Terça, 17 Junho 2025 16:43

Tem feriado, mas também tem festa esta semana na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)! Na sexta-feira, 20/06, a gestão “Lutar e Mudar as Coisas nos Interessa Mais” se despede dos dois anos a frente da direção da Associação Docente durante o Arraiá da Adufmat-Ssind 2025.

Terça, 17 Junho 2025 14:48

Homologação das inscrições de chapas

Segue em anexo:

DECISÃO 001 – COMISSÃO ELEITORAL DAS ELEIÇÕES ADUFMAT 2025.

FAÇA DOWNLOAD DO DOCUMENTO AQUI ...

Segunda, 16 Junho 2025 08:02

Quase uma semana após o depoimento de Bolsonaro no STF, e ainda há o que considerar sobre os termos “malucos” e “retórica”, ambos usados pelo ex-presidente para tentar se safar das acusações de crimes diversos. Começarei pela tal “retórica”.
            Antes, porém, registro a felicidade de ter podido ver dois brasileiros tão diferentes frente a frente no STF, em um momento tão importante de nossa história: um – de toga –  indagava sobre golpe; o outro – de terno social – respondia, fosse o que fosse, pois, conforme regras das “quatro linhas da Constituição”, nem era obrigado a isso. Jair não precisava produzir mais provas contra si, além das já produzidas durante seu mandato.
            Aquela cena no STF, aguardada por democratas realmente patriotas, só ocorreu porque estamos em um Estado Democrático de Direito, mesmo que imperfeito. Caso vivêssemos em uma ditadura, advinda de golpe, desejado e arquitetado por todos os réus do mesmo processo penal, consoante acusação da PGR, esse tipo de espaço legal não existiria. Logo, ao invés de transmissão pela TV daquele evento jurídico, motivado por desvios constitucionais, restar-nos-iam sombras e odores fétidos dos porões de prédios, como o do filme “Ainda Estou Aqui”, onde são praticadas torturas e mortes, sempre definidas ao sabor de interpretações e interesses de seres e agrupamentos inomináveis.
            Mas vamos à “retórica” de Bolsonaro, que, na verdade, é outra coisa. O ex-capitão, em seu depoimento, sempre que falou em “retórica”, possivelmente, o fez sem consciência histórico-linguístico-filosófica do termo. Durante seu governo, ao invés de exercer a “Retórica”, uma das heranças do pensamento de Aristóteles, que pressupunha ao orador uma intelectualidade desenvolvidíssima para seu exercício, Bolsanaro nunca passou dos limites de praticar a indevida verborragia, que, aliás, lhe é marca registrada desde sempre. Ao contrário da Retórica, na verborragia, cabe todo tipo de baixaria linguística: palavrões, mentiras, ameaças vis, disseminação de ódio, desrespeitos...
            A propósito, políticos verborrágicos – seres sempre desqualificados, da direita e/ou da esquerda – só se projetam por conta de seus iguais: eleitores pouco ou nada exigentes em termos de “logos”, que é uma das sustentações da Retórica em si; ou seja, aquilo que é “responsável por prover a conexão entre o discurso racional e a estrutura racional do mundo”, conforme anota Willyans Maciel, já no início de um trabalho acadêmico seu, sobre as primeiras reflexões do conceito exposto pelo pré-socrático Heráclito de Éfeso. Assim, sem a devida consciência, obviamente, Bolsonaro agrediu também a Retórica em sua longa lista de violências. 
            Para sustentar o que digo, bastaria transcrever qualquer um dos vários enunciados de Bolsonaro, ditos durante o próprio depoimento, tentando explicar suas “maluquices” linguísticas: palavras ao vento, desprovidas de verdades, como ele próprio afirmou; ou seja, pura “verborragia”, que, para o Michaelis On-line, é o “uso excessivo de palavras e de muita fluência para dizer coisas de pouco ou nenhum sentido ou importância”.
            Tudo muito pertinente a Bolsonaro, sempre verborrágico, e nunca retórico, como se imagina. E a verborragia, em seu interrogatório, como se fosse “defeito de fábrica” de um ventríloquo, fê-lo deixar as feições de leão para assumir as de um gatinho dengoso, de tão simpático que estava à frente de “Xandão”, vítima de sua insana verborragia.
            E foi essa metamorfose do leão para gatinho, ironizada em redes sociais adversas ao bolsonarismo, que o fez reincorporar uma prática que lhe é antiga: não carregar feridos, e, sim, salvar sua própria pele, quando se sente acuado. Para tentar limpar sua barra, o que deverá ser dificílimo, categorizou como “malucos” seus mais fiéis dentre os fiéis de seus seguidores: aqueles cabeças de papel que marcharam em frente a algum quartel.
            Dos “malucos”, rifados, sem dó, por Bolsonaro, o seu ex-ministro da Educação – Abranham Weintraub – foi um dos que ficaram tiriricas. Em rede social, Weintraub declarou ter sido “muito otário” por ter acreditado em Bolsonaro. Oh! Na verdade, aquela criatura deve, enfim, ter se percebido como o velho e real Tiririca, quando este, não sem dignidade, usava nariz de palhaço para ganhar a vida em programas chulos de auditório.
            Weintraub, confessando-se “muito otário”, o fez tarde demais, mas antes tarde... Outros “otários” – tipo raíz – do bolsonarismo jamais perceberão o quão bizarro e estéril foi o papel que fizeram em frente a quartéis, pois, para isso, teriam de ter a decência de buscar informações em fontes adequadas para não mais voltar a fazer o papel social de otários. Isso me parece difícil, posto terem sido convencidos (como em lavagem cerebral) de não mais se informarem pelo jornalismo profissional que, com todos os seus defeitos, será sempre mais confiável do que o ambiente abjeto e, tantas vezes, criminoso, vivido em várias bolhas das redes sociais.
            Para confirmar isso, digo que, caso não vivessem em bolhas, os “otários” abandonados saberiam que o golpe tramado – daí o crime – JAMAIS ocorreria. Para saber disso, bastava ter visto, p. ex, , a matéria da BBC News Brasil que publicou, em 28/09/22, a seguinte notícia: “Senado dos EUA aprova recomendação de romper relação com o Brasil em caso de golpe”. Outras mídias profissionais também deram a mesma notícia.
            Antes disso, enviados pelo então presidente Joe Biden, dos EUA, se reuniram com os chefes das Forças Armadas e deixaram claro que aquele país não apoiaria uma ruptura institucional no Brasil, conforme se pode conferir no link que segue: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/12/08/quem-evitou-golpe-em-2022-foram-os-eua-entrevista-antonio-lavareda.htm?cmpid=copiaecola).
            Daí, mesmo que provocadas por aventureiros golpistas, as Forças Armadas não tiveram unidade suficiente para entrar na canoa furada. Por ironia, parece que apenas e justamente o marinheiro não percebeu bem o tamanho do furo de seu barco para uma viagem de tanto risco. Outro “oh”!
            Depois dessas informações, que dificilmente circulariam nas bolhas bolsonaristas, que, sem pudor, cultivam apenas a mentira e o ódio, acreditar em golpe era mesmo uma coisa de “maluco”, como disse Bolsonaro... Enfim, uma verdade sua dita aos seus otários.

