Marcos Macedo Caron. Doutor em Educação/UnB. Prof. do IE/ UFMT
Com mais de 125 dias de greve e toda tensão dela advinda, talvez seja até desnecessário realimentar uma polêmica aqui no Espaço Aberto. Poderia “gastar” minhas linhas contribuindo com análises sobre o movimento e expondo as razões que, mesmo diante do cenário adverso, nos levaram a propor, nas assembleias de 17/09 e 01/10, a suspensão negociada da greve, proposta esta sobre a qual não nos furtamos em hipótese alguma a debater.
Porém, vejo necessário responder às críticas que um colunista aqui do EA fez ao meu último artigo, desde que, num compromisso sincero comigo mesmo, me obrigue a fazer desta resposta uma análise política que contribua para reflexões significativas no estudo do movimento social e sindical, ainda que em poucas linhas. E reafirmo aqui, como antes, que não me oponho exatamente às criticas políticas que o colunista me faz, porque fundamentais e necessárias à vida democrática, mas sim à forma e ao método que ele adota – e insiste em adotar – ao fazê-las.
Inicialmente, que fique bem claro: não fomos nós que começamos esta polêmica, mas nos defendemos nela. Não preciso de muito esforço para comprovar isto: convido o leitor a passar os olhos nas linhas do primeiro artigo do meu oponente (“Tensões da Greve”), bem como no seu segundo texto (e peço o mesmo em relação a mim), para perceber o que digo. As diferenças de estilo, postura, intenção e crítica são evidentes e falam por si.
Dito isso, vamos direto ao ponto. O que diz o colunista na sua segunda crítica a nós, particularmente a mim? Em primeiro lugar, ele tenta me imputar a imagem de um “derrotado politicamente” pelo simples fato de que, até agora, perdi algumas, que sejam muitas, das votações nas assembleias em relação à questão da greve. Posteriormente, além da repetição de velhos chavões (sobre os quais me debruçarei mais adiante), ele afirma que, além de eu ter tomado “as dores de outro colega”, eu estaria sendo incoerente quando me propus a um “debate de alto nível político de alma e coração aberto,” (como eu disse literalmente em meu primeiro texto), visto que o próprio título do meu artigo já iniciava de forma bastante ofensiva e nada disposta ao debate, bem como “ofendia” diretamente os companheiros que compõem o atual GLG (Comando Local de Greve).
Ledo engano, em todos os aspectos levantados, e vamos explicar pontualmente as razões.
Quanto ao primeiro argumento, o colunista comete o erro de concentrar toda a polêmica do fato à dimensão unicamente eleitoral, e ainda assim bastante limitada no tempo e no espaço. Trata-se de um posicionamento falseador. Primeiro porque, em que pese a legitimidade do espaço e das decisões das assembleias (por mim reconhecida e jamais questionada, independentemente do contexto favorável ou não a mim nesta ou naquela votação), eleições se ganham e se perdem, mas convicções ficam. Seria um “derrotado” se não as mantivesse. Além disto, vejo-me obrigado a lembrá-lo de que a chapa vitoriosa nas últimas eleições da Adufmat, além do meu firme apoio na campanha dentro ou fora do IE, foi constituída sobre um programa no qual grande parte do seu conteúdo, após amplo debate com os apoiadores, foi escrito e elaborado por mim. Poderia dar vários outros exemplos nos quais fui “vitorioso eleitoralmente”, mas limito-me a este aqui por razões de espaço.
Quanto às “dores tomadas por mim a outro colega”, nada tem de sentimentalismo estéril ou vulgar. Simplesmente agi em defesa de um colega que, a despeito do seu posicionamento politico bastante diverso do meu, debateu comigo e concordou, em linhas gerais, com as diretrizes impressas no “Manifesto à Razão” (chamado primariamente pelo colunista de “irracional”, sem ao menos debater uma linha sequer do conteúdo ali proposto). E o fiz não por causa da concordância pontual, mas porque não posso aceitar a forma de crítica descortês e desproporcional ao fato utilizada pelo colunista (convido o leitor a examiná-la novamente, nos dois textos. Não há outra interpretação possível que não seja um pedido sincero de desculpas ao colega criticado). A minha ação origina-se em alguns significados que, talvez pela forma de embate que até pouco tempo predominou hegemonicamente na Adufmat, andaram um tanto esquecidos: solidariedade, pluralidade e democracia.
