Dirceu Grasel
Professor Titular da Faculdade de Economia/UFMT
Estudos mostram reiteradamente que a carga tributária do Brasil é muito alta ou a maior do mundo, detalhando percentuais de incidência de alíquotas de impostos sobre alguns produtos que chegam próximos de 50% do preço de mercado, para exemplificar e sustentar o argumento.
A carga tributária se refere ao percentual do PIB que é arrecadado pelo setor público na forma de impostos. No Brasil, ela gira em torno de 32 a 35% do PIB, o que é equivalente aos países europeus desenvolvidos. Deste total, no Brasil, aproximadamente, 69% é arrecadado pela União, 25% pelos Estados e 6% pelos municípios.
Como não é possível saber com precisão qual é o nível de sonegação no Brasil, é comum que os estudos realizados desconsiderem esta informação e se limitem a trabalhar com dados oficiais, mas fazem comparações com outros países, onde a sonegação não existe ou é bem menor e chegam à conclusão de que a carga tributária no Brasil é elevada e em alguns casos a maior do mundo. Esta é uma comparação inconsistente, pois desconsidera especificidades da economia brasileira e pouco contribui para o debate, especialmente ao se propor a opinar sobre a necessária reforma fiscal e tributária no Brasil. Um estudo mais realista deveria partir dos dados oficiais e trabalhar com cenários de sonegação.
Neste sentido, para efeitos de ilustração, não é exagero considerar que aproximadamente 20% do PIB do Brasil é informal, portanto, não tributado, o que em termos de comparação com países europeus, onde a economia informal não existe ou é muito inferior; levaria a carga tributária brasileira para algo em torno de 25 a 26% do PIB, bem próximo das cargas tributárias mais baixas do mundo. Sendo assim, a carga tributária real do Brasil não é alta e muito menos a maior do mundo, na verdade uma das mais baixas.
Merece destaque que, diferentemente da maioria dos países europeus, no Brasil não existem serviços públicos como contrapartida ao pagamento dos impostos e quando existem são de qualidade questionável, o que de fato torna qualquer imposto elevado.
De fato nem poderia ser diferente, é difícil fornecer serviços públicos com qualidade comparada a dos países europeus, com aproximadamente 40% do orçamento público federal sendo destinado para o pagamento de juros. No país dos bancos, do incentivo a especulação e desestímulo a produção, todos os que trabalham e quase todos os que produzem, sustentam esta realidade. Ou seja, a economia toda trabalha para engordar os rentistas e os bancos.
Logo, diante disso, já podemos considerar algumas questões: 1) não é a carga tributária no Brasil que é alta, mas os impostos para alguns; 2) estudos que desconsideram especificidades da Economia Brasileira escondem questões importantes que não interessa à alguns que sejam respondidas, por exemplo, quem realmente paga imposto no Brasil? Questão que passo a me dedicar a partir de agora.
A resposta a esta pergunta é complexa, mas é possível afirmar, que: 1) a maioria paga muito, 2) outros pagam pouco e 3) outros não pagam nada ou quase nada. Isto porque a maior incidência dos impostos no Brasil é sobre o consumo, aproximadamente 50% de toda a arrecadação; o que é ruim, pois torna os preços elevados e prejudica a competitividade dos produtos que são produzidos no Brasil, já que nem todos os impostos podem ser retirados na hora de exportação para atender ao princípio de não exportação de tributos, principalmente os que incidem em cascata.
Uma estrutura fiscal e tributária eficiente e razoável deveria fazer incidir os impostos mais fortemente sobre a renda de forma progressiva, pagando mais, quem ganha mais e não sobre a produção e sobre o consumo.
A questão que se coloca então, como o imposto incide mais fortemente sobre o consumo, quem de fato paga imposto no Brasil? 1) evidentemente os que consomem, porque o imposto incide predominantemente sobre o consumo, o que é ruim e injusto, pois quem ganha um salário mínimo paga o mesmo que aquele que ganha um milhão por mês ao adquirir os mesmos produtos que ambos consomem. 2) os que produzem e não conseguem repassar isso para os preços, o que justifica uma parte de informalidade da economia brasileira.
Portanto, temos o seguinte quadro: 1) os trabalhadores e os pequenos empresários, que são tomadores de preço e não podem repassar custos maiores aos preços, por causa da elevada competição, pagam muito. Aqui é preciso destacar que o simples alivia a carga dos impostos sobre a empresa em si, mas como a grande maioria dos pequenos empresários empreende para sobreviver, a lógica destes empresários passa a ser a mesma logica dos trabalhadores.
2) Os rentistas e os grandes empresários que não sonegam, pagam pouco. Os rentistas, porque os tributos que incidem sobre seus rendimentos são baixos. Os grandes empresários, porque eles não são tomadores de preço, ou seja, eles (por serem oligopólios[1]) têm o poder de repassar todos os custos para os preços. Nestas empresas, qualquer aumento de custos, inclusive impostos, resulta em aumento dos preços e repasse do ônus ao consumidor.
3) Os grandes empresários sonegadores não pagam nada ou quase nada, pois além de repassar o imposto aos preços, cobram impostos também sobre a parte informal do seus negócios, já que não existem diferenças nos preços das vendas formais e informais (com nota ou sem nota fiscal). Ou seja, cobra o imposto sobre a parte informal do consumidor e não repassa ao governo por ser venda informal (sem nota fiscal), tendo assim na prática um lucro extraordinário, que se refere ao lucro normal, mais imposto recolhido do consumidor e não repassado ao setor público.
É fato que para estes a sonegação está se tornando sempre mais difícil, em função de informatização dos sistemas de fiscalização. Além disso, eles também são grandes devedores de impostos pelo simples motivo de não pagar o imposto formalmente devido, com a alegação de que a carga tributária é impraticável, mesmo que na prática não paguem imposto, apenas repassem. Algumas destas empresas também não pagam o imposto formalmente devido para capitalizar a empresa e assim deixam a dívida do imposto acumular para ver no que dá; e no futuro negociam, porque no Brasil da impunidade se convencionou que é melhor receber uma parte do imposto que é devido do que falir com a empresa. Além deste, existe ainda o discurso adicional da perda de emprego e renda futura.
Sendo assim, a carga tributária no Brasil não é alta e muito menos a maior do mundo. Os impostos para os trabalhadores e pequenos empresários (apesar do simples) são elevados, porque alguns não pagam e outros pagam pouco imposto.