Prof. Roberto Boaventura da Silva Sá

Sexta, 07 Fevereiro 2025 18:29

Com nossos cordiais cumprimentos avisamos a comunidade  acadêmica  que está  divulgada a lista de inscrições para o Cargo de Pró-reitor(a)  de SINOP/MT que foram deferidas pela comissão  de consulta informal do Câmpus de Sinop.

 
     

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Segunda, 13 Janeiro 2025 10:04

ESPAÇO ABERTO                                                 
Debate de ideias – Informativo da Associação dos Docentes da UFMT   - ADUFMAT - nº 03/2025. 
 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Texto enviado pelo Prof. Danilo de Souza. 

Substituir os combustíveis fósseis: um desafio economicamente complexo 

            A substituição dos combustíveis fósseis por fontes primárias de baixa emissão representa um dos maiores desafios do século XXI, principalmente sob perspectivas econômicas. No modo de produção capitalista, a reprodução do sistema econômico depende fundamentalmente da capacidade de reduzir os custos de produção, garantindo assim a ampliação da extração de trabalho excedente e a maximização do lucro. Essa dinâmica impulsiona a constante busca por inovações tecnológicas e pela exploração intensiva dos recursos naturais e da força de trabalho para aumentar os excedentes no final do circuito, em uma lógica que prioriza a eficiência produtiva acima de qualquer outro fator.
            Nesse contexto, os recursos energéticos de baixo custo, como os combustíveis fósseis, ocupam um papel central, pois viabilizam uma produção em larga escala e preços competitivos, essenciais para a circulação ampliada de mercadorias no mercado global. Entretanto, essa estrutura, profundamente enraizada, enfrenta limites e contradições evidentes ao se deparar com a necessidade de uma transição energética que requer fontes de baixa emissão de carbono, hoje, significativamente mais caras, e um reajuste profundo das bases materiais sobre as quais o sistema opera. Essa situação demonstra as tensões intrínsecas entre a lógica da acumulação de riqueza e as demandas por sustentabilidade ambiental e social.
            Uma das estratégias mais viáveis para reduzir emissões associadas ao uso de hidrocarbonetos líquidos, como o petróleo, é a substituição parcial ou total por biocombustíveis. Esses combustíveis renováveis apresentam a vantagem de requererem pouca adaptação nas tecnologias já existentes de queima (motores a combustão interna) e distribuição, uma vez que mantêm sua forma líquida e podem ser integrados de forma relativamente simples à infraestrutura atual. Essa característica minimiza os desafios logísticos e técnicos da transição, tornando os biocombustíveis candidatos preferenciais como substitutos dos combustíveis fósseis em curto prazo. Contudo, o fator econômico continua sendo um obstáculo significativo: os biocombustíveis apresentam custos de produção mais elevados quando comparados aos combustíveis fósseis convencionais, especialmente devido à necessidade de insumos agrícolas, tecnologia específica e processos industriais de conversão. Além disso, questões como a competição pelo uso da terra e a volatilidade dos mercados de commodities agrícolas também afetam sua viabilidade econômica.
            Conforme demonstrado na figura, os custos de produção de petróleo e combustíveis variam amplamente dependendo do tipo de recurso, localização e tecnologia empregada. As reservas de petróleo convencional no Oriente Médio e no Norte da África possuem os menores custos de produção, variando entre 5 e 30 dólares por barril, devido à alta eficiência de extração e às condições geológicas favoráveis, o que garante um excedente econômico significativo (oscilando entre 30 e 100 US$/barril), mesmo em cenários de preços baixos no mercado.
            Esses custos de produção são significativamente inferiores a outras tecnologias de extração que exigem maior complexidade técnica, e maior necessidade de investimentos e desafios ambientais. É o caso das tecnologias que recuperam as fontes de petróleo não convencional, como as tecnologias "Sem-CO₂-EOR" (recuperação avançada sem injeção de CO₂), "CO₂-EOR" (com injeção de CO₂), petróleo extrapesado e betume, águas ultraprofundas, regiões árticas e petróleo de querogênio. Incluem-se, também, as tecnologias de extração do óleo leve de folhelho (LTO), encontrado em formações de xisto, que possui custos intermediários, mas é conhecido por sua rápida produção inicial, seguida de um declínio acentuado, o que contrasta com a vida útil mais longa e estável de poços convencionais. Essa característica dos poços de LTO reduz seu horizonte de rentabilidade, exigindo ciclos de perfuração contínuos para manter os níveis de produção, enquanto os poços convencionais, especialmente em regiões como o Oriente Médio, podem manter fluxos constantes e economicamente viáveis por décadas.

