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O Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
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Roberto Boaventura da Silva Sá
Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP
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A “greve dos caminhoneiros”, freada há alguns dias, ainda requer reflexões, afinal, aquele movimento causou uma impressionante paralisação no país.
A cobertura da mídia, que encobriu tudo o que não dissesse respeito àquela greve, fora prova disso. Nunca se patinou tanto em um mesmo tema. A sensação era de que, com os caminhões parados, os demais problemas tivessem sido estacionados, ou transportados a Marte.
Findado o movimento, é preciso tentar ver quem, e reflexionar sobre os porquês de tanta gente ter ido de carona – também chamada “boleia” – na mesma greve, fosse na cabine ou na carroceria dos caminhões.
Na cabine, onde se encontra o sistema de direção desses veículos, poucos duvidam de que, ali, estiveram muito mais os poderosos empresários de transportes do que os motoristas propriamente ditos, embora fossem estes, e não aqueles, os filmados pela mídia.
Paradoxalmente, os motoristas – que deram visibilidades à greve, não no “chão das fábricas”, mas no asfalto das estradas – foram os primeiros a ir de carona: um conjunto deles, de forma espontânea; outro, induzida. Em tais greves, o locaute é antigo. Na recém encerrada greve, basta ver a quem o conjunto de “conquistas” favoreceu de fato.
Os caminhoneiros autônomos – que aderiram ao movimento por conta própria – foram como os demais brasileiros que, espontaneamente, apoiaram a greve. Os motivos disso passam por uma complexa e estrutural saturação econômico-social vivenciada pela maioria de nosso povo.
Essa postura de apoio vindo da população – que, por conta da greve, padecia pela ausência de produtos diversos – contrariou nosso passado, quase sempre de repulsa, perante quaisquer movimentos de luta.
Em geral, a tendência da maioria, influenciada pela atuação da mídia, sempre foi de se colocar contrária a qualquer tipo de paralisação, independentemente da categoria. Mas a estrutural saturação acima de que falei (falta de emprego, de governo, de perspectiva etc.) parece ter sido maior do que a falta de qualquer tipo de necessidade imediata, fosse onde fosse, em postos de combustível, supermercados etc.
Todavia, no miolo da onda nacional de um apoio impensável a uma greve das mais estranguladoras socialmente falando, grupos anônimos de oportunistas, de antagônicos lados político-ideológicos, também pegaram carona no vácuo da mesma greve.
Juntos, quiçá, com objetivos diferentes, tais agrupamentos impuseram-nos um clima de preocupação. Por conta disso, a presidente do STF, há alguns dias, fez defesa pública da democracia e da República.
Como ápice da estupidez, registro as manifestações, alhures, pedindo a volta dos militares. Cito como exemplo, um vídeo que recebi. Ali, em importante cidade paranaense, um grupo fizera apologia ao militarismo em frente a um batalhão.
Estarrecedor!
Mal sabem aquelas pessoas que, em ditaduras, até mesmo manifestação daquele teor seria, no mínimo, vigiada. Impossível não se lembrar de “Não chores mais”, versão de Gilberto Gil a “No woman, no cry” de Bob Marley:
“Bem que eu me lembro// Da gente sentado ali// Na grama do aterro sob o sol// Ob-observando hipócritas// disfarçados, rondando ao redor”
A lógica mais elementar das ditaduras é a de vigiar e proibir a presença pessoas reunidas, independentemente da quantidade. Para tais regimes, isso já é sinal de motim.
Lamentável ver tais caroneiros em marcha ré, rumo à força militar. Mesmo com problemas, jamais poderíamos menosprezar a democracia, que, sem dúvida, precisa ser esmerada; contudo, trocada, nunca mais.