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O Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
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Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. em Jornalismo/USP// Prof. de Letras da UFMT
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Em algum momento de sua vida, Vinícius de Moraes exaltara a beleza feminina, dizendo que esse atributo era fundamental. Já o setecentista Gregório de Matos – pelo menos no soneto “Desenganos da vida humana metaforicamente” – não tinha a mesma aposta, como se pode perceber por meio das três metáforas à vida humana (planta, rosa e nau) ali presentes:
“(...) Mas ser planta, ser rosa, nau vistosa// De que importa, se aguarda sem defesa// Penha a nau, ferro a planta, tarde a rosa?”.
Poucos souberam, como Gregório, falar tão bem da brevidade de nossa existência; de como a beleza é efêmera.
Mas se a beleza é fugaz, o que é fundamental? O que poderia ser mais longevo?
Arrisco a dizer que seja o conhecimento. A erudição impressiona.
Nesse sentido, destaco o discurso de Roberto Batochio, advogado do ex-presidente Lula na última sessão (22/03) do STF.
Poucas vezes, o Supremo elogiou tanto um advogado. Alguém da Corte chegou a confundi-lo como um dos seus.
E nada foi sem motivo. Batochio defendia o surreal: um habeas corpus de um habeas corpus de outra corte suprema, o STJ. Ainda que provisoriamente, saiu vitorioso com uma liminar favorável ao réu que defendia.
Mas o que Batochio fez de impressionante?
Apresentou-se de forma erudita.
Pela organização e exposição de seu discurso (disponível na internet), é possível inferir que ele conhece o também setecentista Padre Antônio Vieira, que –principalmente no “Sermão da Sexagésima” – oferece armas infalíveis a juristas estudiosos.
Na essência, Batochio partiu de um exemplo hodierno: a prisão de Sarkozy, duas vezes presidente da França.
Pronto. Estava montada a sua peça de defesa. Dali, voou a páginas da história, tendo como centralidade a arte da filosofia dos iluministas franceses.
Partindo dessa apropriação, que lhe serviu como Autoridade Discursiva, condenou o “autoritarismo do judiciário no mundo inteiro”, destacando a França e a Itália como exemplos nefastos.
Para fechar o argumento de seu prólogo, citara o abolicionista José Bonifácio, para quem “a liberdade e os princípios libertários são uma coisa que não se perde se não com a vida...”.
Na sequência, voltou à França, e lembrou de Chrétien de Malesherbes, advogado de Luiz XVI no julgamento que o conduzia à bastilha e à guilhotina. Aqui, obviamente, Batochio forçara a barra, distorcendo fatos a favor de seu cliente, um réu por crime comum.
Nesse momento de seu discurso, a citação, em francês, de Malesherbes, fez o público babar:
“Trago à convenção a verdade e a minha cabeça. Poderão dispor da segunda, mas só depois de ouvir a primeira”.
Depois disso, foi ao clímax de seu discurso, articulando essa citação com tópicos da Constituição/88, que tratam das garantias de liberdades individuais. Para reforçar, acentuou pontos históricos da Constituinte/87 e da Constituição/88 – contra o autoritarismo.
Ao falar disso, caracterizou o ex-presidente como um réu político, e não réu por crime comum. Para tanto, falou na volúpia de encarcerarem Lula. Mais: não perdeu a chance de condenar o STF porque estaria legislando, o que não seria constitucionalmente pertinente.
No epílogo, voltou a citar exemplos franceses sobre “mirabolâncias exegéticas”; e perguntou: “por que essa volúpia em encarcerar?”.
Pois bem. Seja qual for o desfecho do STF, Batochio expôs a importância da boa formação acadêmica, que pressupõe amplo conhecimento para as articulações necessárias na construção dos discursos, que podem mudar rumos.
Um bom discurso é capaz de transformar água em vinho.