A irresponsabilidade do governo de Bolsonaro em relação à Cloroquina não se limita apenas a fazer propaganda do seu uso no tratamento da Covid-19, apesar de organizações médicas em todo o mundo contraindicarem o medicamento. Isso por si só é muito grave e revela a política genocida deste governo, mas, além disso, já há prejuízos aos cofres públicos e até mesmo suspeita de superfaturamento. Sem falar de ações temerárias contra os povos indígenas.
Ainda no início dos casos de pandemia no país, Bolsonaro determinou o aumento da produção da cloroquina pelo Laboratório do Exército sem que houvesse evidência científica da eficácia do remédio contra a Covid.19. Foram produzidos cerca de 3 milhões de comprimidos.
De acordo com informação do próprio Ministério da Defesa, o estoque do Laboratório do Exército ainda possui 1,8 milhão de comprimidos em estoque. A quantidade é 18 vezes maior que a produção do remédio nos anos anteriores (que era direcionada ao tratamento da malária).
Foram gastos mais de R$ 1,5 milhão para expandir a produção da Cloroquina. No mês passado, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MP-TCU) pediu a abertura de uma investigação sobre o possível superfaturamento na compra sem licitação da matéria-prima e sobre o aumento em até 84 vezes na produção desses produtos pelo Comando do Exército. Na representação, o procurador Lucas Furtado pede ainda que seja averiguada a responsabilidade de Bolsonaro no caso.
Refugo dos EUA
A “montanha” de Cloroquina não para por aí. Após suspender a indicação do medicamento nos Estados Unidos, Donald Trump mandou de “presente” para o seu amigo Jair Bolsonaro cerca de 3 milhões de comprimidos de Cloroquina. Ou seja: não serve para os norte-americanos, mas aqui para o povo brasileiro, que se dane.
Na semana passada, a equipe do ministro interino da Saúde, o general Eduardo Pazuello, informou a secretários estaduais que os estados terão de assumir os custos para fracionar o remédio que, vale repetir, não serve para combater o coronavírus.
Como as drogas entraram no Brasil em frascos de 100 comprimidos é necessário separar a dose exata indicada pelo Ministério da Saúde para distribuição e embalar em caixas específicas. Tudo sob a supervisão de farmacêuticos e sem contato com meio externo. O governo não estimou o custo dessa operação.
Genocídio indígena
Com o estoque encalhado, o Ministério da Saúde e o Exército estão despejando comprimidos de Cloroquina em aldeias indígenas, numa ação deliberadamente genocida.
Além de desrespeitar as medidas de isolamento a essas comunidades, muito mais vulneráveis aos riscos de contaminação e morte pela Covid, o Exército está promovendo ações em territórios e no início do mês despejou 66 mil comprimidos de cloroquina na reserva Yanomami, em Roraima. A ação foi coordenada pelo Ministro da Defesa general Fernando de Azevedo Silva. O MPF (Ministério Público Federal) abriu inquérito para investigar a ação.
A indígena Tremembé e dirigente da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas Raquel Aguiar denuncia que a política de Bolsonaro é de extermínio da população indígena.
“Em meio a esta crise de saúde avassaladora que estamos vivendo, vemos essa postura desrespeitosa à vida e à organização política e social dos indígenas, como o ingresso de pessoas estranhas nos territórios, sem consulta prévia aos povos. Sem contar a série de violências cometidas por este governo, como os vetos de Bolsonaro que retiraram verbas para a saúde indígena, que não garante a oferta de UTIs e leitos, entre outros ataques”, disse.
“Estão enviando para dentro dos territórios fontes de contágio desse vírus, sem considerar as especificidades dos povos, muitos que sequer foram vacinados algum dia e são muito vulneráveis. Tudo isso para introduzir um medicamento que além de não ter eficácia comprovada cientificamente, ainda tem graves efeitos colaterais. Isso para um povo que não tem acesso a políticas públicas básicas de saúde, não há sequer testes. Pode ser fatal. Querem nos testar como se fôssemos cobaias. É um genocídio o que este governo quer fazer”, denuncia Raquel.
Basta da política genocida deste governo. Fora Bolsonaro e Mourão, já!
Na última quinta-feira (16), o Brasil alcançou a assustadora marca de 2 milhões de casos de pessoas infectadas pela Covid-19. Eram 77 mil mortos. Cinco dias depois, nesta terça-feira (21), quase 120 mil pessoas a mais foram contaminadas e os mortos passaram de 80 mil.
É diante deste quadro alarmante que Bolsonaro segue com essa política criminosa, incompetente e irresponsável.
A morte não pode seguir governando o Brasil, como bem estampou um outdoor afixado em Natal. Já está demonstrado que este governo só leva à morte, perda de direitos e ataques às condições de vida dos trabalhadores, indígenas, quilombolas, mulheres, negros e LGBTs, ao povo pobre e oprimido em geral.
Para enfrentar efetivamente a pandemia, combater a crise, gerar empregos e garantir condições de vida para os trabalhadores e os mais pobres, é preciso botar para Fora Bolsonaro e Mourão, já!