Quanto ao título do nosso texto (um “texto-resposta”, repetimos, portanto, um texto de defesa), de fato o iniciamos de forma firme e contundente, não me furto em dizê-lo, mas necessário em razão do nível das críticas a nós desferidas. Porém – e aqui está a diferença capital, facilmente comprovada pelo leitor -, minhas críticas, mesmo “duras”, são calcadas unicamente em caracterizações políticas, jamais em desqualificações pessoais.
Já para o colunista, quem não concorda com a condução da greve e sua excessiva extensão (ou mesmo com a própria deflagração da greve), é, nas suas próprias palavras, “irracional”, “lunático”, “odiento” (sim, porque exerce o “ódio”, está lá escrito no seu texto), além de induzir de forma falseadora que a nossa missão, particularmente a minha, ao participar do sindicato e das assembleias, é “facilitar a vida do governo que nos arrocha e nos oprime”.
Em outras palavras, meu oponente tenta nos imprimir, a mim e a todo um contingente significativo de professores, dentro e fora das assembleias, a pecha de que estamos “a serviço do governo” e, nesse sentido, automaticamente “coniventes” com todos os erros que o atual governo e o partido que o sustenta venham a praticar. Qualquer comentário nosso sobre o movimento, qualquer defesa, qualquer crítica e, principalmente, qualquer proposta nossa aberta ao debate público de forma sincera e impressa em documento (ainda que o colunista as tenha elogiado como forma de método e organização, ato louvável, reconheço), sofre sempre a insinuação de que foi produzida nos “soturnos gabinetes do governo e da reitoria”, cujo objetivo é unicamente “enfraquecer a categoria por dentro”, “minando-a através de golpes cometidos a mando partidário”. Quando analisamos os seus dois últimos textos, não há outra hipótese (reducionista e absurda!) além desta, na qual são “acusados” indistintamente professores “petistas”, não petistas e antipetistas, favoráveis eleitoralmente ao governo ou abertamente de oposição, como é o perfil da categoria na sua variedade política real.
Na perspectiva metodológica, os equívocos do colunista são ainda mais graves, quais sejam: a) entende a nossa análise da realidade como concordância com a realidade analisada; b) confunde as razões (justas) da luta com as possibilidades de luta e, principalmente, destas ao longo da luta. É assim que tenta nos denunciar o anátema de que, “se somos pela suspensão da greve em algum momento” (ou a não deflagração em dado momento), logo, “somos a favor do pacote fiscal e da transferência dos nossos potenciais reajustes salariais e das verbas públicas para os banqueiros”.
É primário demais! Não há sentido nesta postura! Ela é irreal e, além de tudo, equivocada politicamente! Ela não soma, mas subtrai; ela não multiplica, mas divide. O referido autor insiste em desconhecer que a tônica desta sua crítica volta-se contra professores da base do sindicato que frequentam legitimamente as assembleias e, ação fundamental, fazem a greve (e não “furam” a greve, sejam contra ou favor dela), além de se submeterem às mesmas condições de todos ali presentes, isto é, ao corte do pagamento (caso haja) e à reposição das aulas ao término da greve e tudo mais que houver de sacrifício e penoso no movimento.
Diante disto, que outros nomes há para esta postura do colunista que não seja a “Intolerância”, o “Sectarismo” e o “Dogmatismo”? Creio que, para o seu nível intelectual e da categoria (alto, ambos, sem dúvida), não preciso recorrer aos dicionários para explicar melhor.
