estabilidade no emprego não só dos trabalhadores da Samarco, mas também de toda região.   

CSP: O desastre retomou a discussão sobre a privatização do sistema minerário brasileiro e a proposta de estatização do mesmo. Quais argumentos sustentam essa proposta?   

Valério: A Vale deve ao estado brasileiro 41 bilhões de reais, a Samarco também deve, assim como todas as outras mineradoras da região. A CSN, por exemplo, vive as custas dos governos através de isenções de impostos e empréstimos a perder de vista. As únicas alegações no processo de privatização das empresas era economia do estado, que iriam arrecadar dinheiro para pagar a dívida pública, arrecadar com mais impostos e que as empresas cumpririam um papel social na geração de empregos. O que presenciamos agora é justamente o contrário. Em todos argumentos,a única coisa que explica as privatizações é a entrega das riquezas nacionais ao capital privado a preços irrisórios. O setor privado que usou, ganhou muito dinheiro e concentrou a riqueza de forma desonesta e imoral. Continuam demitindo os trabalhadores e dando despesas ao Estado como nunca. Além disso, garantir uma mineração à serviço dos trabalhadores, das populações em seu entorno, do estado e do país só é possível reestatizando essas empresas sob nosso controle. A maior prova que a aventura da política de privatizações do governo FHC, mantida e aprofundada pelo governo do PT, deu errado é a tragédia que aconteceu aqui em Mariana.   

CSP: Em dezembro, houve um Seminário Nacional que deliberou pela realização de uma campanha nacional e internacional de denúncia do crime cometido pela Samarco/Vale/BHP. Como será essa campanha?   

Valério: Ressaltamos a importância deste seminário organizado pela CSP Conlutas. Não vamos permitir que o crime ambiental e social que aconteceu em Mariana caia no esquecimento. É fundamental articularmos com todos que queiram defender as reivindicações dos trabalhadores para definirmos um caminho diferente do que estamos vendo até agora. A continuidade do sistema capitalista, tal como foi provado aqui em Mariana, mostra que a barbárie não está apenas próxima. Infelizmente, a barbárie já está acontecendo e foi fruto de uma política e de uma burguesia covarde que não mede esforços para explorar cada vez mais os trabalhadores. Podemos transformar o que aconteceu aqui em um marco da luta dos trabalhadores, ensinando que é necessário uma mudança radical onde nossas vidas não podem mais ficar reféns de uma regra onde só os ricos e poderosos devem ser os que podem concentrar toda riqueza, sobrando para a maioria a miséria ou a morte. Se vai dar certo ou não é outra história, mas aqueles que acreditam na história e na luta dos trabalhadores tem obrigação de tentar. Os fatos estão aí mostram que a única saída é a luta. 

Fonte: CSP Conlutas

Ler 832 vezes Última modificação em Terça, 19 Janeiro 2016 14:19