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Fonte: CSP-Conlutas
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para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
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José Domingues de Godoi Filho*
A ciência, um dos saberes construídos pela espécie humana, não se pauta pela verdade revelada, mas sim pela compreensão de como a natureza está organizada; pela busca dos recursos necessários para a sobrevivência; por amplificar a capacidade de percepção dos sentidos; por buscar explicações para entender a transcendência humana e ampliar os horizontes de liberdade. Obviamente, a utilização, sem criticidade, da metodologia científica, de suas premissas e limitações pode gerar conclusões que refletem ou levem a imposições de interesses nada defensáveis.
Vivemos num tempo em que a racionalidade está sendo atropelada e ameaçada pela emoção e, a ciência é olhada com desconfiança e desprezo. Contudo, nos dias de hoje, diante das dificuldades para mentir, são utilizadas com insistência, como fez o Governador de Mato Grosso, afirmações falsas e tentativas de desqualificação de quem se contrapõe aos seus interesses, com o “objetivo de convencer pessoas para quem a distinção entre fato e ficção, verdade ou mentira, já não existe mais”, como ensina Hannah Arendt
Em momentos de instabilidade social, como a situação inusitada que a humanidade está enfrentando, é comum a postura negacionista desse tipo de dirigente, que não cumpre com as exigências do cargo e procura justificativa em discursos conspiratórios insustentáveis. O negacionismo científico se torna perigosíssimo quando a saúde pública está em questão e a atitude dos dirigentes são muito mais políticas e incapazes de encontrar soluções.
Os ataques, a deslegitimação e o desmonte das instituições de ensino superior públicas é a estratégia utilizada para que a sociedade passe a duvidar da produção científica e do trabalho de formação de profissionais nesses lugares. É a era da pós-verdade, “quando os apelos à emoção, a crenças e a ideologias têm mais influência em moldar a opinião pública que os fatos objetivos”
O estudo “Evolução da Covid-19 em Mato Grosso: panorama atual e projeções para as regiões de saúde”, realizado por docentes da UFMT, está baseado cientificamente e utiliza métodos e modelos reconhecidos e adotados por outros pesquisadores no Brasil e no exterior. Ao perguntar “qual é a base científica desse estudo” e responder afirmando “não tem nenhuma”, o Governador demonstra que, ou não leu o relatório, ou não sabe o que é o método científico. Em ambos os casos, está procurando, irresponsavelmente, diminuir consensos científicos, agindo por impulso para esconder o não cumprimento efetivo de suas obrigações e ofendendo trabalhadores docentes de uma universidade pública.
A posição do Governador muito bem se enquadra dentro do que afirma Brotherton (1): “Nossas crenças vêm em primeiro lugar. Nós inventamos razões para elas. Sermos mais inteligentes ou termos acesso a mais informações não necessariamente nos deixa menos suscetíveis a crenças deficientes”.
(1) Brotherton, Rob – Suspicious Minds: Why We Believe Conspiracy Theories.Bloomsbury Sigma, 2016.
A Associação dos Docentes da Universidade Federal de Mato Grosso - Seção Sindical do ANDES (Adufmat-Ssind), o Sindicato dos Trabalhadores Técnico-administrativos (Sintuf-MT) e o Diretório Central dos Estudantes (DCE) lançaram na última semana uma carta de posicionamento das entidades que representam a comunidade acadêmica: CONTRA O OPORTUNISMO, O RESGATE DA HISTÓRIA!
O documento é mais do que uma denúncia das entidades da fatídica reunião do Colégio Eleitoral Especial, no dia 17 de junho, que desconstruiu o legado histórico democrático da UFMT para eleição da Reitoria, trazendo o retrocesso e o autoritarismo de um processo não paritário entre os votos de docentes, técnicos e estudantes. A carta é o relato, ponto a ponto, de todos os fatos que impediram o início do processo eleitoral da forma tradicional.
Desde a Assembleia Geral Universitária, realizada no dia 05/11/19, com a participação da comunidade acadêmica que votou em peso contra a implantação do Future-se na UFMT, as três entidades vinham trabalhando para as eleições da Reitoria de forma democrática, paritária e presencial, planejando publicar o edital no início do ano letivo de 2020/1.
Porém, o governo federal quis golpear a universidade pública com a Medida Provisória 914/19, de 24 de dezembro de 2019, que já consistia na retirada da autonomia na condução do processo eleitoral, impedimento do voto paritário (mudando para o peso de 70% para os docentes e 15% estudantes e técnicos, cada) e proibição da participação dos aposentados nas eleições, entre outras arbitrariedades.
Após muita luta e mobilização para impedir a implementação de uma eleição não democrática, a MP expirou no início de junho deste ano, mas com a chegada da pandemia, a erva daninha semeada se mostra crescida e quer tomar conta da UFMT com este processo eleitoral golpista, oportunista e antidemocrático.
Em meio a uma pandemia, a administração da UFMT não se preocupa com o que pode fazer pela população de Mato Grosso, seja com a produção de mais EPIs, fabricação e distribuição de álcool gel, mas em eleger a qualquer custo um interventor na universidade.
Confira abaixo a íntegra da carta:
CONTRA O OPORTUNISMO, O RESGATE DA HISTÓRIA!*
Porque são tempos de decidir,
Dissidiar, dissuadir,
Tempos de dizer
Que não são tempos de esperar
Tempos de dizer:
Não mais em nosso nome!