Assim, não bastasse o exposto, a essência de minhas caracterizações políticas se comprova numa das partes mais “surpreendentes” do segundo texto do meu interlocutor. Ao se autoquestionar “até quando vai a greve?”, o colunista diz: “até onde for possível”. Então perguntamos: o que é este possível? Ele responde: “estamos resistindo bravamente, e sem nenhum receio de ser DERROTADO” (grifo nosso, mas palavras dele, acredite o leitor). Com essa afirmação, temos que realmente concordar com ao menos um aspecto frequentemente levantado nas assembleias pelo colunista e alguns de seus aliados. De fato, “o Andes-SN é”, como dizem, “um sindicato diferenciado de todos os demais” (não sei se do país ou do mundo, pois ainda não entramos em detalhes sobre este aspecto), pois “não se entrega aos acordos com o governo em troca de trair os seus princípios”.
Bem, talvez deva ser mesmo o primeiro sindicato, desde os primórdios da Revolução Industrial, que busca a derrota como um dos objetivos (visto não ter “nenhum receio”), e não a ‘vitória’, ou uma ‘pequena vitória’, ou a ‘vitória possível’, ou, ao menos, a ‘menor das derrotas’. Vê-se bem porque, enquanto a maioria dos sindicatos dos SPFs filiados às mais diversas centrais sindicais do país, inclusive a “Conlutas” (à qual o Andes-SN é filiado), encaminha-se para a aceitação dos acordos com o governo este ano e prepara as baterias para 2017 (além de várias outras formas de resistência e luta), a direção do Andes-SN se prepara, mais uma vez, para a “autoderrota”, tal como a que se impôs na greve de 2012, quando o comando nacional se “autodissolveu” em Brasília deixando algumas teimosas seções ao léu, entre elas a nossa (vide documentos e boletim do Andes da época)
No mais, esclareço que a defesa no meu primeiro texto nada teve de ofensa pessoal a qualquer membro do CLG, até porque nem o citei no artigo. Nele refiro-me unicamente ao colunista, e que este não ponha na minha fala termos e sujeitos que não disse e aos quais não me referi. Minha crítica é essencialmente voltada ao discurso de se fazer como política central a tática da “greve pela greve”, isto é, transformando a greve, principalmente a presente greve, num “valor ético” de “comportamento universal”, o qual separa os “justos e bons” dos “pelegos e vendidos”. Para quem insiste com este discurso, deveria assumir as caracterizações políticas que fiz na minha primeira resposta e novamente aqui. Porém, caso queira um diálogo qualitativamente diferente, poderei sempre reavaliar minha posição publicamente, revendo possíveis erros e abusos da minha parte. Dada a minha formação militante, não terei nenhum receio em fazê-lo, e espero que o meu oponente, ou quem com ele se identifica, também o faça.
Por fim, que não entenda o colunista que o meu persistente convite ao diálogo seja entendido, no dizer de suas palavras, como um gesto de “bandeira branca” que eu estaria levantando sem muita convicção. Pelo contrário, sugiro ao meu oponente que saiamos deste embate um tanto “particularizado” em prol de análises mais fecundas e promissoras ao avanço do movimento sindical, inclusive para aprofundarmos melhor a qualificação das nossas próprias divergências, isto é, debatê-las no sentido “histórico/político maior”, e não como aparente “rusga” que ocultaria um suposto “antagonismo a priori” para o leitor menos avisado. E que tais debates sejam, se possíveis, com os nomes às claras, sem disfarces constrangedores, até porque se trata de reflexões entre, talvez, “adversários”, jamais entre “inimigos”, mas sobretudo entre companheiros de luta (e aqui sem aspas), divergentes ou não.
PS: em tempo: o Lenin no qual me apoio não é o “Lenin dos Pântanos”, expressão usada pelo autor da crítica, até porque desconheço esta “vertente” que, faço crer, inexiste politica e academicamente. É certo que há pântanos em várias regiões da gigantesca Rússia, embora frios e de natureza diversa dos nossos pantanais nos trópicos. Mesmo assim, o Lenin ao qual me refiro é o “Lenin Revolucionário”, objeto cotidiano de meus estudos, com os quais posso contribuir em debates politicamente formadores que venham a ser promovidos pela nossa respeitosa ADUFMAT.