Quinta, 23 Fevereiro 2017 09:42

SUBTRAÇÕES DO POPULISMO ACADÊMICO - Roberto Boaventura

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT

 

Por questão de obviedade, a prática do populismo acadêmico é algo da qual todo professor deveria fugir. Contudo, tal prática tem sido cada vez mais naturalizada. Pensar contrário a essa maré é se expor de todas as maneiras. Mesmo assim, continuarei a refletir sobre o populismo nas universidades. Penso que o silêncio dos (poucos) que não compactuam com essa postura contribui com a longevidade da tragédia, de abrangências sociais tão irresponsáveis quanto inimagináveis.

 

Retomo o tema com Bernadete Beserra, pesquisadora do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Ceará. Para ela, o populismo docente tem vendido aos universitários a ilusão de “que a cultura que eles trazem consigo – herança familiar e escolar – já é suficiente para as demandas do mercado que o espera”.

 

Essa ilusão tem sido vendida já há algumas décadas, sobretudo e sobre outros tantos, com base nas “progressistas” teorias do brasileiro Paulo Freire e da argentina Maria Tereza Nidelcoff: dois “papas” do meio educacional na América Latina. Todavia, dentre todos os cursos e áreas, as licenciaturas são as maiores vítimas da ditadura desse pensamento, cada vez mais traduzido em práticas fluidas da aquisição do conhecimento.

 

Se Karl Marx tivesse vivido sob a égide das orientações pedagógicas desses e de outros mitos da educação, ou seja, se Marx tivesse sido um universitário brasileiro dos dias atuais, provavelmente ele não teria dado conta de escrever sequer o primeiro parágrafo do Manifesto Comunista; talvez, nem mesmo sua primeira linha fosse concluída. Se esse infortúnio se abatesse sobre a humanidade, possivelmente nunca leríamos que “Um espectro ronda a Europa...”.

 

Exagero meu?

 

Não. Infelizmente.

 

Muitos universitários – provavelmente a maioria – nunca “viram” um “espectro” em sua vida acadêmica; quiçá, em termos semânticos, só puderam “conhecer” os “fantasmas”. Trocando em miúdos: se os grandes pensadores – do mais conservador ao mais progressista – não tivessem cultivado o rigor em seus estudos, se não tivessem sido leitores de tudo o que podiam ter acesso, hoje, teríamos um vazio intelectual incontornável. O pensamento da humanidade seria menor.

 

Voltando a Marx, pergunto: como poderia esse filósofo – se acreditasse que sua herança familiar/escolar fosse suficiente para sua vida – escrever sua tese de doutorado, na qual trata das Diferenças da filosofia da natureza em Demócrito e Epicuro? Esses pré-socráticos teriam sido vizinhos de quintal do garoto Karl Marx? Como escreveria O Capital? Como falaria, com tanta propriedade do pensamento capitalista – por excelência, autofágico – do homem burguês? Como entenderia por dentro a cultura burguesa, incluindo as artes, em tudo antagônica à classe dos proletários?

 

Bem. Se houver quem queira saber por que escolhi Marx para desmontar a fragilidade do discurso populista que (pre)domina nas (mal)ditas orientações metodológicas e nas fundamentações teóricas da educação dita “progressista”, posso explicar. Escolhi Marx porque é, paradoxalmente, em seu nome, mais do que de outros, que os teóricos “progressistas e revolucionários” da educação construíram essa nova plataforma do ensino-aprendizagem, que tem o ar como pavimento.

 

Agora, termino nos moldes tradicionais. Deixo uma tarefa a cada leitor. Peço a cada um que escolha seu filósofo de preferência e me responda: seu pensador daria conta de deixar tudo o que nos legou, caso fosse um estudante universitário brasileiro hoje, vítima da mais ampla farsa acadêmica que se poderia produzir?  

 

 
 
 
 
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