Sexta, 29 Março 2019 15:29

Não existe previdência privada; a capitalização é um risco, um jogo, uma aposta Destaque

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“Previdência é publica. Para chamar de uma coisa que atraísse aos trabalhadores deram o nome de previdência privada, mas não tem nada a ver. Mercado de capitais é entregar dinheiro para os capitais aumentarem o lucro deles, não nosso, nunca. Essa é a razão dessas contrarreformas todas. Podem dizer que há déficit, que estamos vivendo demais, todos esses discursos colam no imaginário popular e causam medo, mas o centro dessa reforma é transformar a previdência toda em capitalização (investir para produzir juros)”. A afirmação é da pesquisadora Sara Granemann, uma das maiores referências no Brasil quando o assunto é Previdência Social.

 

Durante o 38º Congresso do ANDES-SN, realizado em Belém no final de janeiro deste ano - quando a proposta de Bolsonaro ainda não havia sido apresentada formalmente -, a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) conversou mais uma vez com jornalistas das seções sindicais, desvendando os reais motivos da Reforma da Previdência e a urgência da reação contra essas medidas, que representam, grosso modo, o aprofundamento do neoliberalismo.

 

“A razão dessa reforma é econômica, mais do que política. Não é verdade que há um déficit na Previdência, mas é verdade que as privatizações são fontes enormes de lucro para o capital. O ministro da economia falou que estamos tratando de R$ 1 trilhão e 400 bilhões, que já é uma monumentalidade de dinheiro, mas nós estamos falando de muito mais do que isso”, disse a docente da UFRJ.

 

O que já se sabia, naquele momento, é que a proposta de Jair Bolsonaro para outra etapa da Reforma da Previdência seguiria a mesma lógica das anteriores. No entanto, mesmo depois de tantos anos de ataques, alguns servidores públicos ainda têm dificuldade para identificar onde os regimes Geral (para trabalhadores do setor privado) e Próprio (para os trabalhadores do setor público) da Previdência se tocam nessa cadeia de desmonte de direitos para, assim, unir as categorias na luta contra mais esta proposta que, em verdade, deforma o direito à aposentadoria no formato conquistado pelos trabalhadores em 1988.

 

Essa diferença não passa de aparência. Na essência, todos os trabalhadores, públicos e privados estão no olho de um furacão. Inclusive os que já estão aposentados - que verão o poder de compra de seus benefícios reduzindo a cada ano.       

   

Em 2003, por exemplo, a Reforma da Previdência orquestrada por Lula fez repercutir nos jornais a seguinte informação: “o governo concentrou o foco de sua reforma da Previdência no setor público”. À época, as principais alterações tiveram o objetivo de dificultar a aposentadoria integral, estabelecendo novas regras, como aumento da idade, tempo de contribuição, tempo no serviço público, tempo na carreira e pelo menos cinco anos no último cargo.

 

Dez anos depois, a Reforma da Previdência de Dilma Rousseff conseguiu esfacelar ainda mais o direito à aposentadoria, tanto na esfera federal quanto na estadual e municipal, retirando todas as expectativas de integralidade na aposentadoria do funcionalismo, a partir da introdução do Fundo de Previdência Complementar do Servidor Público – Funpresp.

 

Mas essas duas etapas da contrarreforma não teriam sido possíveis se, em 1998, Fernando Henrique também não tivesse atacado os servidores públicos, inserindo a possibilidade de previdência complementar na constituição. “Ele faz isso olhando para os servidores públicos como potenciais clientes da dita previdência privada. Introduziu na Constituição a Previdência Privada, a Previdência Complementar. Embora a Previdência Privada seja utilizada no Brasil desde 1977 - começou na ditadura militar - ela não era matéria constitucional até então”, explicou a professora.

 

Por conta da mobilização popular, Fernando Henrique não conseguiu avançar na sua proposta, como Lula fez em 2003, por meio da Emenda Constitucional 41/2003. “Não é que o Fernando Henrique foi bonzinho, ele não conseguiu fazer porque a luta ficou muito acirrada, mas Lula consegue legitimidade para fazer”, observou Granemann.