Mauro Luis Iasi
De forma autoritária, no dia 17 de junho, foi instituído o colégio eleitoral especial nos conselhos superiores da UFMT, dando início ao processo para escolha dos dirigentes reitores. A condução de tal reunião foi extremamente autoritária, desconsiderando falas contestatórias ao processo ilegítimo que estava se instalando.Em um minuto foi descartada a paridade, uma conquista histórica dos movimentos estudantil e sindical. As eleições são paritárias desde 1982 na UFMT.
Em virtude disso, o oportunismo tem se aproveitado da situação e tem difundindo falácias, ocultando fatos históricos que precisam ser esclarecidos. Nossa intenção é escancarar o caráter intervencionista de tal processo e denunciar o ataque a autonomia universitária.
Já em novembro, após a vitória da comunidade acadêmica sobre o Future-se, as três entidades (ADUFMAT, DCE e SINTUF) deram início as discussões acerca das eleições para escolha da próxima chapa dirigente da administração superior. Recorremos ao modelo democrático, paritário e presencial, organizado pelas entidades representativas da comunidade acadêmica. Articulamos possíveis datas e calculamos os gastos necessários; tudo visando garantir um processo político limpo e transparente. Nossa intenção era de publicar o edital no início das aulas em 2020.
Contudo, fomos surpreendidos por mais um ataque do governo federal: a publicação, no dia 24 de dezembro, da Medida Provisória 914, num ato que nos retirava a autonomia de conduzir o processo; impedia a paridade, deixando o peso de 70% para docentes e 15% para técnicos e estudantes; acabava com a participação na escolha dos diretores de institutos e faculdades; proibia a participação dos aposentados; não obstante o fato de dar larga margem para uma manobra golpista.
Iniciamos mais uma ampla mobilização na UFMT, denunciando o caráter autoritário da medida provisória. Enfrentamos e vencemos intenso conflito nos conselhos institucionais e não permitimos que fosse realizada a consulta nos moldes desejados pela cúpula governamental. Importante dizer, que nosso objetivo era o de realizar o processo entre os dias 02 de junho – data que a MP 914 deixaria de valer – e 14 de agosto, respeitando a cultura democrática que construímos ao longo dos anos e a paridade de voto, algo que a UFMT é pioneira
Foi assim que, em luta para viabilizar um processo eleitoral popular e autônomo, entramos no contexto de pandemia! Em luta constante contra o projeto privatista e de destruição dos nossos direitos sociais e políticos, conseguimos inegáveis e importantes vitórias, alem de defender incansavelmente a gratuidade, a dimensão pública e a qualidade dos serviços ofertados pela UFMT.
Findo o prazo de validade da MP 914 no dia 02 de junho, e já em contexto pandêmico e de distanciamento social, o reitor em exercício convocou unilateralmente, no dia 04 de junho, reunião para conformação do colégio eleitoral especial, que ocorreria no dia 10 de junho, sem diálogo algum com as entidades representativas. No entanto, fomos mais uma vez surpreendidos diante da edição de nova medida provisória: a MP 979, publicada no diário oficial da União no dia 09 de junho. O conteúdo dessa normativa? Suspensão total do processo eleitoral, avalizando intervenção direta do governo federal nas instituições de ensino, valendo-se, para isso, do contexto de pandemia e de calamidade pública! A inconstitucionalidade da MP 979 e as lutas que emplacamos junto a entidades estudantis e sindicais nacionais fizeram com que tal medida fosse devolvida, configurando-se como mais uma importante vitória!
Após as diversas vitórias das entidades na defesa da democracia, como acabamos de mencionar, o reitor em exercício convocou nova reunião, instalando no dia 17 de junho o colégio eleitoral especial. Trata-se da imposição de um processo ilegítimo, sem paridade, que menospreza técnicos e estudantes, numa atitude visivelmente discriminatória!
O candidato e atual reitor – utilizando de sua posição –, está se reunindo com faculdades e institutos com a intenção de culpabilizar as batalhas democráticas que as entidades enfrentaram pelo retrocesso no processo eleitoral, debitando à Adufmat, Sintuf e DCE a falta de paridade no processo. NÃO ACEITAREMOS!
Essa consulta se realiza no contexto de uma série de ataques do governo federal a democracia e a autonomia universitária, aliada ao cenário de pandemia que nos assola, que culmina em um golpe político autoritário, discriminatório e sem respeito a história da UFMT. É preciso dizer que isso está ocorrendo com total aval da reitoria, pois se assim não fosse, o presente reitor não seria candidato.
O autoritarismo não irá nos intimidar!
16, Julho de 2020
*documento oficial disponível para download no arquivo anexo abaixo.
Layse Ávila
Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind
Mais uma denúncia relacionada à consulta para escolha de Reitor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) em 2020: o sistema eletrônico apresentando pode ser falho.
No vídeo abaixo, a servidora e representante dos trabalhadores técnico-administrativos, Marilin Castro, denuncia que votou quatro vezes durante a eleição teste realizada no dia 14/07, e que recebeu o comprovante dos quatro votos depositados de forma digital na urna. Embora os organizadores digam que só um desses votos é contabilizado, a comunidade acadêmica desconfia. A dúvida persiste.
