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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
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Roberto Boaventura da Silva Sá
Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP
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2019 já está em sua reta final. Se me perguntarem sobre um dos sentimentos que mais experimentei durante este ano, respondo sem medo de errar: vergonha alheia; aliás, há alguns dias, a vergonha alheia tem sido acionada a cada momento, bem mais do que o esperado.
Mas por que esse sentimento tem sido tão recorrente?
Porque temos um governo de sociopatas. Até onde se pode perceber, poucos dos que nos governam conseguiriam fugir dessa triste, vergonhosa e miserável condição humana.
Antes de tudo, vale dizer, ainda que de forma mais genérica e chão possível, que a “sociopatia” refere-se ao “transtorno de personalidade que é caracterizado por um egocentrismo exacerbado, que leva a uma desconsideração em relação aos sentimentos e opiniões dos outros”.
No caso dos agentes governistas brasileiros, mais do que isso: como esse egocentrismo parece não ter o menor registro de limites, a desconsideração em pauta vai além dos “sentimentos e opiniões dos outros”: ela ignora o real concreto; ou seja, aquilo que está absolutamente posto em termos de construção histórica, de lógica, de sustentação científica etc.
Nesse sentido, nos últimos dias, o país assistiu a capítulos impensáveis para o século XXI.
Do conjunto de enunciados abusivos, começo pontuando o que permeou o Dia da Consciência Negra, comemorado em 20/11.
Por “coincidência”, o novo presidente da Fundação Cultural Palmares, Sr. Sérgio Nascimento de Camargo, que assumira o cargo no dia 27/11, começou declarando que aquela comemoração, que busca reviver a luta da população negra, historicamente excluída de condições dignas de sobrevivência, bem como resguardar a cultura afro-brasileira, deveria ser abolida. Aquele senhor chegou ao sarcasmo de afirmar que a escravidão foi benéfica ao negro, pois lhe possibilitara a conquista das cotas nas universidades. Francamente.
Em uma de suas redes sociais, autoritário por excelência, dentre tantas aberrações que ali podem ser vistas, disse que “negro de esquerda é burro, é escravo”; que, em seu Face, “todo esquerdista será bloqueado; todo comentário de esquerdista será excluído. Não perca sem tempo aqui. Não sirvo capim!”.
Que ser ofensivo! Que inteligência duvidosa!
Durante minha carreira no meio acadêmico, mesmo pertencendo ao campo progressista, sempre convivi com incontáveis colegas inseridos nos quadros da direita brasileira; obviamente, via de regras, tive posturas políticas adversas a desses colegas. Contudo, o respeito mútuo sempre foi a tônica. Aliás, reconheci em diversos instantes a inteligência de muitos componentes dos quadros da direita.
Infelizmente, esse reconhecimento pelo senhor em pauta é simplesmente impossível. Nesse sentido, talvez o fato de ele não se prontificar servir capim a quem que seja se dê pela necessidade de se autoalimentar com as ervas de que dispõe. Em seu caso, qualquer distribuição de capim a outrem poderia lhe fazer falta para sua sobrevivência. Simples assim.
Além dessa figura, outras bizarrices surgiram. Destaco o novo presidente da Funarte (Fundação Nacional de Artes), maestro Dante Mantovani, discípulo do ultraconservador Olavo de Carvalho. Além de Mantovani desconsiderar todo acúmulo científico sobre a circunferência da Terra, postura bem comum a muitos do atual governo, ele ainda consegue ligar o rock a drogas, sexo, aborto e satanismo. Para essa sua última ligação, Mantovani afirma que o próprio John Lennon disse que fizera “um pacto com o diabo”.
Pergunto: temos ou não muitos motivos para vergonha alheia sem-fim?