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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
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Por Danilo de Souza*
Dependência de veículos significativamente para o aumento na emissão de gases de efeito estufa, como dióxido de carbono (CO O setor de transporte é um dos principais responsáveis pelo agravamento do aquecimento global devido ao seu intenso consumo de combustíveis fósseis. A movidos à gasolina e diesel contribui2) e óxidos de nitrogênio (NOX). Essas emissões colaboram diretamente para o acréscimo da concentração desses gases na atmosfera, intensificando o efeito estufa e causando alterações climáticas.
Rodoviários navegação e transporte de mercadorias. Visando amenizar esse quadro, a mobilidade elétrica é tema presente nos principais fóruns de discussão da sustentabilidade. Sozinho, o setor de transporte foi responsável por aproximadamente 32% do consumo mundial de energia em 2020. Isso inclui o consumo de energia em veículos (dominando com mais de 50% do total), ferrovias, aviação.
Um mesmo modelo de carro elétrico pode apresentar diferentes impactos de emissões em distintos países, pois depende fundamentalmente da matriz de energia primária de cada local. Em 2021, no Brasil, 78,1% da matriz primária de energia elétrica foi renovável, enquanto a média mundial no mesmo ano ficou em 28,6%. Dessa forma, significa dizer que um veículo elétrico rodando 100 km na matriz energética brasileira emite três vezes menos que o mesmo veículo rodando com recarga baseada na matriz energética da primária de eletricidade da média mundial. A matriz energética da América Latina e do Caribe é bastante semelhante à brasileira.
Por isso, compreender o ciclo de vida de um veículo elétrico é de extrema importância, pois vai além de simplesmente considerar o seu desempenho durante o uso, abrange desde a extração de matérias-primas para a fabricação até o descarte adequado ao final da sua vida útil. Ao entender todas as etapas desse ciclo, é possível avaliar de forma mais precisa e abrangente o impacto ambiental e a sustentabilidade dos veículos elétricos, levando em consideração a emissão de gases de efeito estufa, o consumo de recursos naturais e o manejo adequado de resíduos.
Os veículos elétricos são construídos com uma variedade de materiais que desempenham funções diferentes em seu design e desempenho, tais como: aço de alta resistência, alumínio e ligas de magnésio, usados para a estrutura e carroceria, proporcionando leveza e resistência; polímeros e plásticos reforçados com fibra de carbono, empregados em componentes internos e externos, reduzindo o peso total do veículo; baterias de íon-lítio, compostas por metais como lítio, cobalto e níquel, e são essenciais para armazenar a energia elétrica; cobre, para os sistemas elétricos do veículo e o motor elétrico propriamente dito.
Dentre os itens citados, basicamente os três destacados são os principais responsáveis por diferenciar o carro elétrico de um veículo à combustão interna.
Os carros tracionados por motores de combustão interna usam, em média, 25 quilos de cobre. Os carros híbridos utilizam em média 40 quilos, enquanto veículos totalmente elétricos podem usar até 70 quilos.
Historicamente, o maior produtor mundial de cobre é o Chile, que representa aproximadamente 30% de toda a produção mundial. Destaca-se em segundo lugar o Peru, que produziu em 2020 o equivalente a 10% de todo o consumo mundial.
Outro metal importante para a mobilidade elétrica é o alumínio, amplamente utilizado na fabricação de carros elétricos devido à sua leveza e resistência. Ele ajuda a reduzir o peso total do veículo, melhorando a eficiência e a autonomia da bateria. O Brasil é o país que mais recicla lata de alumínio no mundo, e dentre os 40 países que produzem o metal está na 13ª posição.
O lítio desempenha um papel fundamental na eletrificação de várias áreas, incluindo veículos elétricos, dispositivos eletrônicos portáteis (smartphones, laptops e tablets) e armazenamento de energia - fornecendo energia duradoura em um formato compacto. Sua importância reside nas propriedades únicas desse metal, que permite a produção de baterias de alta capacidade e desempenho. As baterias de íon-lítio são leves, têm alta densidade de energia e podem ser recarregadas várias vezes. Chile, Bolívia e Argentina, juntos, representam aproximadamente 46% das reservas mundiais de lítio.
O motor elétrico é o equipamento que concentra os principais ganhos de eficiência energética no processo. Os mais eficientes são conhecidos como Motor síncrono de ímã permanente (sigla em inglês PMSM). Esses motores possuem ímãs de terras raras no seu rotor, que geralmente são constituídos de neodímio-ferro-boro (NdFeB). Os ímãs de terras raras apresentam propriedades magnéticas excepcionais que permitem uma alta densidade de fluxo magnético. Esse é o principal diferencial na eficiência dos motores PMSM.
As mais importantes reservas de neodímio, um dos elementos-chave na fabricação de ímãs de terras raras, estão localizadas principalmente na China. Esse país asiático é responsável por cerca de 85% a 90% da produção global de neodímio e possui uma grande quantidade de reservas desse elemento, que traz considerações geopolíticas, no que se refere à dependência. A exploração de neodímio, assim como outros elementos de terras raras, pode apresentar diversos problemas ambientais: i) poluição da água - durante o processo de extração do neodímio, substâncias químicas tóxicas podem ser utilizadas, como ácido sulfúrico, ácido clorídrico e ácido nítrico; ii) geração de resíduos tóxicos: a produção de neodímio também resulta na geração de resíduos tóxicos, como rejeitos de mineração e resíduos de processamento químico; e iii) uso intensivo de recursos naturais: a mineração de neodímio requer a remoção de grandes quantidades de solo e rochas, resultando na destruição de habitats e na perda de biodiversidade. Além disso, a extração de terras raras geralmente requer o uso de grandes quantidades de água e energia, o que contribui para o consumo intensivo de recursos naturais.
Existem substitutos para o neodímio, mas não apresentam a mesma eficiência para a aplicação. Os ímãs de neodímio-ferro-boro (NdFeB) podem ter uma energia de produto magnético superior a 50 MGOe – (Mega Gauss Oersted). Isso os torna extremamente fortes em comparação com outros tipos de ímãs, como: samário-cobalto (entre 20 e 30 MGOe), alnico (~5 MGOe) ou de ferrite (entre 1 e 4 MGOe).
Como alternativa na construção do carro elétrico, é possível utilizar Motores Elétricos Síncronos de Relutância (sigla em inglês SynRM), que empregam materiais presentes nos países da América Latina e Caribe, e possuem elevada eficiência e menor impacto ambiental em todo o ciclo de vida quando comparados aos PMSM.
Os carros elétricos autoguiados e compartilhados podem representar uma solução promissora para melhorar a eficiência do transporte e reduzir engarrafamentos, ao mesmo tempo que mitigam os impactos ambientais. Ao combinarem a tecnologia autônoma com o modelo de compartilhamento de veículos, esses carros podem ser utilizados de maneira mais eficiente, reduzindo a quantidade de veículos nas estradas e otimizando o uso dos recursos disponíveis.
Nesse cenário, a América Latina e o Caribe reúnem todas as características necessárias (recursos minerais, energéticos, humanos e mercado consumidor) para a construção de um projeto estratégico de desenvolvimento regional, pautado na construção de uma indústria da mobilidade elétrica tanto para o transporte individual, como coletivo. Essa é uma possibilidade de geração de emprego e renda em uma indústria que se ancora fortemente nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas.
*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.