Um dos três candidatos inscritos chegou a ajuizar uma ação com pedido de liminar para suspender a consulta prévia (eleição), apontando falhas, entre elas a do sistema para votação online. As entidades questionam, no entanto, por que o candidato continua inscrito num processo que desconfia. A consulta de 2020 teria cinco candidaturas, mas duas se recusaram a participar do que boa parte da comunidade acadêmica considera uma farsa eleitoral para legitimar uma intervenção.
A consulta prévia para a Reitoria está marcada para a próxima sexta-feira, 24/07. Se for realizada, de fato, pela primeira vez a UFMT terá uma consulta online e não paritária, desrespeitando a tradição democrática conquistada por docentes, estudantes e técnicos administrativos no início da década de 1980.
SAIBA MAIS:
Vídeos mostram condução autoritária da reunião que aprovou eleição-intervenção na UFMT
ACOMPANHE AGORA A LIVE "Intervenção não é Eleição: em defesa da autonomia universitária"
Entidades denunciam: o que foi aprovado na UFMT não é eleição, é uma intervenção política
Luana Soutos
Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind
A Adufmat-Ssind convida todos e todas para acompanhar o debate "Olhares Diversificados sobre a Eleição para a Reitoria da UFMT", que será realizado nessa terça-feira, 21/07, às 19h (horário de Barra do Garças), pela subseção do sindicato no campus da UFMT Araguaia.
O debate será transmitido pela página oficial da subseção no Facebook. O link direto é: https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=720980458692801&id=1646961472238596
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O Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
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Leonardo Santos, Prof, do Dpto. de Serviço Social da UFMT, Militante da Corrente Sindical Unidade Classista
Absolutamente condenável é uma “educação popular sob incumbência do Estado”. Uma coisa é estabelecer, por uma lei geral, os recursos das escolas públicas, a qualificação do pessoal docente, os currículos etc. [...], outra muito diferente é conferir ao Estado o papel de educador do povo! O Governo e a igreja devem antes ser excluídos de qualquer influência sobre a Escola. [...] é o Estado que, ao contrário, necessita receber do povo uma educação muito rigorosa. (MARX, 2012, p. 46)
Dentre tantos dramas, quem defende o caráter público e gratuito das universidades brasileiras tem de lidar com um pensamento endogenista e autocentrado profundamente arraigado nas comunidades universitárias. Por exemplo, diante do drama do atual contexto pandêmico em que vivemos, temos a insistência dos órgãos de direção das universidades em se manter debatendo ensino remoto e consultas sobre processos eleitorais de reitorias... As universidades brasileiras têm demonstrado um rico potencial – na pesquisa e na extensão – de serem linha de frente no enfrentamento desse difícil momento, mas na maioria dos casos suas direções não cumprem o papel de organização dessas iniciativas, seguem fingindo uma volta à normalidade que não coaduna com a realidade e, pior ainda, aproveitam o momento para deferir golpes de sucateamento e privatização, seguindo à risca a linha do Governo Federal.
A universidade e a educação são um direito social, e como qualquer direito são frutos de interesses contraditórios, alguns antagônicos. Por um lado, é nítido que a universidade e a educação pública em geral não existiriam como as conhecemos sem uma longa história de lutas da classe trabalhadora, permeada de vitórias que fizeram com que o Estado garantisse escolas e universidades públicas. Por outro lado, a educação e as universidades públicas são construídas no intuito de garantir a formação e a qualificação de mão de obra para o capital, e qualquer observação mais atenta entende que nossas escolas e universidades têm uma assustadora centralidade na manutenção da exploração capitalista e das opressões a ela vinculadas, sendo espaços importantes de naturalização dessa sociedade, cumprindo o papel de aparelho privado de hegemonia (COUTINHO, 1994).
Assim, se o capitalismo transformou as universidades europeias e criou as estadunidenses no século XIX para servir aos seus interesses, as lutas sociais foram indispensáveis para moldá-las de lá para cá, tornando-as mais democráticas, acessíveis e ampliando sua função social a partir das necessidades concretas das classes trabalhadoras. Vale ressaltar o quanto é fundamental para o modelo de universidade que temos hoje a Reforma Universitária de Córdoba, em 1918. A partir da luta se estabeleceu naquela universidade argentina acesso universal e um direcionamento político visando enfrentar as expressões da questão social no país. E não nos parece casual que tais demandas tenham vindo das sociedades latino-americanas. É a partir desse exemplo que nasce a Extensão como pilar da nossa compreensão de universidade. Em suma: entender as escolas e universidades como aparelhos privados de hegemonia não invalida a luta em defesa destas, principalmente calcada em uma educação e uma universidade que possa ir além da reprodução da mão de obra, da “formação para o mercado de trabalho”.