Além das fontes fósseis, os combustíveis sintéticos e biocombustíveis possuem papel relevante. Combustíveis sintéticos, como GTL (conversão de gás para líquido) e CTL (conversão de carvão para líquido), apresentam custos elevados, em função dos processos químicos complexos necessários para sua produção. Já os biocombustíveis, como biodiesel convencional, biodiesel avançado, etanol celulósico e etanol convencional, destacam-se por serem fontes consideradas de baixo carbono com menor impacto ambiental em termos de emissões de gases de efeito estufa. Contudo, apresentam custos mais elevados, que podem ultrapassar 120 dólares por barril equivalente. Por exemplo, no Brasil, o biodiesel é produzido com custos médios entre 90 e 135 dólares por barril equivalente, beneficiando-se de tecnologias avançadas a partir da cana-de-açúcar e soja. Nos Estados Unidos, esses custos podem exceder 140 dólares por barril, devido ao uso intensivo de insumos agrícolas e a uma infraestrutura menos otimizada. A figura sintetiza esses custos e as estimativas de recursos tecnicamente recuperáveis, apresentando no lado esquerdo os custos relacionados às fontes de petróleo convencional e não convencional, e no lado direito, os combustíveis sintéticos e biocombustíveis.
            A diferença nos custos de produção de energia, como os demonstrados na figura, tende a desencadear um efeito cascata sobre outros setores da economia, se os biocombustíveis fossem colocados como solução de “descarbonização” em substituição aos fósseis. Isso ocorre porque a energia é um insumo de baixíssima elasticidade, ou seja, sua demanda não varia de forma significativa em resposta a mudanças no preço. Esse conceito de elasticidade reflete a sensibilidade do consumo de um bem ou serviço a alterações em seu custo; no caso da energia, mesmo aumentos expressivos nos preços dificilmente reduzem a demanda, devido à sua importância essencial para a produção, transporte e serviços básicos. Como resultado, custos mais elevados de fontes de energia renováveis ou não convencionais são inevitavelmente repassados ao longo da cadeia produtiva, aumentando os preços de bens e serviços finais. Essa alta pode gerar impactos inflacionários e afetar a competitividade econômica, especialmente em setores intensivos em energia.
            Vale citar que os avanços tecnológicos têm desempenhado um papel essencial na redução dos custos de produção, especialmente no setor de petróleo não convencional. Métodos como o fraturamento hidráulico e perfuração horizontal permitiram que fontes de xisto e gás natural se tornassem viáveis economicamente. Contudo, mesmo com esses avanços, os custos de produção de combustíveis não convencionais ainda são significativamente maiores do que os custos das fontes convencionais mais acessíveis, o que resulta em um menor excedente econômico da utilização dessas tecnologias alternativas.
            A produção de biocombustíveis apresenta custos elevados em comparação com os combustíveis fósseis convencionais devido a diversos fatores estruturais e tecnológicos. Primeiramente, o cultivo de matéria-prima agrícola, como milho, cana-de-açúcar ou soja, exige grandes áreas de terra, altos investimentos em insumos agrícolas (fertilizantes, defensivos, água) e força de trabalho, além de estar sujeito à sazonalidade e à volatilidade climática. Em seguida, os processos de conversão biológica ou química dessas matérias-primas em combustíveis, como a fermentação ou transesterificação, demandam tecnologias avançadas e complexas, muitas vezes com baixa eficiência energética. Ou seja, toda uma cadeia produtiva extensa e dependente de diversos fatores externos. Por outro lado, a produção de petróleo, especialmente em fontes convencionais, beneficia-se de uma infraestrutura amplamente consolidada, técnicas de extração altamente otimizadas e custos marginais baixos nas regiões de maior produtividade, como no Oriente Médio.
            A transformação do sistema energético global é um grande desafio, que ainda está longe de se concretizar. Demandaria um compromisso robusto de governos e setores empresariais que teriam de operar uma lógica diferente da que até o momento construiu o sistema produtivo. Medidas políticas, como a introdução de subsídios para tecnologias de baixo carbono, desincentivos fiscais para fósseis e o fortalecimento de regulamentações ambientais, estão longe de serem o suficiente para incentivar a transição, e em alguns casos podem até mesmo gerar mais assimetrias. Além disso, investimentos massivos em pesquisa e desenvolvimento são necessários para continuar a reduzir os custos das tecnologias de baixo carbono e melhorar sua eficiência.
            O caminho para uma matriz energética de baixo carbono é complexo e exige esforços coordenados em várias frentes. Embora avanços tecnológicos estejam ajudando a reduzir custos e aumentar a viabilidade das energias renováveis, a dependência histórica de combustíveis fósseis, aliada às estruturas econômicas e geopolíticas existentes, ainda representa um obstáculo significativo. Portanto, uma transição energética efetiva ainda está longe de se consolidar, e exigiria transformações profundas e estratégicas, seja em tecnologias, seja nas estruturas econômicas, políticas e sociais.

