Iniciando a série de matérias da Adufmat-Ssind sobre o Seminário “Dos povos originários às cidades amazônicas: saúde e segurança alimentar", realizado em Sinop entre os dias 29 e 30/06, exploraremos a exposição do biólogo e militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Antônio Carneiro, durante debate sobre o tema “Atualidade da Luta pela Reforma Agrária”.
O convidado iniciou sua intervenção contextualizando a função da Reforma Agrária ao longo da consolidação do sistema capitalista, destacando que, no século XVIII, homens e mulheres do campo foram incluídos como protagonistas do processo de mudança, pois além de produtores eram também potenciais consumidores dos produtos industrializados. Com a industrialização do campo, no entanto, o sistema passou a enxergá-los de outra forma.
“Agora é o modo industrial burguês que está desenvolvendo o campo, o camponês não é mais necessário”, afirmou Carneiro, concluindo que, por este motivo, há tanta resistência no Brasil para realizar a distribuição de terras já feita em diversos países capitalistas. O palestrante observou, no entanto, que é preciso insistir na Reforma Agrária brasileira, que deve estar diretamente ligada à Agroecologia e ao cooperativismo, com mais incentivo público.
O modelo de desenvolvimento atual, de acordo com o palestrante, também é responsável pelo aprofundamento da desigualdade social, pois oferece condições diferenciadas aos grandes e pequenos produtores, privilegiando sempre os maiores.
Nesse sentido, o palestrante destacou que, entre as aproximadamente cinco milhões de propriedades brasileiras, apenas 51 mil (1%) estão acima de um mil hectares, ocupando 45% das terras produtivas, enquanto cerca de 2.400 milhões de propriedades (47%) têm menos de 10 hectares, ocupando 2,3% das terras. Ou seja, muita terra está concentrada nas mãos de poucas famílias.
Essa relação também é proporcional ao incentivo dos governos neoliberais, que destinaram, por exemplo, R$ 364,22 bilhões ao Agronegócio em 2023, enquanto a grande maioria - os produtores familiares - tiveram apenas R$ 77 bilhões disponibilizados.
Vale destacar que, de fato, a produção dos alimentos que estão na mesa dos brasileiros é feita pela agricultura familiar – o correspondente a mais de 70%. Enquanto isso, o Agronegócio, baseado na monocultura e no latifúndio, produz basicamente soja, milho, gado e algodão para exportação.
A Lei Kandir, criada em 1996, em contexto de crise econômica, para isentar do ICMS os produtos primários, semielaborados e serviços para exportação, também aparece como uma vantagem ao Agronegócio que gera mais desigualdade, pois a isenção reduz os recursos que seriam destinados a prefeituras, que poderiam ser revestidos à saúde e outras áreas sociais.
Além disso, a forma atual de industrialização do campo diminui as ofertas de emprego e renda, o que consequentemente influencia no aumento da miséria.
O palestrante criticou, ainda, a crise ambiental derivada do modo de produção atual. “O que estão nos oferecendo como soluções para enfrentarmos à crise ambiental? Falsas soluções; nós precisamos ter cuidado”, afirmou, apontando a política de Crédito de Carbono como um grande engodo que, primeiro, garante a continuidade de poluição a alguns países e, além disso, promove a perda gradual dos camponeses sob suas terras para as empresas que adotem esta política.
“Nossa proposta para enfrentar a crise climática é bem diferente: é Reforma Agrária e Agroecologia, camponeses como guardiões da natureza e incentivo ao camponês, identificando-o como um ser do futuro”, pontuou.
Por fim, Carneiro afirmou que a luta popular pela terra está inserida, antes de tudo, na luta de classes, pois seu objetivo é a transformação social. “Quando a Agroecologia se coloca como alternativa para o campesinato e ao trabalhador rural, que está sendo esmagado pelo Agronegócio, ela se transforma em uma luta popular, ou seja, a partir desse momento a Agroecologia se transforma em luta de classes”.
Luana Soutos
Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind