Sexta, 21 Julho 2023 13:29

Em nome do PIB, Agronegócio rifa saúde da população e do Meio Ambiente Destaque

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O Agronegócio se orgulha em dizer que sua contribuição ao Produto Interno Bruto (PIB) do país é altíssima. Há quem questione este dado, mas considerando que a informação seja verdadeira, convém perguntar: será que vale a pena? A custas de que temos tal elevação do PIB? Essa foi a reflexão feita pelo professor Wanderlei Pignati, referência internacional de pesquisa sobre os efeitos do Agrotóxico na Saúde e Meio Ambiente, durante o Seminário “Dos povos originários às cidades amazônicas: saúde e (in)segurança alimentar”, realizado em Sinop nos dias 29 e 30/06.

 

E foi justamente por aí que o pesquisador do Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador (Neast/ PPGSC/UFMT) e membro Grupo Temático Saúde e Ambiente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) iniciou sua intervenção, apontando que, em Mato Grosso, 60% do PIB vem do Agronegócio, e somando o Valor Agregado (VAB) dos comércios e bancos relacionados ao setor, isso equivaleria a 80%. No Brasil, o percentual fica entre 33% e 60%. Mas quais são os impactos positivos e negativos disso?  

 

Para pensar sobre sua provocação, Pignati demonstrou que há várias etapas da produção: desmatamento, Indústria Madeireira, Agricultura, Pecuária, Transporte, Armazenamento e Agroindústria. Em todas elas, há consequências tanto para a saúde das pessoas envolvidas quanto para o ambiente, passando por acidentes de trabalho, intoxicações, erosões, poluições, entre outros. Confira no quadro abaixo.

  

 

 

 

Os agrotóxicos mais usados nas monoculturas têm efeitos crônicos na saúde humana e animal. Os estudos demonstram que, na produção de soja, por exemplo, dependendo da quantidade utilizada, o glifosato é um provável cancerígeno, causador de malformação e aborto tardio, além de autismo. Da mesma forma que outros agrotóxicos, como o paraquate, o flutriafol, o fipronil (que também é tóxico para abelhas) e o carbofurano.

 

Veja, na tabela abaixo, a correlação entre uso de agrotóxicos e essas ou outras doenças.

 

 

 

 

O pesquisador alertou que não há uso seguro dessas substâncias, mesmo que os trabalhadores usem Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s), porque geralmente esses equipamentos são padronizados, mas cada tipo de agrotóxico exigiria um EPI diferente. E, se com equipamentos o uso é arriscado, para o ambiente e alimentos não há qualquer tipo de “proteção” e, portanto, de qualquer forma haverá contaminação alimentar e ambiental.

 

“O conteúdo dos frascos de agrotóxicos que agora estão vazios será disperso na água potável, nas águas de rios e subterrâneas, na chuva, no ar que respiramos, nos alimentos e, consequentemente, no sangue, urina e até no leite materno, nos animais domésticos e silvestres”, afirmou o pesquisador.

 

Essa foi uma das constatações de pesquisas realizadas pelo Neast sobre resíduos de agrotóxico no sangue, urina e leite materno.

 

Em 2018, os resultados das análises de resíduos de agrotóxicos em sangue e urina de trabalhadores e professores no projeto Vale do Juruena, realizados em parceria com o Laboratório da FIOCRUZ/CESTEH, identificaram resíduos de agrotóxicos que inibem a acetilcolinesterase, enzima crucial na propagação do impulso nervoso que controla os batimentos cardíacos, a dilatação dos vasos sanguíneos, a contração dos músculos lisos, além do controle motor, cognição e memória.

 

Foram encontrados na urina resíduos de glifosato, atrazina, benomil e avermectina, e no sangue resíduos de pentacloro, PBOH, endosulfan, aldrin, heptacloro e trifuralina.

 

Em outra pesquisa foram identificadas maiores incidências de intoxicações agudas por agrotóxicos, malformações fetais, acidentes de trabalho, suicídios, sofrimentos mentais, insegurança alimentar e outros agravos nas regiões onde a produção é maior.

 

“Com as mesmas evidencias, estamos pesquisando nessas regiões as lesões renais, endócrinas, neurológicas (espinha bífida, câncer, Parkinson, autismo) e resíduos de agrotóxicos e metais pesados em leite materno”, disse Pignati.

 

O pesquisador explicou que entre os danos agudos à saúde, trazidos pelos agrotóxicos, os prejuízos podem ser gastro-intestinais, dérmicos, hepáticos, renais, neurológicos, pulmonares, imunológico, além de psiquiátricos. Há também os danos subcrônicos, relacionados a lesões neurológicas, renais e leucemias, após semanas da exposição. Entre os agravos crônicos, os pesquisadores do Neast apontam os psiquiátricos (depressão, irritabilidade, entre outros), distúrbios do desenvolvimento cognitivo, neurológicos (neurites periféricas, surdez, doença de Parkinson), desreguladores endócrinos (diabetes, hipotiroidismo, infertilidade, abortos), depressão imunológica e potencialização dos efeitos genotóxicos (alteração genética), cancerígenos, teratogênicos (anencefalia, espinha bífida, malformações cardíacas, intestinais, abortos), mutagênicos (induz defeitos no DNA dos espermatozoides e óvulos), carcinogênicos (mama, ovário, próstata, testículo, esôfago/estômago, leucemia, linfomas não Hodking).

