Segunda, 13 Janeiro 2025 10:04

Substituir os combustíveis fósseis: um desafio economicamente complexo

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ESPAÇO ABERTO                                                 
Debate de ideias – Informativo da Associação dos Docentes da UFMT   - ADUFMAT - nº 03/2025. 
 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Texto enviado pelo Prof. Danilo de Souza. 

Substituir os combustíveis fósseis: um desafio economicamente complexo 

            A substituição dos combustíveis fósseis por fontes primárias de baixa emissão representa um dos maiores desafios do século XXI, principalmente sob perspectivas econômicas. No modo de produção capitalista, a reprodução do sistema econômico depende fundamentalmente da capacidade de reduzir os custos de produção, garantindo assim a ampliação da extração de trabalho excedente e a maximização do lucro. Essa dinâmica impulsiona a constante busca por inovações tecnológicas e pela exploração intensiva dos recursos naturais e da força de trabalho para aumentar os excedentes no final do circuito, em uma lógica que prioriza a eficiência produtiva acima de qualquer outro fator.
            Nesse contexto, os recursos energéticos de baixo custo, como os combustíveis fósseis, ocupam um papel central, pois viabilizam uma produção em larga escala e preços competitivos, essenciais para a circulação ampliada de mercadorias no mercado global. Entretanto, essa estrutura, profundamente enraizada, enfrenta limites e contradições evidentes ao se deparar com a necessidade de uma transição energética que requer fontes de baixa emissão de carbono, hoje, significativamente mais caras, e um reajuste profundo das bases materiais sobre as quais o sistema opera. Essa situação demonstra as tensões intrínsecas entre a lógica da acumulação de riqueza e as demandas por sustentabilidade ambiental e social.
            Uma das estratégias mais viáveis para reduzir emissões associadas ao uso de hidrocarbonetos líquidos, como o petróleo, é a substituição parcial ou total por biocombustíveis. Esses combustíveis renováveis apresentam a vantagem de requererem pouca adaptação nas tecnologias já existentes de queima (motores a combustão interna) e distribuição, uma vez que mantêm sua forma líquida e podem ser integrados de forma relativamente simples à infraestrutura atual. Essa característica minimiza os desafios logísticos e técnicos da transição, tornando os biocombustíveis candidatos preferenciais como substitutos dos combustíveis fósseis em curto prazo. Contudo, o fator econômico continua sendo um obstáculo significativo: os biocombustíveis apresentam custos de produção mais elevados quando comparados aos combustíveis fósseis convencionais, especialmente devido à necessidade de insumos agrícolas, tecnologia específica e processos industriais de conversão. Além disso, questões como a competição pelo uso da terra e a volatilidade dos mercados de commodities agrícolas também afetam sua viabilidade econômica.
            Conforme demonstrado na figura, os custos de produção de petróleo e combustíveis variam amplamente dependendo do tipo de recurso, localização e tecnologia empregada. As reservas de petróleo convencional no Oriente Médio e no Norte da África possuem os menores custos de produção, variando entre 5 e 30 dólares por barril, devido à alta eficiência de extração e às condições geológicas favoráveis, o que garante um excedente econômico significativo (oscilando entre 30 e 100 US$/barril), mesmo em cenários de preços baixos no mercado.
            Esses custos de produção são significativamente inferiores a outras tecnologias de extração que exigem maior complexidade técnica, e maior necessidade de investimentos e desafios ambientais. É o caso das tecnologias que recuperam as fontes de petróleo não convencional, como as tecnologias "Sem-CO₂-EOR" (recuperação avançada sem injeção de CO₂), "CO₂-EOR" (com injeção de CO₂), petróleo extrapesado e betume, águas ultraprofundas, regiões árticas e petróleo de querogênio. Incluem-se, também, as tecnologias de extração do óleo leve de folhelho (LTO), encontrado em formações de xisto, que possui custos intermediários, mas é conhecido por sua rápida produção inicial, seguida de um declínio acentuado, o que contrasta com a vida útil mais longa e estável de poços convencionais. Essa característica dos poços de LTO reduz seu horizonte de rentabilidade, exigindo ciclos de perfuração contínuos para manter os níveis de produção, enquanto os poços convencionais, especialmente em regiões como o Oriente Médio, podem manter fluxos constantes e economicamente viáveis por décadas.