O destino das escolas e universidades públicas sempre esteve visceralmente ligado à correlação de forças nas lutas de classes. Pensemos que a Reforma de Córdoba nasce na esteira das revoluções mexicana e russa; pensemos que as revoltas mundiais de estudantes em 1968 estava profundamente ligada à crise que se avizinhava e estiveram em muitos lugares unidas às greves operárias; ou ainda, pensemos que no Brasil, após o golpe de 1964 e o desmantelamento das principais organizações partidárias, sindicais e populares, foi o Movimento Estudantil que tomou a dianteira da luta contra a Ditadura. Ainda é válido mencionar que o teor de modernização conservadora da reforma universitária brasileira de 1968 está intimamente relacionado com o contexto de Ditadura e a necessidade de conter o Movimento Estudantil da época.
Assim, pensando na atual correlação de forças, vemos o quão problemático pode ser o futuro de nossas universidades. A partir de 1968-1973 o capital entra em uma crise estrutural (MÉSZÁROS, 2010) sem precedentes. Como resposta ela engendra um conjunto de medidas que restaura seu poder de classe (HARVEY, 2014) a partir do trinômio neoliberalismo, reestruturação produtiva e mundialização do capital com hegemonia do capital financeiro. Isso significa o fim do padrão fordista e keynesiano do capitalismo global (BEHRING, 2003). No âmbito da educação e das universidades, houve a partir daí um ataque brutal ao seu caráter público e gratuito, um redimensionamento das suas funções, com a defesa agora de uma relação mais direta com o “mercado”, além de uma mudança no perfil dos seus formandos, visando um profissional “polivalente”, mais tecnicista, voltado mais diretamente para os interesses da reestruturação produtiva.
Se ainda temos escolas e universidade públicas e principalmente gratuitas, isso se dá por conta das lutas travadas por estudantes, professores, técnico-administrativos e demais movimentos que entendem sua importância. No Brasil, políticas como o FIES e o PROUNI nos mostram qual o caráter do Ensino superior defendido pelo grande capital. Mesmo no interior das universidades públicas temos um forte processo de privatização, ancorado na precarização dos cursos e serviços que não são “privatizáveis”.
Levando-se em consideração que esse processo já tem em torno de 50 anos, não se pode dizer que ele seja necessariamente uma novidade. Contudo, estamos entrando em uma nova e assustadora fase desse mesmo modelo, com a crise capitalista de 2008-2009, o grande capital começou a operar o que entendemos como um novo ciclo de dominação burguesa, um ultraliberalismo que vai acirrar a retirada de direitos, a destruição de políticas sociais e a entrega de riquezas nacionais para “acalmar o mercado”. Para isso se utiliza de toda sorte de iniciativas, mas principalmente do advento de golpes estatais e governos de extrema-direita com tendências fascistas. São levadas à última instância as características privatistas, antidemocráticas e tecnocratas do Estado neoliberal. O Brasil tem sido laboratório para boa parte dessas medidas que se tornam tendência mundial na última década. No âmbito das universidades, que em nenhum momento deixaram de ser atacadas, agora surge uma proposta de golpe final, através do Projeto Future-se.
Nunca deixamos de resistir. A bandeira de uma universidade pública, gratuita, de qualidade, presencial, laica e “socialmente referenciada” foi construída ao longo das últimas décadas por diversos movimentos, militantes e entidades. E nunca é demais insistir que é graças a esses movimentos que continuamos de pé até hoje. Contudo, dia-a-dia, o capital descortina o seu caráter de barbárie. As possibilidades de luta no interior da ordem, se sempre foram limitadas, principalmente em um país dependente e subdesenvolvido como o Brasil (FERNANDES, 2005), agora se tornam praticamente inexistentes. Uma grande unidade ultraliberal ataca a universidade brasileira, que tem no Bolsonarismo a sua expressão mais nefasta, mas que tem apoio em outros setores, como o “Centrão” do Congresso Nacional e por vezes na “esquerda da ordem” (SAMPAIO JUNIOR, 2014). A Universidade do capital começa a aparecer sem máscaras e sem qualquer concessão democrática ou igualitarista. Ela é socialmente referenciada na sociedade do capital em crise, na barbárie (IASI, 2011)
O que nos resta, afinal? Nos resta entender que a sorte da universidade brasileira está intrinsecamente ligada à sorte da sociedade brasileira, e que a construção de uma universidade que atenda aos interesses da maioria da população – ou seja, trabalhadores e trabalhadoras, do campo e da cidade, dos povos originários, sujeitos LGBT, das periferias, dos assentamentos e acampamentos, negros e negras, desempregados e jovens – só se dará com a retomada da força e da organização da maioria dessa população, das massas trabalhadoras. Assim, entendemos que mais do que pautas de reformas da educação e da universidade que temos, nos interessa reconstruir uma universidade a partir dos interesses do povo trabalhador, construir uma Educação Popular e uma Universidade Popular, que se neguem a coexistir com os interesses do “mercado”, que se posicionem na luta de classes, contra a barbarização da vida em andamento e pela socialização do conhecimento, da filosofia, das ciências, das artes e da riqueza material e imaterial socialmente produzida. Assim, os projetos de Educação e Universidade Popular são mais uma trincheira na luta contra hegemônica pelo Poder Popular na perspectiva da emancipação humana, são uma trincheira na luta por uma outra sociedade, onde uma outra educação e universidade possam se concretizar.