 

Também pela forte mobilização dos servidores públicos, os setores econômicos interessados nas privatizações fortaleceram, nos últimos anos, a cultura de demonização dos trabalhadores do setor público. De acordo com a professora, o objetivo é quebrar a moral, dizer que os servidores são privilegiados, vagabundos, bandidos, criminosos, quebrando a estima, o gostar do trabalho, proporcionando condições cada vez piores para justificar a entrega dessa massa de dinheiro público. “Nós temos cerca de R$ 3 trilhões e 400 bilhões de recursos da Previdência Social. Tá explicado porque precisa quebrar a luta dos servidores públicos e porque precisa desacreditar a Previdência: é um negócio”.

 

Governo quer copiar sistema falido

 

A ideia de retirada dos ditos “privilégios” dos servidores públicos ganhou força com Fernando Collor. E foi o “caçador de marajás” quem introduziu, de fato, no início da década de 1990, os ideais neoliberais na política nacional, rebaixando e retirando recursos dos serviços públicos conquistados anteriormente e, ao mesmo tempo, exaltando e estendendo benefícios ao setor privado.

 

Assim, já naquela época, a tentativa mais estrutural de desmonte ficou evidente, quando Collor optou por não construir um Ministério da Seguridade para dar suporte à decisão de instituir, com a Constituição de 1988, o Sistema de Seguridade Social, formado pelos subsistemas Saúde, Previdência Social e Assistência Social.

 

Diante da resistência popular e, portanto, impossibilitados de acabar com a Previdência de uma só vez, os governos pós-ditadura militar foram agindo por partes. Assim, passadas as primeiras medidas de Collor, e as reformas de Fernando Henrique, Lula e Dilma, Bolsonaro assume com o objetivo de fechar o plano e acabar com a Previdência Pública, a partir da implementação da capitalização baseada no modelo chileno. Em resumo, a proposta é a seguinte: quem já está aposentado ficará com a previdência pública, que terá valores cada vez mais baixos e, quem não estiver aposentado, será obrigado a migrar para a capitalização (mercado de capitais) individual.

 

“Mas o que é capitalização por conta individual? Não é sequer fundo de pensão, é ainda pior. Por exemplo, duas pessoas que trabalham no mesmo lugar, investem em contas individuais capitalizadas diferentes, e uma dessas empresas de capitalização quebra. Essa pessoa não terá aposentadoria. A outra, talvez, tenha. É assim no Chile, nos Estados Unidos, Argentina, em vários países do mundo”, observou Granemann.

 

No Chile, esse modelo foi adotado em novembro de 1980 e implementado em 1981, durante a ditadura de Pinochet. De acordo com a pesquisadora, a poupança ficou tão grande na época, que 20 associações geriam o dinheiro de início, mas hoje são apenas seis. “Começa em concorrência e acaba em monopólio, é uma lei do capitalismo”, cometou.

 

Mas o modelo se mostrou um verdadeiro fracasso, e a população reivindica mudanças. A maioria da população aposentada no Chile, atualmente, recebe entre 40 e 60% do salário mínimo local (que corresponde a cerca de R$ 1.200,00). Ou seja, há chilenos que trabalharam a vida toda e contribuíram durante anos para o enriquecimento das empresas de capitalização e, como recompensa, vivem numa faixa de renda localizada abaixo da linha da pobreza, com menos do que seria R$ 600 no Brasil.

 

Além da capitalização, a proposta atual de reforma mudará as regras quanto às contribuições incidentes sobre proventos e pensões, pois não haverá mais diferença na base de cálculo no caso de o beneficiário ser portador de doença incapacitante.

 

Essas alterações atingirão todos os homens e mulheres com idade inferior a 50 anos e 45 anos, respectivamente. Os servidores que têm idade superior serão alcançados pela regra de transição, desde que cumpram todos os seus requisitos. Os que não atingiram essas idades, mas cujo ingresso no serviço público foi anterior a 2013, até poderão receber aposentadorias não limitadas ao teto do Regime Geral, desde que não tenham aderido ao Regime Complementar.