OBS: Coluna publicada mensalmente na revista - "O Setor Elétrico".

Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.

 

Quinta, 09 Janeiro 2025 14:43
ESPAÇO ABERTO                                                 
Debate de ideias – Informativo da Associação dos Docentes da UFMT   - ADUFMAT - nº 02/2025. 
 
 
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Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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As Big Techs e os desafios para a política nacional de Saúde Mental Antimanicomial 
 

Por Vanessa C Furtado

Profa. Dra. Departamento de Psicologia- UFMT

Para Fernando Freitas e

 David V-E Tauro 

Na última terça-feira assistimos ao anúncio de Zuckerberg sobre alterações relacionadas aos algoritmos das redes sociais que comanda, dentre essas mudanças, o CEO fez questão de anunciar a liberação de se associar questões de sexualidade a transtornos mentais. Uma mudança radical na postura das BigTech que vendiam a vibe “descoladas e moderninhas, abertas à diversidade”. O recuo ideológico aponta para nós, lutadoras e lutadores antimanicomiais um cenário complexo,  de avanço da patologização, agora declaradamente apoiado pelas redes sociais, que exigirá organização da luta e resistência.

Em momentos de agudização da crise, o Capital não se furta em lançar mão de suas pautas fascistas e eugenista na garantia de manutenção do status quo. O duplo retrocesso nas redes sociais sobre a pauta LGBTQIA+ e da pauta da saúde mental é prova de que o avanço da extrema direita, de ideais nazifascistas não são ao acaso, mas é sim um projeto articulado pelas grandes potências econômicas mundiais. 

Mas, o que isso impacta nossa política nacional de Saúde Mental e em nosso dia-a-dia?  

É preciso retomar um pouco a história da psiquiatria para que possamos entender esses impactos. A psiquiatria denominada científica, como uma especialidade das ciências médicas, tem um marco importante no final do século XIX com Kraeplin e seu sistema nosológico. 

Naquela ocasião, Kraepelin (1887/2005) discutia a crise da psiquiatria (1886) justamente por ela não conseguir responder, aos problemas aos quais se dedicava, com a mesma “eficácia” de outras especialidades médicas. A solução, para o autor, era a utilização dos métodos da Psicologia Experimental de Wundt como base das investigações psiquiátricas. 

Seguindo esses passos, Kraepelin desenvolve um sistema nosológico que tem embasado a psiquiatria desde então. Principalmente, a partir da terceira edição do DSM. Muito embora, atualmente, apenas parte das ideias kraepelinianas ainda se encontram presentes nas formulações diagnósticas em saúde mental baseadas no DSM, há um elemento fundante que permanece na  lógica de se fazer diagnóstico na psiquiatria hegemônica: o modelo biomédico, radicado em um ideal eugênico e higienista de saúde; como bem nos chama atenção o “SPK Fazer da doença uma arma” (movimento de paciente/usuárias/os alemães da década de 70 “Coletivo Solcialista de Pacientes de Heidelberg) em seu manifesto. De acordo com eles: 

“Saúde é um conceito totalmente burguês. O capital como um todo estabelece uma norma média de exploração da mercadoria força de trabalho [ da mercadoria ser humana]. (…) Ser saudável significa ser explorável.” (SPK, 2024 p. 38).

A ideologia burguesa, pode-se dizer, constitui a base da psiquiatria hegemônica (e das ciências médicas e da saúde em geral) dando a tônica não apenas nos modos de se fazer diagnóstico em Saúde Mental, como também, nos modos de atenção às pessoas em sofrimento psíquico. Não à toa é o nome de Kraepelin que é tratado como “pai da psiquiatria”, um eugenista convicto, que junto com Wundt compôs um movimento de resistência ao processo democrático que se instaurava na Alemanha naquela época, pois acreditava que um líder escolhido pela maioria das população não seria alguém preparado para governar, pois os governantes aristocráticos haviam herdado essa capacidade de seus antepassados, herdando as melhores características de forma hereditária. 

A ascensão de certas classes a posições confortáveis e importantes na vida deve ter dependido desde o início de que elas provassem sua coragem na luta por existência (Dasein Kampf). A luta garantiu-lhes uma posição superior em seu ambiente. Além disso, pode-se supor que seus traços positivos foram herdados e, portanto, que as gerações posteriores de uma antiga linhagem familiar que defendeu sua posição ao longo dos séculos manteve, até certo ponto, aquelas características que uma vez facilitaram sua existência Por outro lado, parece óbvio que os ancestrais daqueles pertencentes às classes mais baixas não possuíam, em geral, características que os equipassem para realizações extraordinárias e, portanto, não poderiam transmitir tais características.  (Kraepelin, 1919 p. 181 apud Engstrom, 1991 p. 150). 

Kraepelin entendia que a “degeneração”, a tendência à criminalidade e ao desenvolvimento de sofrimentos psíquicos era uma questão hereditária (a genética naquele momento era uma ciência incipiente). 

A ciência, é importante lembrar, não é descolada de ideologias e de seu contexto histórico, político, social… a ideologia impregnada nas formulações diagnósticas de Kraepelin, a importação dessas ideias ao modelos diagnósticos atuais cumprem funções sociais que, de forma hegemônica, tem bases eugênicas e, portanto, higienistas. 