Além das fontes fósseis, os combustíveis sintéticos e biocombustíveis possuem papel relevante. Combustíveis sintéticos, como GTL (conversão de gás para líquido) e CTL (conversão de carvão para líquido), apresentam custos elevados, em função dos processos químicos complexos necessários para sua produção. Já os biocombustíveis, como biodiesel convencional, biodiesel avançado, etanol celulósico e etanol convencional, destacam-se por serem fontes consideradas de baixo carbono com menor impacto ambiental em termos de emissões de gases de efeito estufa. Contudo, apresentam custos mais elevados, que podem ultrapassar 120 dólares por barril equivalente. Por exemplo, no Brasil, o biodiesel é produzido com custos médios entre 90 e 135 dólares por barril equivalente, beneficiando-se de tecnologias avançadas a partir da cana-de-açúcar e soja. Nos Estados Unidos, esses custos podem exceder 140 dólares por barril, devido ao uso intensivo de insumos agrícolas e a uma infraestrutura menos otimizada. A figura sintetiza esses custos e as estimativas de recursos tecnicamente recuperáveis, apresentando no lado esquerdo os custos relacionados às fontes de petróleo convencional e não convencional, e no lado direito, os combustíveis sintéticos e biocombustíveis.
            A diferença nos custos de produção de energia, como os demonstrados na figura, tende a desencadear um efeito cascata sobre outros setores da economia, se os biocombustíveis fossem colocados como solução de “descarbonização” em substituição aos fósseis. Isso ocorre porque a energia é um insumo de baixíssima elasticidade, ou seja, sua demanda não varia de forma significativa em resposta a mudanças no preço. Esse conceito de elasticidade reflete a sensibilidade do consumo de um bem ou serviço a alterações em seu custo; no caso da energia, mesmo aumentos expressivos nos preços dificilmente reduzem a demanda, devido à sua importância essencial para a produção, transporte e serviços básicos. Como resultado, custos mais elevados de fontes de energia renováveis ou não convencionais são inevitavelmente repassados ao longo da cadeia produtiva, aumentando os preços de bens e serviços finais. Essa alta pode gerar impactos inflacionários e afetar a competitividade econômica, especialmente em setores intensivos em energia.
            Vale citar que os avanços tecnológicos têm desempenhado um papel essencial na redução dos custos de produção, especialmente no setor de petróleo não convencional. Métodos como o fraturamento hidráulico e perfuração horizontal permitiram que fontes de xisto e gás natural se tornassem viáveis economicamente. Contudo, mesmo com esses avanços, os custos de produção de combustíveis não convencionais ainda são significativamente maiores do que os custos das fontes convencionais mais acessíveis, o que resulta em um menor excedente econômico da utilização dessas tecnologias alternativas.
            A produção de biocombustíveis apresenta custos elevados em comparação com os combustíveis fósseis convencionais devido a diversos fatores estruturais e tecnológicos. Primeiramente, o cultivo de matéria-prima agrícola, como milho, cana-de-açúcar ou soja, exige grandes áreas de terra, altos investimentos em insumos agrícolas (fertilizantes, defensivos, água) e força de trabalho, além de estar sujeito à sazonalidade e à volatilidade climática. Em seguida, os processos de conversão biológica ou química dessas matérias-primas em combustíveis, como a fermentação ou transesterificação, demandam tecnologias avançadas e complexas, muitas vezes com baixa eficiência energética. Ou seja, toda uma cadeia produtiva extensa e dependente de diversos fatores externos. Por outro lado, a produção de petróleo, especialmente em fontes convencionais, beneficia-se de uma infraestrutura amplamente consolidada, técnicas de extração altamente otimizadas e custos marginais baixos nas regiões de maior produtividade, como no Oriente Médio.
            A transformação do sistema energético global é um grande desafio, que ainda está longe de se concretizar. Demandaria um compromisso robusto de governos e setores empresariais que teriam de operar uma lógica diferente da que até o momento construiu o sistema produtivo. Medidas políticas, como a introdução de subsídios para tecnologias de baixo carbono, desincentivos fiscais para fósseis e o fortalecimento de regulamentações ambientais, estão longe de serem o suficiente para incentivar a transição, e em alguns casos podem até mesmo gerar mais assimetrias. Além disso, investimentos massivos em pesquisa e desenvolvimento são necessários para continuar a reduzir os custos das tecnologias de baixo carbono e melhorar sua eficiência.
            O caminho para uma matriz energética de baixo carbono é complexo e exige esforços coordenados em várias frentes. Embora avanços tecnológicos estejam ajudando a reduzir custos e aumentar a viabilidade das energias renováveis, a dependência histórica de combustíveis fósseis, aliada às estruturas econômicas e geopolíticas existentes, ainda representa um obstáculo significativo. Portanto, uma transição energética efetiva ainda está longe de se consolidar, e exigiria transformações profundas e estratégicas, seja em tecnologias, seja nas estruturas econômicas, políticas e sociais.

OBS: Coluna publicada mensalmente na revista - "O Setor Elétrico".

Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.

 

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