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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
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Juacy da Silva*
Em minhas longas caminhadas pelas ruas de Cuiabá, que as vezes chegam ou ultrapassam 10km diariamente, deparo-me com uma cidade, capital do Estado de Mato Grosso, com mais de 651 mil habitantes, que deveria ser uma referência estadual e regional em termos de sustentabilidade, vejo, todavia, em diversas esquinas, nas ruas, avenidas sem árvores, sem calçadas, ou com calçadas atravancadas por todas as formas de obstáculos incluindo caros, matagal, um sem número de máscaras “de covid” como dizem, garrafas plásticas, galhos de arvores, esgoto correndo a céu aberto, onde o asfalto, quando existe, já perdeu a cor escura e está verde de lodo, e, inúmeros lixinhos que acabam se transformando em “lixões”, em plenas vias públicas. Já fiz centenas de fotos e, de vez em quando, envio para alguns veículos de comunicação, na ilusão de que alguma reportagem possa “constranger” nossos governantes e impulsioná-los a melhor cuidarem de nossa outrora cidade verde. Tudo isso, sem falar no Centro histórico em decadência, esvaziado econômica e comercialmente, abandonado, sujo, com centenas de imóveis caindo aos pedaços, abrigo de também centenas de pessoas excluídas, marginalizadas, tomadas e dominadas pelas drogas lícitas e ilícitas, o berço da cultura cuiabana e mato-grossense que envergonha nossos antepassados.
A mesma situação está presente também no maior aglomerado Urbano do Estado, representado por Cuiabá e Várzea Grande, a segunda maior cidade do Estado, com 203 mil habitantes, aglomerado urbano que representa 854 mil habitantes ou 23,3% da população total e, em torno de um terço (33%) da população de Mato Grosso.
Um dos problemas mais sérios que contribuem para a degradação do planeta, a destruição dos biomas e dos ecossistemas, a contaminação das águas, principalmente de Rios, como o Cuiabá e seus afluentes e inclusive dos mares e oceanos, do solo e do ar é o lixo, tecnicamente denominado de resíduos sólidos.
Este desafio está presente no mundo inteiro, só que no Brasil é uma vergonha que decorre da incompetência, da incúria e descaso por parte de nossas autoridades e esta negligência afeta muito mais os pobres e excluídos, que vivem nas periferias onde a situação é muito mais precária e danosa.
Diversos sã os tipos de lixo, incluindo o lixo plástico que tem crescido a uma velocidade muito maior do que o crescimento populacional, do que o crescimento urbano e até mesmo do aumento da renda média per capita em todos os países.
Existem outros tipos de resíduos sólidos como o lixo decorrente da construção civil, o lixo eletrônico, lixo hospitalar, lixo doméstico, lixo industrial em geral, lixo têxtil, boa parte desses tipos contém produtos químicos, nucleares, componentes corrosivos, enfim, uma complexidade que tem sido objeto de estudos, pesquisas, trabalhos acadêmicos, até teses de mestrado e doutorado. Ou seja, a questão já está sobejamente conhecida, diagnosticada, falta apenas ação que resolva o problema, e isto tem que partir tanto dos governantes quanto dos empresários e também por parte da população em geral.
É um tema, um problema altamente complexo e, também, por ter dimensão econômica, política e não apenas social, o equacionamento deste desafio também se reveste de uma complexidade imensa. Existem muitos interesses em jogo, incluindo de quem vive, sobrevive ou se enriquece com o lixo.
Alguns estudos e reportagens tem demonstrado que a questão do lixo também está envolta em vários casos de corrupção, como em diversos outros setores incluindo transporte coletivo, reformas de imóveis públicos construção e reformas de praças e outras obras de infraestrutura, conduzidas por organismos públicos, o que torna a solução do problema difícil de ser encontrada. A primazia na condução e busca da solução precisa partir dos organismos públicos, sem isso, todos os demais esforços não passam de ações mitigatórias e passageiras.
Há décadas, em diversos países, como tem sido demonstrado por dados e informações por parte de organismos nacionais e internacionais que tem no lixo um de seus focos de atuação, como o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e o Banco Mundial (BIRD), o lixo passou a ser considerado um setor econômico importante e, neste sentido, a reciclagem, dentro do conceito da Economia Circular, passou a ter também um interesse por gerar oportunidades de emprego e renda para milhares e milhões de pessoas, ao redor do mundo, principalmente nos países do chamado terceiro mundo de renda baixa ou apenas média, onde o Brasil ainda está incluído, por estar entre os quatro países que mais lixo plástico produz no mundo.
Costuma-se dizer que o valor do lixo, do ponto de vista da reciclagem e da economia circular, vale mais de do que a produção de diversos outros setores dos diversos sistemas econômicos. Existe também a questão dos custos para solucionar problemas decorrentes do lixo, incluindo as doenças que afetam milhões de pessoas, as consequências ambientais como poluição do ar, a emissão de gases de efeito estufa, que causam mudanças climáticas, das águas e do solo.