Hobsbawm, um dos maiores historiadores de último século, anuncia as validações dos ideais eugênicos pela via do que hoje, como ciência mais desenvolvida do que na época de Kraepelin, denomina-se genética:  

O que tornou a eugenia “científica” foi justamente o surgimento da genética após 1900, que parecia sugerir a exclusão total das influências ambientais na hereditariedade e a determinação, por um único gene, da maioria ou de todas as características; isto é, que o cruzamento seletivo dos seres humanos segundo o processo mendeliano era possível. (Hobsbawm, 2012 p. nd. - Versão para Apple Books - gritos nossos). 

Contudo, no campo de estudos da genética mesmo, é sabido e largamente estudado a interação do organismo com o meio e como isso afeta os fenótipos, o que chamamos “epigenética”, aquilo que está sobre a genética. Para nós, seres humanos/os o meio social é a sociabilidade nos é imprescindível, somos seres sociais em essência, nosso organismo biológico é dotado de plasticidade (como a maioria dos organismos multicelulares) e nosso processo saúde e doença deve ser entendido a partir das determinações sociais-históricas e não apenas biológicas. 

Isso quer dizer que, nossa herança genética, como afirmam Lewins e Levontin (1985), dá conta de características básicas como cor dos olhos, cabelos, estatura, etc. Mas as formas mais complexas de nosso comportamento, desenvolvimento, nossa consciência são produtos de nossas interações sociais, de nossa sociabilidade, ao longo da história de nossa vida. Então, é preciso entender que a nossa constituição enquanto seres humanas/os perpassa pelo contexto social, histórico e, consequentemente, político. Não somos indivíduos autogeridos, somos seres que dependemos do chão da história, expresso na sociabilidade constituída coletivamente/socialmente. 

Como Marx (2011) já dizia: “Os homens [e mulheres] fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha, e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, ligadas e transmitidas pelo passado.” (p. Nd. Versão para kindle).

O que temos diante de nós agora, os meios pelos quais deveremos conduzir nossa história, ante o explícito avanço do neoliberalismo e as expressões ultraconservadoras diante da iminente falência do modelo capitalista, será nossa luta e resistência nas trincheiras da luta antimanicomial, para não deixar que nossa política (e soberania nacional) sejam assoladas. O que não se construirá apenas a partir de nossa pauta, mas de organização coletiva.

A falência do capital, no sentido da impossibilidade de sua manutenção da forma como está, se expressará, para quem ainda não pôde construir seu bunker, pela barbárie, como já anunciavam alguns intelectuais franceses do grupo Socialismo ou Barbárie.

Eis o que se apresenta diante de nós: a barbárie! Que instrumentalizando as pautas da psiquiatria e da criminalidade (e a associação entre as duas), retoma seus fundamentos eugênicos sobre os quais se ergueu. Essa realidade já se expressa em na nossa política nacional, com a aprovação pela câmara dos deputados federais do PL 551/2024, inserido no PL 1637/2024 que altera a lei 10.216, e agora segue para o senado com grandes chances de aprovação, se não nos mobilizarmos. 

E é aqui que a fala do dono da Meta nos implica como militantes da luta antimanicomial. Ao informar a retirada do filtro que associa questões LGBTQIA+ às questões de saúde mental, ele remonta aos princípios conservadores kraepelinianos.  

Qual o interesse nisso? 

Podemos citar dois interesses que de pronto nos levam às tentativas de manutenção e expansão do capital, baseado no aumento da exploração-opressão da “mais-valia”. Sim, isso mesmo, eis o fim posto desse sistema: manter e aumentar o lucro dos super ricos, enquanto esmagam até o suco, doutrinam, dopam, dominam e exploram a classe trabalhadora.

Na selva do capital, a arma ideológica do processo de exploração, compõe com as expressões das opressões uma unidade poderosa, para diminuir, discriminar e patologizar todas aquelas formas de comportamentos que fogem ao padrão do ethos burguês (do homem, branco, cis, patriarcal, hétero e dono dos meios de produção). O que serve para justificar uma política de maior expropriação das forças de trabalho quanto mais as pessoas se distanciam desse padrão. 

O esgarçamento dos limites do capitalismo cada vez mais evidentes, convoca os super ricos a se reposicionarem também em pautas ideológicas, assistiremos as grandes marcas revogarem suas políticas de diversidade e se alinharem ao processo ultra-conservador que se desenha diante dos nossos olhos. Mas, a discriminação “do diferente”, a eliminação da diversidade humana e a redução ideológica que classifica como “humano” apenas aqueles que mais se aproximam “do padrão”, ao passo que desqualifica quem é diferente, encontra na psicopatologizacão dessa diferença está diretamente associada ao lucro, neste caso da indústria farmacêutica.

Para e ter noção da importância desse setor na economia mundial, o mercado dos medicamentos responde hoje pelo terceiro maior setor da economia norte-americana, correspondente à US$ 840 bilhões de receita (R$4,2 trilhões), sendo responsável pela maior parte da produção de medicamento no mundo:40% (De acordo com dados da ABRADILAN, 2024). Nessa esteira, os psicofármacos se tornam “queridinhos” das indústria e dos investimentos estatais,  a importância do desenvolvimento de pesquisas sobre o cérebro e produtos que tenham como alvo o aumento do rendimento intelectual, emocional, enfim, da produtividade da classe trabalhadora, foi comparado por Barack Obama (2012) à corrida espacial. Com duas grandes potências econômicas nessa corrida: União Europeia e Estados Unidos. 