 

A situação é cada vez mais preocupante, pois o índice de intoxicação aguda no Brasil tem aumentado significativamente. Entre 2017 e 2019, os agrotóxicos foram a principal causa de intoxicação. Em 2020 e 2021, só perdeu para as intoxicações por meio do uso de raticidas. Cerca de 53 mil pessoas foram contaminas por exposição a agrotóxicos entre 2010 e 2021 – fora os casos não registrados. Confira na tabela abaixo.

 

 

 

 

Os transgênicos também são produtos que podem causar impactos negativos à saúde. A soja e o milho transgênicos, por exemplo, são modificados geneticamente para resistirem ao glifosato, 2.4 D, dicamba, glufosinato, com uso de biotecologia Bt. Em compensação, são capazes de produzir proteínas estranhas e/ou alteradas, tóxicas (Bt, Cry), além do excesso de resíduos de agrotóxicos nos alimentos e águas, como já mencionado. “Quem avalia? Quem monitora isso?”, refletiu o professor.

 

No debate, também foram apresentados dados sobre pesquisa de morbimortalidade por câncer infantojuvenil associada ao uso agrícola de agrotóxicos no Estado de Mato Grosso. Conclusão: “Foi observada correlação positiva entre o uso médio de agrotóxicos em litros no período de 2008 a 2017 e a média de óbitos (coeficiente de correlação=0,226; p=0,008) e internações por câncer infanto-juvenil (coeficiente de correlação=0,183; p=0,032), considerando para a análise de 138 municípios (excluídos os municípios de Cuiabá, Rondonópolis e Várzea Grande, por serem polos industriais, comerciais e conglomerado urbanos)”. A íntegra do estudo está disponível na Dissertação de Mestrado apresentada no Instituto de Saúde Coletiva /UFMT e no livro “Desastres sócio-sanitário-ambientais do Agronegócio” (leia o livro aqui).

 

Também foram correlacionadas maiores incidências de acidentes de trabalho nas regiões de maior produção agropecuária, além de sofrimentos mentais, suicídios, insegurança alimentar, entre outras, conforme quadro abaixo:

 

 

Por fim, tal qual a colega pesquisadora que apresentou, no mesmo evento, o debate sobre “Por que aceitamos ser envenenados” (leia aqui), o pesquisador fez sugestões para diminuir os impactos dos agrotóxicos na saúde e ambiente, sempre no sentido de estabelecer um novo modelo de Saúde, de Agricultura e de Vida. As sugestões seriam: implantação completa da Vigilância à saúde e imediata da Vigilância do Desenvolvimento (Econômico, Urbano, Industrial e Agropecuário) na busca do Desenvolvimento Sustentável, a partir de dez passos: implementar a Vigilância à Saúde participativa e integrada (Saúde, Trabalho, Agricultura, Educação e Ambiente), indo no sentido da Vigilância popular e Vigilância do Desenvolvimento; diminuir os desmatamentos e aumentar as áreas de proteção ambiental no Cerrado, nas Florestas e nas Águas. Cumprir Leis e Decretos. Criar leis estaduais e municipais de proteção da vida e restrições de uso de agrotóxicos; proibir as pulverizações aéreas de agrotóxicos.  Proibir no Brasil o uso dos agrotóxicos e transgênicos proibidos  na União Europeia; monitoramento de resíduos de agrotóxicos, fertilizantes, metais, solventes e medicamentos em alimentos, água potável, rios, lagos e subterrâneas em todos os Municípios brasileiros. E divulgar; monitorar resíduos de agrotóxicos e medicamentos nos Bancos de leite materno humano e nas Usinas/embaladoras de leite de vaca; implantar a nível nacional um Sistema de Informação Municipal de venda e uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos; implantar fóruns e campanhas de Controle Social de Vigilância do Desenvolvimento local e regional; transição para a Agroecologia - implementar no Brasil o decreto 7.794/2012 da Agroecologia  e Produção Orgânica e no Mato Grosso a lei 11242/2020; implantar o PRONARA nos Estados e Municípios e aprovar o PL 6610/2016 (Redução do uso de Agrotóxicos). Combater a aprovação do PL 6299/2002 (PL do Veneno que amplia o uso); tratar este Modo de produção agropecuário, “químico-dependente”, como problema de Saúde Pública humana, ocupacional, animal, vegetal e ambiental.

 

 

Luana Soutos

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind

 

Ler 222 vezes Última modificação em Sexta, 21 Julho 2023 13:51