Marx e Engels, no seu essencial A ideologia alemã, ao falar do comunismo, nos dizem que
"O comunismo não é para nós um estado de coisas que deva ser estabelecido, um ideal pelo qual a realidade terá de se regular. Chamamos comunismo ao movimento real que supera o atual estado de coisas.” (2009, p. 52)
Assim, também a Universidade Popular não é um ideal de universidade para um futuro distante, chamamos Universidade Popular ao movimento real que se contrapõe à Universidade do Capital, ao movimento que constrói no hoje as bases da necessária construção de uma educação e universidade para além do Capital. E é de suma importância que nesse movimento, sem hegemonismo e sem autoproclamação, tenha espaço para todas as experiências já existentes e que caminham no mesmo sentido, por vezes isoladas, atomizadas.
Nos debates que temos feito em torno da pauta de uma Universidade Popular, sempre aparecem questionamentos sobre o utopismo dessa proposta, sobre a necessidade de centrarmos nossa luta contra os ataques do momento, e sobre não idealizarmos um projeto que não tem viabilidade na atualidade. Bem, isso nos parece uma falsa contraposição que nos coloca em uma situação defensiva e desarmada. As experiências históricas no capitalismo nos mostram que é justamente quando as classes trabalhadoras têm organização e projeto próprio, que conseguimos conquistas de direitos. É justamente quando apontamos para a ruptura com a ordem que pressionamos por conquistas dentro da ordem.
Bem nos disse, há mais de cem anos, Rosa Luxemburgo,
[...] não é a sorte do movimento socialista que está ligado à democracia burguesa, mas, ao contrário, a do desenvolvimento democrático que está ligada ao movimento socialista. [...] a democracia não vai sendo viável na medida em que a classe operária renuncia à sua luta emancipadora, mas, ao contrário, na medida em que o movimento socialista vai fortalecendo-se bastante para lutar contra as consequências reacionárias da política mundial e da deserção burguesa. [...] os que desejarem o reforçamento da democracia devem desejar igualmente o reforçamento, e não o enfraquecimento, do movimento socialista, e que, renunciando aos esforços socialistas, renuncia-se tanto ao movimento operário quanto à própria democracia. (2015, p.97-98)
O século que se passou não desmentiu sua análise. A defesa da atual universidade e educação pública existentes passa não por deixar de lado um projeto de universidade alternativo, pelo contrário, só resistiremos a partir de um projeto de Educação e Universidade Popular!
É nessa perspectiva que se tem construído nos últimos anos o Movimento por uma Universidade Popular – MUP e o Movimento por uma Educação Popular – MEP. Que já contaram com um Seminário nacional em 2011 e um Encontro nacional em 2014. Atualmente, além de organizados no Movimento Estudantil de todos os Estados brasileiros, o MUP e o MEP se apresentam no interior do movimento docente, seja no ANDES ou no SINASEFE. É apenas o começo, a construção de uma educação e Universidade popular demanda um movimento massivo e muito organizado! E é por isso que neste ano, mesmo com todas as dificuldades acirradas pela crise sanitária, tem sido realizadas Plenárias conjuntas em todos os Estados. Vamos também, no próximo sábado, dia 25 de julho, participar da Plenária do MUP e do MEP em Mato Grosso!
A plenária será online e as inscrições são feitas pelo link abaixo.
https://forms.gle/cVg4ypHLffjmMHbc8
Nos vemos lá!
REFERÊNCIAS
BEHRING, Elaine Rossetti. Brasil em Contrareforma: desestruturação do Estado e perda de direitos. São Paulo: Cortez, 2003.
Coutinho, Carlos Nelson. Marxismo e política: a dualidade de poderes e outros ensaios. São Paulo: Cortez, 1994.
FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. 5 ed. São Paulo: Globo, 2005.
HARVEY, David. O neoliberalismo: história e implicações. 5 ed. São Paulo: Edições Loyola, 2014.
IASI, Mauro Luis. Movimento por uma Universidade Popular. Blog da Boitempo, São Paulo, 14 de set. de 2011. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2011/09/14/movimento-por-uma-universidade-popula/. Acesso em: 19 de jul de 2020.
LUXEMBURGO, Rosa. Reforma ou revolução? 3 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2015.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. 1 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2009.
MARX, Karl. Crítica do Programa de Gotha. São Paulo: Boitempo, 2012.
MÉSZÁROS, István. Atualidade histórica da ofensiva socialista: uma alternativa radical ao sistema parlamentar. São Paulo: Boitempo, 2010.
SAMPAIO JUNIOR, Plínio de Arruda. (Org.). Jornadas de junho: a revolta popular em debate. São Paulo: Instituto Caio Prado Jr., 2014.
Leonardo Santos
Assistente social, CRESS 3ª Região - Nº 6420
Circular nº 229/2020
Brasília (DF), 17 de julho de 2020
Às seções sindicais, secretarias regionais e à(o)s diretore(a)s do ANDES-SN
Companheiro(a)s,
Encaminhamos o Caderno de Textos do 8º CONAD EXTRAORDINÁRIO do ANDES-SN.
O Caderno de Textos está disponível à(o)s participantes do 8º CONAD EXTRAORDINÁRIO e à(o)s demais sindicalizado(a)s na página do ANDES-SN (www.andes.org.br)*.
