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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
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Roberto Boaventura da Silva Sá
Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP
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Em meus dois artigos mais recentes, tratei de autoritarismos expressos por gente do governo federal ou seus próximos. Em um, enfatizei as gracinhas sem graça que o ministro da Educação posta em vídeos nas redes sociais. Em outro, pontuei obras censuradas de ou sobre artistas, como um filme sobre Chico Buarque.
Mas o teste à paciência coletiva vindo dessas ofensivas ganhou, semana passada, novo capítulo; quiçá, o mais agressivo de todos: o deputado Eduardo Bolsonaro, o número 3 de seu clã, em entrevista à Leda Nagle, ameaçou nosso Estado Democrático de Direito, rasgando a Constituição, ao dizer que, se a esquerda radicalizasse em suas ações contra o governo, o Ato Institucional n. 5 (AI-5) poderia ser um tipo de resposta.
A quem tenha se esquecido, o AI-5, editado em 13/12/1968, foi o mais cruel dentre os dezessete atos ditatoriais. De chofre, por quase um ano, além do Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas dos estados, com exceção da de São Paulo foram fechadas. Por consequência, sempre sob o pretexto de “segurança nacional”, o mesmo ato permitiu intervenções generalizadas.
Direitos civis básicos, como o habeas corpus por crime de motivação política, foram suspensos. Também se tornaram ilegais reuniões não autorizadas pela polícia, além de diversos toques de recolher. Lembrando Gilberto Gil, foi um tempo em que se viam “hipócritas, disfarçados, rondando ao redor”. Essas ameaças fizeram, consoante Chico Buarque, sua gente falar de lado e olhar pro chão.
Aliás, no plano cultural, a censura foi ainda mais voraz; e só não foi pior por conta da limitação intelectual de muitos censores. De qualquer forma, não houve manifestação artística que não tivesse vivenciado tesouradas da ditadura. Em nomes de banalidades, como a subversão da moral ou dos bons costumes, a censura criou corpo, cortando corpos e podando mentes.
No que tange às universidades, os campi vivenciaram as maiores agressões. Por meio do AI-5, o presidente da República podia destituir qualquer funcionário público. Nesse bojo, muitos foram demitidos, exilados e torturados.
Feito essa retomada de alguns pontos do AI-5, volto ao pedido de desculpas (tão verdadeiro como lágrimas de crocodilo) feito por Eduardo Bolsonaro, assim que começou a sentir as reações de várias entidades e instituições do país. Até mesmo seu pai, o alimentador de todos os ódios passados aos demais do clã, foi rapidamente orientado a não lhe dar guarida, pelo menos de forma explícita. Ao bem da verdade, suas desculpas só vieram para tentar minimizar os efeitos políticos de pedidos de cassação de seu mandato, que é o mínimo que precisa ocorrer.
De qualquer forma, independentemente de outros desdobramentos, o que já tivemos de concreto, como resposta ao desrespeito constitucional por parte de Eduardo Bolsonoro, se não foi o suficiente, diante da gravidade do episódio, foi pelo menos contundente. Representações da sociedade mostraram que não há lugar para avanços a essa perspectiva de retrocesso institucional.
De agora em diante, é mister que fiquemos mais atentos aos abusos de agentes do autoritarismo/neofascismo; que a cada investida, ela seja denunciada e combatida por conta de seu anacronismo, que é típico de pessoas que demonstram falta de alinhamento, consonância ou correspondência com a época vivida. O anacrônico, que pode ser um jovem, é sempre um saudosista; e quando sua saudade é querer reviver práticas ditatoriais, os democratas devem ser radicais na denúncia e no combate a tais ideias e ideais.