Assim, não deve nos restar dúvidas sobre os interesses econômicos no processo de patologização da vida. E, como todo interesse econômico, este não está direcionado para o processo de cuidado de seres humanas e seres humanos, mas sim, em aumentar sua capacidade  e necessidade de consumir e manter a máquina do lucro funcionando. O interesse, não nos enganemos, não é relacionado ao desenvolvimento humano, mas sim voltado para o desenvolvimento dos lucros e manutenção do capital. 

As redes sociais, nesse ponto, têm assumido papel importante no impulsionamento da ind. farmacêutica, capturando os princípios dos movimentos identitários revolucionários, promovendo, no campo da saúde mental, um processo de identitarismo com os diagnósticos psicopatológicos. Substituindo, assim, a luta histórica de usuárias e usuários de não serem reduzidas aos seus diagnósticos, para  a de sujeitos que se apresentam a partir de seu diagnóstico. Desta forma, onde havia uma condição passível de superação, agora se apresenta como uma identidade (como é o caso do TDAH, por exemplo), o que engendra a cronificação dos sofrimentos psíquicos e quase que “naturalmente” justifica a medicalização das condições socialmente fabricadas. Medicalização está que ganha eco em campanhas de entidades que buscan defender a lógica hegemônica, financiada pelas farmacéuticas, como as campanhas "Janeiro Branco" e "Setembro Amarelo" que propagam como ideal de saúde mental o estilo de vida burguês, e medicam "tratam" quem não consegue atingi-lo.

A conformação de identidades psicopatológicas ratificam as noções biomédicas, apoiadas pela hereditariedade com a autoridade do discurso médico da genética; reduz a complexidade do ser social ao biológico e incute um discurso fatalista e da impossibilidade de superação de determinadas condições. Ainda que diversos estudos, desde a década de 1930 (com a crítica de Vigotski (1931/2006)  ao diagnóstico, por exemplo), demonstram o limite do biologicismo para se apreender os sofrimentos psíquicos. Estes estudos, cabe ressaltar, passam a ser invalidados, mesmo invisibilizados. 

O conservadorismo avança a passos largos e tomará conta de todos os aspectos de nossas vidas, inclusive no campo da saúde, com auxílio das redes sociais, a manipulação das informações tomará contornos cada vez mais violentos, hostis e discriminatórios a todas aquelas e aqueles que não compõem “o padrão”. Serão tempos duros, que nos exigirá resistência e ainda mais força para lutar.

A defesa dos princípios antimanicomiais, despatologizantes e desmedicalizante exigirá de nós ainda mais capacidade de mobilização, para manter acesa a chama da luta pelo reconhecimento de nossa humanidade para além de nossos diagnósticos, para que sejamos pessoas de ativo enfrentamento ao contexto ideológico, para que não sejamos medicalizadas, exploradas e oprimidas. Urge, como Paulo Amarante e outros/as  intelectuais tem apontado, de retomarmos de forma retumbante os princípios da luta. Uma sociedade livre dos manicômios é também uma sociedade que nos liberte da ,exploração-opressão de seres humanos/as por outros/as seres humanos/as. o Enfrentamento ( com “ E” maiúsculo) ao modelo eugenista biomédico é agora: Trabalhadoras, trabalhadores, usuárias, usuários e familiares da Saúde Mental uni-vos! 

Referências Bibliográficas  

AMARANTE, P. (2007) Saúde Mental e Atenção Psicossocial. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz. 

FURTADO, V.C. (2024) Determinação Social da Esquizofrenia: Fundamentos Ontológicos para o Desvendamento do Desenvolvimento da Esquizofrenia. (Tese de Doutorado) UFRN. 

HOBSBAWM, E. (2012) A Era dos Impérios. São Paulo: Paz e Terra. 

KRAEPELIN, E. (1887/2005). The directions of psychiatric research. ("Classic Text No. 63", tradução e notas de E. J. Engstrom e M. M. Weber). History of Psychiatry, v. 16, n. 3, p. 350-364. Disponível em: https://doi.org/10.1177/0957154X05056763. 

KRAEPELIN, E. (1908/2007). On the Question of Degeneration'. History of Psychiatry, 18(3),399-404. 

LEVINS, R. e LEWONTIN, R. (1985/2009) The Dialectical Biologist. Aakar Books. 

MARX, K (2011) Os 18 de brumários de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo editorial. 

MOYSÉS, M. A. A., & COLLARES, C. A. L. (2007). Medicalização: elemento de desconstrução dos direitos humanos. Direitos Humanos: O que temos a ver com isso, 153-168. 

PINHEIRO, P. W. M. (2022) Entre os Rios que tudo Arrastam e as Margens que os Oprimem: as determinações ontológicas da unidade exploração-opressão. (Tese de Doutorado) Universidade de Brasília. 

VYGOTSKI, L. S (1931-1933/2006) Obras Escogidas – IV: Psicologia infantil. Madrid: Antonio Machado Libros.

Quarta, 08 Janeiro 2025 09:50

Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. em Ciências da Comunicação/USP
Docente aposentado da UFMT
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Exceto as criaturas miseráveis, “...pessoas de alma bem pequena”, do tipo das que são retratadas no “Blues da Piedade”, de Cazuza e Frejat, os demais brasileiros estão em estado de felicidade plena com o troféu Globo de Ouro, conquistado por Fernanda Torres, que superou algumas das mais importantes estrelas do cinema internacional. Para isso, nossa atriz interpretou Eunice Paiva, em “Ainda estou aqui”, de Walter Salles, baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho de Eunice e Rubens Paiva, deputado federal de 1963/64, pelo PTB/SP, assassinado pelos ditadores/torturadores de 64.