 

Haverá, ainda, a uniformização do tempo de contribuição e elevação da idade mínima, aplicação obrigatória do teto de benefícios do Regime Geral e Previdência Complementar, e vedação de acúmulo de aposentadoria com pensão por morte a qualquer beneficiário – o que pode até parecer justo para quem desconhece a informação de que 2/3 dos aposentados no país recebe apenas um salário mínimo de benefício; somente 1/3 dos aposentados consegue receber mais do que R$998 e menos de 0,1% atinge o chamado teto (atualmente cerca de R$5.645,00).

 

Direitos sociais e empregos públicos de mãos dadas

 

São os servidores que, por meio do seu trabalho, garantem o acesso da população aos direitos sociais. Quanto mais sucateado estiver o serviço público, menos benefícios a população terá. Assim, a luta dos servidores públicos em defesa dos direitos é, também, a defesa da melhoria de condições de trabalho no setor público. E é justamente por ter esses motivos para mobilizar e organizar a luta, que os servidores têm enfrentado ataques em todos os sentidos. 

 

A ameaça é tamanha que, na semana passada, o atual ministro da Economia, Paulo Guedes - representante exemplar dos chamados “Chicago Boys” na derrocada dos direitos sociais e trabalhistas, e um dos agentes que viabilizaram a implementação da capitalização no Chile por Pinochet na década de 1980 - chegou a declarar que, caso a Reforma da Previdência defendida por ele não seja aprovada, os servidores terão os salários cortados.  

 

“É preciso demonizar os servidores, porque essa categoria tem sido a principal no enfrentamento à política neoliberal, os ajustes fiscais do capital, a transferência do fundo público para os capitais nos últimos 20 anos. O capital precisa arranjar outros espaços de lucratividade e transformar em mercadoria aquilo que era política social. As universidades estão sendo atacadas, então eles têm que dizer que não presta, que não é boa. O que está por trás disso é uma possibilidade enorme dos lucros aumentarem”, afirmou Granemann.

 

Assim, estão explícitos os motivos pelos quais todos os trabalhadores, seja do setor público ou privado, devem se unir contra a proposta neoliberal de Reforma da Previdência, assim como outros ataques, como a Reforma Trabalhista, o estabelecimento de limite para investimento na saúde pública, na educação pública [EC 95/16], entre outros.

 

“No modo de produção capitalista nenhum direito do trabalho está garantido. A gente consegue, numa época, quando a nossa organização produz uma ofensiva sobre o capital. Depois tem outro período de crise e o capital vem para a ofensiva. É da lógica do modo de produção capitalista que os trabalhadores não tenham direitos. Em 300, 350 anos de capitalismo, o que nós tivemos de direito mesmo foi uns 30 anos, de alguns países, durante o Welfare State [Estado de bem-estar social], e o resto do mundo tem direitos numa época, na outra não tem. É a luta de classes; é a expressão da luta de classes”, disse a docente.

 

Por fim, a pesquisadora demarcou a única forma de barrar novamente a ofensiva ao direito à aposentadoria: a solidariedade, a unidade dos trabalhadores. “Ninguém está garantido. Eu acompanhei a tramitação da proposta do Temer desde o dia 05 de dezembro de 2016, quando chegou ao Congresso. Bastava ler aquilo para saber que não tem ninguém garantido, nem municipal, nem federal, nem estadual, nem pescador, nem empregado do capital. Ninguém. É isonômico no sentido contrário: tira o direito de todo mundo. E é brutal porque ali eles já estavam querendo estabelecer uma aposentadoria bem básica para todo mundo, não importa quanto tenha contribuído. Bolsonaro até deu umas duas declarações de que ele não queria que fosse para todo mundo, porque algumas pessoas já pagaram, mas é óbvio, como a gente viu várias vezes, ele diz uma coisa uma hora, na seguinte tem de voltar atrás, porque não é ele que manda. Ele está ali de fantoche da vez”.         

 

Saiba mais sobre as mentiras que baseiam o discurso sobre a necessidade de acabar com a Previdência Social:

 

Vídeo – As mentiras de Bolsonaro sobre a Reforma da Previdência

 

Regime de capitalização proposto por Paulo Guedes é desastre no Chile – sintrajufe RS

 

 

Luana Soutos

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind

 

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