De acordo com dados do último relatório da UNEP – Agência da ONU para o Meio Ambiente, publicado em 27 de fevereiro último (2024), a geração de lixo municipal no mundo, onde não está incluído o lixo agropecuário , do setor de construção civil e de alguns outros setores, em 2023 foi de 2,1 bilhões de toneladas e poderá chegar a 3,8 bilhões de toneladas em 2050 li.
O valor desta montanha de lixo em 2020 era de US$ 361 bilhões de dólares e deverá atingir, em 2050, a importância de US$640,3 bilhões, valores muito superiores ao PIB de diversos países, tanto em 2020 quanto em 2050.
Outra questão que se coloca neste contexto das reflexões sobre o lixo é que em sua origem estão aspectos como o aumento também acelerado do consumismo, do desperdício e da obsolescência prematura dos bens produzidos pelo setor empresarial, aliado a um “marketing” e propaganda agressivos que manipulam os consumidores, estimulando-os a consumirem e a desperdiçarem cada vez mais, gerando mais lixo e também mais lucros e mais acumulação de capital, renda e riqueza para diversos setores empresariais.
Diante desta dinâmica, tanto a reciclagem quanto as tentativas de “emplacar” a economia circular, a continuarem os atuais paradigmas que embasam os atuais sistemas econômicos e produtivos, não terão o sucesso a que se propõem, serão apenas formas mitigatórias para reduzir os impactos negativos e as consequências da geração e falta de uma destinação correta para este desafio, que é o lixo.
Na Encíclica Laudato Si o Papa Francisco nos exorta sobre esta questão ao dizer “o mundo está se tornando uma grande lixeira planetária” e nesta mesma “linha” de reflexão, o Secretário Geral da ONU, Antônio Guterrez, nas celebrações sobre o Dia Mundial do Lixo Zero, em 2023, enfatizou que “o planeta está sendo tratado “como uma lixeira”. Para o líder da ONU, a humanidade está “estragando sua única casa”. Ele alertou sobre os impactos da produção de lixo e da poluição no meio ambiente, nas economias e na saúde humana.
Segundo Guterres, 10% de todas as emissões globais de gases de efeito estufa vêm do cultivo, armazenamento e transporte de alimentos “que nunca são usados”. Ele considerou esse dado “revoltante”, uma vez que, em nível global, 800 milhões de pessoas, por ano, passam fome.
Ele foi mais além enfatizando que é preciso “declarar guerra ao lixo”. E que os consumidores precisam agir de forma mais consciente. Ele também falou de empresas que devem contribuir para uma “economia circular e sem desperdício”.
Finalmente, não podemos deixar de mencionar a urgente necessidade das prefeituras incluírem em seus editais de concorrência para a seleção das empresas que coletam o lixo urbano, repito, incluir nesses editais a obrigatoriedade da coleta seletiva e a obrigatoriedade de que a população separe o lixo reciclável do não reciclável, além de uma ampla campanha de conscientização contra o consumismo, o desperdício, estimulando a reciclagem em toda a sua dimensão, já bem conhecida como os 4, 5 ou 6 “Rs”: Repensar, Refletir, Recusar, Reusar, Reciclar e, Realmar a Economia, substituir os paradigmas de uma economia da morte por paradigmas de uma Economia da vida!
Nesta “guerra” contra o consumismo, contra o desperdício, contra a geração de mais lixo, todos tem um lugar, tanto as entidades governamentais, quanto os empresários, as entidades da sociedade civil, as ONGs, as Igrejas, as Pastorais, enfim, a população como um todo. Esta é também uma forma efetiva de enfrentarmos este enorme e grave desafio.
Pare um pouco e observe como está a questão do lixo, da limpeza pública em sua rua, na frente de sua casa, em seu quintal, em seu bairro, em sua cidade, enfim, nos Estados e no Brasil.
Estamos às vésperas das eleições municipais, questione os candidatos a prefeitos, prefeitas, vereadoras, vereadores, procure saber se os mesmos, as mesmas tem alguma proposta para enfrentar este problema e desafio.
Procure saber se em sua cidade existe política efetiva, eficiente e eficaz em relação a todas as questões, problemas e desafios ambientais, ecológicos, particularmente as questões do lixo, do saneamento básico, da arborização urbana, da água, do transporte público.
Por isso, devemos lutar contra todas as formas de degradação dos biomas e ecossistemas, tendo como objetivo máximo o desenvolvimento sustentável integral, onde estejam incluídos novos modelos econômicos e de relações de trabalho, de produção e novos padrões de consumo responsáveis e sustentáveis, como defende a ONU, através dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, a Agenda 2030.
Ou mudamos nossos hábitos de consumo e nossos sistemas produtivos ou estaremos cada vez mais enfrentando e sofrendo as consequências dessas tragédias socioambientais que se multiplicam ano após ano!
*Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral. E-mail O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy