Roberto Boaventura da Silva Sá
Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP
O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.
Eu já sabia que alguns temas trabalhados em meus artigos provocam fortes reações em muitos leitores. A religião é um deles. A política também, mas não mais do que a religião, que sempre aciona previsíveis moralismos. Agora, acabo de descobrir que falar de nudez também excita muita gente.
Desde o início deste mês, reservado aos festejos de santos católicos, como Antônio, João e Pedro, alguns articulistas têm se dedicado a reflexionar sobre uma das mais absurdas censuras que o espaço artístico cuiabano já sofreu: a mostra de fotografias de Tchélo Figueiredo, que expõe o nu feminino em cenários típicos do cerrado.
Como não poderia ser diferente, os articulistas se dividem entre apoiar ou execrar a exposição. Os leitores também assim se dividem. Como o conjunto de fotos é bonito e poético, os censores – articulistas ou leitores – se escondem no seguinte argumento: o lugar (um shopping) não é adequado para “aquilo”, pois “aquilo” (a nudez) agride nossas criancinhas.
Que bom ver papais e mamães preocupados com suas crias! Agora, que essa preocupação parece mentirinha de adulto, parece. Sem medo de errar, afirmo: assim como eu tenho feito, poucos articulistas deste estado já demonstraram em seus artigos tanta preocupação com o futuro de nossas novas gerações. O tema já foi abordado por mim sob diversas óticas, com prevalência de nossa falida educação, bem como da oferta do que há de pior em termos de bens culturais às crianças, adolescentes e jovens.
Portanto, papais e mamães cheios de pudores, preparem-se. Vou entrar – no plano simbólico, é claro – nas residências santificadas da maioria dos senhores, para os quais toda nudez deve ser castigada em nome de uma moralidade ancestral. Com licença, pois. Entro lembrando de um momento que é só felicidade em todos os lares: as festinhas de aniversários da gurizada.
Delas, relevarei a variedade das decorações. Nem vou ficar falando que, sem pejo, em momentos tais, a maioria dos adultos, sem vergonha ou culpa alguma, se alcooliza na frente dos pequenos. Falarei apenas das músicas que são tocadas nesses momentos ditos “infantis”. Quantos incentivam, p. ex., a audição e a dança de “A Arca de Noé” de Vinícius ou congêneres, como as lindas músicas de Toquinho para as crianças?
Raros, meus caros! Em momento de baixaria suprema de nossa vida cultural, até a Xuxa ficou ultrapassada para nossas inocentes criancinhas! Sem hipocrisias: não há mais nível e nem respeito social às crianças brasileiras; e isso já faz tempo.
Com raríssimas exceções, pergunto: o que se ouve e se dança nessas festinhas de crianças?
Lixos musicais. Como ignoro esses entulhos, tive o trabalho de ir à internet e, dentre tantos, buscar ali apenas um exemplo, que está a quilômetros de ser o pior: “50 reais” é o nome da música que selecionei. Dela, destaquei as seguintes pérolas:
“...E por acaso esse motel// É o mesmo que me trouxe na lua de mel?// É o mesmo que você prometeu o céu?// E agora me tirou o chão// E não precisa se vestir// Eu já vi tudo que eu tinha que ver aqui...// Não sei se dou na cara dela ou bato em você// Mas eu não vim atrapalhar sua noite de prazer// E pra ajudar pagar a dama que lhe satisfaz// Toma aqui uns 50 reais”.
E é dessa porcaria pra pior. Nossas crianças de hoje, acompanhando os adultos, cantam isso com a mesma naturalidade como as de antigamente “atiravam o pau no gato”.
Realmente, precisamos cuidar de nossas crianças. E se cuidarmos sem cinismos, o resultado será melhor.
Vamos nos despir das hipocrisias?