Fernando Nogueira de Lima
Em outro tempo, em outra greve, tive a oportunidade de manifestar-me em relação à pertinência das reivindicações do movimento, na perspectiva de contribuir para possíveis avanços nas negociações entre grevistas e o governo, com vistas ao término da paralisação com um mínimo de dignidade para os docentes e técnicos administrativos das IFES. Nesse sentido, recordo-me da decisão do CONSUNI, sob minha presidência, de encampar aquelas reivindicações e de lutar pela autonomia das universidades na expectativa de contribuir para a minimização das razões que justificavam a deflagração e a continuidade daquela greve.
No que concerne à defesa do caráter público dessas instituições, recordo-me de quando convoquei, nos termos do Estatuto da UFMT, uma Assembleia Universitária, que é a reunião da Comunidade Universitária (docentes, estudantes e técnico-administrativos) para discutir e deliberar sobre Projeto de Lei formulado pelo MEC, que tratava de Autonomia Universitária. Essa ação se deu no Ginásio de Esportes, resultando em um posicionamento - contrário àquele projeto de Autonomia, que foi divulgado na imprensa local e protocolizado no MEC com um pedido de retirada do mesmo, do Congresso Nacional.
Outras vezes, manifestei-me por meio de crônicas em jornais de circulação regional, tratando do caráter público das IFES, das greves e da necessidade de se adotar também outros instrumentos de luta e não apenas e repetidamente a greve. Durante uma greve que ultrapassou 100 dias, na condição de docente e ex-reitor, posicionei-me em revista de circulação nacional nos seguintes termos: “Uma greve que ultrapasse 100 dias mostra que a prática de governo é inconsistente, no que tange aos destinos da educação no país. As greves são consequências. As causas que as ensejam são as políticas de governos. A César o que é de César”.
Essas atitudes e posicionamentos se apoiaram na convicção de que é necessário respeitar a profissão docente para se ter uma educação libertadora que propicie a cidadania e o avanço do conhecimento, contribuindo para o desenvolvimento tecnológico, científico e econômico e, simultaneamente, assegurando o bem comum. Igualmente, também se devem ao entendimento de que greves prolongadas, que evidenciam o menosprezo dos governos para com a educação, impõem significativo empecilho para a consecução do compromisso social das universidades públicas e submetem os estudantes de graduação a enorme sacrifício e prejuízos irreparáveis, e que, por essas razões, deveriam ser a exceção, e não a regra.
Nesta altura desta reflexão é imprescindível ressaltar e registrar que essas ações tiveram sua importância relativa naquele tempo, todavia o maior mérito para que as universidades públicas, apesar dos pesares, ainda vivenciem autonomia, democracia e o caráter público deve-se sim aos professores, técnicos administrativos e alunos que se submeteram e ainda se submetem - à contra gosto - a repetidas greves, ao longo das três últimas décadas.
Por ser pertinente, reafirmo: é dever da sociedade contribuir para que a educação seja um sentimento nacional. Nesse sentido, para que isso se torne realidade as ações não podem se restringir aos períodos de greves, devendo alcançar a grande mídia, os poderes constituídos, o cidadão comum e o exercício do voto sem cores ou preferências partidárias, quando se tratar da defesa da educação em todos os seus níveis.
Neste instante, indago: quem são os nossos atuais parceiros e o que eles estão fazendo neste momento em que a paralisação em curso, sem entendimentos entre as partes, a passos largos e firmes já ultrapassou quatro meses?
Urge, pois, encontrar alternativas para a superação do atual impasse nas negociações. No atual contexto, interromper o trânsito, parar a pós-graduação, perpetuar os embates costumeiros nas assembléias, sejam elas esvaziadas ou concorridas, com todo respeito aos que pensam diferente, não assegurará, a meu ver, a adesão de parceiros que possam contribuir para a superação do impasse ora estabelecido.
Em não havendo a construção de alternativas outras, ainda que continuemos, em nossas assembleias, dissecando as palavras guerra e razão, assim como a situação dos formandos, daqui a pouco, sem ineditismo, ocorrerá uma assembleia das mais concorridas na qual maioria que permanecerá silente se posicionará, por ocasião da votação, favorável ao retorno das atividades.
Se a escolha para encerrar esta greve for essa, denotará que a atual construção da greve não contempla o desejo da maioria dos associados e em nada contribuirá para o atendimento das reivindicações em defesa da universidade pública, gratuita e socialmente referenciada. Além disso, fará com que a greve, que é um dos componentes da estrutura da liberdade sindical, seja desacreditada como instrumento de luta da classe trabalhadora, no espaço universitário.
A propósito de guerra e de razão, palavras utilizadas por diferentes oradores em recente Assembleia da categoria docente, me veio à mente Neoptólemo, jovem guerreiro, filho de Aquiles e conhecido por Pirro. O seu nome tornou-se famoso pela expressão "Vitória Pírrica", pois quando lhe deram os parabéns pela vitória na Batalha de Ásculo, conseguida a alto custo em que seu exército havia sofrido perdas irreparáveis após derrotar os romanos, em 279 a.C, diz-se que respondeu com estas palavras: "Mais uma vitória como esta, e estou perdido."
Desde então, a expressão “Vitória de Pirro" ou “Vitória pírrica” é usada para expressar uma conquista cujo esforço tenha sido penoso demais ou para classificar uma vitória obtida a alto custo, potencialmente acarretadora de prejuízos irreparáveis. Dito de outra forma, é uma metáfora para descrever uma vitória que de tão sacrificada, de tão desgastante, de tão violentamente conquistada, praticamente não valeu a pena alcançar, ou seja, o custo foi mais alto do que as vantagens obtidas.
Nessa linha de raciocínio, mesmo tendo, até aqui, me posicionado favorável à greve como instrumento de pressão para assegurar a abertura das negociações e o atendimento adequado das nossas reivindicações, estou, cada vez mais, desejoso de retornar às atividades na graduação. Não descarto, na atual conjuntura, a possibilidade de uma “Vitória pírrica”. Em vez disso, prefiro o estado de greve e a deflagração de uma campanha nacional financiada com as contribuições regulares dos associados para divulgar em períodos estratégicos, na grande mídia em horário nobre, a importância da educação e denunciar o descaso das políticas de governos que se sucedem, em relação às nossas reivindicações históricas.
No mais, doravante, ficarei atento aos versos da canção Aroeira de Geraldo Vandré: “Vim de longe vou mais longe. Quem tem fé vai me esperar. Escrevendo numa conta. Pra junto a gente cobrar. No dia que já vem vindo. Que esse mundo vai virar.”
Fernando Nogueira de Lima é professor da Engenharia Elétrica e foi reitor da UFMT.