Projeto de Lei 478/07, que impede aborto até em casos de estupro, pode ser colocado em votação em Comissão na quarta-feira (14)
Mesmo às vésperas do recesso do Congresso, deputados bolsonaristas continuam tentando aprovar pautas reacionárias que representam graves ataques à classe trabalhadora. Uma delas é o PL 478/07, conhecido como o Estatuto do Nascituro, que proíbe o aborto legal, inclusive em casos de estupro.
Depois de uma tentativa frustrada de votar o texto na semana passada, o PL pode ser colocado em votação na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher na próxima quarta-feira (14).
Bolsa estupro
O projeto define a prática do aborto como crime hediondo, proibindo qualquer interrupção de gravidez, inclusive as que hoje são permitidas por lei (estupro, risco de vida à mulher e anencefalia).
O texto estabelece que nascituro é todo ser humano concebido, mas ainda não nascido, incluindo os que forem concebidos “in vitro”, mesmo antes da transferência para o útero da mulher. O embrião passaria a ter “sua natureza humana reconhecida desde a concepção”.
O texto prevê detenção de 1 a 3 anos para mulheres e pessoas que realizarem um aborto ou que causem culposamente a morte de um nascituro.
Pelo estatuto, quem desistir do aborto teria acesso à assistência pré-natal, encaminhamento à adoção (caso a pessoa assim desejar) e uma pensão financeira, que, no caso de um estupro, caso o criminoso seja identificado, ele seria o responsável pelo pagamento. Caso contrário, o auxílio seria custeado pelo Estado.
É a criação da “bolsa-estupro”!
Mais violência contra as mulheres
Desde 2007, deputados conservadores tentam aprovar esse projeto que na prática pretende impedir o direito ao aborto, inclusive os que hoje já são previstos em lei. Na semana passada, o debate foi marcado por muita polêmica e tumulto.
Aos gritos e agressões, deputados bolsonaristas tentaram impedir a fala de parlamentares contrárias ao projeto, como a deputada Sâmia Bomfim (PSOL) que afirmou que a proposta batizada de Estatuto do Nascituro deveria ter o nome modificado para "estatuto do estuprador".
"Meninas, em sua maioria, crianças que são mais de 70% das vítimas de violência sexual do País, quando estupradas, serão obrigada a levar adiante uma gravidez de seu estuprador. Um sujeito que deveria ser punido por seus crimes será chamado de pai", disse.
O caso da menina de 11 anos que teve seu direito à interrupção da gravidez negado, sendo violentada também pela Justiça, não é um caso isolado. A violência sexual é uma realidade cruel no país.
Segundo dados do Mapa do Acolhimento, plataforma que busca conectar vítimas de violência de gênero a acompanhamento psicológico e jurídico, todos os anos, mais de 19 mil meninas entre 10 a 14 anos dão á luz, por mais que a lei já estabeleça que essas crianças tenham direito ao aborto legal, já que a gravidez de menores de 14 anos é sempre considerada como resultante de estupro.
“Meninas e mulheres violentadas precisam ter seus direitos e vidas protegidas - e não submetidas à tortura de levar adiante uma gravidez nestas condições”, afirma a organização.
O projeto de lei fala em "proteger a vida desde a concepção", o que significa uma equação tão simples quanto problemática: óvulo + espermatozoide = sujeito de direitos. Na prática, a vida de mulheres, meninas e pessoas que gestam fica em segundo plano. Ao tratar o feto ou embrião como uma pessoa nascida, o projeto cria uma confusão jurídica e gera um ambiente de medo e insegurança tanto para quem precisa de cuidados de saúde após violência sexual, por exemplo, quanto para profissionais de saúde que atuam garantindo esses direitos.
Para Marcela Azevedo, do Movimento Mulheres em Luta e integrante da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas, é um absurdo que esse projeto esteja novamente sendo debatido.
“No momento em que temos a explosão de casos de feminicídio e estupros e que o governo Bolsonaro cortou 90% da verba de políticas para mulheres para 2023, atacar direitos mínimos das mulheres não deveria ser a preocupação dos deputados. Fica evidente que o real interesse não é preservar a vida, mas sim manter o controle sobre os corpos femininos”, denunciou.
“É urgente que os movimentos de mulheres, junto com os movimentos da classe trabalhadora, se levantem em luta. Não dá para fingir que tudo é alegria pós-eleição. Nossa luta precisa de independência e determinação para derrotar esse e outros ataques”, defendeu.
Fonte: CSP-Conlutas