Sendo o que tínhamos para o momento, enviamos nossas cordiais saudações sindicais e universitárias.
Profª. Eblin Farage
Secretária-Geral
*O Caderno de Textos do 8º CONAD EXTRAORDINÁRIO do ANDES-SN também está disponível para download no arquivo anexo abaixo.
Prezad@s sindicaliza@ds,
Isto posto, a Diretoria da Adufmat-Ssind, no uso de suas atribuições regimentais, convoca tod@s @s sindicalizad@s para a Assembleia Extraordinária a se realizar:
Data: 22 de julho de 2020 (quarta-feira)
Plataforma: Google Meet (link: https://meet.google.com/hxn-xnqo-nkt)
Horário: às 13:30 com a presença mínima de 10% dos sindicalizados e às 14h, em segunda chamada, com os presentes.
Pontos de Pauta:
1 – Informes;
2 – Análise de Conjuntura;
3 – CONAD Extraordinário – Prorrogação do Mandato da atual Diretoria do ANDES-SN.
Cuiabá, 18 de julho de 2020.
Aldi Nestor de Souza
Diretor Geral da ADUFMAT-Ssind
Osvaldo Coggiola, 2º vice-presidente da Regional São Paulo do ANDES-SN, é docente do departamento de história contemporânea da Universidade de São Paulo (USP). Estuda temas como marxismo, América Latina, movimento operário, capitalismo e socialismo. Nessa entrevista, ele analisa a crise do Capital que, apesar de estar em curso antes do advento da pandemia causada pelo novo coronavírus, se aproveita da situação provocada pela Covid-19 para aprofundar os ataques à classe trabalhadora. Sobre saídas da atual conjuntura, ele cita a greve internacional dos trabalhadores de aplicativos como exemplo de excepcional vontade de luta, que marca o caminho e demonstra que mesmo em condições desfavoráveis é possível avançar.
1 – A economia mundial revive uma nova crise do Capital de dimensões históricas, deflagrada pela pandemia da Covid-19, e a sua recuperação é dada como incerta. Quais os efeitos práticos dessa crise?
A pandemia entrou em erupção em condições de uma crise excepcional do sistema capitalista mundial, fortemente repercutida no Brasil. As guerras econômicas são a prova disso. Os 280 trilhões de dólares de dívidas mundiais (mais de três vezes o PIB mundial) são a prova da falência do sistema; não podem ser cancelados por décadas nem pelos lucros: 20% do capital mundial está em default. O capital e seu Estado não têm condições de retornar à situação pré-pandêmica, e busca tirar proveito da pandemia para impor uma saída que destrua as defesas dos trabalhadores. A política impulsionada pelos brutamontes imperialistas, como se sabe, acabou quase custando a vida de seu impulsionador, o britânico Boris - o próprio - Johnson, e teve de ceder lugar à medidas de distanciamento social que, adotadas tardiamente, custaram a vida de dezenas de milhares de pessoas, no que Donald Trump achou um pretexto para denunciar uma conspiração viral contra os EUA orquestrada pela China. Não há dados para justificar a passagem para o que se chama de "novo normal". Considerada mundialmente, a liberdade comercial não encontra fundamento no desenvolvimento da pandemia. Os países que alcançaram um freio na curva de contágio são poucos. Mesmo neles, China e Coreia do Sul em primeiro lugar, não está descartado um novo surto de infecções. O negacionismo viral de Trump e a sua recorrente má vontade em relação à ciência, além de suas constantes bravatas, vêm lhe custando caro e têm repercutido de modo negativo junto a uma parcela significativa da população norte-americana, com fortes chances de comprometer suas pretensões de se reeleger presidente, sem falar nas enormes mobilizações antirracistas provocadas pelo assassinato de George Floyd. Diante desse fato, Trump recorre, fomentado pelo incansável Steve Bannon, a teorias de conspiração, dizendo que a China é a grande responsável pelo “Chernobyl biológico” e que deve ser denunciada por crime premeditado. Ao invés de juntar esforços globais para enfrentar a pandemia, o governo Trump se engajou em uma guerra ideológica sem qualquer base científica.
2 - A capacidade de rápido contágio do novo coronavírus, somada às condições já precárias de vida e de saúde de grande parte dos trabalhadores, tem gerado um enorme e crescente número de mortos no mundo. Quais ações seriam necessárias para evitar os efeitos da pandemia?
