Antônio Augusto de Queiroz *
A agenda legislativa do governo para os servidores públicos inclui um cardápio de projetos, alguns já em tramitação no Congresso, que caso venha a ser aprovada resultará numa enorme agressão aos direitos e garantias do funcionalismo.
Estão entre as prioridades governamentais pelo menos três proposições que afetam direta e negativamente os interesses dos servidores públicos: o Projeto de Lei Complementar - PLP nº 268/2016, sobre o estatuto dos fundos de pensão; a Proposta de Emenda à Constituição - PEC nº 241/2016, que institui um novo regime fiscal; e a PEC da reforma da Previdência.
O PLP nº 268/2016, já aprovado no Senado e sob exame da Câmara dos Deputados, institui o estatuto ou regime jurídico dos fundos de pensão, inclusive da Funpresp, com o nítido propósito de entregar a gestão dessas entidades fechadas de previdência complementar ao mercado, reduzindo ao mesmo tempo a atuação dos participantes e patrocinadores na direção e nos conselhos deliberativo e fiscal, além de impedir que dirigente partidário ou sindical em exercício possa integrar esses colegiados.
A PEC 241, de iniciativa do Poder Executivo e sob exame da Câmara, trata do novo regime fiscal, promovendo a transferência dos recursos orçamentários do povo para o mercado financeiro. Além de congelar, em termos reais, por 20 anos os gastos governamentais, a PEC atribui às despesas sociais (educação, saúde, previdência) e com o funcionalismo a responsabilidade pelo problema fiscal do país, ignorando solenemente os custos do governo com juros e amortizações, os verdadeiros responsáveis pelo déficit público.
A aprovação da PEC também significará um desmonte do Estado enquanto instrumento de prestação de serviços, com uma forte reforma administrativa voltada à desvalorização dos servidores, com corte de direitos e de reajustes, além da proibição de novas contratações, mediante a vedação de novos concursos públicos nos próximos 20 anos.
Numa demonstração de que o novo regime fiscal é mesmo para valer, o governo, antecipando-se à aprovação da PEC 241, já fez incluir no art. 3º do PLN 2/2016, que trata da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2017, a regra de congelamento do gasto público.
A PEC da reforma da previdência, em elaboração no Poder Executivo, pretende aprofundar as reformas de FHC e Lula, com alteração: a) na idade mínima, b) nos requisitos entre homem e mulher para efeito de aposentadoria; c) na paridade e integralidade, d) nas aposentadorias especiais, e) nas pensões, e f) na aposentadoria por invalidez.
A idade mínima para efeito de aposentadoria, que se inicia com 65 anos e pode chegar a 70 para homens e mulheres, será instituída para o setor privado e aumentada para o servidor público. Isto significa que as regras de transição das Emendas Constitucionais anteriores não serão aplicadas a partir da promulgação da nova Emenda Constitucional, exceto para quem já tenha direito adquirido, ou seja, já tenha preenchido todos os requisitos para aposentadoria.
A equiparação da idade e do tempo de contribuição entre homens e mulheres e entre trabalhadores do campo e da cidade, incluindo professores, representa a unificação de critérios para efeito de concessão de aposentadoria. Ou seja, a mulher, o professor e o trabalhador rural perderão os dois requisitos que atualmente os diferenciam para efeito de aposentadoria: idade e tempo de contribuição.
A proposta também prevê o fim da paridade e integralidade para todos os servidores que não tenham direito adquirido, ou seja, que não tenham preenchido os requisitos para requerer aposentadoria na data da promulgação da emenda, inclusive aqueles que ingressaram no serviço público antes de 2003.
O tempo já trabalhado, que foi respeitado e teve regra de transição nas reformas de Lula e FHC, na proposta do governo não será considerado, exceto para o atual segurado que já tenha mais de 50 anos de idade. Para estes, e somente para estes, haverá uma regra de transição, com a adoção de um pedágio entre 40% e 50% sobre o tempo que faltar para preencher as regras de aposentadoria na data da promulgação da Emenda Constitucional. Os demais servidores, mesmo que tenham 49 anos de idade e mais de 29 de contribuição não terão direito a transição, submetendo-se às novas regras.
As aposentadorias especiais, além da exigência de idade mínima, terão os requisitos de tempo de contribuição e de permanência na atividade aumentados em proporção superior ao aumento dos requisitos para os demais segurados. A regra valerá para professores e policiais, entre outros enquadrados em legislação especial ou que exerçam atividade perigosa.
As pensões, que atualmente são integrais até o valor de R$ 5.189,82 (teto do INSS) e, no caso dos servidores públicos, sofrem um redutor de 30% sobre a parcela que excede ao teto do INSS, ficarão limitadas a 60% do benefício, acrescidas de 10% por dependente. As novas regras valerão para todos os segurados (regimes próprio e geral) que, na data da promulgação da nova emenda, não estejam aposentados ou que não tenham direito adquirido, ou seja, não tenham preenchido todos os requisitos para requerer aposentadoria com base nas regras anteriores.
Por fim, a aposentadoria por invalidez, que atualmente é integral e independe de idade e do tempo de contribuição para os segurados do INSS, será modificada para ficar limitada entre 60% e 70%, mais um adicional de 1% para cada ano de contribuição, podendo chegar a 100% do benefício. No caso dos servidores públicos, além da exigência de carência, haverá mudança nos critérios de concessão, como a eliminação da possibilidade de paridade e integralidade.
É verdade que as PECs, para serem incorporadas ao texto constitucional, terão que ser aprovadas por três quintos das duas Casas do Congresso (Câmara, com 308 votos e no Senado, com 49 votos) em dois turnos de votação em cada Casa, mas é bom lembrar que o governo dispõe de uma base parlamentar ampla, coesa e identificada com reformas e ajustes em bases neoliberais, especialmente aqueles que priorizam o corte da despesa com pessoal, inclusive as previdenciárias.
Registre-se, por último, que o governo tem forte compromisso com essa agenda e quem vai votá-la é um Congresso cuja composição pode ser classificada como liberal, do ponto de vista econômico; conservador, do ponto de vista social; e atrasado em relação ao meio ambiente e aos direitos humanos.
Portanto, ou os setores afetados negativamente pelas mudanças se mobilizam desde já, denunciando o caráter perverso dessas reformas, ou sofrerão enormes retrocessos em suas conquistas históricas.
Texto publicado originalmente na Revista “Por Sinal”, do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central, edição de setembro de 2016.
(*) jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap.