Cerca de 400 indígenas marcharam, na última quarta-feira (30), em Brasília (DF) contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 48/2023, que inclui a tese do marco temporal na Constituição Federal. As mobilizações foram convocadas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Também ocorreram mobilizações em diversos estados: São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Maranhão, Boa Vista, Rio de Janeiro e Espírito Santo.
Na capital federal, as e os indígenas marcharam pela Esplanada dos Ministérios até a Praça dos Três Poderes, onde entregaram uma carta aos chefes do Legislativo, Executivo e Judiciário. No documento, denunciam os ataques sistemáticos aos seus direitos e territórios, além de exigir que o Supremo Tribunal Federal (STF) suspenda definitivamente a Lei 14.701/23, que estabelece o marco temporal no processo de demarcação de terras indígenas. Segundo as lideranças indígenas, a incerteza de sua legalidade tem gerado tensões nas regiões e efeitos práticos, como invasões e violência em seus territórios.
A PEC 48/23 tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, mas sua discussão foi suspensa em julho após um pedido de vista coletivo. Esse recurso adia a análise e a votação da proposta, geralmente para que senadoras e senadores possam examinar melhor o conteúdo e avaliar os potenciais impactos do projeto.
A proposta incorpora a tese do marco temporal, que define que apenas as terras ocupadas por povos indígenas na data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, podem ser demarcadas. No entanto, o STF já declarou essa tese inconstitucional, argumentando que ela limita injustamente os direitos territoriais dos povos originários, consagrados na Constituição e em convenções internacionais.
Além da PEC 48, a Apib critica outros projetos em tramitação na Câmara e no Senado, como a PEC 36, o Projeto de Lei (PL) 6050/2023 e outros. Os indígenas também pedem, por meio de carta divulgada nesta semana, a demarcação de terras indígenas, como a do Morro dos Cavalos (SC) e da Potiguara de Monte Mor (PB), entre outras. Além disso, cobram a publicação, pelo Ministério da Justiça, de portaria declaratória de outras 12 terras indígenas a serem demarcadas.
A liderança Dinamam Tuxá, coordenador da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), argumentou que projetos contrários aos indígenas, incluindo a PEC 48, estão avançando no Congresso Nacional e, por isso, foi necessário retomar as mobilizações. “É uma agenda anti-indígena que irá travar, de uma vez por todas, as demarcações das nossas terras. Da mesma forma que eles estão mobilizados, nós vamos continuar mobilizados e vigilantes para que não sejam aprovadas essas pautas. As manifestações vão continuar não só em Brasília, mas em todo o Brasil”, afirmou.
PEC 48
Um dos autores da PEC 48, o senador Dr. Hiran (PP/RR), solicitou nessa quarta-feira (30) ao presidente da CCJ, Davi Alcolumbre, que coloque a proposta em votação, independentemente do resultado da Comissão de Conciliação do STF sobre o tema. Essa PEC é vista por algumas e alguns parlamentares, representantes da bancada ruralista, como uma forma de consolidar a tese do marco temporal na Constituição. A Comissão de Conciliação, referida por Hiran, foi instituída no Supremo pelo ministro Gilmar Mendes, relator de cinco ações que questionam a Lei do Marco Temporal.
O objetivo da comissão é tentar chegar a um acordo sobre as normas de demarcação de terras indígenas, considerando os diversos interesses em jogo. No entanto, a Apib se retirou da comissão por entender que a tese já foi rejeitada pelo STF e que a decisão deve ser respeitada. Ainda segundo a associação, o diálogo não apresenta equilíbrio, devido à presença majoritária de representantes ruralistas no debate.
Davi Alcolumbre informou que consultará "todos os atores" envolvidos para decidir se a CCJ aguardará o desfecho das negociações no STF ou se colocará a PEC em votação no Senado.
Lei do Marco Temporal
Em maio de 2023, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que instituiu o marco temporal. Em setembro do mesmo ano, esse projeto foi aprovado pelo Senado e enviado para sanção presidencial. O projeto foi sancionado e transformado na Lei 14.701, mas sem o marco temporal, que foi vetado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O argumento para o veto foi que a norma “usurpa direitos originários”, além de ferir decisão do STF, tomada pouco antes.
Em dezembro do mesmo ano, o Congresso Nacional derrubou o veto presidencial, incluindo a regra na Lei 14.701. Desde então, foram apresentadas quatro ações questionando a validade da lei e uma pedindo que o STF declare sua constitucionalidade.
Em abril de 2024, o STF determinou a suspensão temporariamente, em todo o país, dos processos judiciais que discutem a constitucionalidade da Lei do Marco Temporal até que o tribunal se manifeste definitivamente sobre o tema.
Fonte: Andes-SN (com informações da Agência Brasil e Apib)