A única saída realista para evitar o desastre passou a ser impor a centralização de todos os recursos do país, com base em um plano social e econômico sob a mobilização e liderança dos trabalhadores. A "reativação da economia", que os governos proclamam como seu objetivo quando rejeitam impor quarentenas, é uma mentira; o que está para vir, como os economistas não cansam de repetir, é uma recessão enorme. O grande capital pretende converter a retirada da força de trabalho em suspensões ou demissões em massa, redução de salários, maior flexibilidade do trabalho e abolição de acordos trabalhistas. O capital quer usar a pandemia para desencadear uma guerra de classes. O capitalismo está em um impasse e numa guerra intestina, com ataques a aviões nos aeroportos, que sequestram instrumentos de saúde destinados a Estados rivais. Esse impasse se manifesta nas crescentes crises políticas: Trump e Bolsonaro contra seus governadores; Piñera (Chile) contra seus prefeitos; os Fernández, na Argentina, pressionam a indústria, os bancos e o capital internacional para desmantelar a quarentena e cancelar os contratos de trabalho. A Confederação Internacional dos Sindicatos estima em 2,5 bilhões de pessoas – mais de 60 % da força de trabalho do mundo – o número de trabalhadores informais, sujeitos a condições degradantes e precarização. Contra isso, existe uma multiplicação de lutas em defesa do distanciamento social, do emprego, dos salários, das aposentadorias, que deveriam se unificar nacional, regional e internacionalmente. A greve internacional dos trabalhadores de aplicativos é um exemplo de excepcional vontade de luta, que marca o caminho e demonstra que mesmo em condições desfavoráveis é possível avançar.
3 – O presidente brasileiro vem perdendo o apoio do presidente estadunidense Donald Trump. A última medida do governo norte-americano foi a de fechar fronteiras contra turistas e viajantes do Brasil, além de condenar a política de Bolsonaro sobre a pandemia. Quais fatores influenciaram esse distanciamento?
O roteiro do governo brasileiro correspondeu à política do imperialismo sobre o coronavírus. Donald Trump tomou alguma distância quando viu o atoleiro político em que Bolsonaro estava metido. A rejeição da quarentena para permitir a disseminação em massa do vírus foi anunciada inicialmente pelo primeiro ministro britânico Boris Johnson, como o método de melhor custo-benefício (para o capital). A fantasia de que o contágio em massa provocaria imunidade natural foi imediatamente rejeitada por todos os especialistas em saúde. Os EUA seguiram uma linha similar; sua implementação abandonou qualquer protocolo e foi imposta mediante as mentiras de Donald Trump. O resultado foi um cenário assustador, com Nova York e os EUA tomados pelo contágio. A OMS alertou que a luta contra a epidemia exigia não apenas restrição total, mas também testagem massiva para detectar o avanço do vírus. O governo brasileiro não fez uma coisa nem outra. A ocultação da situação, promovida pelo ministro da Saúde, foi funcional à política ditada por Bolsonaro. O ministro anunciou que a política de prevenção do contágio nas favelas e periferias urbanas passava... por um acordo com milicianos e traficantes. E, também, com o grande capital. O primeiro pacote econômico "anticoronavírus" autorizou as empresas a reduzir os salários e prometeu um auxílio mensal insignificante, durante três meses, para 40 milhões de trabalhadores lançados na informalidade, benefícios fiscais para as grandes empresas e compra de títulos públicos pelo Banco Central, em resposta à seca no mercado financeiro. O embate com o Legislativo acabou elevando o montante da ajuda para R$ 600, para evitar uma catástrofe social que poderia virar terremoto político. Para completar, sob o comando de Trump, Bolsonaro lançou uma provocação contra a China, que abriu uma fissura em sua base política de apoio. A pressão da burguesia do agronegócio (a China é o maior parceiro comercial do Brasil, responsável por 30% das exportações) colocou o governo em uma situação de fraqueza, no meio de uma crise política ao som dos panelaços e do aumento diário do número de casos de contágio e de mortes. A classe capitalista brasileira ficou dividida, com seu sistema político fraturado. A principal empresa de consultoria mundial para avaliação de “risco político” detectou a possibilidade de uma “crise institucional” no Brasil, acelerando uma fuga de capitais, mensurável cotidianamente.
4 – Protestos contra o racismo ganharam as ruas de diversos lugares do mundo com o assassinato de George Floyd, morto pela polícia dos EUA. No Brasil, o caso Floyd, junto com o assassinato do menino João Pedro, alvejado 70 vezes em uma ação policial no Rio de Janeiro, impulsionou diversos atos no país. Como você avalia esse levante com dimensão internacional?
É um levante internacional, com repercussões políticas internacionais. Um confronto histórico de classes começa em um momento de mudança na política interna dos Estados Unidos e do mundo. A questão da luta contra o racismo entra em um campo político definido: a luta contra o fascismo, contra o poder político que busca mobilizar todo o aparato estatal em uma guerra civil e até recrutar os setores intermediários prejudicados pela falência capitalista. No Brasil,o importante é que o levante antirracista questiona que a principal base internacional de Bolsonaro, Donald Trump (e outros membros da “Internacional Antiliberal”) continue a apoiá-lo (o que não está claro), ou que o próprio Trump seja destronado como consequência da rebelião popular que percorre os EUA (Black Lives Matter) em ano eleitoral. A luta contra o racismo pode suscitar uma rebelião popular no Brasil, que já não é surda (vide panelaços à repetição e mobilizações de rua contra os grupos fascistas e em defesa dos trabalhadores da saúde) e que pode fazer de sua grande desvantagem atual (a pandemia e o isolamento social) uma vantagem, ao somar para suas fileiras não só os participantes e organizações habituais nas mobilizações, mas toda a população, inclusive a desorganizada, que se vê obrigada a lutar pelo seu elementar direito à vida.
Fonte: ANDES-SN