Para o desconforto, mesmo que in memoriam, de muitos dos que sustentaram aquele regime, bem como aos apequenados de alma que ainda flertam e se identificam com líderes autoritários, dispersos alhures, inclusive no Brasil, se Eunice, nos últimos anos de vida, perdera a memória por conta do alzheimer, paradoxalmente, hoje, cada um de nós está podendo recuperar um pouco da memória de um passado ainda tão próximo; passado, a bem da verdade, dolorido, tantas foram as suas crueldades, como a que se abatera à família Paiva, que teve de ver, em janeiro de 1971, Rubens ser retirado de sua casa, por agentes da ditadura militar, para um depoimento, do qual nunca mais voltou.

Mas se Rubens nunca mais pode voltar da forma como desejava sua família, hoje, ele está de volta; como de volta está Eunice. E ambos estão – por aqui – tendo um retorno retumbante, até pouco tempo inimaginável. Ambos estão nas telas dos cinemas do mundo inteiro! Quem diria?! A arte, de novo, driblou a censura; de seu jeito, aliás, delicado como foi tratada essa violência política no Brasil, pisoteou o autoritarismo, desnudando-o a quem quiser (re)ver uma parte de nossa triste realidade vivida por quase 25 anos do século passado.

De forma direta, das artes envolvidas, a literatura foi a primeira a contribuir com todo esse processo de resgate. Num misto dos gêneros biografia e memória, Marcelo escreveu a história de sua família, tendo sua mãe como personagem central, que nunca desistiu de lutar para que o Estado brasileiro desse uma resposta sobre o sequestro e o assassinato de Rubens.
Das páginas do livro, um roteiro já premiado na Itália – que hoje vive sob a égide de uma premiê de linhagem autoritária – foi elaborado para ser materializado nas telas dos cinemas e, posteriormente, acessado de outras formas.

Do excepcional roteiro, a força da arte dramática, literalmente, entrara em cena. Como nos geniais espaços em branco das páginas de “Un Coup de Dés” (Um Lance de Dados), de Mallarmé, Fernanda Torres atinge um nível de interpretação para a personagem Eunice em que o silêncio e os olhares falam mais alto/forte do que quaisquer palavras em diversos momentos da narrativa do filme. Aliás, esses dois elementos (os vazios e/ou os brancos) também se estendem a Fernanda Montenegro que, em poucos minutos, no epílogo, sem falar uma palavra sequer, diz tudo o que a personagem, já com o alzheimer avançado, poderia expressar: ápice das emoções de um filme por inteiro emocionante.

Emoção fílmica que teve ainda uma luxuosa trilha sonora. A música jamais poderia estar ausente. E música de gêneros e artistas tão diferentes entre si, como Erasmo e Roberto Carlos, Tim Maia, Gal Costa, Tom Zé, Os Mutantes, Serge Gainsbourg, Jucas Chaves, Nelson Sargento, Donny Hathaway, Caetano Veloso e Cesária Évora.

Assim, desse mosaico de manifestantes e manifestações artísticas, a cultura brasileira parece ter se vingado um pouco dos tantos ataques desferidos pelo ex-presidente da República. Das insanidades por ele verbalizadas, posto que o silêncio não lhe seja o forte, destaco sua homenagem ao coronel Brilhante Ustra, um dos mais cruéis torturadores de todos os torturadores do regime de exceção, quando da exposição de seu voto pelo impeachment de Dilma Rousseff.

Todavia, BRILHANTE, de verdade, é o filme de Walter Salles. BRILHANTE é a oportunidade ser contemporâneo de famílias BRILHANTES, como a de Eunice e Rubens Paiva, de Fernanda Torres e Fernanda Montenegro, que, ao se juntarem no BRILHANTE palco do mundo das artes, estão nos presenteando com o BRILHANTE sentimento de brasilidade, que vai bem além, mas muito além do ato de fixar ou fincar uma bandeira na porta de uma casa, da varanda de um apartamento, no pórtico de um comércio ou na entrada de uma porteira qualquer, de uma estrada qualquer, de uma fazenda qualquer...

Como na história da criança e da bacia, salve nossa democracia!!! Suas imperfeições precisam ser denunciadas e combatidas, mas sua essência, preservada. Sempre. Aquela “vida de gado, de um povo marcado, povo feliz”, cantada por Zé Ramalho, não nos pertence. Em suma, ainda estamos todos aqui, juntos com Eunice, Rubens, Marcelo, Fernandas, Walter...

Quinta, 19 Dezembro 2024 13:21

É com grande pesar que a Adufmat informa o falecimento do professor Tomás de Aquino Silveira Boaventura,

Quarta, 18 Dezembro 2024 09:23

A Diretoria da Adufmat-Ssind, no uso de suas atribuições regimentais,

Sexta, 26 Janeiro 2024 11:33

 

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para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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EM NOME DA BÍBLIA 

Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. em Ciências da Comunicação/USP

Professor de Literatura; aposentado da UFMT

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De matérias que li há alguns dias em Carta Capital, duas me motivaram a escrever este artigo: uma é do dia 16; a outra é do dia 18 deste mês, embora o Intercept Brasil tenha sido a fonte para as publicações da Carta.

Pela cronologia desses trabalhos, ficamos sabendo, primeiro, que o pastor estadunidense Douglas Wilson virá ao Brasil para o Congresso Evangélico Consciência Cristã, a ser realizado durante o feriado de carnaval em Campina Grande - PB; depois, que a organização do referido evento cancelou aquele convite, sob a justificativa de haver “riscos de ‘crimes de ódio’ contra os participantes e o palestrante convidado”.

