Terça, 14 Agosto 2018 11:08

AULA SERVIDA FRIA - Aldi Nestor de Souza

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O Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Por Aldi Nestor de Souza
  

Para ajudar na renda da família, dona Cândida acaba de abrir uma universidade em sua casa. Funciona no puxadinho onde antes era o brechó, que faliu. Aposentada, ela precisa de renda extra por causa dos remédios, do plano de saúde e dos cremes pra pele, dos quais não abre mão. Dona Cândida estava em dúvidas entre vender Avon ou abrir a universidade. Optou pela última por ser mais fácil e também por causa dos filhos, que se propuseram a ajudar.

Ex aluna de uma faculdade à distância, dona Cândida cursou  administração de empresas e foi essa experiência que a levou a pensar em abrir esse novo negócio. Ela recorda que a única coisa física, a qual ela tinha contato, da universidade era o boleto bancário, que mandavam entregar pelo correio em sua casa. Lembra bem de como eram as horas de estudo, ali de frente pro computador e pras apostilas online, e brinca: “aquela aula servida fria não tinha gosto de nada, qualquer um é capaz de servir.”

Dona Cândida tem três os filhos: uma pedagoga, um formado em administração e outro em informática. Só a pedagoga trabalha na área, é professora. Os outros dois são atendentes de telemarketing.

Num final de semana, os quatro e mais alguns amigos, em mutirão, trataram da infraestrutura do puxadinho. Depois de instalar uma internet nova, mais potente, e de lavar bem o prédio, vestiram-no de uma pintura nova e instalaram uma mesinha, com um computador. Na frente da casa, esticaram uma faixa, feita pelo vizinho, Neco das Faixas, com os letreiros:

UNIVERSIDADE PARA TODOS

FAÇA SUA FACULDADE AQUI!

ÓTIMOS PREÇOS!

ACEITAMOS CARTÃO!

A universidade oferece, de início, dois cursos: Pedagogia e Administração, ambos integralmente à distância. E são os filhos de dona Cândida os encarregados de organizar a parte pedagógica. O material didático foi todo baixado da internet. Tem apostilas e links para vídeo aulas no youtube. E tem o chat, onde à noite e nos finais de semana eles tiram dúvidas.

Para compor um corpo docente e iniciar a empreitada, contaram com a ajuda de alguns amigos professores, que, em uma tarde de sábado, aprontaram os dois projetos dos cursos. A internet, brinca dona Cândida, “é uma perdição.“

Dona Cândida cuida da divulgação: distribui panfletos nas ruas, nas feiras livres e nas redes sociais. Também vai na vizinhança e nas casas das amigas convencê-las a voltar a estudar e fazer um curso superior. “Faça pedagogia, mulher! É melhor do que ficar só assistindo novela,” argumenta.

A proposta principal da universidade é o preço da mensalidade, 49,90, o menor do mercado. Mas como o negócio é um bico, e montado quase sem custos, toda grana que entrar é lucro. Lucro que é dividido igualmente entre os quatro.

Para a matrícula, eles aceleraram na propaganda, bolaram promoções e botaram até carro na rua a anunciar: “venha fazer um curso superior, super promoção de inauguração na UNIVERSIDADE PARA TODOS. Não tem vestibular, basta ter concluído o ensino médio.  Somente essa semana, fazendo sua matrícula, que custa apenas 50 reais, você participa do sorteio de um lindo liquidificador”.

Eles pensam em, no futuro, se cadastrarem pra disputar as linhas de crédito da financeira FIES. Por enquanto, capricham no argumento de que é melhor pagar pouco e não acumular dívida. Sabem bem, e exploram ao máximo, a proposta do governo de transformar o FIES numa espécie de empréstimo consignado, que será descontado em folha assim que o estudante arrumar um emprego.

Cerca de 80 alunos se matricularam em cada curso, na primeira turma. E dona Cândida, que já foi balconista de loja, recepcionista de hotel e adora blush, hoje é reitora.

 

Aldi Nestor de Souza
Professor do departamento de matemática da UFMT/Cuiabá
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