Mas por quais motivos existiriam tais riscos?

Em resposta direta, o referido pastor é expoente da extrema direita nos EUA; ou seja, aquém tem noção do que isso significa, a informação se basta. Do contrário, nenhum argumento parece que poderia reverter a visão limitada de tantos seres contemporâneos. Seja como for, avalio ser necessário reproduzir o cerne do pensamento daquele “religioso”, para, depois, considerar sobre a centralidade de seu desconvite.

A bem dos créditos, as afirmações que aqui trago sobre o pastor Wilson são transcrições da denúncia de Ronilso Pacheco (teólogo e pesquisador do tema “religiões”) ao já menciona do Intercept Brasil (https://www.intercept.com.br/2024/01/18/pastor-evangelico-que-defende-a-escravidao-cancela-vinda-ao-brasil-apos-denuncia-do-intercept/), acerca da atuação político/religiosa de Douglas Wilson. Em suma, Pacheco afirma que Wilson “é defensor de grupos supremacistas”, como a KuKluxKlan; logo, não se constrange em usar a Bíblia para apoiar a escravidão em nome da absurda ideia de superioridade branca.

Ao saber disso, como cidadão, fui contemplado pelo desconvite que a organização do evento evangélicos e viu forçada a fazer, embora eu duvidasse de que qualquer tipo de “crime de ódio” pudesse ser materializado, caso o convite tivesse sido mantido.

Mas, independentemente de tudo, por mais incômodo que seja, saibamos que esse pastor não é o primeiro a usar a Bíblia para justificar barbáries, como a escravidão. Muita gente “boa” ainda faz isso. Por aqui, no período colonial, jesuítas trilharam por tortuosas e parecidas veredas. 

Dada a relevância da questão, não é justo – e é limitador – que apenas poucos de nossos intelectuais façam o trabalho de relembrar tais posicionamentos ocorridos em nossa história. Em minha opinião, a pouca abrangência e/ou adesão do enfrentamento de tópicos que tocam questões religiosas (ou seus “legítimos” representantes), por mais absurdo que pareça, se dá muito por conta daquele “medo de ir para o inferno”, tão bem traduzido e sintetizado em versos do poema “O padre passa na rua” de Drummond.

Dos poucos intelectuais que até agora enfrentaram essa questão, com a elegância acadêmica que sempre lhe foi marca, cito o magistral trabalho Dialética da Colonização de Alfredo Bosi, em especial o capítulo “Vieira ou a Cruz da Desigualdade”.

Do Padre Antônio Vieira, muito se pode dizer; e o que dele for dito deve partir de tópicos de seu contexto histórico (séc. XVII), tão mercantil quanto escravocrata. A isso se devem juntar dados de sua biografia, como a de ter sido conselheiro de reis, confessor de rainhas, preceptor de príncipes, diplomata e defensor de cristãos-novos.

Essa “salada” de atividades sociais –nada compatível com o sacerdócio – tem reflexo direto em sua produção literária, com destaque aos seus sermões.

Por isso, mesmo não ignorando a crueldade da escravidão, aliás, com um pensamento que chegou a antecipar palavras deveras pertinentes de Marx sobre a crueza do trabalho escravo, Vieira, em uma de suas contradições, “reproduz”, no Sermão XXVII do Rosário, com base em Lucas 12: 37, que “Bem-aventurados (são)aqueles escravos a quem o Senhor no fim da vida achar que foram vigilantes em fazer a sua obrigação”.

Pior. Dessa transcrição, Bosi chama a atenção do leitor ao frisar que, no original bíblico, o versículo é encerrado na palavra “vigilantes”. Logo, de minha parte, pondero que o que vem após – “em fazer a sua obrigação” – pode estar revelando uma compreensão própria do orador católico dos setecentos; e essa manipulação no texto bíblico é desconcertante. Não seria isso um tipo de pecado mortal, na visão religiosa?

Outro desconcerto refere-se à escravidão dos indígenas. Se sobre a dos africanos, a Igreja Católica se silenciou, ou falou muito baixo, ela não se omitiu acercada servidão dos indígenas. Na Bula “Sublimis Deus”, emitida por Paulo III, em 1537, de amplo conhecimento do meio eclesiástico, a Igreja foi enfática em proibir aquela prática.

Dessa bula papal, resumo o que Bosi transcreveu no capítulo já citado:“...decretamos e declaramos com nossa autoridade apostólica que os referidos índios e os demais povos que daqui por diante venham ao conhecimento dos cristãos... são dotados de liberdade e não devem ser privados dela, nem do domínio de suas cousas... que podem usar, possuir e gozar livremente dessa liberdade e deste domínio, nem devem ser reduzidos à escravidão...”

Contudo, como lembra o mesmo professor Bosi, “esse ideal fora abandonado pelo compromisso político dos padres de ‘descer’ com os portugueses ao sertão, domesticar e reduzir os indígenas à obediência...”, fazendo-os “trabalharem a metade do ano nas roças dos colonos” de Belém do Pará e de São Luís do Maranhão.

Após essas considerações, que sequer levaram em conta o peso da escravidão do plano ideológico de africanos e indígenas, não sem lamentar por tudo, o fato é que a respeito do pastor Wilson se pode comprovar seu pensamento como o de um supremacista; contudo, jamais se poderá dizer o mesmo de Vieira. No limite, por mais comprometedoras (e constrangedoras) que sejam, resta-nos apontar as contradições internas em alguns de seus sermões, paradoxalmente, todos brilhantes. Desses apontamentos, outras e profundas reflexões/revisões históricas podem e devem ser feitas.